Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
481/21.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: COMUNICAÇÃO DE ENTIDADE BANCÁRIA A AI A AUTORIZAR O CANCELAMENTO DE HIPOTECAS OBJECTO DE CONTRATOS PROMESSA CELEBRADOS PELO INSOLVENTE
COMUNICAÇÃO DE TAL INTENÇÃO POR PARTE DO AI AOS PROMITENTES COMPRADORES
PROMESSA DE VENDA
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 609.º, 2 E 662.º, 2, C), DO CPC
ARTIGOS 483.º, 1; 754.º; 756, A); 1070.º, 1 E 1311, 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Se uma entidade bancária comunicar ao administrador de uma insolvência que está recetiva a autorizar o cancelamento das hipotecas que incidem sobre determinadas fração autónomas, objeto de contratos-promessa celebrados pelo insolvente, que identifica, mediante certa contrapartida, e nas quais incluiu uma fração que já é sua propriedade, por a haver adquirido em execução fiscal, e o administrador comunicar a todos os promitentes compradores que a entidade bancária manifesta «a intenção de proceder ao cumprimento dos contratos de promessa dos credores que invocaram o direito de retenção com o respetivo cancelamento das hipotecas», tal situação não configura, por parte da entidade bancária, uma proposta de promessa de venda quanto a essa sua fração, dirigida aos promitentes compradores da mesma.
II - Havendo necessidade de ampliar a matéria de facto – artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC –, o Tribunal da Relação não anulará, para o efeito, a decisão da 1.ª instância, se do processo constarem todos os elementos probatórios relevantes e tal sucede quando as provas indicadas sobre a matéria foram todas adequadamente produzidas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

*

Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Carlos António Paula Moreira


*

(…)

*

Recorrente …………………...Banco 1... S.A.

Recorridos……………………AA e BB.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da sentença que julgou parcialmente procedente a ação movida pela Banco 1... S.A., contra os réus AA e BB, mediante a qual pretende a entrega de uma fração autónoma que lhe pertence e indemnização pela demora nessa entrega, equivalente ao valor que obteria se a fração estivesse colocada no mercado de arrendamento, desde a citação até ao momento da sua entrega.

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção alegando que existe uma promessa de venda do dito imóvel por parte da Autora para com os Réus e, face ao incumprimento dessa promessa, pediram que o tribunal se substituísse à Autora e declarasse a transmissão da titularidade do direito de propriedade da fração da Autora para os Réus, improcedendo a ação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«A) Julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, declarar a sociedade “Banco 1... S.A.”, titular do direito de propriedade sobre a fração autónoma, designada pela letra “L”, destinada a habitação, correspondente ao Rés do Chão Esquerdo, com o aparcamento n.º ...2 do prédio urbano, sito nas ..., ..., ..., inscrita na respetiva matriz sob o art.º ...39.º e descrita na referida

B) Absolver AA e mulher, BB, do mais peticionado pela “Banco 1... S.A.”;

C) Julgar procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido por AA e mulher, BB e, consequentemente, determinar a transmissão para a titularidade destes do direito de propriedade referido em A), mediante o pagamento à “Banco 1... S.A.”, da quantia de €21.882,00 (vinte e um mil oitocentos e oitenta e dois euros), a depositar à ordem dos autos, no prazo de 10 (dez) dias, a contar do transito em julgado, com junção ao processo do respetivo comprovativo em igual prazo;

D) Condenar a “Banco 1... S.A.” no reconhecimento da titularidade, pelos Réus, do direito de propriedade cuja transmissão foi determinada em C), devendo, em consequência, entregar aos mesmos a fração autónoma identificada em A), no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, livre e devoluta de pessoas e de bens;

E) Condenar a “Banco 1... S.A.” no pagamento das custas inerentes ao presente processo, por às mesmas ter dado causa (cfr. art.º 527.º, do Cód.Proc.Civil).»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da autora Banco 1..., cujas conclusões são as seguintes:

«1. Deveria constar dos factos provados, por ser facto essencial e com interesse para a decisão da causa, sendo que já constava do ponto (3) dos factos assentes, estabelecidos pelo Despacho de 08.12.2021, a ausência de ónus e encargos registados sobre o prédio do momento da sua aquisição pela Recorrente, em 07.04.2010.

2. Sugere a Recorrente a seguinte redação, que já era a do ponto (3) do antecedentemente identificado Despacho: “A ausência de ónus e encargos registados sobre o prédio do momento da aquisição pela Autora”.

3. Acresce que a Recorrente alega, e prova, que é a legítima proprietária da fração autónoma em causa nos autos e que os ora Recorridos, após a data de aquisição do imóvel pela Recorrente em 23.10.2010, no âmbito de execução fiscal, mantiveram-se a ocupá-lo.

4. A comunicação, datada de 05.09.2011 a que corresponde o documento 12 da Reconvenção, não se trata de proposta contratual, levada a cabo pela Recorrente, tendo em vista a venda da fração em causa nestes autos – a fração designada pela letra “L”.

5. O teor da referida comunicação é o seguinte: “Vimos pelo presente meio informar V. Exa. que a Banco 1..., SA, se encontra recetiva a autorizar o cancelamento das hipotecas que incidem sobre as seguintes frações apreendidas – DD,….CB, L, AL…( todas da descrição nº ...11, ...) – desde que esta Caixa receba no mínimo os valores correspondentes à diferença entre os preços convencionados e os sinais entregues ao promitente vendedor, com exclusão de benfeitorias. Consequentemente, requer-se a V. Exa. se digne diligenciar junto dos promitentes compradores em causa no sentido de averiguar da disponibilidade dos mesmos, para proposta desta caixa (doc. n.º 12)”

6. Esta comunicação era dirigida ao Senhor Administrador da Insolvência da Insolvente A..., e visava, não a emissão de qualquer proposta negocial, até porque a Recorrente não era proprietária das frações ali indicadas (com exceção da fração designada pela letra “L”), mas informar que estava recetiva a autorizar o cancelamento das hipotecas registadas sobre os imóveis em causa e ali indicados, no âmbito do processo de insolvência da A..., por contrapartida do pagamento, pelos respetivos promitentes compradores, do montante resultante da diferença entre o valor de compra e venda contratada entre estes e a A... e o sinal pago a esta.

7. A inclusão da fração designada pela letra “L” na mencionada comunicação, resultou de lapso, tendo em consideração que aquilo que referia naquela comunicação (indicada no artigo 25º da Reconvenção e a que corresponde o documento 12 desta peça processual) e cuja execução específica foi peticionada pelos Réus e determinada pela Sentença Recorrida, era tão-somente estar recetiva a autorizar o cancelamento das hipotecas registadas sobre os imóveis em causa e ali indicados, por contrapartida do pagamentos pelos respetivos promitentes-compradores do montante resultante da diferença entre o valor de compra e venda contratada entre estes e a A... e o sinal pago aquela.

8. À data da referida comunicação, tal já não era possível, no que à fração “L” diz respeito, por, muito antes dessa comunicação, mais precisamente em 07.04.2010, a Recorrente ter adquirido o direito de propriedade em relação à mesma e tê-lo adquirido no âmbito da execução fiscal indicada no facto 2 dos factos provados da Sentença Recorrida, livre de quaisquer ónus ou encargos.

9. Na verdade, quando a Recorrente, em 05.09.2011, juntou ao processo de insolvência a comunicação referida acima e mencionada já havia adquirido, em 07.04.2010, a fração dos autos, na execução fiscal contra CC, pelo que não podia, em relação à fração “L”, estar recetiva a autorizar o cancelamento de hipoteca registada sobre a mesma, uma vez que, em relação a esta fração já não era credora hipotecária, mas sim sua proprietária.

10. Os Recorridos bem sabiam que a Recorrente nessa altura já não era credora hipotecária quanto a essa fração e que havia adquirido o direito de propriedade relativamente à mesma no âmbito de execução fiscal (confessam-no na sua comunicação de 09.09.2011 que se trata do documento 13 junto com a Reconvenção) e que a comunicação de 05.09.2011 através da qual informava estar recetiva a autorizar o cancelamento das hipotecas, não se poderia aplicar a esta fração.

11. No que diz respeito ao email de 24.04.2013, importa salientar que resulta da sua leitura que o signatário, quando a venda se mostrasse possível, admitia propor à Caixa que esta atuasse no sentido da venda nos termos referidos pelos Réus, ora Recorridos.

12. Que assim é, era do conhecimento dos Recorridos, conforme resulta do referido no artigo 42º da Reconvenção, quando explicam que se dirigiram à Administração da Autora, tendo em vista, designadamente solicitar a realização da escritura nos termos por si pretendidos.

13. Desta forma estes evidenciam que sabiam que a decisão quanto à venda e respetivos termos, não estava tratada, muito menos através da comunicação de 05.09.2011 dirigida pela Recorrente ao Senhor Administrador de Insolvência e que tal decisão não seria da competência do signatário do email de 24.04.2013 acima referido, mas sim da Administração da Autora.

14. Não pretendia, a Recorrente quanto à fração “L”, adotar o mesmo comportamento que em relação às demais frações indicadas na comunicação a que corresponde o documento 12 da Reconvenção, de 05.09.2011, e relativamente às quais nessa altura não havia adquirido o direito de propriedade, sendo apenas credora hipotecária.

15. E por esta razão que é manifesto e evidente que a inclusão da fração “L” na comunicação, a que corresponde o documento 12 da Reconvenção, se tratou de um lapso da Recorrente.

16. Para as duas frações em relação às quais a Recorrente havia adquirido anteriormente o direito de propriedade, entre elas a fração “L” ora em causa, no âmbito da referida execução fiscal, até por uma questão de impossibilidade jurídica de cancelamento da hipoteca, por contrapartida do pagamento, pelo respetivo promitente-comprador, os ora Recorridos, do montante resultante da diferença entre o valor de compra e venda, contratada entre estes e a A..., e o sinal pago a esta.

17. A Recorrente não pretendia, nem podia admitir qualquer possibilidade de cancelamento de hipoteca, contrariamente ao que acontecia em relação às demais frações indicadas na comunicação de 05.09.2011 (documentação 12 da Reconvenção), das quais não era proprietária.

18. Contrariamente ao que entendeu a Sentença Recorrida, esta comunicação de 05.09.2011, indicada no artigo 25º da Reconvenção, a que corresponde documento 12 daquela peça, não se trata de proposta negocial, não permitido a mera aceitação da declaração emitida pela Recorrente, considerar que as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, nem qualquer execução específica em caso de incumprimento.

19. Esta comunicação da Recorrente não é completa, nem da mesma resulta uma declaração inequívoca, séria ou definitiva de celebrar um contrato de compra e venda com os Recorridos, não revestindo também a forma requerida para o contrato.

20. Esta declaração padece de vícios e incorreções, na medida em que refere que a Recorrente estava recetiva a autorizar o cancelamento de hipoteca e inclui a fração “L” na listagem de frações em relação às quais tal se verificaria, quando, quanto esta fração, não se mostrava à data registada qualquer hipoteca, sendo a Recorrente, nessa altura já sua proprietária, o que era do conhecimento dos Recorridos. (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 30.04.2002, proferido no âmbito do Processo nº 02A714, cujo Relator foi Ferreira Ramos; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23.03,2021, proferido no âmbito do Processo nº 609/19.9T8FND.C1.S1, cujo Relator foi Jorge Dias; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2019, proferido no Processo nº 22288/16.5TPRT.P1.S1, cujo Relator Rosa Ribeiro Coelho, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

21. O documento 11 junto com Reconvenção trata-se de comunicação emitida pelo Senhor Administrador de Insolvência e não pela Recorrente, pelo que, data maxima venia, não pode valer como proposta contratual emitida por esta.

22. O documento 12 da referida Reconvenção, não incorpora os requisitos e características legais necessárias, tendo em vista consubstanciar uma proposta negocial que permitisse pela mera aceitação da contraparte, a formação de qualquer contrato, designadamente de contrato promessa de compra e venda, nos termos entendidos pela Sentença Recorrida e, quando muito, poderia tratar-se de convite a contratar.

23. A comunicação em apreço refere expressamente que a Recorrente se encontrava recetiva a autorizar o cancelamento das hipotecas e, ainda, que a referida comunicação visava apurar da disponibilidade dos promitentes-compradores para contratarem no sentido nela referido.

24. A Recorrente acrescenta na referida comunicação que, porém, o Senhor Administrador de insolvência não deveria promover a referida venda.

25. A Recorrente à data do envio da comunicação em causa ao Senhor Administrador de insolvência, isto é, em 05.09.2011, era proprietária da fração “L” em questão nestes autos, pelo que, além de não poder admitir, quanto a esta, a possibilidade de cancelamento de qualquer hipoteca, até porque a mesma havia sido adquirida em execução fiscal e, por isso, livre de ónus e encargos, também não poderia, em qualquer caso, a mesma ser objeto de venda pelo Senhor Administrador de Insolvência da Insolvente A..., que apenas poderia promover a venda das demais frações, elencadas na referida comunicação.

26. Resulta das regras da experiência que, caso a Recorrente pretendesse apresentar proposta negocial aos Recorridos, tendo em vista a aquisição daquela fração por estes, como proprietária que era da mesma, não o faria por meio do Senhor Administrador de Insolvência, mas fá-lo-ia diretamente junto dos Recorridos.

27. De todo o modo, ainda que assim não se entendesse, data venia, parece notório que a comunicação a que corresponde o documento 12 da Reconvenção, se tratava de uma mera averiguação da disponibilidade para eventual contratação nos moldes ali referidos, não se tratando de proposta contratual, mas quando muito de convite a contratar.

28. Razão pela qual, contrariamente ao referido na Sentença ora Recorrida, não poderia consubstanciar qualquer proposta negocial, suscetível de se convolar, através da mera declaração de aceitação por parte dos Recorridos, em contrato promessa de compra e venda da fração dos autos.

29. Ademais, porquanto, além do ora exposto, no que diz respeito à falta de preenchimento pela comunicação junta como documento 12 da Reconvenção, dos requisitos necessários para que estivéssemos perante uma proposta contratual – tratando-se, em último caso, de mero convite a contratar, como já melhor anteriormente explicado – a Recorrente apenas incluiu a fração “L” na referida comunicação, por lapso, pois que não pretendia fazê-lo quanto a esta, conforme melhor explicado supra.

30. Não deveria a comunicação junta como documento 12 da Reconvenção, emitida em 05.09.2011 pela Recorrente e dirigida ao Senhor Administrador de Insolvência, ter sido entendida pelo tribunal a quo, como proposta negocial, porquanto conforme melhor acima explicado, esta não consubstancia qualquer proposta negocial, no que concerne à venda da fração “L” aos Recorridos.

31. Não podendo, como faz o tribunal a quo, considerar-se que a Recorrente e os Recorridos celebraram um contrato promessa compra e venda, suscetível de execução específica.

32. Deveria o tribunal a quo ter julgado a ação procedente e consequentemente condenado os ora Recorridos a reconhecerem a ora Recorrente como legitima titular do direito de propriedade sobre a fração em questão nestes autos e ainda na sua entrega completamente livre e devoluta de pessoas e bens à Recorrente, julgando improcedente o pedido reconvencional.

33. O tribunal a quo deveria ter apreciado o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente na sua Petição Inicial, aquilatando do valor locativo do imóvel, em relação ao qual foi efetuada prova em sede de audiência de discussão e julgamento tendo sido inquirido DD.

Nestes termos e nos demais de Direito que forem doutamente supridos pelo superior critério de V. Ex.ªs, deve o presente Recurso ser considerado procedente

a) Adicionando-se aos factos provados os factos referidos nos pontos 6 e 8 das Conclusões supra, atentos os fundamentos indicados nos pontos 5 e 7 das mesmas;

b) Revogando-se a Sentença proferida, substituindo-se esta por outra que julgue a ação procedente e consequentemente condene os ora Recorridos a reconhecerem a Recorrente como legitima titular do direito de propriedade sobre a fração em questão nestes autos e ainda na sua entrega completamente livre e devoluta de pessoas e bens à Recorrente, julgando improcedente o pedido reconvencional.

c) E ainda que seja ordenado ao tribunal a quo que, nesta sequência aprecie o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente na sua Petição Inicial, aquilatando do valor locativo do imóvel, em relação ao qual foi efetuada prova em sede de audiência de discussão e julgamento tendo sido inquirido DD.

Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA!»

c) Foram produzidas contra-alegações no sentido da manutenção da sentença recorrida, porquanto, em síntese,  o teor do documento nº 12 junto à P.I. deve ser considerado «…como proposta contratual de transmissão do direito de propriedade da fração L da autora para os réus mediante o pagamento do remanescente correspondente ao preço acordado e o sinal entregue pelos mesmos à sociedade A..., interpretação e convicção reforçada pelos réus/recorrentes pelo teor e capeamento do doc.nº 11 enviado aos réus pelo Sr.Administrador de insolvência, que trazia em anexo o doc.nº 12, sendo que nunca, nem na réplica, a autora/recorrente impugnou o teor do documento nº 11 junto à P.I, ou seja, a carta do senhor administrador da insolvência nomeadamente na parte em que refere e atribui à autora a “…posição da Banco 1... manifestando a intenção de proceder ao cumprimento dos contratos de promessa dos credores que invocaram o direito de retenção…”, e sendo manifesto que envolvendo a situação do prédio e insolvência as 3 partes identificadas nos documentos nº 11 e 12 juntos à reconvenção e vindo a proposta contratual de duas delas, nos termos reproduzidos, nenhuma razão existia para os réus sequer poderem questionar que houvesse outra interpretação, explicação ou intenção que não fosse a que eles e o Sr. Administrador de insolvência fizeram.»

II. Objeto do recurso.

As questões que o recurso coloca são as seguintes:

(I) A primeira respeita à impugnação da matéria de facto.

A recorrente Banco 1... pretende que se adicione o seguinte facto: «A ausência de ónus e encargos registados sobre o prédio do momento da aquisição pela Autora» (consoante conclusões 1 e 2).

E que se adicionem os factos referidos nos pontos 6 e 8 das conclusões, atentos os fundamentos indicados nos pontos 5 e 7 das mesmas.

(II) De seguida, cumpre verificar se a sentença deve ser substituída por outra que condene os Recorridos a entregar à Autora a fração «L» livre e devoluta de pessoas e bens, julgando-se improcedente o pedido reconvencional.

 (III) Por fim, coloca-se a questão de saber se este tribunal deve ordenar ao tribunal a quo que «… aprecie o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente na sua Petição Inicial, aquilatando do valor locativo do imóvel, em relação ao qual foi efetuada prova em sede de audiência de discussão e julgamento tendo sido inquirido DD.»

Ou, se deve conhecer da ampliação da matéria de facto caso constem já dos autos as respetivas provas.

(IV) Caso este tribunal conheça da ampliação da matéria de facto, cumpre verificar em que medida procede o pedido de indemnização.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

1- A recorrente pretende que se adicione o seguinte facto:

«A ausência de ónus e encargos registados sobre o prédio do momento da aquisição pela Autora.»

Este facto referido no ponto 2 das conclusões é o mesmo que é mencionado no ponto 8 das conclusões.

Procede esta pretensão.

Com efeito, resulta da cópia da certidão predial permanente relativa à fração «L», junta com a petição inicial (fls. 26 do processo físico), emitida em 20 de janeiro de 2021, que nesta data não existiam outros registos e lê-se ainda no campo dos registos pendentes: «Não existem registos pendentes.»

Ou seja, não se encontravam registados quaisquer encargos sobre a fração e não existiam registos pendentes.

Tal facto já havia sido considerado assente no despacho saneador de 8 de dezembro de 2021 (fls. 109 verso do processo físico).

Pelo exposto, acrescenta-se abaixo, nos factos provados, sob o número «2/A», o seguinte facto provado:

«No momento da inscrição da fração «L», a favor de Banco 1... S.A., não existiam ónus e encargos registados ou pendentes sobre o prédio.»

2- Quanto ao facto referido no ponto 6 das conclusões, atentos os fundamentos indicados nos pontos 5 das mesmas.

Não procede esta pretensão porque o teor da comunicação referida na conclusão n.º 5 é a mesma que consta do documento n.º 12 da contestação-reconvenção e este documento n.º 12 já é mencionado no facto provado 17 da sentença recorrida.

Por outro lado, o ponto 6 das conclusões contém afirmações de direito retiradas do teor do documento 12 e como tal não são factos históricos que devam constar da matéria de facto.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados [a que acrescerão os factos relativos ao pedido de indemnização, caso se julgue procedente a questão recursiva relativa à ampliação da matéria de facto que será analisada mais abaixo no ponto «III- c)-(III)»]

1- Mostra-se inscrito a favor de Banco 1... S.A., NIPC ...46, com sede na Av. ..., em ..., na Conservatória do Registo Predial ..., pela Ap. ...25, de 2010/05/27, o direito de propriedade sobre a fração autónoma, designada pela letra «L», destinada a habitação, correspondente ao Rés do Chão Esquerdo, do prédio urbano, sito nas ..., ..., ..., inscrita na respetiva matriz sob o art.º ...39.º e descrita na referida Conservatória sob o n.º ...11....

2- A inscrição favor de Banco 1... S.A., da fração autónoma identificada em «1-», teve como causa uma adjudicação, do dia 7.04.2010, em execução fiscal, onde foi executado CC.

2/A- No momento da inscrição da fração «L» a favor de Banco 1... S.A., não existiam ónus e encargos registados ou pendentes sobre o prédio.

3- Até à adjudicação referida em «2-», o direito de propriedade sobre a fração autónoma identificada em «1-» mostrava-se inscrito a favor de CC.

4- No dia 7.07.2003, CC, na qualidade de proprietário, e a sociedade A..., Lda., na qualidade de sociedade construtora e EE, na qualidade de garante, declararam, por escrito, sob a denominação de “Contrato Promessa”, o constante do doc. n.º 1, junto com a contestação (fls. 45 a 48), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;

5- No dia 16.07.2003, a sociedade A..., Lda., na qualidade de promotora de edificação e promitente vendedora e AA, na qualidade de promitente comprador, declararam, por escrito, sob a denominação de “Contrato de Compra e Venda”, o constante do doc. n.º 2, junto com a contestação (fls. 48v. a 49v.), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;

6- O denominado “apartamento A2” com “aparcamento n.º 62” no acordo escrito referido em «5-», corresponde à fração autónoma identificada em «1-».

7- Em cumprimento do acordo referido em «5-», AA entregou à sociedade A..., Lda., as quantias de € 21.823,00 (vinte e um mil oitocentos e vinte e três euros) no dia 17.07.2002; € 21.822,50 (vinte e um mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) no dia 19.09.2002; e € 21.822,80 (vinte e um mil oitocentos e vinte e dois euros e oitenta cêntimos) no dia 13.04.2004;

8- Como acordado por AA e a sociedade A..., Lda., no dia da escritura de compra e venda aquele deveria entregar a esta a quantia de €21.822,00 (vinte e um mil oitocentos e vinte e dois euros);

9- A escritura referida em «8-» não foi celebrada, assim como não foi paga a importância de €21.882,00 (vinte e um mil oitocentos e oitenta e dois euros).

10- AA e mulher, BB, passaram a viver na fração identificada em «1-», em data anterior à referida em «2-», tendo, para tal fim, formalizado contratos de fornecimento de água e de eletricidade.

11- A sociedade A..., Lda., não concluiu a construção a que se obrigara no acordo escrito referido em «4-».

12- CC foi declarado insolvente por sentença proferida no âmbito do processo n.º 21/10...., do Tribunal Judicial ....

13- No processo referido em «12-», AA e mulher, BB reclamaram o crédito de €130.936,60 (cento e trinta mil novecentos e trinta e seis euros e sessenta cêntimos) e invocaram o direito de retenção sobre a fação autónoma identificada em «1-»

14- No processo referido em «12-», o Sr. Administrador da Insolvência não reconheceu o crédito referido em «13».

15- No dia 16.08.2010 AA e mulher, BB deduziram no processo referido em «12-» impugnação à lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência;

16- No dia 5.09.2011 Banco 1... S.A., na qualidade de credor hipotecário do prédio identificado em «1-», remeteu ao Sr. Administrador da Insolvência referida em «12» a comunicação junta como Doc. n.º 12, da contestação (fls. 76v), com este teor:

«Ex.mo Senhor

Dr. FF

Ilustre Administrador da Insolvência

Assunto: Proc. n.º ...0.5Tribunal Judicial de ...

Executado : CC

Ex.mo Sr. Doutor

Vimos pelo presente meio informar V. Exa. que a Banco 1..., S. A., se encontra receptiva a autorizar o cancelamento das hipotecas que incidem sobre as seguintes fracções apreendidas – BD, U, BF, T, BR, AI, AQ, Bj, CC, AA, AT, BM, BL, AS, C, Z, AB, AP, D, BO, N, BT, BN, AM, BU, BC, AO, AJ, V, AD, BS, BA, BH, R, CB, L, AL, BI, AU, NA, BV, F, AX, CA, S, B, M, CB, BP, BG, X, A, J, E, G, (todas da descrição ..., ...) – desde que esta Caixa receba no mínimo os valores correspondentes à diferença  entre os preços convencionados e os sinais entregues ao promitente vendedor, com exclusão das benfeitorias.

Consequentemente, requere-se a V. Exa. se digne diligenciar junto dos promitentes-compradores em causa no sentido de averiguar da disponibilidade dos mesmos, para a proposta desta Caixa. Solicita-se, ainda, se digne não promover, para já, qualquer venda das fracções em causa (…)» ([1])

17- No dia 5.09.2011 o Sr. Administrador da Insolvência referida em «12-», remeteu a AA e mulher BB, na pessoa do seu ilustre mandatário, a comunicação junta como Doc. n.º 11, da contestação (fls. 76), com o seguinte teor:

«FF (…), administrador de insolvência, (…) vem enviar a V. Exa., na qualidade de mandatário de credor que invocou direito de retenção, posição da Banco 1... manifestando a intenção de proceder ao cumprimento dos contratos de promessa dos credores que invocaram o direito de retenção com o respetivo cancelamento das hipotecas (caso receba no mínimo valores correspondentes à diferença entre os preços convencionados e sinais entregues – com exclusão de benfeitorias):

Das frações indicadas pela Banco 1..., em anexo, encontram-se incluídos os credores que invocaram os direitos de retenção de contrato promessa celebrado com a firma “A....” (…).

Fica V. Exa. notificado na qualidade de mandatário dos credores que invocaram direitos de retenção, para até dia 25/09/2011, se pronunciar sobre a proposta apresentada pela Banco 1... para cumprimento dos contratos-promessa celebrados com o pagamento do valor da diferença entre os preços acordados e os sinais entregues pelos promitentes compradores (…).

18- A comunicação do Sr. Administrador da Insolvência referida em «17-», assentou na comunicação que lhe foi remetida pela Banco 1... S.A., referida em «16-».

19- No dia 9.09.2011 AA e mulher, BB, por intermédio do seu ilustre mandatário, remeteram ao Sr. Administrador da Insolvência e ao ilustre mandatário da Banco 1... S.A., as comunicações juntas como Docs. n.º 13, da contestação (fls. 77 e 77v.), com este teor:

● «De AA

BB (…)

Aos (….)

«Assunto: Aquisição da fracção L (R/C esquerdo) do prédio (…)

Em resposta ao teor da proposta apresentada pela Banco 1..., (…), vimos por este meio confirmar que estamos dispostos a aceitar as condições de compra da fracção “L” e correspondente aparcamento 62 agora apresentadas pela Banco 1..., ou seja, o pagamento no acto da escritura, contra o expurgo das hipotecas e livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, da quantia de €21.882,00.

Esta quantia corresponde ao diferencial entre o valor total de compra de €87.290,00 constante do contrato promessa de compra e venda, e a quantia de €65.467,00 já paga até à data, não levando em conta ou deduzindo qualquer valor a título de benfeitorias. (…).»

20- No dia 9.01.2012 a Banco 1... S.A., remeteu a AA e mulher, BB a comunicação junta como Doc. n.º 14, da contestação (fls. 78), com o seguinte teor:

« (…)

Assunto: N/ Proc. UL 2010559 – Manifestação de interesse na aquisição da fracção autónoma designada pela letra “L” (…).

Acusamos a recepção da carta de V. Exa. (…)

Na sequência do mesmo (…) vimos pela presente informar que admite-se submeter à apreciação superior a venda do mesmo nas seguintes condições:

Preço de referência - €110.000.00 (cento e dez mil euros);

Sinal no montante de (…);

Restante com a outorga (…)

Com obtenção de Licença de Utilização a cargo do comprador.

A presente proposta é válida até 20 de janeiro de 2012

 (…)

Salientamos que, caso não estar interessado em comprar os imóveis nos moldes explicitados, deverá proceder à desocupação do mesmo, devendo este ficar livre e devoluto de pessoa e bens e proceder à consequente entrega das respetivas chaves, na Agência (…)»

21- No dia 19.03.2012 pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA) foi remetida a AA a comunicação junta como Doc. n.º 15, da contestação (fls. 79), com este conteúdo:

«(…) Processo execução n.º ...93 e apenso

Exmo. Sr.

Fica por este meio notificado, na qualidade e possuidor do prédio urbano – fracção autónoma designada pela letra “L”, (…), que após venda judicial por meios de proposta em carta fechada, foi o mesmo adjudicado.

Assim sendo, fica igualmente notificado para no prazo de 10 (dez) dias proceder à entrega da chave do referido imóvel junto deste serviço de Finanças, sob pena de não o fazendo (…)»

22- No dia 5.04.2013, foi proferida decisão no processo referido em «12-» que julgou improcedente a impugnação à lista de credores apresentada por AA;

23- Entre os dias 23.04.2013 e 13.11.2013 o ilustre mandatário AA e mulher, BB e o ilustre mandatário da Banco 1... S.A., realizaram as comunicações descritas no Doc. n.º 17, da contestação (fls. 80v.), cujo conteúdo é o seguinte:

● «(…) 13 de novembro de 2013 (…)

Exmo. Sr. GG

Na sequência dos contatos anteriores e como me comprometi, deverei ter a licença de utilização da fracção de meu cliente (L) da Sexta-feira, dia 15, dado hoje ter sido realizada vistoria (…)»

●«From: GG

(…) April 24, 2013 (…)

Dr. HH: Eu atrever-me-ei a sugerir atuação da Caixa no sentido de vender o andar ao seu cliente pelo preço remanescente, mas só quando tal venda for possível. GG.»

24- Na sequência das comunicações referidas em «23-», AA solicitou junto da Câmara Municipal ..., a emissão de Alvará de Utilização para a fração autónoma identificada em «1-»;

25- Por decisão de 14.11.2013 foi emitido o Alvará de Utilização n.º ...13 para a fração autónoma identificada em «1-».

26- Na sequência da comunicação descrita no Doc. n.ºs 19 (fls. 81v. e 82), da contestação, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, a Banco 1... S.A. dirigiu a AA a comunicação descrita no Doc. n.º 20, da contestação (fls. 84.), cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;

27- Entre os dias 12.05.2020 e 22.06.2020 o ilustre mandatário AA e mulher, BB e a Banco 1... S.A., realizaram as comunicações descritas no Doc. n.º 10 e 11, da Petição Inicial (fls. 27 a 29v..), cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;

2. Matéria de facto – Factos não provados

Que o valor locativo da fração “L” seja de 485,00 euros mensais.

c) Apreciação da restante questão objeto do recurso

(I) Vejamos se a sentença deve ser substituída por outra que condene os Recorridos a entregar à Autora a fração livre e devoluta de pessoas e bens, julgando improcedente o pedido reconvencional.

A resposta é afirmativa pelas seguintes razões:

(a) Na sentença considerou-se que a comunicação enviada pela Banco 1... (autora) ao Sr. administrador da insolvência da empresa A..., Limitada, foi, em seu conteúdo declarativo, uma proposta de contrato-promessa de compra e venda da fração «L».

A partir desta interpretação o tribunal entendeu que os Réus tinham aceitado essa proposta e com isso formou-se um contrato-promessa de compra e venda da fração «L», suscetível de execução específica, a qual foi decretada no dispositivo da sentença

Porém, esta interpretação relativa àquela comunicação da Banco 1... não pode ser feita porque não corresponde à realidade factual, como se vai mostrar.

Em primeiro lugar, a declaração emitida pela Banco 1... e endereçada ao Sr. Administrador da insolvência, investido nessa qualidade no processo «21/10.5Tribunal Judicial de ...», não se refere à venda da fração «L», mas sim ao cancelamento das hipotecas que incidiam sobre as frações mencionadas nessa comunicação, entre as quais a fração «L»; como se pode ver do respetivo texto que, mais uma vez, se transcreve:

«Ex.mo Senhor Dr. FF Ilustre Administrador da Insolvência

Assunto: Proc. n.º ...0.5Tribunal Judicial de ...

Executado: CC

Ex.mo Sr. Doutor

Vimos pelo presente meio informar V. Exa. que a Banco 1..., S. A., se encontra receptiva a autorizar o cancelamento das hipotecas que incidem sobre as seguintes fracções apreendidas – BD, U, BF, T, BR, AI, AQ, Bj, CC, AA, AT, BM, BL, AS, C, Z, AB, AP, D, BO, N, BT, BN, AM, BU, BC, AO, AJ, V, AD, BS, BA, BH, R, CB, L, AL, BI, AU, NA, BV, F, AX, CA, S, B, M, CB, BP, BG, X, A, J, E, G, (todas da descrição ..., ...) – desde que esta Caixa receba no mínimo os valores correspondentes à diferença  entre os preços convencionados e os sinais entregues ao promitente vendedor, com exclusão das benfeitorias.

Consequentemente, requere-se a V. Exa. se digne diligenciar junto dos promitentes-compradores em causa no sentido de averiguar da disponibilidade dos mesmos, para a proposta desta Caixa. Solicita-se, ainda, se digne não promover, para já, qualquer venda das fracções em causa (…)»

Não se afigura, por isso, que possa existir qualquer dúvida no sentido de que a declaração de vontade emitida pela Banco 1... não alude a uma possível venda da fração «L», mas sim ao cancelamento da hipoteca que, segundo declarava a Banco 1... (erradamente, porque a fração «L» já era propriedade sua), incidia sobre a dita fração.

Como refere Ana Prata, «Para que se esteja perante uma declaração que possa ser qualificada como proposta contratual, é necessário: a) que se trate de uma declaração recipienda (v. anotação ao art. 224.º); b) que ela manifeste uma intenção inequívoca da celebração de um certo contrato; c) que contenha, pelo menos, os elementos essenciais específicos do contrato a celebrar, salvo se, para o tipo contratual em causa, a lei dispensar algum (p. ex., na locação, o art. 1026.º estabelece um prazo supletivo); terá de conter outros elementos, se a lei os considerar indispensáveis para que o contrato se tenha por concluído ou se alguma das partes o tiver suscitado (art. 432,º: d) que revista a forma legal (ou convencional, se a houver) para a validade do contrato» - Código Civil Anotado (Coordenação de Ana Prata), Vol. I, Almedina, 2017, pág. 283.

Resumindo, a proposta contratual existe quando, preenchidos os requisitos formais, o mero «sim», a mera declaração de aceitação da proposta pela contraparte constitui o último ato necessário e suficiente para gerar o acordo vinculativo.

Então, se a declaração de vontade da Banco 1... não se referiu, como de facto não se referiu, a uma venda da fração «L», não se pode afirmar que existiu da parte da Banco 1... uma proposta de contrato-promessa de venda dessa fração aos Réus.

Esta afirmação afigura-se incontestável, pelo que não se pode construir sobre a comunicação da Banco 1... uma proposta de contrato-promessa de venda dessa fração aos Réus, sob pena de se negar a realidade factual.

(b) Outra questão conexa com a anterior.

Como resulta do facto n.º 17, no dia 5 de setembro de 2011, o Sr. administrador da insolvência remeteu ao mandatário dos Réus a seguinte comunicação:

«FF (…), administrador de insolvência, (…) vem enviar a V. Exa., na qualidade de mandatário de credor que invocou direito de retenção, posição da Banco 1... manifestando a intenção de proceder ao cumprimento dos contratos de promessa dos credores que invocaram o direito de retenção com o respetivo cancelamento das hipotecas (caso receba no mínimo valores correspondentes à diferença entre os preços convencionados e sinais entregues – com exclusão de benfeitorias):

Das frações indicadas pela Banco 1..., em anexo, encontram-se incluídos os credores que invocaram os direitos de retenção de contrato promessa celebrado com a firma “A....” (…).

Fica V. Exa. notificado na qualidade de mandatário dos credores que invocaram direitos de retenção, para até dia 25/09/2011, se pronunciar sobre a proposta apresentada pela Banco 1... para cumprimento dos contratos-promessa celebrados com o pagamento do valor da diferença entre os preços acordados e os sinais entregues pelos promitentes compradores (…).»

Mas além desta comunicação da autoria do Sr. administrador, este remeteu aos Réus cópia da declaração que havia recebido da Banco 1....

Verifica-se que é o Sr. administrador quem, pela primeira vez, fala na intenção da Banco 1... «proceder ao cumprimento dos contratos de promessa dos credores» que invocaram o direito de retenção.

Trata-se, portanto, de uma declaração do Sr. administrador que não corresponde à declaração da Banco 1... que vem sendo analisada.

O Sr. administrador fala em «cumprimento dos contratos-promessa», mas estes contratos-promessa a que ele se refere não seriam cumpridos pela Banco 1..., pois esta entidade não era promitente vendedora nos contratos-promessa que então existiam, era apenas credora hipotecária e, como credora hipotecária, declarou estar disposta a viabilizar o cumprimento desses contratos-promessa, estando disponível para autorizar o cancelamento das hipotecas que existiam a seu favor, caso ela recebesse determinadas quantias.

Sucede que em relação à fração «L», objeto desta ação, a Banco 1... já era proprietária dessa fração à data em que foi feita esta comunicação aos Réus por parte do Sr. administrador e não existia qualquer hipoteca a onerar a fração «L».

A comunicação do Sr. Administrador fazia sentido apenas em relação às outras frações indicadas na sua missiva, essas sim objeto de contratos-promessa e oneradas com hipotecas a favor da Banco 1....

Por conseguinte, não existindo qualquer hipoteca a onerar a fração, a inclusão da fração «L» no rol das frações [«…BD, U, BF, T, BR, AI, AQ, Bj, CC, AA, AT, BM, BL, AS, C, Z, AB, AP, D, BO, N, BT, BN, AM, BU, BC, AO, AJ, V, AD, BS, BA, BH, R, CB, (…), AL, BI, AU, NA, BV, F, AX, CA, S, B, M, CB, BP, BG, X, A, J, E, G, (todas da descrição ..., ...)]» foi um erro, como vem afirmado pela Banco 1... na resposta à contestação-reconvenção.

Tratou-se de um erro cometido pela Banco 1... que os Réus não podiam deixar de reparar nele (cognoscível), pois os Réus, como moradores e interessados na aquisição da fração, bem sabiam que a fração já tinha sido vendida num processo de execução fiscal e que a mesma tinha sido adquirida pela Banco 1....

Com efeito, como consta dos factos provados, no dia 19 de março de 2012 a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu aos Réus a seguinte comunicação:

«(…)  Processo execução n.º ...93 e apenso

Exmo. Sr.

Fica por este meio notificado, na qualidade e possuidor do prédio urbano – fracção autónoma designada pela letra “L”, (…), que após venda judicial por meios de proposta em carta fechada, foi o mesmo adjudicado.

Assim sendo, fica igualmente notificado para no prazo de 10 (dez) dias proceder à entrega da chave do referido imóvel junto deste serviço de Finanças, sob pena de não o fazendo (…)»

Portanto, os Réus sabiam, ou não podiam ignorar, ao ler a comunicação da Banco 1..., acima referida como documento 12, a qual lhes foi enviada pelo Sr. administrador, que em relação a esta fração «L» não havia qualquer contrato-promessa que pudesse ser cumprido no âmbito da insolvência que estava a correr no «Proc. n.º ...0.5Tribunal Judicial de ...».

E, efetivamente, os Réus sabiam disso, pois o Ex.mo mandatário dos Réus respondeu ao Sr. administrador nos seguintes termos:

«… esta fracção chegou a ser vendida e adquirida pela Banco 1..., processos entretanto apensos ao de Insolvência pelo que este acordo implicará a cessação de todos esses processos.»

Pode, pois, afirmar-se como facto, que os Réus quando receberam a comunicação do Sr. Administrador (o mencionado documento 12), sabiam que a fração «L» já tinha sido vendida numa execução fiscal e tinha sido adquirida pela Banco 1....

Por conseguinte, face aos factos disponíveis, os Réus não podiam conjeturar que a Banco 1... ao referir na comunicação dirigida ao Sr. administrador (o referido documento 12) que «…se encontra receptiva a autorizar o cancelamento das hipotecas que incidem sobre as seguintes fracções apreendidas…» estava a declarar que era sua vontade vender aos Réus a fração «L», caso os Réus lhe pagassem, como contrapartida, a «diferença entre os preços acordados e os sinais entregues pelos promitentes compradores». No caso da Fração «L» seriam, segundo os Réus, €21.882,00.

Aliás, sendo a Banco 1... já dona da fração, como os Réus bem sabiam, se esta se propusesse vender aos Réus a fração «L», pelo valor de €21.882,00, estaria a vender aos Réus por um preço muito inferior àquele que tinha pago para a adquirir, que foi de €73.500,00, segundo o alegado no artigo 43.º da contestação e referido no doc. n.º 20 da contestação. 

Era claro para os Réus a constatação de que não podia ser verdade que a Banco 1... estivesse a pretender vender-lhes por €21.882,00 uma fração autónoma pela qual tinha pago €73.500,00.

Por conseguinte, face ao exposto, se os Réus formaram de facto a convicção de que a Banco 1... lhes dirigia uma proposta de venda da fração «L», através do Sr. Administrador da insolvência da empresa construtora dessa fração, mediante o pagamento da «diferença entre os preços acordados e os sinais entregues pelos promitentes compradores», formaram tal convicção com base numa interpretação própria, subjetiva, que servia os seus interesses, mas que não se sustentava na realidade histórica que eles conheciam.

Primeiro, repete-se, porque a Banco 1... nunca declarou pretender vender-lhes a fração «L»;

Segundo, porque quem falou em cumprimento de contrato-promessa não foi a Banco 1..., foi o Sr. Administrador da insolvência.

Terceiro, os Réus dispunham de informação que lhes permitia concluir que a Banco 1... não estava disponível para vender a fração «L», mediante o pagamento da «diferença entre os preços acordados e os sinais entregues pelos promitentes compradores».

Isto, como já se disse, porque o Sr. Administrador enviou aos Réus cópia da proposta da Banco 1... onde esta só falava no levantamento das hipotecas e os Réus sabiam que a fração «L» já era propriedade da Banco 1... e, por isso, não fazia sentido cumprir qualquer contrato-promessa, pois não existia qualquer contrato promessa no qual a Banco 1... fosse parte; nem fazia sentido levantar uma hipoteca que incidia sobre uma fração cujo proprietário era simultaneamente titular da hipoteca.

(c) Sobre a obtenção da licença de utilização por parte dos Réus.

Os Réus argumentam a favor da sua tese que promoveram e obtiveram licença de utilização para a fração «L», no pressuposto de que estava em curso uma proposta de venda da fração, pois de outro modo não tinham interesse em obter essa licença à sua custa.

Sobre esta questão cumpre recapitular a sequência dos factos, que é esta:

 No dia 5 de setembro de 2011 a Banco 1... comunica ao Sr. administrador da insolvência que tem intenção de cancelar as hipotecas sobre uma pluralidade de frações no rol das quais incluiu a fração “L”.

No dia 5 de setembro de 2011 o Sr. administrador da insolvência remeteu aos Réus uma comunicação dando-lhe conta da intenção da Banco 1....

Em 9 de setembro de 2011, os Réus remeteram à Banco 1... e ao Sr. Administrador um texto declarando que estavam «…dispostos a aceitar as condições de compra da fracção “L” e correspondente aparcamento 62 agora apresentadas pela Banco 1..., ou seja, o pagamento no acto da escritura, contra o expurgo das hipotecas e livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, da quantia de €21.882,00.»

Em 9 de janeiro de 2012 um funcionário da Banco 1... respondeu aos Réus declarando-lhes o seguinte: «…admite-se submeter à apreciação superior a venda do mesmo nas seguintes condições: Preço de referência - €110.000.00 (cento e dez mil euros); (…). Com obtenção de Licença de Utilização a cargo do comprador (…)»

Verifica-se desta sequência, como vem sendo referido, que a pretensão inicial, objetivamente manifestada pela Banco 1..., foi apenas a de promover o cancelamento das hipotecas incidentes sobre as frações, não a de vender as frações, as quais à exceção da fração «L» não eram sua propriedade.

Só quando os Réus, influenciados pela comunicação do Sr. administrador, falam em comprar a fração é que a Banco 1... lhes diz que admite vendê-la por 110 mil euros, mas desde que os Réus obtenham a licença de habitação.

Portanto, a problemática da licença de habitação surge, pela primeira vez, no contexto desta segunda proposta feita pela Banco 1..., na qual esta admitiu vender a fração aos Réus por 110 mil euros.

Por conseguinte, a obtenção da licença de utilização não está conectada com a primeira proposta da Banco 1... na qual esta apenas se disponibilizou para levantar as hipotecas, não para vender a fração «L».

 (d) Concluindo-se, como se conclui, no sentido de que não existiu qualquer proposta contratual com capacidade para gerar um contrato-promessa entre a autora Banco 1... e os Réus, a sentença não pode manter-se e tem de ser revogada.

Cumpre então verificar se o pedido da Autora procede e se os Réus recorridos devem ser condenados a entregar à Autora a fração livre e devoluta de pessoas e bens, julgando-se improcedente o pedido reconvencional.

A resposta é afirmativa.

Resulta dos factos provados (1 a 3) que a Autora é proprietária da fração «L» e que os Réus residem nela (facto provado n.º 10).

Isso mesmo foi declarado na al. a) do dispositivo da sentença recorrida.

Nos termos do artigo 1311.º do Código Civil, «1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.»

No caso, os Réus não têm título que lhes permita residir na fração e o facto de aí residirem porque foram partes um contrato-promessa que lhes conferiu essa possibilidade, não gera qualquer direito perante a ora Autora.

Vejamos.

O artigo 754.º do Código Civil dispõe que «O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.»

Como referiram os autores Pires de Lima/Antunes Varela, «Para que exista direito de retenção, nos termos deste artigo 754.º, é necessário, em primeiro lugar, que o respectivo titular detenha (licitamente: cfr. Art. 756.º, alín. a)) uma coisa que deva entregar a outrem; em segundo lugar, que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deve a restituição; por último, que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum rei junctum), nas condições definidas naquele artigo – despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados» - Código Civil Anotado, 3.ª Edição, Vol. I, pág. 742.

O direito de retenção invocável pelos Réus foi exercido no processo de reclamação de créditos apenso ao processo de insolvência (cfr. facto provado n.º 13) e esgotou-se nesse processo.

No presente momento, os Réus não têm qualquer crédito sobre a Autora e, por isso, não têm na sua esfera jurídica um direito de retenção que lhes permita impedir a Autora de entra na posse da fração «L».

Procede, pois, o pedido da ação e improcede o pedido reconvencional.

 (II) Vejamos agora a questão de saber se o tribunal deve ordenar ao tribunal da 1.ª instância que «… aprecie o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente na sua Petição Inicial, aquilatando do valor locativo do imóvel, em relação ao qual foi efetuada prova em sede de audiência de discussão e julgamento tendo sido inquirido DD.»

A resposta é negativa.

Essa factualidade foi alegada nos artigos 7 e seguintes da petição e não foi levada aos factos provados ou aos não provados.

Mas foi elencada como único tema de prova no despacho saneador (cfr. fls. 110 do processo físico).

Trata-se de uma factualidade relevante, tendo em conta que será decretada a revogação parcial da sentença, pois a Autora formulou a respeito desses factos uma pretensão indemnizatória na «al. c)» do respetivo pedido.

Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, «c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;»

Como resulta desta norma, se do processo constarem já os elementos probatórios necessários, não haverá lugar à anulação porque o tribunal da Relação conhecerá da matéria.

[Neste sentido, Abrantes Geraldes quando refere que «…a anulação da decisão da 1.ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas» - Recursos em Processo Civil, Novo Regime. 2.ª Edição, Almedina 2008, pág. 296].

Cumpre verificar então se do processo constam já os elementos probatórios relevantes.

A resposta é afirmativa.

Com efeito, a Recorrente Banco 1... alega que foi ouvida uma testemunha sobre a matéria, no caso, a testemunha II, depoimento prestado em 14 de dezembro de 2023.

Não foi indicada qualquer outra prova, nem o tribunal exerceu oficiosamente o poder se produzir outras provas, pelo que se conclui que as provas a produzir foram produzidas cabalmente, pelo que constam já dos autos todos os elementos probatórios relevantes.

Esta testemunha referiu que calculou a renda mensal média de mercado para aquele imóvel em 485,00 euros (minuto 02:15). Argumentou que teve em consideração fatores como o valor do prédio, a localização, a tipologia do prédio, bem como uma taxa de capitalização. Disse que não viu fisicamente o prédio (minuto 07:40). Fez uma avaliação em abstrato (minuto 07:54).

Face a este depoimento, não se afigura viável formar a convicção sobre o valor locativo nos referidos 485,00 euros, ou outro valor, pela seguinte razão:

O valor locativo de um prédio não é algo que se possa constatar pelos sentidos, isto é, não é percecionável, logo não é testemunhável.

Trata-se antes de constatar alguns factos e ajuizar sobre eles com vista a determinar um valor monetário.

Quando muito, a testemunha pode afirmar que sabe que uma fração com as caraterísticas semelhantes e localizada na mesma zona residencial foi ou está arrendada por certo valor, inferindo, depois, o juiz por analogia, que a fração em causa terá idêntico valor.

Fora este caso, a prova testemunhal não é adequada para formar a convicção do tribunal sobre o valor locativo de um imóvel e se uma testemunha adiantar um valor isso significa que está a desempenhar as funções de perito, como sucede no caso dos autos, e, nesse caso, o tribunal não tem elementos para confiar na sua avaliação, pois, mesmo colocando de lado o indevido exercício da função de perito por parte da testemunha, o juiz desconhece se a testemunha é competente nessa matéria e inclusive a razoabilidade das premissas em que baseou a sua avaliação.

Por conseguinte, o tribunal não consegue formar uma convicção sobre um valor locativo determinado para a mencionada fração «L».

Apesar disso, estando a fração a ser habitada, isso mostra que a fração tem capacidade de uso habitacional e isso implica que tenha um valor no mercado de arrendamento, faltando apenas determinar esse valor locativo.

Apesar de não se dar como provado o valor de 485,00 euros, o que fica referido implica que se adite um facto aos factos provados com a seguinte redação: «A fração “L” é suscetível de ser arrendada por certa quantia monetária mensal».

(III) Vejamos em que medida procede o pedido de indemnização.

Os Réus contestam esta pretensão argumentando que a fração não tinha licença de utilização e que a mesma foi obtida por eles e em nome deles.

E sem licença não era possível arrendar validamente a fração.

Assim é, face ao disposto no n.º 1 do artigo 1070.º do Código Civil, onde se determina que «O arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível.», sendo exigível em relação a prédios construídos após 1951.

O facto da licença de utilização ter sido obtida pelo esforço dos Réus, em «nome dos Réus», como estes dizem, não tem qualquer relevância para a questão em apreço porque esta licença de utilização é atribuída ao prédio; não é atribuída às pessoas que a requerem (A pessoa que constrói um prédio e requer a respetiva licença de utilização no município não adquire a licença para si própria, mas sim para o prédio).

Por conseguinte, à data da instauração da ação já existia licença de utilização e é a partir desta data que a Autora pede a indemnização.

Prosseguindo.

Resultou provado que a fração tem valor locativo e que a ocupação da fração por parte do Réus impede, sem fundamento legal, a Autora de arrendar o imóvel e obter o montante das respetivas rendas.

Nos termos do n.º 1, do art.º 483.º do Código Civil, «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»

Não se conhece o valor certo da renda mensal.

Porém, face ao disposto no n.º 2 do artigo 609.º Código de Processo Civil: «Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.», norma que se afigura justo aplicar também aos casos em que o autor, tendo formulado um pedido líquido, não logrou, porém, provar no processo declarativo o montante exato do dano.

Neste sentido, Alberto dos Reis «...o comando do 2.º período do art.º 661.º, tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico (...) como ao caso de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação- Código de Processo Civil Anotado, Vol. 5.º, Reimpressão/Coimbra 1984, pág. 71.
Na jurisprudência, entre outros, o acórdão do S.T.J. de 4 de outubro de 2007, in http://www.gdsi.pt, processo n.º 07B2990 «O normativo do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil aplica-se não só no caso de haver sido formulado um pedido genérico como também na situação em que se formulou um pedido específico e não se conseguiu a prova de elementos suficientes para precisar o objecto e ou a quantidade da condenação.»

Por conseguinte, cumpre condenar os Réus a pagar à Autora a quantia que se apurar em posterior liquidação, a título de valor locativo (renda) da fração, desde a citação dos Réus até à entrega do imóvel.

Claro está que atendendo ao princípio dispositivo a posterior liquidação, o montante não pode exceder o valor de 485,00 euros mensais pedidos.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se parcialmente a decisão recorrida e, em consequência:

1 – Condenam-se os Réus a entregar à Autora a fração «L», melhor identificada nos factos provados, livre de pessoas e coisas.

2 – Julga-se o pedido reconvencional improcedente e absolve-se a Autora do mesmo.

3 – Julga-se procedente o pedido de ampliação da matéria de facto nos termos que ficaram expostos supra.

4 – Condenam-se os Réus a pagar à Autora a quantia que se apurar em posterior liquidação, até ao limite do pedido, a título de valor locativo da fração (renda), desde a citação dos Réus até à entrega do imóvel.

5 – No mais mantém-se a decisão recorrida

6 – Custas pelos Réus.


Coimbra, …


[1] Alterou-se a ordem dos factos provados 16 e 17 da sentença. O facto 16 passou a ser o 17 e o facto 17 passou a ser o 16.
Para proporcionar uma apreensão mais fácil dos factos provados 16, 17, 19, 20, 21 e 23, reproduziu-se o teor dos documentos aí mencionados, porquanto na sentença apenas se remetia para o respetivo conteúdo.