Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OMISSÃO DA INDICAÇÃO EXATA DAS PASSAGENS DA GRAVAÇÃO REJEIÇÃO DO RECURSO DANOS CORPORAIS PROVOCADOS POR CÃO PRESUNÇÃO DE CULPA DO DONO INDEMNIZAÇÃO POR DANOS FUTUROS INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS INÍCIO DA CONTAGEM DOS JUROS | ||
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Data do Acordão: | 01/14/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – LAMEGO – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 640º Nº 2 AL. A) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGO 564.º, N.º 2, 493º, 805.º, N.º 3 DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I – A não indicação, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, das exatas passagens da gravação em que se funda o recurso da decisão sobre a matéria de facto, implica a imediata rejeição deste na parte afetada – artº 640º nº2 al. a) do CPC.
II – Considerando que, afinal, quem aprecia e julga é o juiz e não a parte, a censura sobre a convicção do julgador em sede de apreciação da prova, apenas pode ser concedida – máxime perante prova pessoal e considerando os benefícios da imediação e da oralidade – se tal convicção se revelar manifestamente desconforme à prova invocada. III -A responsabilidade da seguradora apenas emerge se respeitados factualmente os termos das cláusulas contratuais firmadas e anuídas. IV - O artº 493º do CC consagra uma presunção de culpa que apenas irreleva se for ilidida, ou se for provada uma causa virtual do dano; se esta prova não for efetivada, o dono de um canídio que atacou e provocou lesões deve ser considerado culpado do evento, por violação do dever de vigilância, sendo o ataque, perante a teoria negativa de Enneccerus-Lehman, consagrada na nossa lei, causa adequada destas lesões. V - Julga-se adequado, ou, ao menos, ínsita na margem de álea admissível, a título de danos futuros - para uma lesada de 58 anos de idade, que trabalhava à jorna na agricultura em dias e horas variáveis, auferindo € 30,00 por cada dia, que ficou a padecer de perturbação da ansiedade, com uma cicatriz com cerca de 7 por 4 centímetros na face lateral do 1/3 proximal do antebraço, apresentando queixa de dor na região glútea direita e de dor e diminuição de força no membro superior esquerdo; ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4%, que não a impossibilita de exercer a sua atividade habitual, mas implica esforços suplementares -, a quantia de 5.500,00 euros. VI - Revela-se aceitável, posto que algo parcimoniosa, a quantia de 4.200,00 euros arbitrada a título de danos não patrimoniais, a lesada que, nuclearmente sofreu: feridas incisas com cerca de 2 a 3 cm de profundidade no antebraço e escoriações no mesmo antebraço, na mama direita e na nádega direitas, com necessidade de sutura, desinfeção e medicação com analgésico e antibiótico, diversos curativos e fisioterapia, lesões que demoraram 142 dias a consolidar-se medicamente; ter ficado com uma cicatriz com cerca de 7 por 4 centímetros na face lateral do 1/3 proximal do antebraço, que determinou um dano estético permanente fixável no grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade); ter tido dor física e sofrimento psíquico, fixável no grau 3 (numa escala de sete graus de gravidade crescente); ter ficado com padecimento de síndrome ansiosa, com necessidade de toma de ansiolíticos e calmantes. VII - A indemnização liquidada anteriormente à sentença fundada em responsabilidade por facto ilícito e culposo, mesmo presumido – vg. nos termos do artº 493º do CC – vence juros a partir da citação – artº 805º nº 3 do CC. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Luís Cravo Vítor Amaral ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. AA intentou contra A... - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A. e BB, ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.
Pediu a condenação da 1.ª ré a pagar-lhe: - a quantia global de 43.991,86 €, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios vincendos à taxa legal em vigor, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; - as despesas a suportar com o tratamento médico e medicamentosa que venha a ser necessário, a liquidar em execução de sentença; - uma quantia diária não inferior a € 100,00, a título de sanção pecuniária compulsória, pela delonga no cumprimento da decisão que vier a ser proferida nos autos. Mais peticionou, para o caso de se provar que tais danos não estão abrangidos pelo contrato de seguro celebrado entre os ora réus, a condenação do segundo réu a pagar à autora as preditas quantias.
Alegou para tanto, e em síntese: No dia 25 de junho do ano de 2015, cerca das 06:30 horas, quando seguia apeada no Caminho ..., em ..., ..., ao acercar-se da residência do 2.º réu, foi encostada à parede pelo cão do 2.º réu, que tentou morde-lha no pescoço. Para se proteger, colocou à frente das mandíbulas do animal o seu braço esquerdo, tendo aquele mordido a autora no seu antebraço e na mama direita. O canídeo somente cessou a sua atividade, porque surgiram outros canídeos naquele local, aos quais se dirigiu. Alertada pelos gritos de socorro emitidos pela autora, a mãe do segundo réu e o próprio 2.º réu, procurando prestar-lhe auxilio, conduziram a autora da via pública (onde decorreu o episódio), até ao logradouro da habitação deste. Entretanto o canídeo regressou ao interior da propriedade do 2.º réu, novamente se atirando à autora, desferindo-lhe desta vez uma mordida na anca/nádega direita. Nessa sequência, o 2.º réu conduziu-a ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Trásos-Montes e Alto Douro, EPE., momento a partir do qual nunca mais quis conhecer o estado em que a autora ficou em consequência direta da atuação do canídeo de que é dono. Atendendo às lesões sofridas, no dia seguinte careceu de recorrer novamente ao serviço de urgência. Por força do sucedido, sofreu danos (físicos e mentais) que determinaram a sua incapacidade e a necessidade de diversos tratamentos médicos, que indicou nos art.ºs 33.º e seguintes da petição inicial, e cujo ressarcimento peticiona nos moldes supra descritos.
Os réus contestaram.
A 1.ª ré defendeu-se por exceção e por impugnação. Pugnou pela procedência da exceção de ilegitimidade passiva, defendendo que não causou qualquer dano à autora, nem pode ser diretamente responsabilizada pelas consequências do acidente, pois que, quando muito, essa responsabilidade caberia diretamente ao 2.º réu. Assim, só por via de ação de regresso, que seria assegurada pela intervenção acessória da seguradora e não pela sua demanda a título principal, poderá o segurado, caso venha a ser responsabilizado, obter o reembolso do que tiver de prestar à lesada. Isto porque, fora dos casos previstos no artigo 140º n.º 2 e 3 do cx o lesado terá, forçosamente, de intentar a ação só contra o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.
Para o caso de assim não se entender, concluiu que, ao abrigo do referido contrato de seguro, o ressarcimento dos danos reclamados não são da sua responsabilidade, desde logo porque o cão Bitoque (que terá agredido a autora) não está e nunca esteve coberto pelo contrato de seguro celebrado com o 2.º réu. O aludido contrato de seguro, na data da ocorrência do presente sinistro, apenas cobria os danos causados por dois cães, a “Lola” e o “Pirata”, pelo que não pode a 1.ª ré ser responsabilidade pelos danos causados por um terceiro cão. Ademais, nunca poderá ser responsável pelo pagamento à autora de qualquer indemnização, porquanto a forma como terá ocorrido o sinistro não está abrangida pelo âmbito de cobertura do seguro em apreço, dado o teor da Cláusula 1.º, n.º 2, das Condições Gerais e Especiais (pág. 10) e da Cláusula 2.ª, al. c) das mesmas condições, pois que o canídeo não saiu da propriedade para a estrada a ser conduzido por qualquer pessoa e não estava em local devidamente protegido, com vedação ou outro tipo de proteção, nem estava amarrado, de forma a evitar que fugisse. Dois dias após a ocorrência do sinistro, o 2.º réu construiu uma cerca para o dito cão. De todo o modo, defende que os valores reclamados pela autora a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são manifestamente exagerados. Termina, invocando que nunca poderia ser condenada no pagamento da sanção pecuniária compulsória peticionada pela autora, porquanto esta carece de fundamento legal.
O 2.º réu disse: - prontificou-se a levar a autora para o hospital, para ser tratada, mesmo sem saber se tinha sido ou não o seu cão a provocar-lhe os ferimentos, sendo que ainda hoje está convicto que não foi. - em todos os relatórios médicos juntos pela autora consta, na parte que se refere à atividade profissional, afetiva, familiar e social, que não se verificaram alterações a este nível, pelo que nunca esteve impedida de trabalhar, ao contrário do que alega; - os valores peticionados pela autora a título de despesas, são, no mínimo, descabidos, despropositados e totalmente infundados, juntando um número infindável de receitas médicas e despesas que não coincidem entre as datas, que curiosamente vêm impercetíveis em quase todos os documentos; - a autora nunca necessitou que ninguém que a ajudasse nas suas lides domésticas, e a prova disso é que não junta qualquer documento de despesas de tal facto, pelo que nunca poderia o ora réu ser condenado a pagar o que quer fosse neste âmbito; - quanto aos danos não patrimoniais, a quantia peticionada é exagerada e desprovida de qualquer fundamento; - mesmo que fosse dada razão à autora, nunca poderia o 2.º réu ser condenado no pagamento de qualquer quantia dado que transferiu para a 1.ª ré a responsabilidade civil pelos danos que os seus animais pudessem provocar, através da apólice nº ...61; - sempre sempre cumpriu com todos os seus deveres relativamente ao animal, ou seja, o mesmo sempre esteve, como está, bem preso e dentro da sua propriedade, num espaço devidamente vedado com rede, sem qualquer acesso por parte de ninguém, a não ser do seu proprietário; - a autora não sabe bem em que tipo de responsabilidade deve enquadrar os factos, se na responsabilidade por factos ilícitos, afastada desde logo pelo despacho de arquivamento, se na responsabilidade pelo risco, onde não estão preenchidos os requisitos legais previstos. Pelo exposto, pugna pela sua absolvição do pedido.
2. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Nestes termos, decide-se julgar a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: - Absolver a ré A... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A. de todos os pedidos formulados pela autora; - Condenar o réu BB a pagar à autora AA a quantia global de € 2.266,26 (dois mil duzentos e sessenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais, correspondendo o montante de € 466,26 (quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) a danos emergentes e o montante de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) a lucros cessantes, acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento; - Condenar o réu BB a pagar à autora AA a quantia de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelo dano futuro (dano biológico), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento; - Condenar o réu BB a pagar à autora AA a quantia de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento; - Condenar o réu BB a pagar à autora AA a quantia a liquidar em sede de execução de sentença atinente às despesas que esta tiver de suportar no futuro com tratamento médico e medicamentoso para atenuar as sequelas (psicológicas) de que ficou a padecer, a que acrescerão os respetivos juros de mora; - Absolver o réu BB do demais peticionado pela autora AA. * Custas pela autora e pelo 2.º réu na proporção do respetivo decaimento – que se fixa em 65% e 35 %, respetivamente –…»
3. Inconformado recorreu o réu BB. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª) O Recorrente não concorda com a douta sentença proferida nos presentes autos por entender que, dentre o mais, a mesma é totalmente desprovida de prova que suporte os factos dados como provados. 2ª) Além disso, existem contradições claras entre a matéria de facto dada como provada e o depoimento das testemunhas, alguns deles até contrários, que deveriam levar, por isso, a resposta diferente da que foi dada ao facto. 3ª) Até a Mma. Juiz “a quo” reconhece, na sentença, que “a valoração da prova testemunhal se demonstrou particularmente difícil atento o lapso de tempo decorrido desde o sinistro e, inclusivamente, desde o início e o fim da produção da prova”. 4ª) Apesar disso, foi considerando uma mais credível do que outra, sempre em prejuízo do Réu, mesmo quando as testemunhas diziam o contrário. 5ª) A sentença enferma de erros crassos e de total falta de fundamentação, de facto e de direito, que justifiquem a conclusão final que terminou com a condenação do Recorrente no pagamento de determinadas quantias, cujo valor foi fixado arbitrariamente, uma vez que se baseou em valores que em momento algum foram, ou poderiam ser dados como provados. 6ª) Os factos provados só podem assim ser considerados ser desde assentem em provas sólidas e credíveis, o que aqui claramente não acontece, como a própria Mma. Juiz “a quo” reconhece. 7ª) O art. 342º, nº 1 do C. Civil diz que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, o que aqui claramente não aconteceu, violando, por isso, a sentença, este dispositivo. 8ª) Do depoimento da A., que foi a única base para dar como provado o ponto 1, vê-se que ela nunca refere, como se pretende, qual foi o cão que a mordeu. Diz apenas que “era um cão mau”, “mas só lhe vi o rabo”. 9ª) Reconhece que o cão do R. “estava à porta de casa mais a mãe do BB” e depois diz que quando a morderam “havia outros cães” no local. Além de tudo isto, diz, ainda que “o cão estava sempre preso”. Isto é o que consta do depoimento da A. que se encontra gravado e que foi prestado em 06/12/2022, entre as 11:44:53 e as 12h:26:35 e entre as 16:15:46 e as 17:04:41. 10ª) Ora se nem a A. sabe que cão a mordeu, sendo que a Mma. Juiz “a quo” reconhece a existência de “incongruências detetadas ao longo do relato da A.” e que houve “pormenores do sinistro que não foi possível apurar em virtude de os relatos ocorridos no pleito não serem suficientemente consonantes nesse conspecto…”, nunca poderia o facto dado como provado no ponto 1 ter o teor que lhe foi dado. 11ª) Pelo menos, nunca poderia conter este ponto da matéria de facto dada como provada que “a autora foi mordida pelo cão deste” “sublinhado e negrito nosso”, pelo que deverá o teor do mesmo ser alterado nestes termos. 12ª) Do depoimento da testemunha CC – prestado no dia 06/05/2024 entre as 10:01:11 e as 10:25:22 – extrai-se que, quanto a esta matéria, quando chegou ao local não viu “nenhum cão”, mas sabe que o cão do R. estava sempre preso, porque o via de sua casa. 13ª) Basta atentar-se nestes dois depoimentos para verificarmos que não houve certeza nem parte da A. nem da testemunha sobre qual foi o canídeo que a mordeu, pelo que também não podia a Mma. Juiz concluir como concluiu, pelo que a resposta deverá obrigatoriamente ser alterada nos termos supra descritos. 14ª) Quanto ao ponto 29 da matéria dada como provada, a Mma. Juiz considerou-o assim com base no depoimento da Autora e das testemunhas DD e EE, no entanto se ouvirmos os depoimentos das testemunhas referidas, prestados no dia 06/05/2024, entre as 13:41:05 e 13:56:14 e as 13:57:06 e as 14:25:31, respetivamente, em momento algum estas testemunhas referem que “a autora tinha trabalho programado na agricultura para as três semanas subsequentes, sendo as duas primeiras semanas somente no período da manhã, auferindo € 15,00 por manhã e na última semana durante todo o dia, auferindo € 30,00 por cada dia”. 15ª) Pelo contrário, o DD diz, até, que “havia semanas e semanas que ficava em casa” porque não havia trabalho, e a EE diz, também, que havia muitos dias em que não havia trabalho, e os valores que recebiam não era certo. 16ª) Assim sendo, nunca a matéria vertida no ponto 29 poderia ser dada como provada, nem da forma como foi, ou seja, com base nos depoimentos referidos, uma vez que eles nada dizem a esse respeito, de concreto. 17ª) Isto tem toda a importância porque é com base nele que, depois, foram calculados os valores em que o R./Recorrente, foi condenado. 18ª) Com grande relevância para a decisão tem, também, o teor do ponto 41 da matéria dada como provada, e o mesmo não corresponde minimamente à verdade, pois o Réu apenas teve sempre dois canídeos e não três. 19ª) Isto porque, como foi explicado, e referido pelas testemunhas, mais concretamente o FF, cujo depoimento foi prestado a 06/05/2024, entre as 10:26:36 e as 11:06:51, e o GG, ouvido a 06/05/2024, entre as 11:07:45 e as 11:33:44, sempre conheceram ao Réu apenas dois cães. 20ª) Também do depoimento da HH e da II, que apesar de serem familiares do R. depuseram com isenção e clareza, prestados a 06/05/2024, entre as 14:54:36 e 15:06:25 e entre as 15:07:20 e as 15:21:55, respetivamente, foi perfeitamente esclarecido que sempre existiram apenas dois cães, sendo que o Bitoque veio apenas em “substituição” do Pirata, que, entretanto, havia falecido. Basta atentarmos na data de nascimento do Pirata, que foi em 13/06/2004, para verificarmos que o tempo de vida útil do cão já estava, há muito ultrapassado. 21ª) Até a própria testemunha FF, cujo depoimento foi gravado e está acima especificado o momento, referiu que o Bitoque veio depois de o Pirata ter morrido e sabe isso porque, na altura, trabalhava para o R. e além disso é vizinho. 22ª) E também a A. que confessa este facto, ou seja, no seu depoimento, prestado em 06/12/2022, entre as 11:44:53 e as 12:26:35, ela refere expressamente que o “Bitoque substituiu o outro cão grande”. 23ª) Na valoração dos depoimentos das testemunhas, com o devido respeito, a Mma. Juiz “a quo” parece ter dois pesos e duas medidas na sua apreciação uma vez que refere que por serem familiares do R. têm pouco ou nenhum valor, já as da A. são muito credíveis, apesar de se contradizerem claramente entre si nos depoimentos. 24ª) Veja-se o que disseram a JJ, filha da A., em 06/12/2022 entre as 15:34:47 e as 15:46:46 e o KK, marido, em 06/05/2024entre as 11:56:12 e as 12:20:31, quando confrontados com o depoimento da A., por exemplo quanto às despesas que tiveram, ajuda de terceiros e períodos de trabalho e o valor que recebiam para se verificar que, como diz o ditado “muita cera queima o santo”, ou seja empolaram demasiado e entraram em contradição. 25ª) A Mma. Juiz, quanto aos depoimentos da A. e seus familiares, primeiro diz que houve “muitas incongruências” entre eles e, depois, acha-os credíveis, já o depoimento dos familiares do R. que, como se viu, foram corroborados pelas testemunhas da A., entende que não. 26ª) O princípio da livre apreciação da prova não pode ser encarado de uma forma para um lado e de outra, para outro, o Tribunal só pode decidir depois de plenamente convencido da veracidade dos factos e, para isso, tem de valorar da mesma forma os elementos de prova. 27ª) Por isso, o ponto 41 da matéria de facto terá de ser obrigatoriamente considerado não provado e corrigido para o facto de que o R. apenas tinha, à data do sinistro, 2 cães. 28ª) Além disso, e em sentido contrário, deverá ser dado como provado o facto constante do ponto g dos factos não provados, ou seja, que há data do sinistro o Bitoque estava abrangido pela apólice de seguro. 29ª) Existe, também, uma clara contradição entre os factos dados como provados no ponto 40 e 41, pois de facto, a apólice sempre abrangeu apenas 2 canídeos, o Bitoque que veio substituir o Pirata e o Garçon, que veio substituir a Lola, em momento algum o 1º R. teve 3 cães, mas sempre 2, como aliás se demonstrou já acima pela prova produzida, pelo que o facto do ponto 41 deve ser alterado para “o 2º R. era dono de 2 canídeos”. 30ª) Assim sendo, e nos termos do disposto no art. 615º, 1 c) do CPC, a douta sentença recorrida é nula, para já, nos termos aduzidos, devendo, por isso, ser corrigida, com as legais consequências. 31ª) Já quanto à absolvição da 1ª Ré, por não estarem preenchidos os requisitos da transferência da responsabilidade, também o recorrente discorda, como irá demonstrar, pois não foram devidamente apreciados todos os meios de prova carreados para os autos. 32ª) O contrato de seguro é uma convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante o pagamento de um preço pago pelo segurado a assumir determinado risco que, quando exista, a obriga a indemnizar pelos prejuízos sofridos, isto como se vê da cláusula 27º da apólice de seguro contratado. 33ª) Estas cláusulas são estabelecidas pela seguradora, sem prévia negociação entre as partes, ou seja, estamos perante o chamado contrato de adesão, por isso é à seguradora que incumbe provar se informou o segurado sobre todas as condições, inclusivamente, a obrigatoriedade ou não , no caso, de indicar expressamente o nome de todos os canídeos abrangidos pela apólice ou não, bem como as situações particulares dessa obrigatoriedade, tal como está prescrito no Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, cuja consequência está prevista no seu art. 5º. 34ª) Ora, da análise das cláusulas da apólice, dentre o mais, a cláusula 1 do ponto 2 das condições especiais relacionada com animais, vê-se que em lado nenhum é referido que o seguro é nominal, ou seja, que dela deve constar o nome dos animais. 35ª) Além disso, nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas LL, a 06/05/2024, entre as 15:22:55 e as 15:43:07, e MM, também a 06/05/2024, entre as 15:44:06 e 16:14:13 aquelas que teriam essa obrigação, é claro quanto ao esclarecimento e explicação desse facto, tão importante para a decisão final da causa. 36ª) O LL reconheceu claramente que não era necessário a identificação dos cães, só o seria se houvesse mais do que os declarados e a MM “não se lembra se foi explicado esse ponto”. 37ª) Assim sendo, e tendo em conta o disposto no RJCCG, nunca o aqui Recorrente poderia ser condenado, em detrimento da 1ª Ré, pois, como se disse, à data do sinistro, o Réu apenas tinha 2 canídeos, um deles o Bitoque, uma vez que, como já acima se referiu, aquele veio substituir o Pirata que, entretanto, já havia morrido. 38ª) Além disso, as notificações que eram feitas ao Réu apenas referiam que se tratava de um seguro de responsabilidade civil de animais que abrangia 2 cães. Veja-se o documento 2 junto pela 1ª Ré. 39ª) Aliás, consta da matéria dada como provada nos pontos 35 a 39, e a convicção do Recorrente era a de que bastava dizer quantos cães abrangia a apólice, nada mais, e por isso é que quando passou de um para dois informou a 1ª Ré. 40ª) Convém ter presente que os seguros funcionam muito na base da confiança entre o mediador e o segurado, tal como foi aqui o caso, as modificações operam sempre simples comunicação, a apólice sempre foi a mesma. 41ª) Tendo em conta tudo o que vem de se dizer, dúvidas não restam que a haver algum responsável pelo pagamento teria de ser sempre a 1ª Ré, uma vez que a responsabilidade do 2ª R. se encontrava, à data dos factos, válida e legalmente transferida para ela, pelo que nunca, na douta sentença, poderia ser afastada. 42ª) Quanto á matéria relacionada com a culpa, para qualificar o tipo de responsabilidade civil, também a douta sentença, na nossa humilde opinião, enferma de algumas incongruências, que urge esclarecer e que, por isso, deveria levar a outro fim que não a condenação do Recorrente. 43ª) Assim, no processo-crime que foi instaurado e que correu termos sob o nº 83/15...., cujo despacho consta dos autos, o mesmo foi arquivado porque “atendendo à prova carreada para os autos, antes de mais, temos desde já de afastar qualquer atitude dolosa por parte do arguido, por falta de prova indiciária para o efeito” (sublinhado nosso). 44ª) Além disso, não existe qualquer nexo de causalidade entre os factos e a perda de rendimentos, como se disse, pois em momento algum se conseguiu demonstrar o que fazia, quando o fazia e quanto auferia, ao certo. 45ª) Nunca nestes autos poderemos estar perante uma responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, pois atento o suprarreferido, está demonstrada a total ausência de culpa por parte do R. 46ª) Mas não só, porque, a haver culpa, e tendo em conta o disposto no art. 487º do C. Civil, no caso de responsabilidade por factos ilícitos, é ao lesado que pertence provar essa mesma culpa, não podendo aqui haver a inversão do ónus da prova, como refere a Mma. Juiz “a quo”, pois, como dispõe o nº 1 do art. 342º do C. Civil, quem invoca um direito compete-lhe o dever de alegar e provar os factos demonstrativos desse direito. 47ª) E aqui nunca poderia haver presunção de culpa por parte do 2º R, como pretende a douta sentença, uma vez que não estão demonstrados os factos necessários para tal, pois dispõe o art. 493º, nº 1, parte final, “salvo se se provar que nenhuma culpa houve da sua parte…” e na matéria dada como provada, mais concretamente no ponto 42, isso resulta, apesar de ter de ser corrigido, nos termos suprarreferidos. 48ª) Diz, e bem, a douta sentença que os danos patrimoniais englobam o dano emergente e os lucros cessantes e os danos não patrimoniais apenas são indemnizáveis aqueles que possam considerar-se graves e merecedores da tutela do direito. 49ª) Salvo o devido respeito, que é muito, a Mma. Juiz “a quo” fixou um valor de danos patrimoniais, mais concretamente 1.800,00€, com base numa premissa errada e sem fundamento legal, por não ter qualquer suporte, como acima já se identificou, ou seja, como se disse, nenhuma testemunha, nem a própria A. definiu dias de trabalho nem montantes, sendo que como vimos do depoimento da testemunha DD, “havia semanas e semanas que ficavam em casa”. 50ª) Além disso, nenhuma testemunha, nem a A., referiram que tinham trabalho em períodos de tempo seguidos, sendo que disseram que a maior parte dos períodos de trabalho eram ou de manhã ou de tarde, pelo que o cálculo feito de 20 semanas seguidas não tem qualquer suporte factual nem, muito menos, legal, pelo que, por falta de fundamento, o mesmo é nulo. 51ª) Quanto aos danos futuros, também não tem qualquer suporte fáctico e legal para serem calculados. 52ª) São fixados 5.500,00€ mas não diz a douta sentença em que factos se baseia, apenas refere a data da reforma e a data da esperança média de vida, sendo certo que, como não estão definidos os períodos de tempo que a A. trabalhava, nem tão pouco os valores reais que recebia, e se a tudo isto somarmos o facto de que com o passar dos anos a capacidade de trabalho, tendo em conta a atividade que desenvolvia, cada vez é menor, então certamente que os valores nunca poderiam ser estes. 53ª) É nula, por isso, a douta sentença, no que diz respeito à fixação deste valor, por total ausência de fundamentação de facto e de direito, pois como consabidamente defende a nossa jurisprudência, estes valores terão de ter fundamento na matéria de facto dada como provada e essa, como se disse acima, tem de ser alterada, pois o que se disse não corresponde à realidade que se passou em sede de audiência de discussão e julgamento. 54ª) Outro valor fixado sem qualquer fundamento de facto ou de direito é o relativo aos danos não patrimoniais, no montante de 4.200,00€. 55ª) Da análise dos relatórios médicos juntos aos autos podemos facilmente constatar que em nenhum deles se refere o nexo de causalidade entre os factos e os supostos danos, mais concretamente os psicológicos com o decurso do tempo, antes pelo contrário, os relatórios clínicos todos referem, logo no início “sem alterações da vida profissional”. 56ª) Aliás, as testemunhas são unânimes em referir que a A. sempre continuou a trabalhar e nunca teve medo dos cães, aliás, a testemunha NN esclarece que tinha cães em casa, quando a A. para lá foi e nunca demonstrou medo ou receio de nenhum deles. 57ª) Além disso, o valor é calculado em função “das lesões sofridas pela A., os tratamentos médicos de que necessitou, o período de incapacidade, a natureza e extensão das sequelas consolidadas…” 58ª) Ora estas circunstâncias já foram contabilizadas na fixação dos valores anteriores e, em alguns casos, com montantes inferiores, veja-se, por exemplo, o relativo ao período de incapacidade… 59ª) Dúvidas não restam, por isso, de que este valor é extremamente exagerado, infundado e desprovido de qualquer fundamento legal, pelo que, também por aqui a douta sentença deve ser declarada nula, não só porque existe total falta de fundamentação, como também porque os fundamentos estão em clara oposição com aquela decisão. 60ª) Finalmente, em relação à data fixada para o cálculo dos juros, também aqui o Recorrente discorda pois nunca poderá ser condenado a pagar os juros de mora desde a citação, uma vez que nunca foi interpelado para pagar qualquer quantia e, além disso, não pode ser responsabilizado, a título de juros, pela demora na decisão, uma vez que em nada contribuiu para ela, ou seja, o recorrente foi citado a 22/05/2018 e até hoje, nada fez para que a decisão final ocorresse apenas 6 anos depois. 61ª) A sentença recorrida enferma, por isso, de vários erros baseados principalmente na deficiente interpretação dada à prova produzida e na falta de consideração pelos factos provados. 62ª) Por isso, a douta sentença deve ser declarada nula e substituída por outra que tenha em consideração todos os factos provados e aqueles que deveriam ser e não foram, como supra alegado. 63ª) Alterando, também a matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos alegados. 64ª) Viola, assim, a sentença recorrida, além do mais, o disposto no art. 615º b), c) e d) do C.P.C. e os arts. 342º, 487º e seguintes, do C. Civil. Contra alegou a autora pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: 1.ª – O Tribunal “ad quo”, para a prolação Decisão Judicial sob recurso, procedeu à exaustiva, mitigada, conjugada e critica análise da ampla prova produzida; 2.ª - Formando a sua convicção de forma previdente, refletida e equilibrada, mormente, sem dúvidas, 3.º - Tendo procedido a uma correta e assertiva aplicação de direito aos respetivos factos provados, imbuída de vasta fundamentação para o efeito, Não merecendo qualquer censura, Devendo, consequentemente, o recurso deduzido manifestamente improceder. 4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2ª- Responsabilização da ré seguradora. 3ª – Desresponsabilização do recorrente por inexistência de culpa sua. 4ª – Ilegal fixação dos danos patrimoniais, danos futuros e danos não patrimoniais. 5ª – Juros de mora não a partir da citação.
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1. in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1. 5.1.2. Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos. A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt; 5.1.3. Finalmente urge ter presente os requisitos formais da impugnação. Neste sentido, estatui o artº 640º do CPC: «1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;» Nesta vertente da al. a) do nº2, urge ter presente que não basta a indicação do inicio e fim do depoimento no respetivo suporte magnético. É que: «…A indicação precisa do início e termo das concretas (…) passagens da gravação destina-se a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação, sabido como é que, em regra, cada testemunha depõe sobre mais do que um facto. De outra forma bastaria que o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto cumprindo todos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, com exceção do determinado na al. a) do nº 2, e requeresse a audição e reapreciação integral de todos ou de alguns os depoimentos o que significaria a repetição do julgamento, desiderato que não foi visado pelo legislador”.» - Acs. do STJ de 26.1.2017, p. 599/15.7T8CLD.C1.S1, apud, Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 108/13.2TBPNH.C1.S1; de 27.10.2016, p. 3176/11.8TBBCL.G1.S1; de 05.08.2018, p. 15787/15.8T8PRT.P1.S2. e de 14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1. Outrossim a transcrição dos depoimentos não exime ao cumprimento daquele dever – Cons. Henrique Antunes, in RECURSO DE APELAÇÃO E CONTROLO DA DECISÃO DA QUESTÃO DE FACTO, https://www.stj.pt › wp-content › uploads › 2015/07 e Ac. do STJ de 14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1. Certo é que o cumprimento destes requisitos formais deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ - que o não cumprimento, apenas nas conclusões, do requisito da al. a) do nº2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório. – cfr. Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1. De notar que a falta de cumprimento destes requisitos formais não admite convite ao aperfeiçoamento das conclusões recursivas. Na verdade, não pode aqui fazer-se uma equiparação com o estatuído no artº 639º nº3, pois que o caso não é de deficiência, mas antes de omissão de um requisito legal. E, máxime quanto à não indicação das passagens precisas da gravação respeita, a lei é clara e imperativa; tal omissão implica a «imediata rejeição do recurso», não concedendo, pois, a lei mais tempo para o aperfeiçoamento - Neste sentido cfr. Ac. do STJ S 27.10.2016, p. 110/08.6TTGDM.P2.S1 e Henrique Antunes, ob. e loc. cits. Assim, tais exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128. (sublinhado nosso) A ratio interpretativa é a seguinte: «Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas.» - A . Geraldes, ob. e loc. cits. 5.1.4. In casu. 5.1.4.1. Esta pretensão recursiva da impugnação da matéria de facto já foi indeferida na 1ª instância, precisamente por falta de cumprimento do requisito formal do artº 640º nº2 al. a) do CPC. Tal decisão transitou em julgado, pelo que no recurso, esta particular questão, não pode se dilucidada e decidida. Mas mesmo que assim não fosse, ele feneceria neste tribunal ad quem em função do supra aludido. Pois que, visto o teor recursivo, verifica-se que o recorrente, nem nas conclusões nem sequer no corpo alegatório, indicou as exatas passagens da gravação dos depoimentos em que se fundamenta. Reitera-se que aquela indicação, pelo menos no corpo alegatório, deveria constar. Tal exigência compreende-se: não só concretiza o objeto/cerne do recurso e, assim - porque evitando-se um julgamento global e latitudinário, com a apreciação de toda a prova produzida, muita dela desnecessária face aos factos impugnados - , facilitando ao tribunal ad quem a apreciação dos depoimentos. Nesta conformidade, conclui-se, desde logo por motivos processuais formais, e reiterando-se o já decidido em 1ª instância, que esta pretensão recursiva deve ser liminarmente rejeitada, o que efetivamente se decide. 5.1.4.2. Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, também por motivos substantivos esta parte do recurso feneceria. Efetivamente a Srª Juíza fundamentou as respostas factuais, no que ora releva, nos seguintes termos: «…o relato do 2.º réu e das testemunhas por si arroladas não nos mereceu, em geral, o mínimo de credibilidade, por se apresentarem interessados e inverídicos, tendo sido descredibilizados pelo demais acervo probatório. Foi notório, por exemplo, o comprometimento de todos no sentido de asseverarem que naquela data o 2.º réu possuía somente dois canídeos – a Lola e o Bitoque –, o que seria (eventualmente) relevante para demonstrar a tese do 2.º réu de que à data dos factos o canídeo que mordeu a autora se encontrava abrangido pelo seguro realizado com a 1.ª ré (nos termos e com os fundamentos que defendeu em sede de alegações). Sucede que, os documentos aduzidos ao pleito na última sessão de julgamento – o que não mereceu oposição de nenhuma das partes – é bem demonstrativo de que naquela altura o 2.º réu possuía três canídeos (a Lola, o Bitoque e o Garçon), que os canídeos se encontravam registados em nome do 2.º réu e que os dois últimos canídeos somente foram integrados na apólice de seguro já após o sinistro, com a alteração apresentada junto da 1.ª ré em 28 de julho de 2015 (vide fls. 273 a 280). De outra banda, para a prova do circunstancialismo retratado em 28. e 29. (e não prova dos factos d. e e.) tivemos em consideração o depoimento da autora conjugadamente com os testemunhos de DD e EE – que naquela data trabalhavam com a mesma na agricultura e que explicitaram, de entre o mais, em que moldes tal trabalho à jorna decorria – e com o cartão de cidadão de fls. 260 e o relatório de averiguação de fls. 248 e ss., realizado nos dias que se seguiram ao sinistro e que se pronuncia quanto a esta matéria. Neste conspecto, cumpre realçar que a autora tentou fazer crer em juízo que trabalhava à jorna 5 (cinco) dias por semana, 8 (oito) horas por dia, mas tal não é minimamente credível à luz das regras da experiência comum, para além de que foi contraditado pelas susoditas testemunhas ao referirem que neste tipo de atividade o volume de serviço é variável. Ademais, no relatório de peritagem consta que nas duas semanas seguintes ao evento a autora tinha trabalho na apanha da cereja, durante o período da manhã, e na terceira semana todo o dia, o que demonstra tal variabilidade. … Destes últimos elementos probatórios fora ainda possível extrair a factualidade provada em 41. E não provada em g. Vejamos. Conforme referimos oportunamente, o réu e as testemunhas por este arroladas tentaram demonstrar em tribunal que na data dos factos aquele detinha somente dois canídeos – por exemplo, a testemunha HH (cônjuge do 2.º réu), com vista a defender a sua tese, referiu que o perdigueiro “era mais da sua filha, seguro e tudo”). Acontece que, os documentos que acompanharam a última alteração da apólice de seguro, realizada em 28 de julho de 2018 – isto é, sensivelmente um mês após o sinistro ora em causa –, demonstram com clareza que na data em que o canídeo Bitoque atacou a autora, o 2.º réu detinha, para além deste e da Lola, o canídeo Garçon, o qual não se encontrava abrangido pelo dito seguro. Para tanto, basta atentar na data da licença emitida pela freguesia a fls. 277 e 278 (30 de junho de 2015) e na data do boletim sanitário de fls. 279 a 281 (21 de junho de 2012), nos quais o 2.º réu consta indubitavelmente como proprietário do dito Garçon. Pelo exposto, confirma-se que, tal como a autora havia relatado, naquela data o 2.º réu tinha dois cães e uma cadela…» (sublinhado nosso) Vemos assim que a julgadora demonstrou alicerçar a sua convicção em elementos probatórios, pessoais e documentais, objetivos e, clara e criticamente, apreciados. Esta dilucidação mostra-se lógica e, desde logo, conforme ao teor dos documentos juntos aos autos, os quais demonstram que o recorrente, à data do incidente, era dono de três canídeos. Quanto à valoração da prova pessoal, o acolhimento de uma versão em detrimento de outra não pode ser censurada. Desde logo porque tal valoração não encerra foros de ilogicidade ou é inelutavelmente contrariada por outro elemento probatório; antes, pelo contrário, por eles é corroborada, como seja, vg. no que tange ao números de canídeos. Depois porque a apreciação da verdade e eticidade do verbalizado é fortemente auxiliada pela imediação e oralidade, elementos estes que falham ao tribunal ad quem. Assim sendo, e no caso concreto, a simples não concordância do recorrente quanto à (i)relevância de certa prova pessoal é inócua, pois que, como supra se referiu, a lei atribui ao Juiz, dentro do seu múnus, e não à parte, o poder/dever de apreciar e decidir, desde logo neste conspeto factual. 5.1.5. Por conseguinte e no indeferimento desta pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber: 1. No dia 25 de junho do ano de 2015, entre as 6h00m e as 6h30m, no Caminho ..., em ..., ..., próximo à residência do 2.º réu, a autora foi mordida pelo cão deste, de seu nome Bitoque, no antebraço esquerdo, na mama direita e na anca/nádega direita. 2. Nessa sequência, foi transportada pelo 2.º réu ao Serviço de Urgência do Hospital ..., onde foi efetuado tratamento curativo, com desinfeção e sutura, e foi medicada com analgésico. 3. A autora deu entrada no referido Serviço de Urgências com feridas incisas com cerca de 2 a 3 cm de profundidade no antebraço e escoriações no mesmo antebraço, na mama direita e na nádega direita. 4. No dia seguinte, retornou ao Serviço de Urgência, tendo realizado raio-x e sido medicada com antibiótico. 5. Realizou os curativos no Centro de Saúde ... entre 26 de junho de 2015 e 7 de julho de 2015, retirando os pontos a 3 de julho de 2015, e foi a consultas médicas em 25 e 29 de junho de 2015, 7, 14, 22 e 27 de julho de 215, 11 e 25 de agosto de 2015, 9 e 30 de setembro de 2015, 2, 18 e 30 de novembro de 2015, 17 de dezembro de 2015, 4 e 28 de janeiro de 2016, 1 de março de 2016 e 16 de maio de 2016. 6. Em 1 de julho de 2015 apresentava: a. Equimose, em fase de absorção, arroxeada e amarelada no mamilo e metade direita da mada direita, com 24 por 11 centímetros de maiores dimensões, contendo uma escoriação coberta com crosta com 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões; b. Membro superior esquerdo com suspensão braquial e coberto com ligaduras; c. Equimose, em fase de absorção, amarelada e arroxeada na anca e nádega direitas, com 24 por 17 centímetros de maiores dimensões, contendo no seu interior múltiplas pequenas escoriações cobertas com crosta, ocupando uma área de 5 por 1,5 centímetros de maiores dimensões, sendo que a maior destas escoriações tinha 1 por 1 centímetros de maiores dimensões e encontrava-se a cerca de 2 milímetros de profundidade em relação ao plano da pele. d. Queixa de dificuldade em dormir e mais chorosa, de dor nas regiões atingidas, com toma de medicação analgésica e colocação de trombocid nas equimoses, e de não conseguir efetuar os atos da vida diária, como fazer a higiene pessoal, vestir-se, cozinhar e limpar a casa. 7. Em 20 de julho de 2015 realizou ecografia ao antebraço esquerdo, revelando edema dos tecidos moles do antebraço, na zona da cicatriz e zona de irregularidade profunda à cicatriz que atingiu o músculo braquio-radial, correspondente a laceração muscular em fase de cicatrização. 8. Em 5 de agosto de 2015 apresentava: a. Mancha hiperpigmentada no quadrante superior da mama, com 2 por 1 centímetros de maiores dimensões; b. Cicatriz no terço superior da face anterior do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro, quatro cicatrizes localizadas no terço superior da face externa do antebraço com 4, 1, 1 e 6 centímetros de comprimento, respetivamente, e ainda cicatriz no terço superior da face posterior do antebraço com 2 centímetros de comprimento; c. Quatro áreas hiperpigmentadas, localizadas no terço superior da região glútea direita, a maior das quais com 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões, e duas áreas hiperpigmentadas localizadas na anca direita, com 1 por 1 e 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões, respetivamente. d. Queixa de dificuldade em dormir, mais chorosa e sem vontade de sair de casa; e. Queixa de dor/sensação de picadela na mama direita e de não conseguir efetuar os atos da vida diária que impliquem o uso do membro superior esquerdo, como fazer a higiene pessoal, vestir-se, cozinhar e limpar a casa, usando suspensão braquial. 9. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 1 de outubro de 2015, foi referenciada para consulta de Medicina Física e Reabilitação do CHTMAF, tendo-lhe sido prescrita fisioterapia, que realizou entre 1 de outubro de 2015 e 13 de novembro de 2015. 10. Em 21 de outubro de 2015 apresentava: a. Mancha hiperpigmentada no quadrante superior da mama, com 2 por 1 centímetros de maiores dimensões; b. Cicatriz no terço superior da face anterior do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro, quatro cicatrizes localizadas no terço superior da face externa do antebraço com 4, 1, 1 e 6 centímetros de comprimento, respetivamente; cicatriz localizada no terço superior da face posterior do antebraço, com 2 centímetros de comprimento; edema da face externa do terço superior do antebraço; sem alterações da mobilidade articular do cotovelo e ombro com ligeira diminuição da força muscular da flexão do cotovelo; c. Quatro manchas hiperpigmentadas no terço superior da região glútea direita, a maior das quais com 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões; duas manchas hiperpigmentadas localizadas na anca direita, com 1 por 1 e 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões, respetivamente; d. Queixas de dificuldades em dormir, mais chorosa e sem vontade de sair de casa; e. Queixas de dor/sensação esporádica de picadela na anca esquerda, dor no antebraço esquerdo, despoletado com o esforço, que irradiava por vezes para o pulso e o ombro, e diminuição da força muscular do antebraço esquerdo; f. Queixa de não conseguir realizar atos da vida diária que impliquem esforços acrescidos do membro superior esquerdo, como semear batatas. 11. Em 10 de dezembro de 2015 realizou ecografia do antebraço esquerdo, cujo relatório concluiu pela integridade dos planos musculares e sem evidência de coleções serohemáticas ou de outros processos expansivos ao nível dos tecidos moles. 12. Em 26 de fevereiro de 20216 apresentava: a. Mancha hiperpigmentada no quadrante superior da mama, com 2 por 1 centímetros de maiores dimensões; b. Cicatriz no terço superior da face anterior do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro, quatro cicatrizes localizadas no terço superior da face externa do antebraço com respetivamente 4, 1, 1 e 6 centímetros de comprimento; cicatriz localizada no terço superior da face posterior do antebraço, com dois centímetros de comprimento; sem alterações da mobilidade articular do cotovelo e ombro; c. Quatro manchas hiperpigmentadas no terço superior da região glútea direita, a maior das quais com 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões e duas manchas hiperpigmentadas na anca direita, com 1 por 1 e 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões, respetivamente. d. Queixa de dificuldade em dormir e mais chorosa. e. Queixa de dor/sensação esporádica de picadela na anca esquerda, dor no antebraço esquerdo despoletado pelo esforço, que por vezes irradia para o pulso e para o ombro e diminuição da força muscular do antebraço esquerdo; f. Queixa de não conseguir realizar os atos da vida diária que impliquem esforços acrescidos do membro superior esquerdo, como semear no campo. 13. Em 16 de agosto de 2019 apresentava: a. Queixa de dor na região glútea direita, de dor e diminuição da força no membro superior esquerdo e sintomatologia ansiosa/depressiva. b. Queixa de dificuldade na realização das tarefas diárias por dor no membro superior esquerdo e maior dificuldade na execução da sua atividade profissional de trabalhadora agrícola. 14. Em 17 de julho de 2020 apresentava: a. Perturbação de ansiedade; b. Cicatriz de cerca de 7 por 4 centímetros na face lateral do 1/3 proximal do antebraço. c. Queixa de dor na região glútea direita, de dor e diminuição de força no membro superior esquerdo e de sintomatologia ansiosa/depressiva. d. Queixa de dificuldade em realizar as tarefas diárias por dor no membro superior esquerdo e maior dificuldade na execução da atividade agrícola. 15. Foi observada em consulta de psiquiatria em setembro de 2016, tendo sido medicada com antidepressivo e ansiolítico e aconselhada psicoterapia cognitivo-comportamental. 16. Entretanto, passou a ser acompanhada em consulta de psiquiatria no CHTAD desde março de 2017 por sintomatologia ansiosa reativa ao evento ocorrido em 1., tendo igualmente sido orientada para consulta de psicologia para psicoterapia cognitivo-comportamental e alivio sintomático. 17. As lesões sofridas pela autora, supra descritas, consolidaram-se em termos médicos em 13 de novembro de 2015. 18. Por causa do sucedido em 1., a autora ficou parcialmente incapaz de realizar as atividades da vida quotidiana durante 142 dias (25 de junho de 2015 a 13 de novembro de 2015). 19. Mais ficou impedida de trabalhar durante o mesmo período. 20. Por causa das lesões resultantes do ataque do canídeo, dos tratamentos realizados e do período necessário para a recuperação, a autora sofreu dor física e sofrimento psíquico, fixável no grau 3 (numa escala de sete graus de gravidade crescente). 21. Por força do sucedido, a autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos (numa escala de 100 pontos). 22. As sequelas supradescritas possibilitam o exercício da atividade profissional habitual da autora, mas implicam esforços suplementares. 23. A cicatriz de que ficou a padecer, descrita em 14., determinou um dano estético permanente fixável no grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente). 24. Para fazer face à perturbação da ansiedade de que sofre a autora por força do sucedido, terá de continuar a recorrer a ansiolíticos e antidepressivos. 25. A autora despendeu a quantia de € 436,26 em consultas, exames, medicação e produtos para tratamento das lesões causadas pelo canídeo Bitoque. 26. Mais despendeu a quantia de € 30,00 em transportes para a realização dos mesmos. 27. Em 23 de novembro de 2016 foi atribuído à autora uma incapacidade de grau 0,1900, por síndrome pós-traumática. 28. Na data referida em 1. a autora tinha 58 anos de idade e trabalhava à jorna, em atividades agrícolas, em dias e horários variáveis. 29. Na altura em que foi mordida a autora tinha trabalho programado na agricultura para as três semanas subsequentes, sendo as duas primeiras semanas somente no período da manhã, auferindo € 15,00 por manhã, e na última semana durante todo o dia, auferindo € 30,00 por cada dia. 30. Nos anos de 2014, 2015 e 2016, a autora não declarou rendimentos junto da autoridade tributária. 31. A autora não apresenta remunerações e/ou equivalentes registados no Sistema da Solidariedade e Segurança Social desde novembro de 2010. 32. Em 3 de junho de 2008, através da apólice nº ...61, renovável anualmente, o 2.º réu transferiu para a 1.ª ré a responsabilidade civil decorrente de animais, aplicável a um animal, fixando em € 50.000,00 o capital seguro, com uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo e € 50,00 e no máximo de € 250,00. 33. Em 5 de agosto de 2008, o 2.º réu apresentou à 1.ª ré uma proposta de alteração da predita apólice, adicionando a responsabilidade civil familiar. 34. Na proposta de alteração suprarreferida consta, de entre o mais, que: a. “OBSERVAÇÕES *Se o número de animais a segurar não corresponder à totalidade do efetivo pecuário do segurado, deverá ser fornecida a identificação de todos os animais a segurar”. 35. Mais juntou o boletim veterinário do canídeo Pirata, nascido em 13 de junho de 2004, bem como licença para cães da categoria de animais de companhia emitida pela freguesia em 3 de junho de 2008 concernente ao mesmo canídeo. 36. Em 15 de março de 2011, o 2.º réu apresentou à 1.ª ré uma proposta de alteração da predita apólice, com vista a segurar a responsabilidade civil por dois cães. 37. Na proposta de alteração suprarreferida consta, de entre o mais, que: a. “(…) CARACTERIZAÇÃO DO RISCO R.C. ANIMAIS (…) (*) SE O NÚMERO DE ANIMAIS A SEGURAR NÃO CORRESPONDER À TOTALIDADE DO EFETIVO PECUÁRIO DO SEGURADO, DEVERÁ SER FORNECIDA A IDENTIFICAÇÃO DE TODOS OS ANIMAIS A SEGURAR”. 38. Com a proposta de alteração supramencionada, o 2.º réu entregou um documento intitulado “Etiqueta de Identificação”, relativo ao canídeo Lola, nascido em 26 de maio de 2010, bem como o respetivo boletim sanitário, emitido em maio de 2010. 39. Em 3 de junho de 2015 foi renovada por mais um ano a referida apólice de seguro, constando das respetivas condições particulares, de entre o mais, que: “ATIVIDADE SEGURA Responsabilidade Civil Animais (…) COBERTURAS E CAPITAIS SEGUROS RESP. CIVIL GERAL 50,000.00 (…) COBERTURAS COMPLEMENTARES CONDIÇÕES ESPECIAIS RESPONSABILIDADE CIVIL Animais NÚMERO DE ANIMAIS: 2 Cães”. 40. Em 28 de julho de 2015, o 2.º réu apresentou à 1.ª ré uma nova proposta de alteração da predita apólice, com vista à alteração dos animais segurados, mas mantendo o mesmo número de animais seguros (dois), entregando para o efeito: a. licença para cães da categoria de animais de companhia emitida pela freguesia em 30 de junho de 2015, válida até 29 de junho de 2016, e boletim sanitário datado de 4 de junho de 2013, referente ao canídeo Garçon, nascido em 21 de junho de 2012; b. licença para cães da categoria de animais de companhia emitida pela freguesia em 29 de junho de 2015, válida até 28 de junho de 2016, e boletim datado de 14 de agosto de 2010, referente ao canídeo Bitoque, nascido a 3 de dezembro de 2009. 41. Na data mencionada em 1., o 2.º réu era dono de pelo menos três canídeos. 42. Por força do sucedido em 1., a autora apresentou queixa-crime contra o 2.º réu, dando origem ao processo n.º 83/15...., que correu termos na 2.ª Secção de Lamego do Departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público, da Procuradoria da República da Comarca de Viseu, que foi arquivado em 22 de janeiro de 2017 com fundamento na inexistência de indícios suficientes da verificação de crime.
5.2. Segunda questão. Alega o recorrente que a responsabilidade é da ré seguradora e que: «nunca poderia ser condenado, em detrimento da 1ª Ré, pois que à data do sinistro apenas tinha 2 canídeos, um deles o Bitoque, uma vez que que aquele veio substituir o Pirata que, entretanto, já havia morrido.» Neste específico aspeto decidiu-se na sentença: «… importa atentar que não se provou que na data do ataque o canídeo Bitoque se encontrava abrangido pela apólice de seguro contratada pelo 2.º réu à 1.ª ré, pois que, foi o mesmo introduzido na aludida apólice apenas em 28 de julho de 2015, isto é, sensivelmente um mês após o sucedido (cfr. facto 40). Acresce que se apurou que naquela ocasião o 2.º réu era dono de pelo menos três canídeos, concretamente a Lola, o Bitoque e o Garçon (vide facto 41.), pelo que se impunha ao 2.º réu fornecer à ré seguradora a identificação de todos os animais a segurar (cfr. factos 34. e 37.). Destarte, haverá que imputar a responsabilidade do ressarcimento dos danos sofridos pela autora exclusivamente ao 2.º réu, dado que à data dos factos a responsabilidade civil pelos dano causados pelo seu canídeo Bitoque não se encontrava transferida para a 1.ª ré, impondo-se absolver esta última de todo o petitório contra si formulado, o que infra se fará.». (sublinhado nosso) E assim é. Como é facilmente intuível esta pretensão apenas poderia ter eventual provimento se o réu provasse que, à data do incidente, ele apenas titulava dois cães. Porém, provou-se que ele era dono de pelo menos três – ponto 41. Assim sendo, e perante o clausulado no contrato de seguro, e uma vez que este apenas abrangia dois canídeos, deveria ele informar a seguradora sobre a concreta identificação dos dois que estavam cobertos pelo contrato – cfr. pontos 33 e 34 dos factos provados. Ou seja, no caso de ele ter mais do que dois cães - número máximo segurado - o contrato não abarcaria, indiferenciadamente, dois cães não identificados, quaisquer que eles fossem; antes exigindo a identificação dos dois que se pretendiam cobertos pelo seguro. O que se compreende facilmente; pois que, se assim não fosse, a responsabilidade da seguradora poderia estender-se a uma infinidade de animais, assim agravando exponencialmente a mesma e quebrando-se a necessária equidade e equilíbrio entre o risco segurado e o prémio cobrado. Ora o réu, antes do incidente, não forneceu tal identificação. Antes o fazendo já após o mesmo. Naturalmente por se ter dado conta, na sequência do sinistro - e porque titulava mais do que dois, pois que se assim não fosse não era necessária a identificação -, da necessidade de identificar os dois cães segurados. Mas, obviamente, porque tal identificação do cão Bitoque foi feita após o incidente, ela queda irrelevante, não podendo ser oposta à seguradora para efeito da sua responsabilização perante o ataque daquele na pessoa da autora. Por conseguinte, o contrato de seguro não abrange o cão Bitoque e, assim, a seguradora não pode ser responsabilizada. 5.3. Terceira questão. Nesta vertente expendeu-se na sentença: «A obrigação de indemnizar resultante de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos depende, assim, da verificação de cinco pressupostos essenciais: o facto voluntário do agente; a ilicitude; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano… No caso do pleito importa particularmente a presunção de culpa plasmada no sobredito art.º 493.º do Código Civil, com a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou atividades”, nos termos do qual: “1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Este normativo estabelece, assim, uma presunção de culpa para aqueles que têm a seu cargo, de entre o mais, a vigilância de animais, a qual implica uma inversão do ónus da prova, de harmonia com o preceituado nos art.ºs 487.º, n.º. 1 e 350.º, n.º 1 do Código Civil, ilidível mediante prova em contrário (n.º 2 do mencionado art.º 350.º) pelo lesante de que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. De realçar que apenas existirá obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (vide art.º 483.º, n.º 2 do Código Civil), ou seja, nos casos de responsabilidade pelo risco, sendo um desses casos os danos causados por animais, dispondo o art.º 502.º do Código Civil neste conspecto que “quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização”. Do confronto entre os supra aludidos artºs 493.º e 502.º do Código Civil, conclui-se então que o primeiro abrange as hipóteses dos animais domésticos, os quais por sua natureza estão sujeitos à guarda e/ou vigilância dos respetivos donos ou de outrem sobre quem recaia essa obrigação específica, enquanto o segundo tem em vista aqueles que utilizam os animais no seu próprio interesse – nesse sentido, v.g. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.10.2020, proc. n.º 1394/17.4T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt. Por lapidar neste conspecto, veja-se ainda o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.01.2012, proc. n.º 1070/08.9TBGRD, igualmente disponível em www.dgsi.pt, ao explicitar que: “Ambos os preceitos regem casos de responsabilidade civil por danos causados por animais, mas com acentuadas diferenças, das quais destacamos: o artigo 493º consagra casos de presunção de culpa de quem tiver em seu poder (de facto ou jurídico) uma coisa com o dever de a vigiar ou um animal em relação ao qual assumiu o encargo de o vigiar, tendo essa coisa ou animal causado danos; o artigo 502º consagra caso de responsabilidade objectiva, logo independentemente de culpa, por parte de quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais pelos danos que estes causem, desde que os danos resultem do perigo especial que a sua utilização envolve. Naquele caso de responsabilidade por culpa presumida, o visado verá afastada a sua responsabilidade se o demandante não provar os factos que constituem a base da presunção legal ou se o visado ilidir a presunção de culpa, sendo que pode ilidi-la por um de dois meios: provando que nenhuma culpa houve da sua parte ou provando uma causa virtual do mesmo dano verificado. E pode verificar-se a hipótese de a responsabilidade por culpa presumida ser totalmente afastada, havendo culpa do lesado, nos termos do artigo 570º, nº. 2 do CC. A responsabilidade cominada no artigo 502º do CC é objectiva, não depende de culpa e o artigo 570º não lhe é aplicável. Como é fácil constatar, quanto à responsabilidade civil por danos causados por animais, o preceito do artigo 502º é especial em relação ao do artigo 493º, nº. 1 do Código Civil, pelo que a aplicação daquele prevalece (art. 7º, nº. 3 do CC). E aquele oferece mais forte protecção à vítima, pois que não ressalva a falta de culpa do agente como ocorre no artigo 493º, nº 1.» Deste modo, o proprietário de um cão, por ser dono, está obrigado a vigiá-lo de modo a que não cause danos. Por outro lado, quanto à ilicitude, podemos afirmar que ela consiste na omissão do dever de vigilância do animal que causou os danos. (…) O caso em apreço insere-se, assim, na culpa presumida estabelecida no art.º 493.º oportunamente analisado, incumbindo ao(s) réu(s) provar que nenhuma culpa houve da parte do segundo réu e que este usou de todas as precauções para que o seu cão se mantivesse no interior da sua propriedade, impedindo-o de andar à solta nas imediações da sua residência, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, prova que não se fizera de modo algum. Isto porque o 2.º réu é presumido culpado pela ocorrência de danos provocados pelo seu cão na via pública ou em prédios vizinhos. Sucede que, como vimos, para além da culpa (que no caso se presume) e da ilicitude, que pode resultar da lesão da invasão da propriedade, da lesão do direito à integridade física …a responsabilidade civil extracontratual pressupõe outros dois requisitos: o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano. In casu, o dano é a lesão da integridade física sofrida pela autora e as consequências daí decorrentes. Já o nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre o evento/facto positivo ou omissivo – concretamente, a omissão do dever de vigilância pelo 2.º réu, que levou à saída do canídeo para a via pública e ao consequente ataque à autora – e o dano (constituído pelas lesões causadas à mesma), relação que, de acordo com a nossa ordem jurídica, terá de ser de causalidade adequada (cfr. aty.º 563.º do Código Civil). E, no caso sob apreciação, resulta clara a verificação dessa causalidade adequada, na medida em que a violação do dever de vigilância pelo 2.º réu constitui causa adequada das lesões sofridas pela autora. …forçoso é concluir pela verificação de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual supra elencados, pelo que se afigura desnecessário apreciar da eventual responsabilidade pelo risco do(s) ora réu(s).» (sublinhado nosso) Esta exegese apresenta-se curial, desde logo em tese; e, para o caso concreto, vislumbra-se, atentos os seus contornos fáctico circunstanciais apurados, adequada. Os argumentos esgrimidos pelo recorrente não colhem O facto de o processo crime ter sido arquivado com o fundamento de que «atendendo à prova carreada para os autos, antes de mais, temos desde já de afastar qualquer atitude dolosa por parte do arguido, por falta de prova indiciária para o efeito» é aqui irrelevante. Atente-se, desde logo, que, nos termos do artº 624º do CPC: «1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.» Ora, no caso sub judice, e em primeiro lugar, no processo penal inexistiu uma decisão jurisdicional de absolvição, com base na prova de o agente não ter praticado os factos; antes apenas se verificando um mero despacho do MºPº.de arquivamento. Depois, o arquivamento decorreu da inexistência de conduta dolosa, necessária para a imputação de ilícito criminal. Porém, os artigos 483º e 493º do CC não exigem necessáriamente, o dolo para a responsabilização cível, antes sendo suficientes a mera culpa, a negligência, ou, inclusive, podendo inexistir culpa, lato sensu, bastando apenas o simples risco. Aliás, no caso vertente não está provado, nem sequer alegado, que o réu agiu dolosamente, isto é, pretendendo, deliberadamente, causar danos físicos na autora através do cão. Por conseguinte, emerge, com plena validade, o estatuído no artº 493º do CC. Ou seja, existe uma presunção legal de atuação culposa por parte do recorrente, consubstanciada na postergação do seu dever de vigilância do canídeo. A qual apenas poderia irrelevar se ela por ele fosse ilidida, ou se ele provasse que o dano sempre se teria produzido mesmo que ele tivesse sido cuidadoso e vigilante: a chamada relevância negativa da causa virtual do prejuízo – cfr. quanto a esta causa, o AC. RG de 28.01.2021, p. 1984/17.5T8BRG.G1 in dgsi.pt., como os restantes infra cits. Ora nem aquela ilisão foi consecutida, nem esta causa foi alegada e provada, pelo que, reitera-se, a culpa presumida de tal preceito emerge válida e eficaz.
Ademais falece também o seu argumento da conclusão 44ª) de que não existe qualquer nexo de causalidade entre os factos e a perda de rendimentos, pois em momento algum se conseguiu demonstrar o que fazia, quando o fazia e quanto auferia, ao certo. Primus porque, versus o pelo recorrente invocado, provou-se que a autora, na sequência do incidente, deixou de poder trabalhar e auferir rendimentos- factos dos pontos 18, 19, 28 e 29. Secundus porque, como é consabido, constitui jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal que: «O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. Esta doutrina …deve interpretar-se de forma mais ampla, com o significado de que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado». «O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: -- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; -- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. Na concepção mais criteriosa da doutrina da causalidade adequada, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - a «formulação negativa», acolhida no artigo 563.º do Código Civil segundo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»- Cfr, entre outros, os Acs. do STJ de 20.10.2005, de 07.04.2005 e de 29.06.04, ps.05B2286, 03B4474 e 05B294, respetivamente. «…do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. - A. Varela, in Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1, cit. In Ac. do STJ de 13-03-2008, p. 08A369. (negrito e sublinhado nossos). Ora perante os factos provados – vg. o facto do ponto 1 - conclui-se que a atuação do recorrente pecou por falta de vigilância do cão, pelo que, à míngua de factualidade provada infirmante, tem de concluir-se que a sua inação ou incúria proporcionaram o ataque deste à autora. Destarte, tem outrossim de concluir-se que, perante a teoria da causalidade adequada consagrada na nossa lei, existe causalidade adequada entre esta agressão e as respetivas consequências danosas, sendo ambas ainda imputáveis ao recorrente.
5.4. Quarta questão. 5.4.1. Quanto aos danos patrimoniais fixados em 1.800,00€, por perda de rendimentos do trabalho. O recorrente alega que não devem ser atribuídos porque não se provaram. Mas provaram-se, como dimana dos pontos 18, 19, 28 e 29. Destarte, tais danos são indemnizáveis desde logo nos termos gerais do artº 483º do CC. Resta saber se, no aspeto quantitativo, o foram adequadamente. Neste particular foi decidido no seguintes termos: «Peticiona a autora, em primeiro lugar, a quantia de € 2.726,00, pelos montantes que não auferiu enquanto se encontrou incapacitada para o trabalho. Estamos, portanto, no âmbito dos lucros cessantes. Vejamos se lhe assiste razão. Ora, considerando que à data dos factos a autora não tinha uma atividade laboral certa e estabilizada, trabalhando à jorna, na agricultura, em dias e horários variáveis (como é típico de tal atividade) – cfr facto 28. –, teremos de recorrer a um juízo de equidade, por não ser possível averiguar o valor exato dos danos, sempre dentro dos limites que se tiver por provados, em respeito pelo art.º 566.º, n.º 3 do mesmo normativo legal. Destarte, tendo em linha de conta a altura do ano em que perdurou a incapacidade da autora (de 25 de junho de 2015 a 13 de novembro de 2015), os diversos trabalhos que ocorrem nesse período na atividade agrícola – desde semear e plantar variados legumes, à apanha de diversos frutos e às vindimas –, bem como os trabalhos que a autora tinha já assegurados nas semanas que se seguiram ao sinistro (cfr. facto 29.), julgamos ser justo, adequado e proporcional fixar uma indemnização no montante de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), correspondente a 20 semanas de incapacidade x 3 dias de trabalho por semana x € 30,00 por cada dia completo de trabalho.» Este entendimento não merece censura. Verificado que o montante exato dos danos não pode ser fixado, pode/deve o juiz decidir com base na equidade. É o que dispõe o artº 566º nº3 do CC; a saber: «3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.» Certo é que equidade não deve corresponder ou descambar em arbitrariedade. Para que tal não aconteça o juízo équo tem de alcandorar-se em, e manter-se dentro, de pressupostos factuais objetivos e sindicáveis. Se assim for, ele, por via de regra, deve ser respeitado, pois que, como constitui jurisprudência uniforme, apenas pode ser censurado perante circunstancias que claramente o contrariem. Efetivamente: «Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade não compete ao STJ a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo…» - S. 20.11.2014, p. 5572/05.0TVLSB.L1.S1. No caso vertente aquelas circunstância não se vislumbram. Antes o valor equitativo arbitrado de 1.800,00 euros se encontra respaldado nos aludidos factos objetivos, atinentes ao período de incapacidade da autora, aos dias que laborava por semana e ao montante auferido por dia, ou, ao menos, ínsito numa margem de álea concedida por tais factos. Decorrentemente, nada há aqui a censurar à decisão. 5.4.2. Dos danos patrimoniais futuros. Neste particular a julgadora decidiu nos seguintes termos: «Peticionou igualmente o montante de € 10.799,60 a título de indemnização por danos futuros, com fundamento na IGP de que ficou a padecer, o que se afigura admissível no nosso ordenamento jurídico, por via do disposto no art.º 564.º n.º 2 do Código Civil, segundo o qual “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis”. Como tem sido frequentemente assinalado na jurisprudência, o dano biológico derivado da incapacidade geral permanente (atualmente designada por défice funcional permanente da integridade físico-psíquica), de cariz patrimonial, é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o dano se repercutir no rendimento salarial do lesado, já que constitui um dano de esforço, porquanto para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, o lesado terá de se empenhar ou esforçar mais – cfr. Ac. do STJ, proc. n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Assim, a indemnização …deverá ser atribuído mesmo nos casos em que o lesado não exerça profissão remunerada, a incapacidade não afete o exercício da profissão ou não acarrete efetiva perda ou diminuição da sua retribuição – nesse sentido, v.g. Ac. do TRC de 8.04.2008, proc. n.º 5/1999.C1; Acs. do STJ de 15.01.2004, proc. n.º 3962/03, de 31.03.2004, proc. n.º 863/04 e de 05.02.2004, proc. n.º 83/04, disponíveis em www.dgsi.pt. Não obstante, nos casos em que a percentagem de incapacidade não se traduz, na prática, numa efetiva perda de ganhos ou de capacidade de ganho proporcional ao montante dos vencimentos previsivelmente a auferir no futuro, a repercussão negativa da incapacidade centrar-se-á apenas numa diminuição de condição física, resistência, e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral, e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das tarefas laborais. Será nesse agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais do lesado que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros – Ac. do STJ de 07.02.2002, proc. n.º 3985/01, disponível em www.dgsi.pt. …a averiguação do valor exato de tais danos demonstra-se impossível, pelo que a indemnização deverá também ser fixada equitativamente pelo tribunal, dentro dos limites que tiver por provados, ao abrigo do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil. Neste juízo de equidade, dever-se-á ter em consideração a natureza do trabalho realizado pela vítima, o rendimento por esta auferido, as suas condições de saúde ao tempo do evento, o tempo provável de vida ativa, a esperança média de vida e as dificuldades decorrentes da incapacidade. Poder-se-á também recorrer a tabelas financeiras de cálculo, designadamente, as constantes do DL n.º 352/007 de 23.10, da Portaria n.º 377/2008 de 26.05 e da Portaria n.º 679/2009 de 25.06, que funcionarão como meros instrumentos auxiliares pois, em última análise, sempre prevalecerão juízos de equidade. No caso concreto dos autos, como vimos, encontra-se assente que: à data do acidente a autora tinha 58 anos de idade e trabalhava à jorna, na agricultura, em dias e horas variáveis; na altura em que foi mordida tinha trabalho programado na agricultura para as três semanas subsequentes, sendo as duas primeiras semanas somente no período da manhã, auferindo € 15,00 por manhã, e na última semana durante todo o dia, auferindo € 30,00 por cada dia; por força do sucedido a autora ficou a padecer de perturbação da ansiedade e uma cicatriz com cerca de 7 por 4 centímetros na face lateral do 1/3 proximal do antebraço, apresentando queixa de dor na região glútea direita e de dor e diminuição de força no membro superior esquerdo; tais sequelas determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4%, que não a impossibilita de exercer a sua atividade habitual, mas implica esforços suplementares. Destarte, ponderadas todas estas circunstâncias, o tempo provável da sua vida ativa (66 anos) e a sua esperança média de vida (83 anos), tendo como ponto de referência a jurisprudência portuguesa nesta matéria, considera-se justo e adequado fixar a indemnização em € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).»
Já o recorrente entende que a quantia de € 5.500,00 não pode ser atribuída pois que : «…não diz a douta sentença em que factos se baseia, apenas refere a data da reforma e a data da esperança média de vida, sendo certo que, como não estão definidos os períodos de tempo que a A. trabalhava, nem tão pouco os valores reais que recebia, e se a tudo isto somarmos o facto de que com o passar dos anos a capacidade de trabalho, tendo em conta a atividade que desenvolvia, cada vez é menor, então certamente que os valores nunca poderiam ser estes. Mais uma vez o recorrente distorce a realidade das coisas e/ou opera uma inadmissível exegese dos factos apurados. Na verdade, e contrariamente ao por ele alegado, a sentença, neste particular aspeto, encontra-se fundamentada em factos provados. E cabal e abundantemente fundamentada, conforme emerge da transcrição supra. Efetivamente, nela a julgadora chama à colação os factos apurados relativos à idade da autora, às lesões e aos danos físicos e biológicos e respetivas sequelas decorrentes do ataque do canídeo e aos proventos/quantias que, por virtude do incidente, a autora deixou de auferir. Inexiste, pois, vício de nulidade da sentença por falta de fundamentação. O qual, como é consabido, e constituindo jurisprudência uniforme, apenas emerge quando existe total falta de fundamentação e não apenas escassa ou deficiente fundamentação. O que, de todo em todo, não se verifica no caso vertente, encontrando-se este pedido claramente alicerçado factualmente. Questão diversa é, mais uma vez, apurar-se se o valor arbitrado se apresenta, perante os factos provados e chamados à colação, adequado. E a resposta é afirmativa. Desde logo a análise teórico/dogmática efetivada alcança-se legal e consensual. Quiçá algo redundantemente, e em seu abono, expressa-se mais o seguinte. Estatui ainda o artº 564º nº 2 do CC: «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior». Para que seja possível a condenação em indemnização por danos futuros não é imposta uma certeza absoluta quanto à sua ocorrência, mas também não basta a prova da sua vaga, genérica ou hipotética eventualidade, antes sendo necessário, mas outrossim suficiente, que haja uma segura e adequada previsibilidade da verificação dos mesmos. Os danos futuros a que este segmento normativo se reporta, tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes. Sendo que um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral – cfr. por todos, Pires de Lima e Antunes Varela,, CC Anotado, 1º, 2ª ed. p.504. Porém urge ter presente, como referido na sentença, que: « Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.» - Ac. do STJ de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1. O cálculo de danos futuros é operação difícil, sendo extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização. Isto porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não fosse a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre danos verificáveis no futuro. Mas a ideia geral que importa reter é que, se por um lado, o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica, por outro lado, ele não deve ser tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado. Para efetivar este desiderato constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que devem ter-se em consideração não apenas instrumentos regidos por critérios matemático-formais, tal como fórmulas e tabelas financeiras - vg. as usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008, de 26-05 – mas antes, acima de tudo e determinantemente, importando apelar para critérios de equidade –cfr. Acs. do STJ de 16.12.2010, p. 270/06.0TBLSD.P1.S e de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 . Pois que estes critérios são a única forma de encarar e ultrapassar as dificuldades decorrentes da inelutável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns fatores a advirem no futuro, e, sobretudo, para atender às especificidades do caso. Na verdade: «o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 566º C.Civil. A equidade, como justiça do caso concreto, implica uma ponderação criteriosa das realidades da vida, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta a justa medida das coisas e as circunstâncias do caso.» - Ac. STJ de 16/9/2008, proc. 08B939. Efetivamente «as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida… Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade. A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso» - Ac. do STJ de 15.05.08, p.08B1343; cfr. ainda Ac. do STJ de 03.02.2011, p. 605/05.3TBVVD.G1.S1. Encerrando, assim, as tabelas financeiras mero valor auxiliar e devendo os resultados assim obtidos ser equitativamente corrigidos se o julgador os considerar desajustados ao caso concreto. E o mesmo se diga no atinente aos valores referidos na Portaria nº 377/2008 de 26.05, alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25.06, os quais apenas se impõem para efeito de apresentação por parte das empresas de seguros de proposta razoável para indemnização aos lesados por acidente de viação, pois que se expende no seu preambulo: «(…) importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas (…) o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis… E sendo certo que no seu artº 1º nº 2 se estatui: «As disposições da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos». Destarte: «Com este mecanismo legal visou-se moralizar a relação dos lesados por acidente de viação com as companhias de seguros responsáveis pelos danos que sofreram, de modo a evitar que estas, valendo-se da sua suposta posição dominante, se aproveitassem da normal maior fragilidade daqueles, apresentando-lhes propostas de acordo com valores muito inferiores aos da indemnização justa… Por isso, aqueles valores, fora do referido âmbito, constituirão apenas uma referência, nada impedindo que os tribunais, usando os critérios previstos no Código Civil, fixem valores superiores, o que até constituirá a situação normal, tendo em vista que a aceitação da proposta de acordo da empresa seguradora por parte do lesado desonera este das desvantagens e incómodos que a via judicial comporta» - Ac. do STJ de 01.06.2011, p. 198/00.8GBCLD.L1.S1. Assim e concretizando, entende-se comummente que na determinação do quantum indemnizatório que ele deve ascender ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida – cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 06.10.2011, p. 733/06.8TBFAF.G1.S1. Para se atingir tal concretização «deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez.» - AC. do STJ de 24.09.2009, p. 09B0037; cfr., ainda, vg. o Ac. do STJ de 24.11.2009, p. 1877/05.9TVLSB.S1. Após determinação do capital, há que proceder a um “desconto”, “dedução” ou “acerto”. Quer porque quem trabalha também consome, havendo despesas, como as de alimentação, que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas. Quer devido ao facto de o lesado perceber a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, pois que se impõe, como se viu, que no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado. Sendo que na quantificação deste desconto a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - Acs. do STJ de 07.07.2009 e de 04.02.2010, ps. 1145/05.6TAMAI.C1 e 307/05.0TAGMR.G1.S1. Sendo ainda de relevar que: «O art.º 564.º, n.º 2, do CC (em conjugação com o subsequente art.º 566.º, n.º 3) deve ser interpretado assim: i) um dano é futuro, e não presente, consoante não se tenha verificado ou já verificado, no momento em que se considera; designadamente à data em que a A. apresentou a p.i em juízo e formulou o seu pedido trata-se de um dano futuro; ii) os danos futuros podem ser imprevisíveis ou previsíveis, e estes últimos podem ser certos ou eventuais; iii) os certos determinados pagam-se logo, e os certos indeterminados liquidam-se em execução de sentença, salvo se se revelarem indetermináveis sendo, então, fixados equitativamente; iv) os eventuais podem ser muito ou pouco eventuais. Os pouco eventuais, suficientemente prováveis ou com grau reduzido de incerteza seguem o regime dos certos enquanto os muito eventuais ou pouco prováveis seguem o regime dos danos imprevisíveis, que só se pagam se e quando ocorrerem.» - Ac. RC de 13.12.2022, p. Nº 3418/19.1T8LRA.C1. Finalmente, importa que o valor obtido - dimanante da formulação de tal juízo de equidade, ínsito numa margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, mas que, em primeira linha tem na sua génese elementos factuais objetivos - «se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» - Ac. do STJ de 05.11.2009, p. 381-2002.S1. Efetivamente, importa, tanto quanto possível, tentar respeitar e consecutir, a desejada justiça comparativa ou relativa, para obviar a que situações idênticas não sejam decididas similarmente e que situações distintas o sejam e não mereçam a necessária diferenciação equilibrada e proporcional aos seus específicos contornos. Nesta ótica e apenas a título exemplificativo há a ponderar: No Ac. do S.T.J. de 15-3-2012, p. 2258/04.7TBVLG.P1.S1, para um lesado de 54 anos com uma IPP de 15%, auferindo 450€/mês, fixou-se 50.000€. No Ac. do STJ de 20.03.2014, p. 7782/10.0TDPRT.P1.S1 para uma lesada de 57 anos, que ficou com com «afectação da capacidade de trabalho geral e profissional e, que afectam de forma grave a capacidade de trabalho geral de profissional» -arbitrou-se € 70 000. O Ac. RL de 22.11.2022, p. 10905/19.0T8SNT.L1-7 para um lesado com 34 anos de idade à data do acidente, com um vencimento anual de €21.656,12, apresentando sequelas de lesões meniscais e sensação de pernas pesadas com edema vespertino, o que não lhe permite permanecer muito tempo sentado, por sentir dores nos joelhos e lombalgia, que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos, fixou pelo dano biológico sofrido, enquanto dano patrimonial futuro, o montante de €18.000,00. No caso vertente. Considerando os seus específicos contornos factuais, provados e referidos na fundamentação da decisão, bem como os casos jurisprudenciais citados, cujas quantias arbitradas, quer na sua dissemelhança, quer na sua semelhança, se revelam diretamente proporcionais à nestes autos fixada, conclui-se que esta não merece reparo. Na verdade, tudo visto e ponderado, temos para nós que o valor admissível in casu, poderia ser fixado no intervalo que medeia entre os cinco mil e os sete mil euros. O caso aproxima-se do decidido pelo aludido Ac. da RL, diferenciando-se apenas na idade dos lesados e nos seus rendimentos, fatores que justificam maior indemnização naquele caso, e menor no caso vertente. Mas a diferença entre os 18 mil euros ali fixados e o valor médio de cerca de seis mil euros admissível para o nosso caso opera a proporcionalidade e justiça comparativa entre os dois. 5.4.3. Dos danos não patrimoniais. Aqui expendeu-se na sentença: «Já em sede de danos não patrimoniais pretende a autora a condenação do réu no pagamento da quantia de € 30.000,00 pelo sofrimento físico e psíquico que o sinistro em questão lhe causou. Como vimos, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais circunscreve-se aos danos que, pela sua gravidade, aferida de forma objetiva, mereçam a tutela do direito, devendo o seu montante fixar-se equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias concretas do caso – art.º 496.º, n.º 1 e n.º 4, e 494.º do Código Civil. Este normativo legal concede, assim, ao ofendido o direito a uma compensação adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que, de algum modo, contrabalance as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos (físicos ou psíquicos) que o lesante lhe tenha provocado. Resulta da factualidade provada, de entre o mais, que por causa da agressão do canídeo, a autora sofreu feridas incisas com cerca de 2 a 3 cm de profundidade no antebraço e escoriações no mesmo antebraço, na mama direita e na nádega direitas, com necessidade de sutura, desinfeção e medicação com analgésico e antibiótico, diversos curativos e fisioterapia, lesões que demoraram 142 dias a consolidar-se medicamente (período durante o qual ficou parcialmente incapaz de realizar as atividades da vida quotidiana e trabalhar). Além disso, por força de tal ataque a autora ficou a padecer de síndrome ansiosa, com necessidade de toma de ansiolíticos e calmantes, bem como ficou com uma cicatriz com cerca de 7 por 4 centímetros na face lateral do 1/3 proximal do antebraço, que determinou um dano estético permanente fixável no grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade), mais ficando a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos (numa escala de 100 pontos), o que possibilita o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implica esforços suplementares. Acresce que por causa das lesões resultantes do ataque do canídeo, dos tratamentos realizados e do período necessário para a recuperação, a autora sofreu dor física e sofrimento psíquico, fixável no grau 3 (numa escala de sete graus de gravidade crescente). Atento o exposto, dúvidas não restam de que as consequências advindas do sinistro para a autora revestem considerável gravidade, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento a título de danos não patrimoniais. Com efeito, atenta a natureza das lesões sofridas pela autora, os tratamentos médicos de que necessitou, o período de incapacidade, a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, a culpa do lesante e a situação económica deste e da lesada, considera-se justo e adequado fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora em € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros).» Já o recorrente considera que inexiste nexo de causalidade entre os factos e os supostos danos e que o valor é calculado em função “das lesões sofridas pela A., os tratamentos médicos de que necessitou, o período de incapacidade, a natureza e extensão das sequelas consolidadas, circunstâncias estas que já foram contabilizadas na fixação dos valores anteriores. Perscrutemos. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC. Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556. (sublinhado nosso). A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular. Devendo ainda considerar-se e reiterar-se, no seguimento do exposto na sentença, que a recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas. Sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios. Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras… Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» - Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de 07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S. Nesta senda urge ter presente que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1. Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender. Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista. Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris. Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. Certo é que resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C. Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático. Importando, todavia, tal como quanto aos danos futuros, perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa. Assim: - O Ac. do STJ de 29.06.2011, p. 345/06.6PTPDL.L1.S1, no qual, para uma IPG de 11,73 pontos, para um jovem de 19 anos, que teve um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial e em que foi fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7, arbitrou o montante de € 25 000. -O Ac. da RC de 24.01.2012, p. nº 241/08.2TBCNT.C1 para um lesado, de 16 anos que sofreu entorse do tornozelo direito, grau III, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica onde lhe efectuaram reconstrução de ligamentos extensa; sofreu um quantum doloris fixável no grau três da tabela que vai até ao grau 7; sofreu um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau três pela nova tabela, numa escala de um a cinco; sofreu um dano estético fixável no grau um pela nova tabela, em escala de sete; ficou com uma IPG fixável em 3% (3 pontos); que as sequelas provocam ainda dores e exigem alguns esforços acrescidos nas actividades pessoais, desportivas e escolares exercidas pelo examinado, considerou-se equilibrado, razoável e justo, atribuir-lhe a quantia de 25.000 euros. - O Ac. do STJ de 20.03.2014, p. 7782/10.0TDPRT.P1.S1, para uma lesada de 57 anos, que sofreu traumatismo craniano com perda de consciência, fractura do tornozelo e da clavícula, esteve 9 dias em coma, correu risco de vida, realizou diversas intervenções cirúrgicas, perdeu a memória e sofreu alterações cognitivas, teve um "Quantum Doloris de grau 5/7, ficou incontinente e passou a necessitar de ajuda parcial de 3ª pessoa, fixou-se o valor de 70.000 euros. -O Ac. do STJ de 19.02.2015, p. 99/12.7TCGMR.G1.S1 para um lesado de 43 anos de idade que sofreu fractura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, foi submetido a exames radiológicos e a uma intervenção cirúrgica, ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho, uma IPP de 12 pontos, e um quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7 foi arbitrado € 20 000. O Ac. RP de 05.06.2023, p. 21094/21.0T8PRT.P1 para um lesado de 31 anos que, nuclearmente, sofreu fractura diáfise do fémur direito; fractura exposta, dos ossos da perna direita “Grau I Gustillo”; fractura do calcâneo do pé direito; teve internamento hospitalar; teve de passar a frequentar sessões de recuperação fisiátrica para recuperar a mobilidade da perna direita durante um período de nove meses; A perna direita passou a apresentar várias cicatrizes, algumas das quais com alteração de sensibilidade ao toque; por força das lesões e sequelas sofridas teve dores fixáveis em grau 4 numa escala de sete pontos; teve um dano estético permanente fixável no grau 2 numa escala de sete graus – fixou a quantia de 15 mil euros.
Perante este quadro teórico é mais do que evidente que os factos provados justificam a atribuição à autora de compensação a título de danos não patrimoniais. Pois que tais factos demonstram lesões, físicas e psíquicas, graves, bem como sequelas negativas que se prolongaram e prolongarão no tempo, quiçá até ao decesso da autora. Existindo entre tais factos - rectius as mordeduras do cão - e os danos, claro e inequívoco nexo de causalidade, em conformidade com o já expendido supra em 5.3. Também falece o argumento do recorrente de que os mesmos factos serviram para duplicar indemnizações. Para a indemnização autónoma do dano biológico, apenas na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico, sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, devem ser ponderadas em sede de danos não patrimoniais. E para o cálculo dos danos futuros, apenas ou essencialmente atinente ao dano biológico, atendeu-se, ao menos determinantemente, à vertente patrimonial, só relevando os factos e as implicações de alcance económico. E devendo ser as demais vertentes do dano biológico, que essencialmente traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais. Assim sendo, e nesta estrita vertente há a considerar certos factos essenciais referidos na sentença. Como as feridas incisas com cerca de 2 a 3 cm de profundidade no antebraço e escoriações no mesmo antebraço, na mama direita e na nádega direitas, com necessidade de sutura, desinfeção e medicação com analgésico e antibiótico, diversos curativos e fisioterapia, lesões que demoraram 142 dias a consolidar-se medicamente . O ter ficado com uma cicatriz com cerca de 7 por 4 centímetros na face lateral do 1/3 proximal do antebraço, que determinou um dano estético permanente fixável no grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade). O ter tido dor física e sofrimento psíquico, fixável no grau 3 (numa escala de sete graus de gravidade crescente). Bem como o padecimento de síndrome ansiosa, com necessidade de toma de ansiolíticos e calmantes. Perante estes factos determinantes, a ratio e teleologia da compensação por danos não patrimoniais supra referidas - vg. a sua vertente sancionatória -, bem como os valores compensatórios acima jurisdicionalmente mencionados e arbitrados noutros casos com alguma semelhança ao presente – p. ex. o do cit. Ac. RP de 05.06.2023 – temos para nós que no caso presente, a compensação deveria até aproximar-se do valor de dez mil euros. Pois que o incidente provocou para a autora sequelas negativas que a prejudicarão durante o resto da sua existência, afetando a sua qualidade de vida que já nunca será a mesma. Tendo sido fixado no montante de 4.200,00 euros, este revela-se até algo parcimonioso e, quiçá, escasso. Não obstante, e até porque inexiste recurso no sentido do seu aumento, o montante arbitrado é de manter Por conseguinte, se atingindo a final conclusão de que, também aqui, a pretensão do recorrente se revela claramente insubsistente.
5.5. Quinta questão. Expendeu-se na sentença: «…A constituição em mora do devedor ocorre após interpelação judicial ou extrajudicialmente para cumprimento, nos termos do disposto no art.º 805.º, n.º 1, do Código Civil, exceto quando se verifique alguma das situações descritas no n.º 2 do mesmo normativo legal, caso em que o devedor se constitui em mora, independentemente de interpelação. Acresce que, tratando-se de crédito ilíquido, não há mora do devedor enquanto este não se torne líquido, exceto se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Todavia, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que o crédito se tenha tornado líquido em momento anterior – art.º 805.º, n.º 3 do Código Civil. …a autora não identifica o momento a partir do qual o réu entrou em mora, pelo que não existindo elementos factuais que permitam determinar se o montante indemnizatório se encontrava líquido antes da citação para a presente ação, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 805.º, deverá o 2.º réu ser condenado, no que aos danos patrimoniais diz respeito, no pagamento à autora de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4 %, nos termos da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril, e do art.º 559.º, n.º 1 do Código Civil. Já no que concerne aos danos não patrimoniais, a contabilização dos juros moratórios, à taxa legal de 4%, será efetuada desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento (vide Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002). Já o recorrente discorda da data da fixação dos juros de mora a partir da citação, pois que nunca foi interpelado para pagar qualquer quantia e, além disso, não pode ser responsabilizado, a título de juros, pela demora na decisão, uma vez que em nada contribuiu para ela, ou seja, o recorrente foi citado a 22/05/2018 e até hoje, nada fez para que a decisão final ocorresse apenas 6 anos depois.» Mais uma vez falece a razão ao recorrente. Estando aqui presente a sua responsabilidade civil aquiliana culposa – decorrente de culpa legalmente presumida – que não foi por ele ilidida – emerge, quanto aos danos patrimoniais, a estatuição do nº3 do artº 805º do CPC, a saber: «tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.» Assim sendo, e não tendo este crédito sido liquidado antes da instauração da ação pela autora e não tendo esta interpelado o réu para o seu pagamento, a interpelação deve têr-se por efetivada com a citação na presente ação. E, assim, a partir da sua data fixar-se o dies a quo da contagem dos juros de mora. Já quanto aos danos futuros e aos danos não patrimoniais é diferente. Estes foram fixados essencialmente via juízo équo pelo que a sua liquidação ocorreu com a sentença e na data desta. Destarte, e como também é referido na decisão, há que atentar na jurisprudência obrigatória fixada pelo AUJ decorrente do Ac. do STJ nº 4/2002, publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, páginas 5057 – 5070. Deliberou-se no mesmo: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.» Como dimana deste Aresto, para as quantias que tenham sido objeto de cálculo atualizado à data da sentença, os juros de mora apenas se vencem desde a data da decisão atualizadora. Naturalmente que as quantias fixadas, apenas ou essencialmente, ao abrigo de um juízo équo, estão, por definição, atualizadas por reporte à data da sentença. Assim, os juros moratórios apenas se vencem a partir desta data – cfr., neste sentido, os Acs. do STJ 11.02.2015., p. 6301/13.0TBMTS.S1 e de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1. Efetivamente e como decidido naquele primeiro aresto: «Se o Tribunal atualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado, efectivamente, sofreu, os juros moratórios já não são concedidos, desde a citação para a acção, por tal representar uma duplicação de parte do ressarcimento, e este poder exceder o prejuízo, de facto, ocorrido, nem após o trânsito em julgado da decisão actualizadora, em que existiria um lapso temporal, maior ou menor, ficando esse valor actualizado sujeito ao fenómeno da erosão monetária, com a consequente e injustificável lesão dos interesses do credor, o que significa que esse momento tem como referência a data do encerramento da discussão da matéria de facto, em 1ª instância, o mais próximo possível da prolação da sentença, a partir da qual tem início o cômputo dos juros moratórios devidos.» Ora vista a parte dispositiva da sentença verifica-se que nela cumpriram-se estas estatuições: legais e jurisprudenciais. Pois que, quanto aos danos patrimoniais, liquidados anteriormente à sentença, foram arbitrados juros de mora a contar da citação – artº 805º nº 3 do CC. Já no atinente aos restantes danos patrimoniais – futuros decorrentes do dano biológico – e não patrimoniais, porque liquidados com a sentença e na data desta atualizados, foi fixada a esta data como início do prazo da contagem do juros moratórios – AUJ cit.
Improcede o recurso.
6. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 2025.01.14.
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