Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1975/07.4TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ADMISSÃO
Data do Acordão: 12/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 235º A 248º DO CIRE
Sumário: I – Só o devedor que seja uma pessoa singular pode requerer a medida da exoneração do passivo restante, tratada nos artºs 235º a 248º do CIRE.

II – Como resulta do artº 235º citado, tal medida traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente.

III – Uma vez formulado o pedido de exoneração, se não for liminarmente indeferido, o juiz profere uma decisão (que o legislador designou como despacho inicial) a determinar que o devedor fica obrigado à cessão do seu rendimento disponível ao fiduciário durante o período de cessão, ou seja, durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo (artº 239º, nºs 1 e 2).

IV – Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos previstos nas als. a) e b) do nº 3 do artº 239º do CIRE, impondo simultaneamente o nº 4 deste mesmo artigo ao devedor uma série de obrigações acessórias decorrentes da cessão do rendimento disponível, tendo em vista assegurar a efectiva prossecução dos fins a que é dirigida.

V – Como o trabalho é a fonte normal e mais significativa dos seus rendimentos, de entre essas obrigações destacam-se a que impõe ao devedor a obrigação de exercer uma actividade remunerada, proibindo-lhe o seu abandono injustificado, e a que lhe determina que, ocorrendo uma mudança de domicílio ou emprego onde exerce a sua actividade, informe o tribunal e o fiduciário no prazo de dez dias (als. b) e d)).

VI – No fim do período da cessão, o juiz decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor (artº 244º, nº 1).

VII – Se a exoneração for concedida, dá-se a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que é concedida, com excepção de alguns: os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamados nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações, e os créditos tributários (artº 245º, nºs 1 e 2).

VIII – Na ponderação dos requisitos exigidos ao devedor importa a apreciação da sua conduta anterior e actual em ordem a se apurar se é de molde a se poder concluir que o insolvente reúne condições, ou não, para que lhe seja dada uma nova oportunidade, ainda que submetendo-o a um período probatório de 5 anos, denominado “período de cessão” – nº 2 do artº 239º do CIRE -, que poderá culminar, ou não, na concessão efectiva da exoneração, na possibilidade de retomar em pleno a sua actividade económica sem o peso do passivo anterior.

Decisão Texto Integral: Recurso de agravo nº 1975/07.4TBFIG.C1[1]

I – RELATÓRIO


A A…, requereu a insolvência de B… e marido C…, residentes na Rua Profª Isabel Andrade, nº 1-2º, Praia da Leirosa, Marinha das Ondas, com os fundamentos seguintes, em síntese:

É credora dos requeridos da importância de 133.989,25 €, tendo os mesmos deixado de pagar os encargos vencidos desde 25.02.2006, resultando infrutíferas as diversas interpelações da requerente para obter o seu pagamento.

Enquanto isso, sem o seu conhecimento, com manifesta má fé, os requeridos apressaram-se a dissipar parte relevante do seu património subtraindo-o à penhora pela requerente e por outros credores, com consequente prejuízo dos interesses destes.

Os imóveis ainda existentes no património dos devedores encontram-se fortemente onerados com garantias reais constituídas para assegurar o pagamento de valores elevados em dívida à Banca e à Fazenda Nacional, e contra os requeridos encontra-se pendente execução fiscal para cobrança coerciva de créditos no valor de 292.213,69 €.

Por sentença proferida em 18/10/07, oportunamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência dos requeridos.

Em 17/09/07 os devedores requereram, nos termos do art. 236º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (daqui por diante CIRE), a exoneração do passivo restante.

O administrador de insolvência não se opôs, mas a requerente CGD e o Ministério Público, em representação do Estado Português, pronunciaram-se desfavoravelmente a esta pretensão.

Decisão de 21/07/08 acolheu o pedido dos devedores proferindo despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, determinando que:

“ - durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível dos insolventes que estes venham a auferir – englobando todos os rendimentos que os mesmos venham a auferir, com exclusão valor equivalente a três vezes o salário mínimo nacional  – se considera cedido ao administrador judicial, desde já nomeado fiduciário;

- durante o período da cessão, os devedores ficarão ainda sujeitos aos demais deveres previstos no n.º 4 do artigo 239° do CIRE”.  

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso de agravo a requerente CGD tirando as seguintes conclusões nas alegações que apresentou:

1ª. Quando os insolventes alienaram, por trespasse, a farmácia, único activo donde poderiam retirar rendimentos sem extinguir a divida garantida por penhor do mesmo, é óbvio que, a partir daí, não poderiam ignorar o desfecho final já que não teriam perspectivas sérias da melhoria da sua situação económica, colocando-se, assim, na previsão da alínea d) do n°1 do art. 238° do CIRE, devendo o pedido de exoneração do passivo restante ser liminarmente indeferido.

2ª. Sendo os insolventes pessoas singulares não estavam inicialmente obrigados a apresentar-se à insolvência - art. 18°, n° 1, do CIRE,  mas não deveriam abster-se de o fazer nos seis meses seguintes à verificação de insolvência, ocorrida em 25 de Fevereiro de 2006, ou seja 9 meses depois de trespassarem a farmácia em 9 de Maio de 2005, sabendo, a partir daí, ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria da melhoria da situação económica.

3ª. No caso específico da venda antecipada do penhor por deterioração do estabelecimento por falta de fornecimento de medicamentos, por exemplo, teriam os insolventes a faculdade de alienarem o mesmo, mas com autorização judicial, como decorre do disposto no artigo 674°,n° 1 do Código Civil, isto se não se apresentassem à insolvência.

4ª. Existindo dívidas ao Fisco, como existem em valor elevado (€229.213,69), estas não são abrangidas em circunstância alguma pela exoneração do passivo restante, como se estatui no n° 2 d) do art. 245° do CIRE, pelo que retira significado relevante à exoneração do passivo restante, como é doutrina pacífica.

5ª. O art. 242° do CIRE estabelece a regra da igualdade de credores relativamente no produto final que for apurado e entregue ao fiduciário durante o prazo fixado na lei, ou seja nos cinco anos subsequentes, enquanto durar a medida da suspensão. A imunidade legal dos créditos tributários obsta à aplicação desta regra, constituindo igualmente fundamento para indeferir o pedido da exoneração do passivo restante.

A douta decisão violou assim os seguintes normativos: alínea d) do n°1. do art. 238° do CIRE; o art. 674°, 1 do Código Civil; o n°2 d) do art 245° do CIRE, o art 242°, também do CIRE.

Os agravados responderam pugnando pela manutenção do decidido.

O despacho recorrido foi sustentado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.

O único tema colocado traduz-se em saber se aos devedores pode ser concedida exoneração efectiva do passivo restante ou se esse seu pedido deveria ter sido liminarmente indeferido.



                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Importa para a decisão a proferir a seguinte factualidade:

A) Na sentença de declaração de insolvência foram, entre outros, considerados assentes os seguintes factos:


[…]

B) Em conformidade com o disposto no artigo 128° CIRE, dentro do prazo fixado na sentença declaratória de insolvência, vieram os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos, tendo o Sr. Administrador da Insolvência apresentado a seguinte lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 129º do CIRE (cfr. fls. 3 e 4):

[…]

C) Por sentença de 27-06-2008, transitada em julgado, proferida no apenso de Reclamação de Créditos, consideraram-se reconhecidos e como tal verificados os créditos constantes da alínea anterior;

D) A fls. 642 destes autos mostra-se lavrado em 11/09/08 um termo de protesto por acção intentada por H…, para verificação ulterior de crédito, de valor não apurado, nos termos do nº 3 do art. 146º do CIRE.

E) Foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens:


[…]

F) A insolvente B… auferiu em 2006 de rendimentos de trabalho, dependente de Herdeiros de J…, o valor bruto anual de 26.107,73 €, existindo uma penhora da DGCI sobre esses vencimentos;

G) O insolvente C… recebeu em 2006 por prestação de serviços um rendimento anual bruto de 10.502,25€;

H) Receberam o valor de rendas de 6.800,00 €, também penhoradas à ordem da DGCI, provenientes de contrato de arrendamento comercial celebrado com I…, relativo à fracção “A” da rua Principal, Marinha das Ondas, no valor mensal de 500,00 €;

I) O requerimento para declaração de insolvência, apresentado pela A…, deu entrada no Tribunal Judicial da Figueira da Foz em 21.08.2007.

DE DIREITO

Como acima referimos a única questão colocada traduz-se em saber se aos devedores poderia ter sido concedida exoneração efectiva do passivo restante.

No ponto 45 do preâmbulo do Dec.Lei nº53/2004, de 18/3, que aprovou o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), explica-se a este propósito que “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência[2], é agora também acolhido entre nós, através do regime da “exoneração do passivo restante”.

 O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”.

Acrescentando-se, mais à frente, que “A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”.

Como se refere na decisão agravada, transcrevendo palavras de Catarina Serra[3], o objectivo final é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica.

Por conseguinte, só o devedor que seja uma pessoa singular pode requerer a referida exoneração, tratada nos artigos 235º a 248º do CIRE, e como resulta do primeiro destes normativos traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente. Daí que a titulação do capítulo a ela referente seja a de “exoneração do passivo restante”.  

Para se ter acesso e ver deferido tal benefício, a lei impõe certos requisitos e procedimentos fixados nos artigos 236º, 237º e 238º.

Formulado o pedido de exoneração, se não for liminarmente indeferido, o juiz profere uma decisão (que o legislador designou como despacho inicial) a determinar que o devedor fica obrigado à cessão do seu rendimento disponível ao fiduciário[4] durante o período de cessão, ou seja, durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo (art.239º, nºs 1 e 2).

 Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos previstos nas als. a) e b), do nº 3, do art.239º[5], impondo simultaneamente o nº 4 deste mesmo artigo ao devedor uma série de obrigações acessórias decorrentes da cessão do rendimento disponível, tendo em vista assegurar a efectiva prossecução dos fins a que é dirigida.

 Como o trabalho é a fonte normal e mais significativa dos seus rendimentos, de entre essas obrigações destacam-se a que impõe ao devedor a obrigação de exercer uma actividade remunerada, proibindo-lhe o seu abandono injustificado, e a que lhe determina que, ocorrendo uma mudança de domicílio ou emprego onde exerce a sua actividade, informe o tribunal e o fiduciário no prazo de dez dias (als.b) e d)).

No fim do período da cessão[6], o juiz decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor (art.244º, nº1). Se a exoneração for concedida, dá-se a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que é concedida, com excepção de alguns: os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamados nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações, e os créditos tributários (art.245º,nºs 1 e 2).

Exposta, nos seus traços gerais, a linha estruturante do instituto da “exoneração do passivo restante”, revertamo-nos ao caso em apreço.

Como referimos, para se ter acesso a esta exoneração e ver deferido o seu pedido a lei impõe certos requisitos e procedimentos. Assim, do requerimento a apresentar deve constar “expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes” (art.236º, nº3), exigência que os recorridos satisfizeram de forma tabelar.

Depois, a concessão efectiva da exoneração pressupõe a não verificação de algum dos fundamentos estabelecidos no n.º 1 do art. 238º, todos de natureza substantiva reportados a comportamentos do devedor que justificam a sua não concessão, com excepção do mencionado na al. a) - apresentação do pedido fora de prazo - , motivadores de imediato indeferimento liminar.

De entre eles, interessa aqui relevar o da al. d) porque expressamente ponderado na decisão recorrida e visado pela recorrente, que dispõe que deve ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração se “O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação da insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.

Este fundamento integra um quadro dos comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram[7].

À luz deste dispositivo a decisão agravada deferiu o pedido dos insolventes de exoneração do passivo restante, alicerçando-se essencialmente no seguinte:

…inexiste qualquer elemento nos autos que nos possa levar a concluir que, com a venda dos bens supra aludidos tenhamos os requeridos pretendido dissipar o seu património, ou de algum modo, prejudicar os credores ou ainda que a não apresentação atempada à falência tenha importado algum prejuízo para os credores, pois o que resulta à evidência é que com tal comportamento pretenderam tão só pagar as dívidas aos seus (vários) credores, o que fizeram, talvez sem seguir uma lista de verificação e graduação de créditos nos termos em que neste momento existe neste processo, antes procedendo ao pagamento de dívidas nos termos em que o homem médio faz: de acordo com a “urgência” da dívida, ou seja, com as consequências que advêm do seu não pagamento; revelando, na globalidade, um comportamento pautado pela boa fé, transparência e honestidade, o que, a nosso ver, impõe que lhes seja dada uma oportunidade para durante os próximos cinco anos, sujeitos a um regime probatório, façam por merecer a concessão da exoneração do passivo restante, e assim possam começar a sua vida de novo.”

Constata-se que o requerimento para declaração de insolvência, apresentado pela A…, deu entrada no Tribunal Judicial da Figueira da Foz em 21.08.2007 e o incumprimento dos créditos da requerente pelos recorridos/insolventes remonta a 25.02.2006 – cfr. pontos A-10 e I dos factos acima tidos por assentes.

Considerou-se na decisão agravada serem os insolventes pessoas singulares, não titulares de uma empresa na data em que incorreram em situação de insolvência, e como tal não se encontravam sujeitos ao dever de apresentação à insolvência – n.º 2 do artigo 18º.

 Isto é, entendeu-se aquela data de 25.02.2006 como sendo a da verificação da situação de insolvência, pelo que havendo celebrado os insolventes em 9 de Maio de 2005 o contrato denominado de “trespasse”, em que a requerida, com o consentimento do requerido, declarou vender, por trespasse, o estabelecimento comercial de farmácia denominado “E…” – ponto A-14 dos factos provados –, nessa data já não eram titulares de uma empresa, na acepção do art. 5º.

Não se encontrando, assim, sujeitos ao dever de requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência (nº 1 do art.18º) deviam, contudo, terem-no feito nos seis meses seguintes à sua verificação (al. d), do nº 1, do art. 238º), no caso, até 25.08.2006.

Não o fizeram, ou melhor, nunca o fizeram já que a iniciativa para tal declaração partiu da recorrente CGD com a apresentação da sua petição em 21.08.07, cerca de um ano depois. Os recorridos/insolventes incumpriram, pois, aquela obrigação.

Mas, para além deste incumprimento, exige ainda a lei que o mesmo ocorra “com prejuízo… para os credores, e sabendo (o devedor), ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.

Ora, a leitura dos factos provados demonstra que no espaço de tempo compreendido entre 25.02.2006 e 21.08.2007 os insolventes alienaram os seguintes bens:

- em 20.11.2006, a G..., seu sobrinho, o prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão, sito na Rua Direita do Vizo, n.° 1, Vizo, freguesia de Lavos, pelo preço de €215.070,00 (A-15.dos factos provados).

- em 23.03.2007, a K… e mulher L…, três imóveis:

- Prédio Urbano composto por terreno para construção urbana, com a área de 1.350m2,sito em Vale Leão, freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz pelo preço de €30.000,00;

- Prédio Urbano composto por terreno para construção urbana, com a área de 3 050m2, sito em Vale Leão, freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz pelo preço de €70.000,00;

- Prédio Urbano composto por terreno para construção urbana, com a área de 1,810m2,sito em Vale Leão, freguesia de Buarcos, concelho de Figueira da Foz pelo preço de €50.000,00 (A-16.dos factos provados).

A crer nos valores mencionados os insolventes terão arrecadado com estas operações o montante de 365.070,00 €, quando o valor dos créditos posteriormente reclamados, verificados e graduados, mas contemporâneos daquelas vendas, à data da sentença - 27.06.08 - era de 596.368,74 €[8], sendo de 533.369,56 € o valor do total de créditos garantidos e privilegiados( cf. relatório do Administrador de Insolvência a fls 452).

Perante este quadro de valores o Sr. Administrador de Insolvência entendeu que os problemas económicos e financeiros apresentados pelos insolventes eram de tal monta que “ inviabilizam o pagamento das suas obrigações assumidas com os credores. Assim sendo, não há lugar à elaboração de um plano de insolvência/pagamentos pelo que se sugere a liquidação imediata do património dos insolventes”.

Mas, como se verifica da transcrição acima feita, a decisão agravada entendeu que a não apresentação à insolvência e a venda dos bens pelos recorridos não importou algum prejuízo para os credores, pois que o que eles insolventes pretenderam foi tão só pagar as dívidas aos seus credores, o que fizeram, nos termos em que o homem médio faz: de acordo com a “urgência” da dívida.

Não sufragamos tal entendimento que se nos afigura emanar de uma análise algo perfunctória dos factos disponíveis. Se não, vejamos!

Relativamente à venda do prédio urbano ao sobrinho, sito em Lavos, os insolventes alegam ter utilizado parte do montante obtido na amortização de um empréstimo que haviam contraído junto do então M…, actual N…, na entrega ao cunhado, pai do comprador, de 55.071,00 € porque teria suportado custos com a construção do mesmo, e retido para si o insolvente C… 38.667,91 € (nº 20 a 29 da oposição de fls 127).

No que respeita aos três prédios urbanos situados em “ Vale Leão”, Buarcos, alegam terem com as importâncias recebidas pago fornecedores da farmácia e outros empréstimos (nºs 46 a 48 da oposição).

Claramente resulta da sentença de graduação de créditos, do relatório do Administrador da Insolvência, e da própria oposição que deduziram a alguns dos fundamentos invocados pela requerente CGD, que os insolventes no período de tempo em causa - 25.02.2006 a 21.08.2007 -  encontravam-se completamente mergulhados num mar de dívidas de valores elevados. Não se apresentaram à insolvência e optaram, aceitando por boa a explicação dada de pretenderem honrar os compromissos, por vender bens escolhendo eles a quem pagar segundo os seus critérios.

E o que verificamos? Que sendo os créditos reclamados quase todos garantidos e privilegiados (num total de 596.368,74 € só 62.999,18 € respeitam a créditos comuns), os insolventes destinaram quase a totalidade do valor recebido daquelas vendas - 365.070,00 € – a satisfazer credores comuns, como o cunhado, fornecedores da farmácia, e outros empréstimos que  não particularizaram, retendo ainda para si uma pequena parte.

Isto, aceitando como boas as informações que prestaram pois que o suporte probatório espontaneamente oferecido revela-se manifestamente insuficiente quanto a alguns dos pagamentos que dizem ter feito, mas também o tribunal recorrido nada mais lhes solicitou ou indagou para além de procurar saber dos seus actuais rendimentos, quando os requisitos apresentados por lei obrigam à produção de prova e a um juízo de mérito por parte do juiz sobre o preenchimento dos requisitos substantivos destinados a dar a perceber se o devedor merece, ou não, uma nova oportunidade, pelo que teria sido curial algo mais se apurar a este respeito.

É que, exigindo não só se ajuda a demonstrar e fortalecer a razão de quem a tem, como o tribunal avalia e decide com maior segurança, e poderia tê-lo feito porquanto no processo de insolvência vem fixado o poder inquisitório do juiz (cf. artigo 11º).

 Em suma, não suscita alguma dúvida que os insolventes retardaram a satisfação da necessidade de se proceder à liquidação do seu património não se apresentando à insolvência, e que, assumindo a responsabilidade de com os pagamentos que efectuaram privilegiarem uns credores em detrimento de outros, evitaram e contrariaram o princípio da igualdade de tratamento dos credores, trave basilar do regime da insolvência (cf. art. 194º, nº 1) nas “ duas facetas em que se desdobra... traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário”[9]. Por isso, não faz sentido chamar à colação, a este propósito, a diligência do “homem médio”.

Do mesmo modo, o conceito de prejuízo para os credores da al. d) do art. 238º não tem que ver só com a dissipação do património dos devedores, mas também com o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros, nomeadamente, como foi o caso, pagando a credores comuns em prejuízo de credores garantidos (cf. art.47º, nº 4, e 174º e segs.).

Essas dívidas deviam ter aguardado a declaração de insolvência e ser objecto de reclamação nela, sendo satisfeitas de acordo com a igualdade dos demais credores.

Depois, face ao volume do passivo e à natureza e valor dos bens que poderiam alienar, os insolventes tinham perfeita consciência de que lhes seria totalmente impossível estancar as dívidas e melhorar a sua situação económica. Tanto assim é que quando confrontados com o pedido de declaração de insolvência da agravante imediatamente declararam a tal não se oporem, logo a confessaram apenas rejeitando algumas afirmações contidas na petição.

Aliás, estamos perante um quadro que não surgiu ou se confina ao período que vimos considerando, a partir de 2006.02.25, coincidente com a data em que os insolventes deixaram de cumprir com as obrigações assumidas para com a requerente, e a que se restringiu a valoração da decisão recorrida. 

Concorda-se com a agravante na sustentação de que os insolventes quando alienaram a farmácia, em 9 de Maio de 2005, o único activo de onde poderiam retirar algum rendimento, comprometeram praticamente qualquer possibilidade de melhorarem a sua situação económica.

Com o trespasse do estabelecimento e o posto de medicamentos, suporte da sua actividade económica, tornaram essa melhoria inviável acentuando o caminho da insolvência. A actual situação profissional e económica daí adveniente por eles dada a conhecer em 27.05.08 (fls. 542) é bem a prova disso mesmo[10].

Logo aí, não obstante se libertarem de pesado passivo, se verificava situação da sua insolvência e a ela se deveriam ter apresentado se tivermos em conta as restantes dívidas graduadas e as que confessam ter pago com as receitas obtidas nas vendas referidas. Isto, porque a situação de insolvência ocorre quando o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas ou está perante insolvência iminente (art. 3º, nºs 1 e 4), e é inegável face aos dados insertos nos autos que a situação de precariedade monetária dos recorridos ocorre pelo menos desde Maio de 2005 e se acentuou inexoravelmente desde aí.

 Nessa data, com o trespasse da farmácia e o posto de medicamentos, face ao passivo existente, os insolventes estavam em perfeitas condições de conhecer, e disso tinham obrigação até pela sua condição académica e social inerentes a essa actividade, que se encontravam já numa situação de insolvência ou, se o não estavam, nela iriam cair em curto prazo, isto é, estava iminente[11].

Também com essa transacção os recorridos, de acordo com o que eles próprios alegam (nºs 10 a 17 da oposição), violaram o princípio de igualdade de credores pois que agiram com prejuízo da requerente esvaziando de garantia o seu crédito para satisfazer outros credores comuns.

Por conseguinte, com os dados disponíveis o julgador da 1ª instância poderia desde logo ter valorizado a realidade económica dos insolventes àquela data de 9 de Maio de 2005 não se confinando à data do incumprimento das obrigações para com a requerente da insolvência.

 Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “ O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Assim mesmo, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.”[12]

No processo de insolvência, como já evidenciamos, está fixado o poder inquisitório do juiz no artigo 11º, permitindo-lhe fundar a decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes, tudo em conformidade com o art. 265º, nº 3, do CPC.

Como quer que seja, ainda que só se tenha em conta a data de 2006.02.25 como sendo a da verificação da situação de insolvência, é inquestionável que os recorridos se abstiveram de se apresentar à insolvência no prazo dos seis meses seguintes, e mesmo depois desse prazo uma vez que o seu decurso não fez cessar o correspondente dever, com perfeita consciência de que não tinham qualquer possibilidade séria de melhorar a sua situação económica, e com inegável prejuízo de credores já que alienaram parte do seu património desfalcando a massa insolvente e procederam ao pagamento de dívidas privilegiando alguns em detrimento de outros.

Deve mesmo presumir-se o prejuízo dos credores do facto de os requerentes da exoneração não se terem apresentado à insolvência, quando era manifesto que eles, desde há vários anos, não tinham bens em número e valor susceptíveis de satisfazer os créditos dos seus credores[13], e passados esses anos foram prestes a confessar a sua insolvência requerida por outrem[14].



Passando a outro motivo, aduz ainda a Exma Juíza na sustentação da sua decisão que os recorridos revelam, na globalidade, um comportamento pautado pela boa fé, transparência e honestidade.

Queremos dizer que há pelo menos uma situação que suscita fortes dúvidas de que assim tenham agido. Estamos a reportar-nos à venda do prédio urbano feita ao sobrinho G... em 20.11.2006.

 E a mesma dúvida assaltou o Administrador da Insolvência que por ela suscitou à assembleia de credores deliberação sobre a sua resolução[15].

É que a finalidade precípua do processo de insolvência é o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência e como resulta do ponto 6 do preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004 de 18/03, que aprovou o CIRE, o processo de insolvência “visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.

Finalidade, bem expressa, para além de outras normas, nomeadamente, nos arts. 1º, 120º, 121º e 194º, nº 1.

Esta situação e comportamento nada claros igualmente devem ser tidos em conta na apreciação da pretensão dos recorridos.

Sempre importa na ponderação dos requisitos exigidos ao devedor a apreciação da sua conduta anterior e actual em ordem a se apurar se é de molde a se poder concluir que o insolvente reúne condições, ou não, para que lhe seja dada uma nova oportunidade, ainda que submetendo-o a um período probatório de 5 anos, denominado “período de cessão” – n.º 2 do art. 239º -, que poderá culminar, ou não, na concessão efectiva da exoneração, na possibilidade de retomar em pleno a sua actividade económica sem o peso do passivo anterior.

A primordial tarefa a ter em conta é, pois, aferir se o devedor insolvente é merecedor de uma nova oportunidade, e para esse facto deverá levar-se em atenção situações ligadas ao seu passado, comportamento relativo à sua situação de insolvente e que para tal contribuiu ou agravou, bem como ao cumprimento dos deveres associados ao processo de insolvência. No essencial, condições versadas nas diferentes alíneas do art. 238º, no seu nº 1.

Considera Maria de Assunção Oliveira Cristas[16], que para ser proferido despacho inicial é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que “tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência”, aferindo-se da sua boa conduta.

Ora, as últimas vendas do património imobiliário, particularmente a efectuada ao sobrinho, não se apresentam nada transparentes e de boa fé.

Mas, alegam os recorridos que são titulares ainda de vários bens imóveis, já apreendidos para a massa, com o produto dos quais poderão “ fazer face a parte do passivo”, e beneficiam de rendimentos de trabalho.

Dizem bem, poderão “ fazer face a parte do passivo”, porque antolha-se que, dado o montante das dívidas, a venda desse património, todo ele afecto a garantias reais prevalecentes e privilégios creditórios, bem como os rendimentos do trabalho e renda auferida, parcialmente penhorados, não serão suficientes para dar pagamento a todos os credores, nem mesmo ao longo dos cinco anos da cessão.

A exoneração do passivo restante traduzindo-se, como acima dissemos, na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, trata-se de um benefício concedido aos insolventes, verdadeiramente de um perdão de dívidas, que poderá atingir montantes elevados, com o correspondente sacrifício dos credores que os perdem, por perderem

os seus créditos[17], em nome do interesse social de lhes permitir que retomem a sua actividade económica.

Como entende a autora acima citada, no mesmo local, “ É neste momento inicial de obtenção do despacho inicial de acolhimento do pedido de exoneração que há porventura os requisitos mais apertados a preencher e a provar. A conduta do devedor é devidamente analisada através da ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta”.

Torna-se, pois, necessário um especial cuidado e rigor na apreciação da conduta dos insolventes “apertando-a, com ponderação de dados objectivos”. A mesma deve apresentar-se sem mácula, transparente, e sem qualquer indício de má fé sob pena de se estar a proceder a um verdadeiro branqueamento de dívidas, impondo o Estado gratuitamente danos aos credores que perdem e nada colhem.

 Se assim não for, o incidente vai esgotar-se num instrumento oportunistica e habilidosamente empregue unicamente com o objectivo de se libertarem os devedores de avultadas dívidas, sem qualquer propósito mesmo de alcançar o seu regresso à actividade económica, no fundo o interesse social perseguido.

Então, o incidente ir-se-á reduzir à apresentação de um requerimento inicial que nos termos do nº 3 do art. 236º não é mais do que uma declaração genérica de intenções, e à manutenção de “ boa conduta” do devedor despojado de alguns dos seus rendimentos (o rendimento disponível) durante a cessão, para decorrido o prazo de cinco anos alcançar a exoneração do passivo restante que pode ser de montante avultado - “ a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados” (art. 245º, nº 1)[18] -, pois que o juiz na prolação desta decisão não dispõe de um poder discricionário de conceder, ou não, a exoneração, antes está vinculado à verificação, ou não, dos requisitos do art. 243º[19], sem que se divise sequer, mesmo em termos verosímeis, o almejado retorno à actividade económica do beneficiário dado que a este título nenhuma comprovação lhe é exigível.

Entretanto, afastados desta “ limpeza” estão os créditos tributários que não são abrangidas em circunstância alguma pela exoneração do passivo restante, (art. 245º, nº 2, al d)), daí que a agravante, existindo dívidas ao Fisco em valor elevado (€229.213,69), entenda que a decisão recorrida deferindo a pretensão dos recorridos não permite o respeito da regra da igualdade de credores relativamente ao produto final que for apurado e entregue ao fiduciário durante o prazo fixado na lei, ou seja, nos cinco anos subsequentes, enquanto durar a medida da suspensão estabelecida no art. 242°, constituindo igualmente fundamento para indeferir o pedido da exoneração do passivo restante.

Assim é, na realidade. A subtracção ao efeito da exoneração “ dos créditos tributários – que são, além do mais, muito frequentes e têm, na prática, uma grande extensão – revela uma generosidade excessiva da lei para com o Estado e constitui uma discriminação injustificada no universo dos credores[20].

Todavia, não assiste razão nesta parte à recorrente porquanto durante a vigência do período de cessão de rendimentos todos os créditos verificados e graduados, incluindo os tributários, serão pagos de acordo com o estabelecido nos arts.174º e segs., precisamente de igual forma o que é semelhante e diferentemente o que é distinto. A diferença só ocorrerá cessado que seja esse período com a exoneração do devedor, pois que então, sim, a mesma importa a extinção de todos os créditos que ainda subsistam, com excepção de alguns de entre os quais os créditos tributários (art. 245º, nº 2, al d). Portanto, a não concretização da igualdade só poderá ocorrer se após a exoneração entre os créditos que subsistirem se encontrarem créditos tributários.

Resumindo e concluindo, merece provimento o recurso uma vez que o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos recorridos deveria ter sido liminarmente indeferido pelo facto de ocorrer a verificação da condição da al. d), do n.º 1 do art. 238º que dispõe que deve ser indeferido o pedido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação da insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.


III-DECISÃO


Em face de todo o exposto, concede-se provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida.

Custas pela massa insolvente.

Coimbra,




[1] Relator: Gregório Silva Jesus— Adjuntos: Desembargadores Regina Rosa e Artur Dias.
[2] O código da insolvência alemã, Rechstschuldbrefeiung da Insolvenzordnung, foi a fonte directa da nossa lei.
[3] In “O Novo Regime Jurídico da Insolvência” - Uma Introdução, 3ª ed., pág.102/103.
[4] Fiduciário é a denominação atribuída pela lei à entidade que para além do acima referido tem ainda por função notificar a cessão dos rendimentos do devedor às pessoas ou entidades de quem este tem direito de os receber, afectar os rendimentos recebidos a determinados pagamentos, e, se a assembleia de credores lha conferir, fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre ele impendem decorrentes da cessão de rendimentos (art. 241º, nºs 1 e 3).
[5] Tratam-se, grosso modo, de créditos futuros cedidos pelo devedor a terceiros, dos rendimentos necessários para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e exercício da sua actividade profissional, e dos rendimentos para fazer face a outras despesas que o juiz, em seu prudente arbítrio, expressamente ressalve.
[6] Pode ocorrer a cessação do procedimento de exoneração do passivo restante antes de decorrido o período de cessão verificado que seja algum dos casos previstos nos diferentes números do art. 243º.
[7] Cfr. Luis Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, vol.II, pág.190.
[8] Mas há pelo menos mais um, de montante desconhecido, a que corresponde o termo de protesto lavrado a fls. 642 destes autos.
[9]Luis Carvalho Fernandes e João Labareda, loc. cit., pág.45
[10] A insolvente mulher desloca-se diariamente de Marinha das Ondas, onde reside, para S. Martinho do Porto onde exerce a actividade de farmacêutica em estabelecimento de outrem, enquanto que o insolvente marido aufere uma pensão de reforma, trabalhando ocasionalmente para uma clínica de acupunctura na zona de Torres Vedras e Lisboa.
[11] Sobre a caracterização da insolvência iminente veja-se Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, na ob. cit., vol. I, pag. 69 e segs.
[12] Ob. cit., vol. I, pag.70/71
[13] Neste sentido, Ac. da R.L. de 26/10/06, na CJ, 2006, tomo IV, pag. 97.
[14] Veja-se que mesmo depois de a requerente por cartas de 19/02/07 e 17/04/07 (cf. A-12 e A-13 dos factos dados por assentes) os ameaçar com o recurso à via judicial, os recorridos se mantiveram quedos para poucos meses depois, 21/09/07, reconhecerem de imediato a sua situação de insolvência.
[15] Cf. relatório de fls.452 a 517. Também a agravante no seu pedido de aclaração de fls. 619 dá notícia de a Comissão de Credores se haver pronunciado já no sentido do Sr. Administrador promover a resolução de alguns negócios jurídicos realizados pelos agravados.
[16] Novo Direito da Insolvência, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Ed. Especial, pág. 170.
[17] De acordo com o nº 4 do art. 217º mantêm os direitos de que dispunham contra os condevedores e terceiros garantes, o que sendo óbvio tem no entanto uma eficácia restrita por, seguramente, não abranger a maioria dos casos.
[18] Com vantagem significativa se nos recordarmos que em 5 anos se liberta de dívidas que só ao fim de 20 anos, em regra, prescreveriam de acordo com o art. 309º do Código Civil.
[19] Neste sentido Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, na ob. cit., vol.II, pag.206.
Também Maria de Assunção Oliveira Cristas, no estudo referido, a págs. 171, entende que só o incumprimento doloso ou com negligência grave das imposições do nº 4 do art. 239º não viabilizará a exoneração do passivo restante, e ainda assim somente se se provar que com a sua atitude o devedor determinou a inviabilidade de satisfação dos créditos sobre a insolvência (cf. art. 243º, nº 1, al. a)). Portanto, uma actuação meramente negligente não prejudica o devedor.
[20] Catarina Serra, ob. cit., pag. 104.