Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2842/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
INTERPRETAÇÃO DO TERMO "PRESENCIAR"
Data do Acordão: 11/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 243º DO C. P. PENAL
Sumário: O termo presenciar do art.º 243º do C. P. Penal terá de ser interpretado de forma a nele incluir toda a comprovação pessoal e directa se bem que não imediata, podendo nele incluir o “imediatamente antes” como integrando o “momento” da prática dos factos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal desta Relação:

O Digno Magistrado do Ministério Público acusou o arguido
A..., casado, agricultor, filho de B... e de C..., nascido em 20/03/1944, natural da freguesia de Inguias, Belmonte, residente na Quinta do Espinhal, Inguias,

imputando-lhe a prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelos artigos 292º e 69º, nº 1 alínea a), do Código Penal

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Efectuado o julgamento foi proferida a sentença de fls. 28 e segs na qual
se decidiu , na integral procedência da acusação, julgar o arguido A... autor de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal, e, em consequência, condená-lo:

a) na pena de oitenta (80) dias de multa, à taxa diária de cinco euros (5 euros), o que perfaz o quantitativo de quatrocentos euros (400 euros); e

b) na sanção acessória da inibição de conduzir veículos a motor por um período de quatro (4) meses.

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Inconformado, recorreu o arguido, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. Da fundamentação da sentença recorrida resulta que, para condenar o arguido, ou seja, para demonstrar que o arguido conduzia em estado de embriaguez, o Tribunal socorreu-se das declarações prestadas pela testemunha Armando Rebelo e das declarações atribuídas ao arguido juntas por documento assinado a fls. 12 dos autos.
2. A testemunha invocada não presenciou os factos uma vez que foi chamada ao local por um funcionário do Intermarché e conforme expressamente se refere no auto por si subscrito a fls dos autos, no campo subordinado ao título “descrição do acidente”;
3. Do teor deste auto não resulta sequer que tivesse havido algum acidente.
4. O depoimento da testemunha, nos termos sobreditos, é de “ouvir dizer” e como tal não pode ser valorado como prova nos termos do disposto no artº 130º, nº 1 do CPP.
5. O tribunal valorou como prova o teor das ditas declarações do arguido, e não o podia fazer, na medida em que tais declarações foram prestadas perante o senhor agente de autoridade em momento anterior ao julgamento, e o arguido remeteu-se ao silêncio em sede de audiência e não pediu a leitura das ditas declarações – mostra-se violado o disposto no artº 357º, nº 1 e 2 e 125º do CPP.
6. Não podendo ser atendido o teor das declarações da testemunha referida, por se tratar de depoimento de ouvir dizer e não podendo ser valorado como prova o teor das declarações do arguido a fls. 12 – o Tribunal julgou sem prova.
7. Nos termos sobreditos, enferma da falta de fundamentação a douta sentença recorrida, o que a torna nula, nos termos do disposto nos artigos 379º e segs. do CPP.
8. Mesmo que resultasse provada a prática do ilícito pelo arguido, o que por mera hipótese académica se admite, sempre as penas concretamente aplicadas ao arguido, tanto a principal como a acessória, seriam de reduzir, pois afigura-se-nos que, salvo devido respeito por opinião contrária, pecam por excesso de zelo e não atendem às circunstâncias profissionais, económicas e familiares do arguido.
9. Tanto a pena principal como a acessória deveriam ser fixadas no mínimo legalmente previsto, porquanto, quando muito, o arguido agiu com negligência e não com culpa grosseira. É infractor primário. Trabalha na agricultura de subsistência e reside com a esposa, o filho , a mãe e a sogra. Factos que não foram tidos em consideração, encontrando-se violadas as disposições constantes dos artigos 71º e 40º, nº 2 do CP.
10. Atenta a necessidade que o arguido tem da carta de condução para conduzir diariamente o tractor com que agriculta a terra onde colhe o seu parco sustento, também, a sanção acessória de inibição de conduzir deve ser suspensa na sua execução, ainda que contra a prestação de caução a fixar pelo Tribunal, e reduzida o mínimo legal.
11. Deve-se substituir a sentença recorrida por outra que se dê provimento ao recorrente.

O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta Relação o Exmo. Procurador – Geral Adjunto emite parecer no sentido da integral confirmação da sentença sindicada já que em sede de fundamentação da convicção probatória mostram-se inteiramente correctos e conformes à lei os juízo lógico dedutivos aí plasmados, com resultado na factualidade considerada provada sendo que ás penas se mostram ajustadas.

Parecer que notificado não mereceu resposta.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Como não foi requerida a documentação dos actos da audiência e inexiste vício ou nulidade de que deva conhecer-se (artº 410º, nº 2 e 3 do CPP) é de aceitar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância (artºs 364º, nº 1 e 428º, nº 2 do CPP) ficando o recurso limitado à matéria de direito

As questões a resolver são as seguintes:
A. Rejeição do recurso por manifesta improcedência.
B. Agente de autoridade - Depoimento indirecto - Auto de notícia
C. Pena de multa – Quantum (número de dias e taxa diária)
D. Pena acessória de inibição – Medida e suspensão

Factos dados como provados:

1-No dia 2 de Maio de 2005, pelas 12 horas e 55 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula NQ-67-01 no Parque de Estacionamento do Intermarché, da Guarda, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,42 gramas por litro.

2-Antes de iniciar a condução o arguido ingeriu bebidas alcoólicas.

3-O arguido agiu de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que antes de empreender a condução ingerira bebidas alcoólicas em quantidade tal que necessariamente lhe provocariam uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida para conduzir veículos na via pública.

4-Sabia o arguido que a sua descrita actuação era proibida e punida por lei como crime.

5-O arguido trabalha na agricultura de subsistência.

6-Vive com a sua esposa, com um filho, com a sua mãe e com a sua sogra.
7- O arguido não tem antecedentes criminais.

A convicção do Tribunal baseou-se no documento correspondente ao registo emitido pelo aparelho “Drager Alcotest” junto aos autos a fls. 4, no documento de fls. 12, no qual o arguido declara que ao entrar no supermercado bateu na cancela, e nas declarações da testemunha Armando Augusto Rebelo Carrainho, agente autuante, que depôs de forma isenta e rigorosa, o qual referiu em audiência que se deslocou no dia e hora que constam do auto de notícia ao Intermarché da Guarda, em virtude de ter sido chamado ao local por um funcionário do Intermarché devido a um acidente de viação, quando lá chegou encontrou o arguido, que se encontrava junto ao veículo em questão, e que o mesmo aceitou submeter-se ao teste quantitativo de alcoolémia no sangue tendo acusado uma TAS de 1, 42 g/l.
Quanto às condições pessoais e económicas do arguido relevou o depoimento da testemunha Francelino José Figueiredo Valério, o qual se afigurou credível.
Quanto aos antecedentes criminais, o tribunal fundou a sua convicção no teor do CRC junto aos autos.

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A- Rejeição do recurso por manifesta improcedência

Primeira e prévia questão que cumpre conhecer é a que foi suscitada no exame preliminar, qual seja a da rejeição do recurso na parte em que vem impugnada a decisão de direito.

Estabelece o nº 1 do artº 420º do CPP, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artº 414º, nº 2 do CPP.

Conquanto a lei adjectiva penal não forneça qualquer definição sobre o conceito de manifesta improcedência , certo é que os nossos tribunais superiores vêm entendendo, sem dissonância, que aquela situação se verifica quando o recurso se mostre desprovido de fundamento ou quando a sua inviabilidade se revele inequívoca( -Cfr. entre muitos outros os acs. do STJ de 97.09.18 e de 97.10.30, proferidos nos processos nºs 663/97 e 937/97)

É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e ás posições da jurisprudência sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.( - Ac. do STJ de 18-4-02 Processo nº 1082/02- 5ª)

É o que iremos demonstrar de seguida.

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B- Agente de autoridade - Depoimento indirecto - Auto de notícia

Defende o recorrente que a testemunha invocada não presenciou os factos uma vez que foi chamada ao local por um funcionário do Intermarché e conforme expressamente se refere no auto por si subscrito a fls dos autos, no campo subordinado ao título “descrição do acidente”.

Do teor deste auto não resulta sequer que tivesse havido algum acidente.

O depoimento da testemunha, nos termos sobreditos, é de “ouvir dizer” e como tal não pode ser valorado como prova nos termos do disposto no artº 130º, nº 1 do CPP.

Decidindo:

A questão ora colocada, uma vez que estamos perante um agente da autoridade , terá que ser apreciada não nos termos do “testemunho de ouvir dizer”(arts. 129º e segs. do CPP) mas sim num enquadramento diverso qual seja o do levantamento do auto de notícia por uma entidade policial.

Os autos de notícia, desde que obedeçam às prescrições legais, gozam de força probatória que é conferida aos documentos autênticos e autenticados, isto é fazem prova plena dos factos que documentam, enquanto a sua autenticidade ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postos em causa (cfr. artº 169º do CPP).

Não sendo rodeados estes requisitos terão o valor que o tribunal livremente lhes conferir ( - Código de Processo Penal, 2º Vol.pag. 16 Simas Santos ,leal Henriques e Borges Pinho)

O artº 243º do CPP estabelece que “sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia ….”

Resulta assim deste normativo que não tem força probatória, e por isso, não faz fé em juízo, o auto de notícia que não tenha em que a entidade policial não tenha presenciado os factos.

Mas qual o sentido a dar à palavra presenciar ? Será que apenas estão incluídos os factos que o agente “viu” ?

Parece-nos que se terá de fazer uma interpretação mais abrangente de forma a nela incluir toda a comprovação pessoal e directa se bem que não imediata, podendo nela incluir no presenciar o “imediatamente antes” como integrando o “momento” da prática dos factos.

Deste modo considerando que no caso o agente autuante e testemunha Armando Carrainho “se deslocou no dia e hora que constam do auto de notícia ao Intermarché da Guarda , em virtude de ter sido chamado ao local por um funcionário do Intermarché devido a um acidente de viação, quando lá chegou encontrou o arguido que se encontrava junto ao veículo em questão, e que o mesmo aceitou submeter-se ao teste quantitativo …”, numa situação de “quase presenciar”,”acabou de cometer”, conclui-se que o auto de notícia não enfermará de qualquer anomalia que impeça se ser valorado nos termos supra referidos e consequentemente o depoimento do elemento da PSP podia ser valorado da forma como o foi pelo tribunal a quo.

Sublinhe-se que a fé em juízo dos autos de noticia não acarreta ou envolve qualquer presunção de culpabilidade, já que na audiência de discussão e julgamento o arguido pode produzir prova em ordem em intimar o que daquele auto conste.

Por último não queremos deixar de realçar que o exposto não significa, no entanto, que se prescinda da prova testemunhal que teve conhecimento dos factos relatados no auto de notícia, como parece ter acontecido no caso, com o “funcionário do Intermarché “ que presenciou o acidente e desencadeou a intervenção da autoridade.

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C- Direito ao silêncio - Âmbito

Diz o recorrente que o tribunal valorou como prova o teor das ditas declarações do arguido, e não o podia fazer, na medida em que tais declarações foram prestadas perante o senhor agente de autoridade em momento anterior ao julgamento, e o arguido remeteu-se ao silêncio em sede de audiência e não pediu a leitura das ditas declarações – mostra-se violado o disposto no artº 357º, nº 1 e 2 e 125º do CPP.

Decidindo:

Nos termos do artº 355º, nº 1 do CPP não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tivessem sido produzidas ou examinadas em audiência.

No caso, como resulta da acta de audiência de julgamento, não consta que o documento tenha sido examinado, no entanto tal não implica que o mesmo não possa ser valorado, já que se trata de documento cuja veracidade não foi posta em causa e que consta dos autos, estando assim garantindo o exercício do contraditório. ( -Neste sentido Ac. 87/99 do Tribunal Constitucional de 10.2.99 ao não considerar inconstitucionais os normativos do artº 355º do CPP, interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento., considerando-se neste produzidas e examinadas, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida. Também acs., do STJ de 10.7.96 CJSTJ IV,I,229, 23.2.05 CJ-STJ I- 211)

Sublinhe-se que a lei processual relativamente à audiência de discussão e julgamento apenas impõe sejam submetidos ao princípio do contraditório os meios de prova apresentados no seu decurso (nº 2 do art. 327º do CPP)

Por isso, constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores o entendimento segundo o qual o artº 355º, deve ser interpretado no sentido de que a prova constante de documentos incorporados no processo, pelo simples facto de ali se encontrar, considera-se automaticamente produzida e examinada na audiência, sem que quanto a ela a lei exija uma leitura pública.

Deste modo não pode agora o arguido a coberto do direito ao silêncio que a lei lhe garante aprecie livremente uma declaração por si manuscrita e assinada.

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D- Pena de multa – Quantum ( número de dias e taxa diária)

Considera o recorrente que mesmo que resultasse provada a prática do ilícito pelo arguido, o que por mera hipótese académica se admite, sempre as penas concretamente aplicadas ao arguido, tanto a principal como a acessória, seriam de reduzir, pois afigura-se-nos que, salvo devido respeito por opinião contrária, pecam por excesso de zelo e não atendem às circunstâncias profissionais, económicas e familiares do arguido.

Tanto a pena principal como a acessória deveriam ser fixadas no mínimo legalmente previsto, porquanto, quando muito, o arguido agiu com negligência e não com culpa grosseira. É infractor primário. Trabalha na agricultura de subsistência e reside com a esposa, o filho , a mãe e a sogra. Factos que não foram tidos em consideração, encontrando-se violadas as disposições constantes dos artigos 71º e 40º, nº 2 do CP.

Decidindo:

Determinação do quantum(número de dias) da pena

No que respeita ao quantum da pena cominada, observar-se-á que a determinação concreta da medida da pena dentro da respectiva moldura – artº 71º do CP – faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no referido dispositivo, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de direito penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 4º, nº 1 do CP – sem esquecer , obviamente , que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – artº 40º, nº 2 do CP.

Efectivamente, a partir da revisão operada ao Código Penal a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção especial, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positivas ou de socialização, excepcionalmente negativas ou de intimidação ou seguranças individuais.

É este o critério da lei fundamental – artº 18º, nº 2 da CRP – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 ( - Vide Figueiredo Dias, temas Básicos da Doutrina Penal – 3º tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena criminal (2001), 104/111.)

Como refere Anabela Rodrigues( - Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena 177/208.), o artº 40º do CP, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programo político-criminal – a de que todo o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena de onde resulta que:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela necessidade de tutela dos bens jurídicos, isto é, pela exigência de prevenção geral positiva (moldura de prevenção).Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente , a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.”

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa( -O mínimo da pena,como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues , ibidem, 178/179, bem como Taipa de carvalho, Liber Disicpulorum para Jorge Figueiredo Dias,317/329, ao defender que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima.),elegendo em cada caso, aquela que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial á tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não obviamente, num sentido retrospectivo, face a um fato já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.( -Cfr. Figueiredo Dias, temas Básicos da Doutrina Penal, 105/106.)

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece ,ou seja, deve correspondente à gravidade do crime, pois só assim, se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.

Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada á culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral( - Vide Clausa Roxin Culpabilidade y Prevención En Derecho Penal ( tradução de Muñoz Conde), 96/98)

Ao crime em apreço cabe uma pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

O tribunal a quo considerou adequada uma pena de 80 dias de multa.

O recorrente entende que se deve aplicar uma pena de 10 dias de multa.

Assim como o tribunal a quo consideramos que o grau de ilicitude dos factos é elevado, o dolo é intenso, posto que directo ou de primeiro grau.

Não confessou os factos, sendo que não obstante a pouca relevância atenuativa neste tipo de crimes, poderia o tribunal ter oportunidade de saber se está arrependido por forma a demonstrar que reconheceu o mal praticado e o repudiava, só assim se poderia fazer um juízo favorável sobre o seu comportamento futuro.

Tudo ponderado nomeadamente a ausência de antecedentes criminais e tendo também em conta as especiais exigências de prevenção geral neste campo, que impõem uma censura firme, única forma de restabelecer a confiança da comunidade e de defender o ordenamento jurídico, torna-se evidente que a pena cominada não merece censura.

Determinação do quantum(montante diário) da pena

O critério de determinação concreta da pena de prisão ou de multa, estabelecido no artº71º do CP não é o mesmo que determina o montante da taxa diária da multa(artº 47º do CP).

Como dissemos naquele prevalece a culpa(pena na medida da culpa) e devem ter-se em conta as exigências de prevenção.

Neste apenas a situação económica e financeira do condenado e seus encargos pessoais são determinantes.

"A verdade é que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Tudo quanto respeite à situação económico- financeira do condenado apenas assume relevância na fixação do quantitativo diário da multa.( - Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 127)

Assim deverá ter-se em atenção o rendimento global do condenado, bem como todos os encargos considerados normais(nomeadamente os que são necessários para a satisfação das necessidades de alimentação, habitação ,de educação etc.) atentos os parâmetros de vida de acordo com a condição social respectiva, caso não fiquem demonstrados em concreto o montante desses encargos.

Tendo em conta o exposto, os limites fixados na lei para o montante da taxa diária da multa (1 a 498,80 €),a demonstrada situação económica do arguido e seu agregado familiar que embora não fixada em números concretos nos permite concluir que não é nenhum indigente já que é proprietário de um veículo ligeiro de mercadorias e de um tractor afigura-se-nos não merecer censura a sentença recorrida também nesta parte.

E- Pena acessória – Medida e suspensão

Defende o recorrente que atenta a necessidade que o arguido tem da carta de condução para conduzir diariamente o tractor com que agriculta a terra onde colhe o seu parco sustento, também, a sanção acessória de inibição de conduzir deve ser suspensa na sua execução, ainda que contra a prestação de caução a fixar pelo Tribunal, e reduzida o mínimo legal.

Decidindo:

Neste ponto começar-se-á por assinalar que , conforme doutamente salientou Figueiredo Dias no seio da Comissão de Revisão do Código penal de 1982 ( Vide Acta nº 8 relativa à reunião da Comissão ocorrida no dia 29 de Maio de 1989.).

Esta pena constitui uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, assumindo-se pois como uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotada de uma moldura penal específica e permitindo assim a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso.( - Vide também Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 165 e ss.)

A determinação da medida concreta de tal pena opera-se pois mediante recurso ao critério geral consagrado no Código Penal( - Cfr. Maia Gonçalves, Código penal Português Anotado e Comentado (1995- 4ª edição), 343, H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (tradução castelhana de 1993 – 4ª edição), 716 e acórdãos desta Relação de 96.11.07 e 96.12.18,publicado na CJ XXI,V, 47 e 62.),critério que após a revisão ocorrida em 1995 (D.L. 48/95, de 15/3), resulta da assunção do princípio de que a pena apenas deve servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel limitador da pena, no sentido de que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico , só então entrando considerações de prevenção especial ,pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais( -Vide Figueredo Dias , Temas Básicos da Doutrina Penal(2001), 104/111, segundo o qual este é o critério da lei fundmanetal – artº 18º, nº 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995. No mesmo sentido pronuncia-se Anabela Rodrigues, revista Portuguesa de Ciência Criminal “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Ano 12, nº 2 , Abril-Junho de 2002, 147/182 e Taipa de carvalho, Liber Disciplinorum para Figueiredo Dias(2003), “prevenção , culpa e pena – Uma concepção preventivo- ética do Direito Penal”, 317/329.).

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa ( - O mínimo da pena ,como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues ibidem 178/179.),elegendo em cada caso a pena que entenda mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade quem, deste modo , por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena que o artº 18º, nº 2 da CRP, consagra.( - Cfr. Figueiredo Dias ,temas Básico da Doutrina Penal, 105/106)

No caso sub iudice o facto típico que fundamenta e determina a aplicação da sanção em apreço é o previsto no artº 292º, nº 1 do CP,ou seja, a condução de veículo em estado de embriaguez, que consubstancia um crime de perigo abstracto, o qual prevê e pune uma conduta potenciadora de grandes e graves consequências, quer para a vida das pessoas quer para a integridade física quer para bens patrimoniais, consabido que a sinistralidade estradal atingiu, entre nós, níveis elevadíssimos, assumindo proporções drásticas, encontrando explicação, em medida significativa ,na condução de veículos em estado de embriaguez.

São pois prementes as exigências de prevenção geral, posto que é urgente pôr cobro a comportamentos do tipo do assumido pelo arguido, única forma de preserva os bens jurídicos tutelados pelo crime perpetrado e restabelecer a confiança e a paz jurídica comunitárias, sendo certo que o facto de aquele já haver condenado por condução em estado de embriaguez faz acrescer aquelas exigências. Por outro lado, esta última circunstância revela que o arguido necessita de uma reposta sancionatória que lhe faça sentir a antijuricidade e a gravidade da sua conduta e que o intimide, para que não volte a repetir o facto típico.( - Ac. deste Tribunal da Relação no Recurso nº 1906/04 datado de 2004-09-22)

Neste contexto, tendo em atenção a moldura aplicável três meses a anos sem esquecer a concreta TAS de que o arguido era portador – 1,42 g/l – não nos merece a mínima censura o quantum da pena acessória fixado na sentença impugnada, que não pode ser suspensa nos termos do artº 50º, nº 1 do CP

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Nestes termos se decide:
- Rejeitar o recurso por manifesta improcedência

Custas pelo recorrente – taxa de justiça 4 UCS – a que acrescem mais 4 UCS, nos termos do art.º 420º, n.º 4 do CPP.

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Coimbra, 2005-