Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3466/18.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO FERNANDO SILVA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
CAPACIDADE EDIFICATIVA
PRÉDIO SOBRANTE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 23.º, N.º 1, E 29.º, N.º 2, DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: Na expropriação parcial, a capacidade edificativa do prédio original (ou da unidade operativa original) não se pode transferir proporcionalmente e em abstracto para o prédio sobrante, havendo que avaliar a sua real situação (mormente configuração) à luz dos critérios edificativos mobilizáveis para avaliar se a modificação da sua situação concreta se reflecte naquela capacidade edificativa, mormente diminuindo-a.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Proc. 3466/18.9T8VIS

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            Vem no presente processo discutida a fixação da indemnização devida pela expropriação pela Câmara Municipal de Viseu[1] de uma parcela, com a área de 671 m2, a qual corresponde a parte do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o n º ...72 da União de Freguesias ..., concelho ... e omisso na Conservatória do Registo Predial ....

Assim, e após a Declaração de Utilidade Pública, na falta de acordo, foi promovida a realização da arbitragem, a qual culminou em acórdão arbitral que fixou a indemnização devida em 241.690,47 euros, atendendo ao valor da área expropriada (88.011,87 euros) e à depreciação por divisão do prédio (153.678,60 euros).

Adjudicada a parcela em causa, foram interpostos recursos pela Câmara Municipal de Viseu e pelos interessados AA e BB, CC, DD e EE, FF, GG, HH e II, JJ e KK, LL, MM e NN.

A CMV pretendia, atendendo aos critérios avaliativos que julgou correctos, que a indemnização fosse fixada em 42.975,04 euros quanto à parte expropriada, e que não fosse fixada indemnização por desvalorização da parte sobrante ou, subsidiariamente e caso se considerasse existir desvalorização de 55%, entendia que esta percentagem deveria incidir apenas sobre «36% da área da parcela sobrante, única que hipoteticamente, poderia ser afectada com a divisão do prédio».

Aqueles interessados pretendiam, por sua vez, que a indemnização fosse fixada em 364.114,33 €, considerando o valor da parcela expropriada (130.919,75 euros), a desvalorização da parte sobrante (228.600,58 euros) e o custo de construção das vedações demolidas (6.394 euros).

Realizada peritagem, com esclarecimentos prestados, e audiência de julgamento (onde foram prestados novos esclarecimentos periciais e ouvida uma testemunha), foram apresentadas alegações pelas partes.

Foi depois proferida sentença que, aderindo à posição dos peritos maioritários, avaliou a indemnização pela expropriação e pela desvalorização da parte sobrante (incluindo a vedação) nos termos considerados por aqueles peritos, e assim julgou improcedente o recurso da entidade expropriante, e parcialmente procedente o recurso apresentado pelos expropriados recorrentes, fixando a indemnização devida em 288.050,50 euros, sendo 108.858,02 euros no que se refere ao valor do terreno da parcela expropriada, e 179.192,48 euros (pela desvalorização da parte sobrante).

Desta sentença interpôs recurso a Câmara Municipal de Viseu, formulando as seguintes conclusões:

(…).

Os recorridos responderam, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

II. O objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação da recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».

Assim, relevam no recurso as seguintes questões:

            - avaliação da impugnação da matéria de facto empreendida.

            - existência, ou não, de depreciação, indemnizável, da parcela sobrante, e, na afirmativa, restrição dessa depreciação apenas a parte do prédio sobrante.

III. A recorrente começa por impugnar a decisão sobre a matéria de facto.

(…).

IV. Relevam, assim, os seguintes factos, decorrentes da decisão impugnada e da avaliação agora efectuada:

1) A parcela expropriada designada com o número 2, está incluída no mapa de expropriações que faz parte da declaração (extrato) n. 0 45/2017 da Direção Geral das Autarquias Locais, publicada no Diário da República, 2. a série, n. º 135, de 14 de julho de 2017, na qual se tornou público que, por despacho de 3 de julho de 2017, o Secretário de Estado das Autarquias Locais, a pedido da Câmara Municipal de Viseu, declarou a utilidade pública urgente das parcelas n os 1, 2 e 3 e a planta de identificação das mesmas, cuja expropriação se destina à execução do Alargamento da EN 16 entre a Rotunda junto à Rua 5de Outubro e o limite do ICNF

2) De acordo com a declaração de utilidade pública (DUP) e a Vistoria ad perpetuam rei memoriam (V.a.p.r.m.), a parcela expropriada n.º 2 tem a área de 671 ,59 m 2 e foi destacada do prédio inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias ... sob o artigo ...72 e não descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis ....

3) O prédio de onde a parcela expropriada foi destacada possui a área total de 2.803,72 m 2 , de acordo com a planta parcelar que faz parte do processo e como consta da Vistoria ad perpetuam rei memoriam (V.a.p.r.m.).

4) A parcela expropriada n.º 2 foi destacada é contígua a dois outros prédios de onde foram destacadas as parcelas expropriadas nos 1 e 3, as quais possuem proprietários comuns com a referida parcela n.º2 (vide extrato da planta parcelar que consta da V.a.p,r.m.)

5) Ainda de acordo com a V.a.p.r.m., o prédio de onde a parcela expropriada foi destacada confrontava a Norte e Nascente com Serviços Florestais e Agrícolas, a poente com a casa de Saúde de São Mateus e a Sul com urbanos dos mesmos proprietários e com a Rua 5 de Outubro (antiga EN 16).

6) A parcela 2 afetada pela expropriação é parte de um prédio Rústico, descrito na certidão matricial, como Terreno de Cultura

7) Contudo, este não é atualmente um terreno de cultura, existindo no mesmo várias construções, algumas implantadas parcialmente no prédio onde se insere a parcela 2 e no prédio confinante de sul, onde se insere a Parcela 3, igualmente objeto de expropriação parcial no âmbito da mesma obra.

8) O terreno do prédio possui uma configuração aproximadamente em “U”, conforme delimitação indicada na Planta Parcelar facultada em anexo ao relatório pericial confrontando parcialmente de sul com a EN16, nomeadamente numa extensão de cerca de 26,2m na extremidade nascente e 20,8 na extremidade poente, desenvolvendo-se entre estas os prédios onde se inserem as parcelas 1 e 3, a expropriar. Em cada uma destas frentes localizam-se amplos portões para acesso de viaturas e pedonal. Terreno desenvolve-se a cota bastante inferior EN16, encontrando-se vedado no limite para a EN e com logradouro pavimentado em betuminoso, na quase totalidade.

9) O prédio onde se Insere a Parcela 2, localiza-se à face da ENI 6, confrontando parcialmente com passeio pedonal e área / bolsa de estacionamento da mesma.

10) Situa-se na cidade de Viseu, distando cerca de 800 m do seu centro (Rossio) e 100tTI da Estrada da Circunvalação, sendo uma das entradas / saídas da cidade.

11) Na envolvente próxima localizam-se vários equipamentos e serviços, destacando-se o Hospital Casa de Saúde S, Mateus, ao lado e o Colégio da Via Sacra, no lado oposto da EN16r e nas proximidades a Escola de Sv Miguel, jardim Infantil de Ni de Fátima, Jardim Escola João de Deus, Estação de Serviço da BE instituto da Conservação da Natureza, o Lar Viscondessa de S, Caetano, Lar Rainha D a Leonor, Seminário e Capeia dos Missionários Combonianos, Complexo Desportivo do Fontelo, Centro Pastoral de Viseu, Seminário Maior, entre outros serviços

12) Para além de alguns dos equipamentos indicados, na envolvente imediata ao prédio e parcela, predominam habitações unifamiliares, nomeadamente ao longo da EN16 e alguns edifícios multifamiliares.

13) Zone servida por transportes públicos rodoviários, municipais, com paragem próximo do prédio e parcela.

14) O prédio integra a cidade de Viseu, na saída para Mangualde a curta distância (cerca de 800 metros) do centro da cidade (Rossio) sendo servido por uma via estruturante da cidade, para a além de distar cerca de 100 metros da denominada Circunvalação de Viseu e assim próximo e com bons acessos aos equipamentos que servem a cidade, nomeadamente a Câmara Municipal, Hospital, Parque do Fontelo, Escolas e Repartições Públicas.

15) O prédio insere-se em zona com boa qualidade ambiental dada a proximidade (confina) à mata dos Serviços Florestais (ICNF) e também ao Parque do Fontelo.

16) Quanto a infraestruturas em serviço junto/próximo do prédio, existiam as seguintes, à data da VAPRM

• Acesso rodoviário, pavimentado em betuminoso, junto ao prédio e parcela, em bom estado de conservação;

• Passeios no arruamento, junto ao prédio e parcela;

• Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto ao prédio e parcela;

Rede de saneamento com coletor em serviço, junto ao prédio e parcela;

Rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, com serviço junto ao prédio e parcela;

Rede de drenagem de águas pluviais com coletor em serviço, próximo do prédio e parcela;

• Estação depuradora em ligação com a rede de coletores de saneamento com serviço junto ao prédio e parcela; Rede distribuidora de gás próximo da parcela;

Rede telefónica junto ao prédio e parcela.

17) Quanto a benfeitorias, a V.a.p.r.m. faz uma descrição exaustiva das mesmas que aqui se dá por reproduzida.

18) Para além das construções nela descritas, o prédio que se situava a uma cota bastante inferior à EN16 (Rua 5 de Outubro), possuía logradouro pavimentado a betuminoso e era vedado ao longo da confrontação com essa via para a qual possuía dois amplos portões.

19) As benfeitorias afetadas pela Expropriação são diversas construções e muros.

20) Relativamente a edificações, há um edifício de escritórios abrangido na totalidade (área de 52 m 2) composto por um alpendre (6,06 m 2 ) e o restante (45,94 m2 ) destinado a escritórios e arrumos, em fraco estado de conservação (nomeadamente ao nível da cobertura) e um edifício industrial apenas parcialmente abrangido, também em fraco estado de conservação e um alpendre, igualmente apenas abrangido parcialmente. Todas estas edificações estão descritas pormenorizadamente na V.a.p.r.m. que aqui se dá por reproduzida.

21) Para além destas edificações, existiam ainda

• Muros no limite sul do prédio e parcela, com passeio da EN I6 nomeadamente; em alvenaria de pedra irregular, assente a seco, em razoável estado de conservação numa extensão de cerca de 0, 6m a partir do edifício de escritórios. Espessura variável entre 20 a 25cm aproximadamente. Altura a partir do passeio entre cerca de l, 30m e 1,45, variando no interior da parcela entre cerca de 1,9 a 2,0m:

. Em alvenaria em pedra de granito, regular, assente a seco, para nascente do anterior, em bom estado de conservação, numa extensão de 5,7m; Espessura variável entre 20 a 25cm Altura a partir do passeio entre e 1,45mr variando no interior da parcela entre cerca de 1,9 a 2,0m;

. Em alvenaria de blocos de betão e com chapisco de cimento, para nascente do anterior, em bom estado de conservação, numa extensão de 1,9mt até ao portão; espessura variável entre 20 cms aproximadamente. Altura a partir do passeio entre 1,45rn e 1,50m, com cerca de 2,0m no interior da parcela;

. Em alvenaria de pedra de granito, regular, assente a seco, para nascente do portão, entre este e o ICNF, em bom estado de conservação, numa extensão de 0,9m: Espessura de cerca de 25cm aproximadamente. Altura média de 1,6m;

• Portão executado em perfis tubulares de ferro e rede, conforme foto, assente em perfis tubulares laterais de 10cm c 10cm, altura de 116m e vão total de 9,46m, composto por duas folhas de abrir, respetivamente de 4,96m e 4,5m. Na lateral nascente possui elemento fixo, com as mesmas características do portão, largura de 1,56m e altura de 1,6m

• Logradouro envolvente às construções e sob a quota parte a expropriar do alpendre F, com pavimento betuminoso, em bom estado de conservação, numa área estimada de 520m2

22) Após a expropriação e atualmente, o prédio restante não possui acessos ou ligações à via pública que antes possuíam, devido ao talude e muros de suporte

23) Para além disso o conjunto predial passou a ficar com uma configuração irregular e foram colocados na parte da frente depósitos de recolha de lixo – vide relatório pericial e fotos aí juntas.

24) À data da DUP a parcela em causa inseria-se nas Unidades Operativas de Planeamento e Gestão Tipo 4, Espaços de Actividade Económica, correspondente à designada UOPG 4.12.

25) O prédio em causa tem a seguinte configuração:

26) A parte do prédio situada fora da zona demarcada a verde representa cerca de 64% do prédio-mãe após a expropriação, e 48% antes da expropriação

27) Na parte da parcela sobrante situada por cima (de acordo com o desenho) da parcela expropriada a largura do “U” é de aproximadamente 16,5 metros

IV. 1. A justa indemnização, partindo do enquadramento que dela tem feito o Tribunal Constitucional, «visa compensar o sacrifício suportado pelo expropriado e garantir a observância do princípio fundamental da igualdade de encargos que tenha sido violada com a expropriação, apresentando-se, assim, como uma reconstituição, em termos de valor, da posição jurídica que o expropriado detinha» [na formulação de Fernanda Paula Oliveira]. O art. 29º n.º2 do CE constitui justamente manifestação desta ideia, por a depreciação constituir ainda um sacrifício ressarcível e um encargo desigual para o expropriado (postulando assim a sua repartição equitativa pelos cidadãos), impondo uma reconstituição em valor da situação pré-intervenção.

2. O expropriante apenas discute a desvalorização da parte sobrante do prédio parcialmente expropriado, no que concerne à sua capacidade edificativa.

3. Como ponto de partida, que, aliás, se mostra incontrovertido (deriva dos factos provados, dos termos da perícia e respectivos esclarecimentos, escritos e orais, e até das posições das partes, mormente da expropriante), verifica-se que:

            - foram expropriadas três parcelas distintas (1, 2 e 3), integradas em prédios autónomos, caracterizados como solos urbanizados.

            - porém, os três prédios integram-se na UOPG 4.12 (na verdade constituem basicamente esta UOPG) - tal está visualmente expresso na planta de fls. 10 da perícia, colhida de planta de ordenamento do PDM.

            - foi admitida (sem contestação) a existência de capacidade edificativa da UOPG em geral, e do prédio em causa em especial – o que está, aliás, expressamente admitido no art. 90º n.º2 do RPDM.

            - a UOPG constitui, no que ora interessa, uma «porção contínua de território, delimitada em plano diretor intermunicipal ou municipal para efeitos de programação da execução do plano ou da realização de operações urbanísticas». Em termos singelos, a unidade operativa implica «que toda a área fica sujeita às mesmas condições de execução (v.g. áreas de edificação, constrangimentos edificativos, etc.), que apenas serão aplicados e articulados quando for criado e executado um plano conjunto – no qual os proprietários cedem os seus terrenos para integrarem a “massa de concentração” da operação de reparcelamento e recebendo, posteriormente, os lotes ou parcelas dele resultantes na proporção das respectivas “entradas”, descontados os encargos que não assumiram (caso não os tenham assumido)»; «os proprietários abrangidos não podem levar a cabo operações isoladas, definidas apenas pelos limites da sua propriedade, sem ter em consideração a envolvente urbanística, existente ou potencial, nem os benefícios e encargos a compartilhar com a propriedade vizinha». Assim, e em suma, para cada UOPG são fixadas características definidoras do tipo e extensão da intervenção urbanística (se admissível), características que valem por inteiro para a zona delimitada e não para cada parcela autónoma (prédio autónomo) que a compõe. No caso, essas características decorrem essencialmente do art. 90º do RPDM de Viseu – o qual fixa os condicionamentos a que se sujeitam as obras de construção (art. 90º n.º2).

            - inexistindo projecto ou unidade de execução, haverá que atender apenas aos valores derivados do art. 90º do RPDM.

            - dos três prédios, um deles (a parcela 1) foi integralmente expropriado.

É com base nesta situação que o expropriante, e os peritos vencidos, argumentam que, tendo a UOPG uma certa capacidade edificativa, ela se mantém para a parte sobrante do prédio (em termos proporcionais), porquanto aquela capacidade não é definida em função da área e condições de cada prédio, mas do conjunto de prédios, e em termos abstractos (desligados da sua concreta implementação no terreno, que só surgirá com a implementação de concreto projecto urbanístico). Assim, sendo reduzida a área de um prédio, é indemnizada a perda de parte da capacidade edificativa (indemnização pela expropriação tout court, ou seja, pela perda de parte do prédio) mas não existe depreciação da parte restante pois esta parcela, em referência ao valor global edificativo da UOPG, continua a ter – proporcionalmente – a mesma capacidade edificativa que tinha antes da expropriação de parte do prédio.

O argumento não pode, no caso, proceder porque tem como premissa necessária que a capacidade edificativa se mede apenas pelo valor edificativo definido em geral para a UOPG (aplicado ou reduzido proporcionalmente à parte sobrante), e, nessa sequência, porque actua em abstracto, não atendendo às circunstâncias concretas.

Desconsidera, assim, a circunstância de o resultado (a capacidade edificativa) dos factores que definem aquela capacidade edificativa depender das condições concretas da unidade operativa, não sendo o resultado final necessariamente igual (em termos proporcionais) antes e depois de a UOPG ser amputada de parte da sua área, com alteração da sua configuração. É que se um dos factores da «equação» permanece, o outro (a realidade física, na sua configuração) altera-se, e por isso não pode efectuar-se uma mera redução proporcional da capacidade edificativa, sendo necessário considerar os eventuais efeitos da alteração física naquela capacidade edificativa [num exemplo extremo, apenas para ilustrar a afirmação, se se tiver uma unidade operativa rectangular com 100 metros de comprimento e 20 metros de lado, impondo-se um distanciamento de 2 metros em relação a cada limite exterior, e tendo uma capacidade edificativa de X, se for expropriada uma parcela com 100 metros de comprimento e 16 metros de lado, sobrando assim um rectângulo de 100 metros de comprimento e 4 metros de lado, a lógica da recorrente levaria a reduzir proporcionalmente a capacidade edificativa X, em função do tamanho da parcela restante, e assim a reconhecer capacidade edificativa à parcela sobrante, quando é evidente que, mormente atentos os afastamentos impostos, nada lá pode ser construído].

Os índices de edificabilidade não valem, pois, de forma absoluta e abstracta, independentemente da situação e configuração do prédio (melhor, da UOPG). Ao invés, estes condicionam a aplicação daqueles. Por isso que se julgue não ser legítimo afirmar que a situação, do ponto de vista da capacidade edificativa, era a mesma antes e depois da expropriação (como a expropriante pretende) apenas porque os índices abstractos (normativos) se mantêm, e assim haveria apenas que reduzir proporcionalmente o seu significado à área sobrante. Tal constitui um exercício parcial, de que decorrem resultados também parciais: não basta a aplicação proporcional da capacidade edificativa, é preciso ainda considerar os efeitos nessa capacidade dos seus concretos índices face à nova realidade (a parcela sobrante), que não é igual à inicial.

Ora, foi a isto que os peritos maioritários justamente atenderam[2], e, tanto quanto se consegue apreender, com fundamento.

Assim, revelaram a partir das plantas de pág. 28 e 30 da perícia que, mesmo tendo em conta toda a UOPG, a expropriação levou a que parte do prédio sobrante (a verde na planta da pág. 30) fique privado de concreta capacidade edificativa. Não porque, em abstracto, não pudesse beneficiar dos valores edificativos em geral válidos (da edificabilidade média), mas porque a imposição de afastamentos (v. art. 90º n.º2 al. a2) do RPDM) e a configuração concreta do prédio tornavam inviável qualquer construção nessa zona. Com efeito, em exercício meramente ilustrativo, poderá ver-se que na zona por cima da parcela expropriada, a parcela sobrante ficou com cerca de 16,5 metros de largura, o que, considerando os afastamentos a garantir (derivados do art. 90º n.º2 al. a2) do RPDM), reduz drasticamente a área edificável (na verdade tornando-a prática ou economicamente nula). E isto não ocorria antes da expropriação, em que, nesta parte, se podia contar não apenas com a parcela expropriada que ainda se integrava no prédio em causa, como com o próprio prédio que corresponde à parcela 3 (integralmente expropriada) - pois, por força do emparcelamento (da agregação dos prédios individuais) inerente à execução da unidade operativa, esta executa-se sem respeito pelos limites individuais dos prédios integrados (ou seja, a área edificativa, e a edificação concreta, definia-se pelos limites da UOPG, limites estes agora drasticamente alterados e reduzidos – com efeitos nefastos justamente na parcela sobrante). O que revela que não está em causa mera transferência abstracta e proporcional da capacidade edificativa do total para o parcial/sobrante mas também a adaptação da capacidade edificativa às condições do sobrante, diferentes das condições do total/original. (ou, de outra forma, revelando que a mera redução proporcional da capacidade edificativa só seria válida se as demais condições se mantivessem, o que não ocorre).

É certo que, antes da sua concretização (do projecto urbanístico concreto a implementar), se ignora como vai ser implementada a edificação. Mas os srs. peritos maioritários consideraram, e revelaram, que a zona agora «aproveitável» para construção constitui uma realidade edificativa proporcionalmente menor face à zona «aproveitável» antes da expropriação. E essa é uma perda objectiva, independentemente do concreto projecto a implementar. A inexistência de plano de execução (v.g. a unidade de execução, mas, de acordo com o RPDM, não necessariamente uma unidade de execução) não permite apelar a realidades eventuais e hipotéticas para excluir aquela perda: não permite, mormente, invocar a possibilidade abstracta e hipotética de tal intervenção executiva não aproveitar toda a área a edificativa, ou reservar para área afectada uma utilização não edificativa porque se não trata de dado real, presente, nem corresponde ao princípio do máximo aproveitamento do bem, relevante nesta sede, nem a uma utilização económica normal (art. 23º n.º1 do CE).

Assim, o que os peritos maioritários (e, antes, o acórdão arbitral) sublinham é que a expropriação causa diferenças que quebram a homologia e assim a proporcionalidade entre o prédio e a parte sobrante. O que isto significa é que a UOPG, antes da expropriação, detinha uma capacidade edificativa que não se reflecte, proporcionalmente, na parte sobrante, pois a forma como esta subsiste (ou melhor, como a própria UOPG subsiste) impede o mesmo tipo de aproveitamento edificativo. 

Sem que, note-se, ocorra qualquer contradição ou incoerência na posição assumida pelos peritos maioritários, pois continuam estes peritos a apelar a uma «capacidade edificativa abstracta» (usando a formulação da recorrente); apenas revelam que essa capacidade deixou, em concreto, de poder ser tão amplamente utilizada (a sua implementação concreta foi limitada ou coarctada), dada a situação da parcela sobrante.

4. Donde que, ainda que a UOPG admita uma certa capacidade edificativa de acordo com parâmetros que se mantêm, aquela é na prática em dada medida reduzida, o que traduz uma perda. A «potencialidade construtiva» pode ser, segundo os índices válidos, igual para o prédio (ou melhor, para a UOPG) antes e depois da expropriação (em termos proporcionais), mas a sua implementação não é inteiramente viável. Foi isto que os peritos maioritários sustentaram, mormente reiteradamente invocando os afastamentos impostos, e se mostra racionalmente justificado. Já os peritos minoritários baseiam-se numa pura abstracção (comparação ideal e proporcional entre valores construtivos) que se não mostra, face ao exposto, cogente.

5. Ponto onde não vale invocar que o prédio em causa já tinha uma configuração difícil, que em parte se manteve, pois, de um lado, na zona agora considerada o prédio tinha uma muito maior amplitude antes da expropriação, permitindo maior amplitude edificativa: o «corredor» que agora pode ser construído não existia antes da expropriação, porque o prédio, e sobretudo a UOPG (que é o que releva) se estendia para a zona expropriada. E, de outro lado, porque a capacidade edificativa não se definia apenas pela configuração do prédio em causa mas de toda a UOPG, pois qualquer projecto iria levar em conta e abranger toda a UOPG, não sendo admissíveis projectos para cada prédio autónomo [«obriga a projectos conjuntos para as áreas delimitadas (em vez de intervenções limitadas ao interior da propriedade de cada um)»][3]. Aliás, em coerência com esta asserção, os peritos maioritários avaliam a capacidade edificativa pelo conjunto (ver a zona laranja da mesma planta de pág. 30).

            6. Naturalmente, acrescem as restantes condições invocadas (essencialmente acessos e separações em condições diferenciadas) que contribuem para a desvalorização da parcela sobrante.

            7. Não é inteiramente claro o sentido em que a recorrente invoca a perequação, mas esta não tem peso específico no caso. Admite-se que os mecanismos de perequação previstos nos planos que integram os prédios expropriados devam ser reflectidos no montante da indemnização, quer por razões normativas (o plano condiciona a avaliação) quer por razões distributivas[4]. Sucede, de um lado, que a perequação, nas expropriações, actuaria através da aplicação dos índices de perequação resultantes do plano aplicável ao prédio expropriado[5]. Ora, e ao contrário do que ocorre para outras UOPG, o art. 90º do RPDM não prevê para a UOPG 4.12 qualquer índice perequativo, pelo que também não há que o ponderar. De outro lado, nada no caso revela que tenham sido usados critérios que excedam a edificabilidade média da UOPG, pelo que não se verifica incremento (vantagem) dos expropriados a considerar.

            Não interfere, pois, com a situação presente.

8. A desvalorização não se limita a 36% da parcela não expropriada mas à perda edificativa da totalidade da UOPG, adaptada à parcela sobrante em causa, não havendo razão para realizar a redução subsidiariamente requerida (e, aliás, não cabalmente explicitada).

            9. O valor dos solos depende daquilo que neles pode ser feito. Assim, e face ao exposto, estando assente uma diminuição da possibilidade edificativa, o recurso, nos limite em que foi colocado, não pode proceder.

10. No valor da desvalorização da parte sobrante foi incluído o valor da vedação, questão que não foi objecto de impugnação, nada cabendo aqui avaliar, pois.

            11. A recorrente responde pelas custas, nesta sede, dado o seu decaimento (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).

Quanto ao remanescente da taxa de justiça, considerando os valores tributários relevantes (não muito distantes do limiar dos 275.000 euros), o desenvolvimento corrente do processo, sem desvios processuais ou incidentais ou particular prolixidade ou litigiosidade, e a natureza das partes e da própria controvérsia, considera-se ajustada a redução do remanescente da taxa de justiça em 50%, para valer, se for caso disso, em ambas as instâncias[6] (e dado que a decisão recorrida não efectuou qualquer avaliação) e para ambas as partes.

V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

Custas pela recorrente.

Notifique-se.

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):

(…).     

Datado e assinado electronicamente.

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico.



[1] A personalização judiciária deste órgão do Município não é inteiramente pacífica mas, não tendo sido discutida no processo, não justifica ponderação adicional, desde logo porque a solução negativa não suscita um autónomo problema processual, postulando apenas que se trata verdadeiramente do Município na acção.
[2] E que, aliás, já tinha sido atendido no acórdão arbitral.
[3] Por isso que a argumentação do recorrente não colha mesmo quanto à parte do «U» (à parte do prédio expropriado) que se mantém idêntica: a capacidade edificativa não se baseava nessa configuração mas em toda a UOPG.
[4] V. Fernanda Paula Oliveira, Direito do Urbanismo, AEDREL 2021, pág. 235 e ss..
[5] V. Fernanda Paula Oliveira, cit., pág. 236.
[6] Neste sentido, da avaliação de todo o processo, DS STJ proc. 2104/12.8TBALM ou Acs. STJ proc. 2309/16.2T8PTM ou 7253/19.9T8LSB.L1.S1 (todos em 3w.dgsi.pt).