Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | TRABALHO SUPLEMENTAR CÁLCULO DO VALOR TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS RETRIBUIÇÃO ESPECIAL | ||
Data do Acordão: | 11/29/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | CLÁUSULA 74ª/7 DO CCT PARA O TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS – BTE Nº 9, DE 8/03/1980. | ||
Sumário: | I – Os motoristas deslocados no estrangeiro têm direito a uma retribuição mensal que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinários por dia – Cl.ª 74ª/7, do CCTV.
II – O escopo convencional dessa cláusula confere-lhe natureza retributiva, sendo devida regularmente em todos os dias do mês, incluídos feriados e dias de descanso semanal, independentemente do trabalho efectivamente prestado no estrangeiro, valor esse que se repercute também no pagamento das férias e subsídios de férias e de natal. III – A referida cláusula instituiu uma retribuição com uma causa especial: visa compensar a maior penosidade e esforço inerentes à dita actividade, no pressuposto de que a mesma impõe a prestação de trabalho extraordinário, de muito difícil controlo. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – A CAUSA 1 – A..., casado, residente na Rua de Leiria, nº 38, Barqueiro, Vieira de Leiria, instaurou acção declarativa com processo comum contra B... com sede na Zona Industrial, Marinha Grande, alegando, em breve síntese, que trabalha para esta sociedade, como motorista de transportes internacionais. Porém, apesar de fazer viagens para diversos países da Europa, a Ré não lhe tem pago o valor da retribuição específica, Prémio TIR e ajudas de custo a que se acha com direito. Pede, a final, que a Ré seja condenada a pagar-lhe, aos indicados títulos, a quantia global de €: 11.743,82, acrescida dos correspondentes juros moratórios desde a citação até integral pagamento. 2 – Tentada sem êxito a conciliação das partes, contestou a Ré pugnando pela solução contrária, por entender, em suma, que o A., entre Novembro de 2002 e Julho de 2004, só pontualmente fez serviços para Espanha, único país a que se deslocou no estrangeiro. E, quando o fez, foi-lhe pago o trabalho suplementar que realizou. A partir de então, e até Outubro de 2005, o A. passou a fazer viagens com maior regularidade para Espanha, tendo-lhe sido pagos os correspondentes acréscimos remuneratórios. Não, no entanto, nos valores que o A. indica, porque não lhe são devidos. Seja porque não tem a filiação associativa indicada, seja devido à efectiva remuneração base que o A. auferia, seja ainda porque, a seu ver, os cálculos das prestações complementares peticionadas não devem ser feitos nos termos por aquele indicados. Acresce que nos meses de Setembro de 2004, Agosto e Setembro de 2005, o A. esteve de férias, pelo que nesses meses apenas lhe foi pago parcialmente o Prémio TIR. Em relação às ajudas de custo dos meses de Setembro e Outubro de 2005, pagou, respectivamente, €: 337,50 e €: 330,00 em cada um desses meses, pelo que não reconhece dever nada ao A. a esse título. Por tais razões, em resumo, pede a improcedência desta acção e a sua absolvição do pedido. 3 – Discutida finalmente a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento ao A. da quantia de €10.023,94, com juros de mora vencidos e vincendos, tudo como consta do dispositivo a fls. 883-884, rectificado a fls. 890, a que nos reportamos. 4 – É a R. que, inconformada, vem apelar. Alegando, concluiu assim: (…) 5 – Respondeu o recorrido, concluindo, por sua vez, que a cl.ª 74.ª/7 é um elemento retributivo, não dependendo da prestação continuada de trabalho efectivo no estrangeiro, antes se bastando com a vinculação a essa actividade, pois visa compensar os motoristas dos transportes rodoviários de mercadorias pelo trabalho nocturno e suplementar que o exercício dessa actividade normalmente acarreta e, em simultâneo eliminar a necessidade do controlo desse trabalho pelo empregador, que sempre seria difícil de realizar.Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer, a que ainda reagiu a recorrente, tabelarmente – cumpre decidir. II – A – OS FACTOS Vem assente a seguinte factualidade: (…) B – CONHECENDO. Reportados ao acervo conclusivo com que se remata a motivação – por onde se afere e delimita o objecto e âmbito do recurso, excluídas as questões de conhecimento oficioso, como é sabido – vemos que a reacção da Recorrente se analisa no seguinte. Na sua tese, o Tribunal 'a quo' decidiu incorrectamente ao interpretar a cl.ª 74.ª/7 do CCT aplicável nos moldes em que o fez, porquanto no cálculo dos montantes eventualmente creditáveis a tal título deve considerar-se apenas o salário base do trabalhador e com referência aos 22 dias úteis de cada mês. Isto porque – pretexta – quanto ao trabalho prestado em dias de descanso semanal ou complementar existem os acréscimos específicos previstos na cl.ª 41.ª do CCTV…e, havendo uma norma especial, esta não é cumulável com o pagamento específico da cl.ª 74.ª. Por outro lado, entende-se que o valor da hora que serve de base ao cálculo das duas horas de trabalho suplementar por dia, a que se refere essa cláusula, deve considerar apenas a remuneração-base, pois as diuturnidades não constituem contrapartida directa da execução do trabalho, mas um ‘prémio’ que assenta na antiguidade do trabalhador e que consiste num montante mensal invariável. Analisemos então esta problemática. Enfocada a essência do litígio, (o apuramento dos créditos reclamados pelo A. a título da retribuição específica em causa, prémio ‘TIR’ e ajudas de custo no identificado período), e assente que o A. se tem categorialmente classificado como motorista de transportes pesados internacionais – …para além da alegada, mas indemonstrada, irregularidade das deslocações em serviço para fora do país – considerou-se que lhe é devido o estatuto remuneratório previsto na cl.ª 74.ª/7 do CCTV. Nos seus termos, os motoristas deslocados no estrangeiro têm ‘direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia’… …Mais se tendo considerado que deve atender-se, no respectivo cômputo, aos dias de calendário e não aos dias de trabalho efectivo. É aqui a que começa a dissensão da recorrente. Sem razão, contudo, como se demonstra brevemente na sequência. Como é entendimento jurisprudencialmente pacífico (também nesta Relação e Secção), o escopo convencional da referida variável confere-lhe inquestionavelmente natureza retributiva. Por isso se entende há muito que, cremos que ‘nemine discrepante’, sendo devida regularmente em todos os dias do mês, incluídos feriados e dias de descanso semanal – independentemente do trabalho efectivamente prestado no estrangeiro – o valor correspondente se repercute também no pagamento das férias e subsídios de férias e de Natal. (Cfr., por todos, os Acs. do S.T.J. de 11.12.1996, in C.J./S.T.J., Ano IV, Tomo III, pg. 265, de 6.3.2002, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954 e o Acórdão desta Secção de 12.5.2005, cremos que inédito). É igualmente nosso entendimento o de que o respectivo cálculo se afere pela retribuição mensal, reportada aos trinta dias, e não, como se pretende, apenas aos 22 dias úteis do mês. Já o proclamámos em várias intervenções, podendo conferir-se, v.g., o Acórdão tirado no recurso de Apelação n.º 438/05.7TTVIS.C1, da Sessão de 8.3.2007. A referida cláusula constitui uma retribuição com uma causa especial: visa compensar a maior penosidade e esforço inerentes à sabida actividade, no pressuposto de que a mesma impõe a prestação de trabalho extraordinário, de muito difícil controlo. A sua etiologia aproxima-se da compensação conferida aos trabalhadores que têm isenção de horário de trabalho. É devida, como se disse, mensalmente, em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de trabalho nas condições que induziram ao seu convencionado estabelecimento. Não se vê por isso – …nem na letra nem no espírito da norma – por que razão se deva aferir o seu montante apenas em função dos 22 dias úteis do mês. Qual o fundamento ôntico dessa pretendida limitação? Não o adianta a Recorrente, de forma razoavelmente convincente, invocando apenas que tal decorrerá da circunstância de haver já acréscimos específicos para o trabalho prestado em dias de descanso semanal ou complementar, concretamente os previstos na cl.ª 41.ª do CCTV. Alega-se que fazer acrescer a estas quantias o montante da cl.ª 74.ª conduziria a pagar algum do trabalho prestado duas vezes. Salvo o devido respeito, esta argumentação não é procedente. Antes de mais, como nos parece evidente, uma e outra dessas retribuições especiais remuneram coisas diferentes. A compensação por isenção de horário de trabalho (com idêntica vocação da referida no n.º7 da famigerada cl.ª 74.ª, cujo alcance já acima se deixou dilucidado) não cobre o trabalho eventualmente prestado em feriados e/ou em dias de descanso semanal/complementar. A cl.ª 41.ª prevê a remuneração do trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso, semanal ou complementar, dispondo expressamente que ‘o trabalho prestado (…em tais dias) é remunerado com o acréscimo de 200%; se o trabalhador prestar serviço em qualquer dos seus dias de descanso semanal terá direito a descansar obrigatoriamente um dia completo de trabalho num dos três dias úteis seguintes por cada dia de serviço prestado…e, por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro tem direito, além do mais, a um dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada’. Por isso, o entendimento posto em crise, aliás bem justificado no respectivo contexto pelo Exm.º Julgador 'a quo', não merece qualquer reparo ou censura. Não se alcança também fundamento válido para que se limite a base de cálculo do valor da dita retribuição especial, como se pretendeu, apenas à remuneração-base. A cláusula convencionada diz tão-só que os trabalhadores, em tais circunstâncias, ‘têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia’. Constituindo retribuição todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (art. 82.º/2 da LCT, sem concreta exclusão nomeadamente das diuturnidades), o art. 250.º/1 do Código do Trabalho é ora explícito ao consagrar a regra segundo a qual – …não havendo disposição legal, convencional ou contratual em sentido contrário – entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades’. O creditado montante a título de ‘prémio TIR’ não vem questionado, tanto quanto se percebe, apesar da alusão que se lhe faz… Soçobram, pois, as asserções conclusivas, ditando fatalmente a improcedência da impugnação. III – DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, deliberam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Coimbra negar provimento ao recurso, confirmando inteiramente a douta sentença impugnada. Custas pela Apelante. *** Coimbra, |