Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1144/21.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO FACULTATIVO
POSSIBILIDADE DE O LESADO DEMANDAR DIRECTAMENTE A SEGURADORA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA DA SEGURADORA
Data do Acordão: 06/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 492.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 137.º A 145.º E 146.º A 148.º DA LCS
Sumário: I – No seguro de responsabilidade civil facultativo, os nos 2 e 3 do art. 140º do Dec. Lei nº 72/2008, de 16/04, concedem ao lesado o direito de demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, nas duas situações excecionais aí mencionadas:

a) - quando tal se encontre expressamente previsto no contrato de seguro;

b) - quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.
II – Assim, no âmbito do seguro facultativo, ao invés do que sucede no seguro obrigatório, o terceiro lesado não pode, em princípio, demandar diretamente a seguradora.

III – Não se verificando qualquer das referidas situações excecionais, a intervenção da seguradora, provocada pelo demandado/segurado, só pode ocorrer acessoriamente, enquanto titular de mera relação jurídica conexa com a relação material controvertida que fundamenta a ação e que lhe confere o direito de regresso.     

Decisão Texto Integral:

Apelações em processo comum e especial (2013)

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            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

A...” intentou a presente ação declarativa de condenação contra AA, peticionando que: a) se reconheça que o desabamento do muro do Réu, provocou a derrocada do muro da Autora, na parte em que o mesmo confronta com a escadaria da ...;  b) se reconheça que o desabamento do muro do Réu provocou danos no portão de acesso à propriedade da Autora; c) se reconheça que o muro do Réu ruiu por defeito de conservação; d) seja o Réu condenado a reconstruir o muro da Autora, com iguais dimensões, características e no local exato do anterior muro demolido; e) seja o Réu condenado a repor o gradeamento vermelho no topo do muro que igualmente ruiu com o desabamento do mesmo; f) seja o Réu condenado a reparar o portão e a instalá-lo no local onde se encontrava, funcional e com os respetivos elementos de segurança; g) seja o Réu condenado a desocupar a via pública de todo e qualquer entulho que tenha resultado do desmoronamento e que venha a resultar dos trabalhos acima identificados; h) seja o Réu condenado a deixar a propriedade da Autora limpa e livre de qualquer entulho que igualmente resulte das obras acima aludidas; i) seja fixado um prazo para a conclusão das obras acima identificadas e o Réu seja condenado a encetá-las nesse prazo; j) e seja o Réu condenado em sanção pecuniária compulsória à taxa diária e 50,00EUR, por cada dia de atraso em relação ao prazo estipulado.

Para fundamentar as suas pretensões alega, em síntese, que no dia 21.12.2019, o muro propriedade do Réu ruiu, provocando em consequência o arrastamento de terras que cobriram o logradouro do prédio da Autora, bem como o desmoronamento de parte do muro da mesma, afetando igualmente o portão que ali se encontrava.

Mais sustenta que o Réu se comprometeu a dar início aos trabalhos de reconstrução do seu muro e reposição da propriedade e muro da Autora no seu estado anterior. Todavia, no dia 20.01.2020, quando o técnico da Autora se deslocou ao local foi informado pelos trabalhadores que ali andavam que não tinham qualquer indicação do Réu para intervir no muro da Autora. Refere, ainda, que não obstante as missivas remetidas o Réu não assumiu a sua responsabilidade pela reparação da propriedade da Autora.

Invoca, outrossim, que pelo menos desde 2006 o muro propriedade do Réu não era alvo de qualquer intervenção com vista a garantir a sua segurança, sendo que já se iam revelando trabalhos de conservação necessários antes da derrocada, assumindo o muro nalgumas zonas, uma “barriga” que o configurava em traços desalinhados.

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Citado, veio o Réu apresentar contestação na qual se defende por exceção (de ilegitimidade passiva) e impugnação.

Alega para o efeito e em suma que, entre os dias 15 e 22 de dezembro de 2019 se fizeram sentir na ... as tempestades Daniel, Elsa e Fabien, estando as terras cheias de água, ficando pesadas ao ponto de o muro não aguentar o peso. Refere pois, que o muro propriedade do Réu ruiu na noite de 20.12.2019, num comprimento de aproximadamente de cinco metros e o qual se encontrava em bom estado de conservação, não apresentando qualquer “barriga” e que o Réu efetuava a vistoria ao mesmo.

Sustenta ainda que, pediu aos trabalhadores da Autora anteriormente para procederem à limpeza do logradouro da mesma, num dia em que andava a vistoriar o seu muro e a limpar o seu quintal. Invoca, outrossim, que o muro só ruiu no local onde a Autora tem entulho e por onde o escoamento das águas é efetuado para a via pública, ficando as águas aí retidas provocando efeito balão no muro do Réu, que por não escoar, pesou, empolou e rebentou.

Mais refere que, tinha a sua responsabilidade civil transferida para a Seguradora “GNB – Companhia de Seguros, S.A.”, tendo disso comunicado à Autora, sendo que a mesma assumiu o sinistro na propriedade do Réu em 27.05.2020.

Acrescenta que, não acordou com a Autora que ia dar início aos trabalhos de reconstrução, antes lhe disse que ia dar início à reconstrução apenas do seu muro e que quanto ao muro da Autora esperaria pela posição da seguradora, o que foi aceite por esta. Alega que, acordou com a Autora que ia proceder à retirada dos escombros do prédio da Autora, deixando apenas as pedras do muro da Autora destinadas à reconstrução do mesmo.

Requer a intervenção principal provocada da Seguradora “GNB Seguros – Grupo Novo Banco”.

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Por despacho proferido em 03.02.2022 (cf. referência 34076669), foi admitida a intervenção principal da sociedade “GNB – Companhia de Seguros, S.A.”, ora “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.”.

Citada para o efeito, veio a Chamada deduzir contestação, na qual invoca a sua ilegitimidade para intervir na presente ação e bem assim se defende por impugnação.

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Foi dispensada audiência prévia e proferido despacho saneador (cf. referência 34531890).

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Foi realizada a audiência final, com observância do formalismo legal, conforme se alcança das respetivas atas.

Na sentença, proferida na sequência, começou por se julgar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.” e, em consequência, absolveu-se a mesma da instância, após o que se considerou, em suma, que o R. AA não demonstrou que nenhuma culpa houve da sua parte e bem assim de que os danos se tivessem produzido ainda que houvesse culpa da sua parte, donde, «(…) não logrou o Réu AA ilidir a presunção de culpa que sobre ele recaía, pelo que incumbe aos mesmo a responsabilidade pelos danos provados pela ruína (ainda que parcial) do muro de que é proprietário», passando a especificar em que termos devia ser feita a reparação dos danos pelo mesmo, e sendo certo que concluiu no sentido de que não era de condenar o R. em sanção pecuniária compulsória, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«VII. Decisão

Ante o exposto, julga-se a presente ação, em que é Autora “A...”, Réu AA e Interveniente Principal “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.”, parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

a) Absolver a Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.” da instância;

b) Condenar o Réu AA a reconstruir o muro melhor identificado nos pontos n.ºs 13) e 22), da matéria de facto provada, com iguais dimensões (cerca de um metro de comprimento), características e localização, existentes antes da noite de 19.12.2019 para 20.12.2019 e a repor o gradeamento vermelho referido no ponto n.º 22), da matéria de facto provada, no topo desse muro, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgado da presente sentença;

c) Condenar o Réu AA a reparar o portão identificado no ponto n.º 14), da matéria de facto provada, e a instalá-lo no local onde se encontrava anteriormente à noite de 19.12.2019 para 20.12.2019, devendo o aludido portão ficar funcional, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados do trânsito em julgado da presente sentença;

d) Condenar o Réu AA a deixar o imóvel propriedade da Autora e referido no ponto n.º 1), da matéria de facto provada, limpo e livre de qualquer entulho que resulte das obras de reconstrução e reparação referidas em b) e c);

e) Absolver o Réu AA do demais peticionado;

f) Condenar a Autora e o Réu AA no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se a responsabilidade da Autora em 10% e a deste Réu em 90%.

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Registe e notifique. »

                                                           *

            Inconformado com essa sentença, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1. O incidente de intervenção principal provocada é o incidente adequado para o Réu assegurar a presença na causa da seguradora para a qual havia transferido a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros, tem sido este o entendimento da nossa melhor jurisprudência que considera que “perante o lesado o segurado e seguradora são solidariamente responsáveis (art. 497º do CC), pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro lesado por virtude da existência de um contrato de seguro. Na verdade pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento assim sendo deve a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Ré, ser considerada improcedente e ser considerada parte legitima na presente acção nos termos do 316º e 317º do CPC.

2. A matéria dado como provada não permite concluir que se mostrem preenchidos todos os  pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e consequentemente a obrigação de indemnizar:

3. Face à prova produzida, não pode concluir-se, como fez a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, que o Réu não demonstrou ter sido devidamente cumprido o dever de vigilância, nem que não resultou concretamente provada a adoção de medidas concretas tendentes a evitar o dano ocorrido.

4. Nem que, consequentemente, não se considere ilidida a presunção de culpa que recaia sobre o Réu AA, ficou provado que durante os dias 16 a 22 de Dezembro de 2019, houve três tempestades cavadas denominadas a primeira de ”Daniel” que se fez sentir do dia 15 e 16 e a segunda denominada “ Elsa” que se fez sentir nos dias 18 a 20 de Dezembro de 2019,seguindo-se a “ Fabian”, cujos solos ficaram com os valores de àgua iguais à capacidade de campo, aluindo o muro do Réu, no dia 19 para o dia 20 de Dezembro de 2019, precisamente nos dias em que passou a tempestade Elsa inclusive tendo sido reconhecidas estas tempestades como” fenómeno climático adverso” por despacho emitido pelo Gabinete da Ministra da Agricultura e publicado em Diário da Républica em 24.01.2020.

5. Ficou provado que na noite em que se verificou o sinistro de 19 para 20 de Dezembro de 2019, as condições atmosféricas foram particularmente adversas e anormais, noticiado nos meios de comunicação nacional e inclusive a queda do muro do Réu nos meios de comunicação locais, o próprio Município informa na sua pagina do Facebook datada de 23.12.20219, que caiu um muro nas Escadas da ..., dando-lhe como causa a tempestade “Elsa”

6. Ficou igualmente provado, que o muro do Réu AA se encontrava em bom estado de conservação, que não apresentava barrigas, que era o próprio que o roçava vigiava, observava, fiscalizava, cuidava, quer da parte de cima do seu muro, quer subindo e descendo as escadinhas da ..., de onde tinha uma visão do mesmo, várias vezes ao ano.

7. O muro era inspecionado com regularidade pelo Réu AA e pelo vizinho, pese  embora não se verificassem sinais de deterioração, por isso o muro nunca precisou de ser intervencionado, com tal prova, o Réu, demonstrou ter tomado, de forma exaustiva todas as medidas adequadas a prevenir um dano da natureza do que acabou por ocorrer, e perante tais cuidados nenhum juízo de censura se lhe pode fazer. Nada mais se lhe poderia exigir com vista a prevenir os danos que a tempestade provocou, até porque o Réu é arquiteto, mais que um cidadão comum, sabe ver se um muro apresenta indícios de ruir ou não.

8. Mas sucede que o Réu provou algo mais, além das tempestades que se fizeram sentir, o escoamento do prédio da autora encontrava-se completamente entupido com entulho, dificultando o escoamento das águas que caiam diretamente no seu prédio e as que vinham do prédio do Réu para a via publica.

9. Verificando-se condições atmosféricas excecionais, rajadas fortes, chuva, é do conhecimento geral que a chuva provoca peso na terra, ora estando o muro do Réu pesado por cima, aliado ao facto do escoamento não estar a ser feito a 100% no prédio da autora, foi também pressionado e saturado na base, não aguentado o muro com estas forças em simultâneo.

10. Ficou também provado que a parte do muro que ruiu também estava em bom estado de conservação, que o mesmo era de pedra aparelhada rematado a cimento, não apresentado qualquer barriga, que a parte do muro que ruiu naquela dia foi em consequência exclusiva da tempestade que se fez sentir, pois é do conhecimento geral que as terras ficam mais pesadas

11. Ficou também provado que o prédio da autora se encontrava sempre cheio de entulho/lixo que pese embora o terreno de quando em vez fosse limpo, o entulho não era retirado, já que o portão por onde o mesmo poderia sair, pois não faria sentido retirar o entulho pelo interior do edifício, não era aberto há vários anos, entulho que não era só orgânico, do conteúdo do próprio logradouro, laranjas que caiam para o chão, galhos ,ervas, lixo tal como garrafas, papeis, embalagens, beatas das pessoas que passavam nas escadas e para lá atiravam, ou então das que saltavam o muro e iam para lá fumar, a ponto da universidade ser avisada pelos vizinhos pois tinham medo de algum incendio.

12. Ficou provado que o muro que é de 37 metros, desabou em cinco metros precisamente na parte adjacente onde o prédio da autora tem uma quota inferior, de acesso ao portão, com três degraus, por onde fazia o escoamento das aguas pluviais para a via publica, assim como se encontravam os drenos do muro da Autora que foi arrastado para a via publica por as terras do muro do Réu lhe terem caído em cima, com os drenos obstruídos com vegetação.

13. Tanto que para evitar outra situação semelhante e tendo a autora conhecimento que naquele local se acumulava lixo e água, pois já tinha havido aí uma situação de “ empossamento” a Autora pediu ao Réu que na reconstrução dessa parte do muro, fizesse ele o escoamento para a via publica, a que o Réu anui, não voltasse a acontecer o mesmo ao seu muro.

14. A conclusão do tribunal “ a quo” peca por desconsiderar a conjugação de dois fatores as tempestades que provocaram o peso das terras e a falta de escoamento para a via publica do prédio da Autora, que por estar num plano inferior tinha de cumprir os requisitos do art. 1351º do CC, o que não cumpriu, estando o escoamento do prédio a ser feito a 70 ou 75%.

15. A factualidade provada aponta toda ela no sentido do primeiro Réu AA, ter adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância do muro que rui, cumprindo zelosamente o dever de vigilância, pois se o muro não apresentava deficiências, a sua função era mesmo a de vigilância e vigiar, significa observar.

16. O Tribunal a quo deveria ter decidido, pois em sentido contrário ao que acabou por decidir, ou seja deveria ter decidido no sentido de dar como provado o pleno cumprimento do dever de vigilância por parte do primeiro Réu AA e concluir, assim pela ilação da presunção de culpa que sobre aquele impedia.

17. Nos termos do n.º 1 do art. 493º do CC, tendo o primeiro Réu AA cumprido plenamente o seu dever de vigilância, adotando as medidas concretas que resultaram provadas e que naquela noite em que ocorreu o aluimento do muro, se verificaram condições atmosféricas particularmente adversas que já se faziam sentir desde o dia 15 de Dezembro de 2019 e continuando até ao dia 22 de Dezembro de 2019, aquele nenhuma culpa teve na produção dos danos e, assim, a presunção de culpa que sobre este Réu impendia encontra-se ilidida, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao Réu

18. Razões pelas quais deveria ter sido a Acão julgada totalmente improcedente por não provada e os Réu/Réus absolvidos do pedido.

19. Ao decidir de outra forma a Meritíssima juíza “ a quo”, fez uma interpelação errada dos factos dados como provados e da própria lei, não aplicando ao caso concreto o disposto no n.º 1 do art. 493º do CPC.

20. Julgou o Tribunal incorretamente os factos provados nos pontos 7), 8), 10), 11), 23), 26), 32), 34) , 36), 49), 52), 53) , os quais se impugnam devendo continuar no elenco de factos provados mas feitas as devidas adaptações supra aludidas e o 32 retirado, para as quais se remetem e aqui se dão por integralmente reproduzidas para não se ser exaustivo.

21. Julgou o tribunal os factos dados como não provados nas alíneas b), c), d) f), g), h), i), j), K), l), m), n),o), p), r), s) ,t), u), x), y), os quais se impugnam expressamente devendo ser acrescentados à matéria de factos provados com as necessárias adaptações supra aludidas para as quais se remete, para aqui não ser exaustivo.

22. Importa salientar que se terá de exigir, de cada um, na medida das suas capacidades, e em face das frequentes fontes de perigo, atuações no sentido de evitar os danos que daí, podem advir, concluindo, como decorre do que acima ficou dito, a ocorrência dos danos só pode despoletar a transferência para terceiros da responsabilidade pela sua reparação, caso se verifiquem, os supra referidos pressupostos- violação ou omissão de um dever, de natureza genérica ou especifica, existência de culpa do lesante, e bem assim o nexo de causalidade entre aquela atitude ativa ou omissa e o dano verificado.

23. Não está portanto o Recorrente, constituído na obrigação de indemnizar a Autora.

24. Deverá improceder totalmente a argumentação da sentença.

25. A Sentença recorrida violou assim, por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 483º, 492º e 493, n.º 1 do CC, mostrando-se afastada a culpa do primeiro Réu e, por consequência os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e correspondente indemnização de indemnizar, no caso não há obrigação de indemnizar independentemente de culpa, assim como violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 277º n.º1 alínea d), 576º n.º1 e 2, 577º alínea e) e 578º , n.º 3 do art. 316º e 32º todos do CPC, e 497º do CC, devendo a exceção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela Interveniente, ser julgada improcedente, por seu a mesma parte legitima na presente acão por ser solidariamente responsável juntamente com o Réu

26. Face ao todo exposto, deverá proceder o presente recurso e revogar-se e anular-se a sentença proferida em 1ª instância, proferindo-se acórdão que a substitua e absolva os Réus dos termos peticionados.

Neste termos e nos melhores de Direito aplicável, deverá o presente recurso ser julgado procedente, dando-se -lhe assim o respetivo provimento e, em consequência deverá a Douta Sentença ser revogada/anulada e proferindo-se acórdão que a substitua de acordo com as conclusões que antecedem.

Assim se cumprirá a Lei e fará inteira e sã

JUSTIÇA!»                                                      

                                                                       *

            A Autora, por sua vez, apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«A. O contrato de seguro celebrado entre o apelante e a seguradora é de cariz facultativo, pelo que é de convocar a aplicação do disposto no art.140.º, números 2 e 3 do DL 72/2008, de 10 de abril.

B. In casu, nem o contrato de seguro prevê o direito de o lesado demandar diretamente o segurador, nem existiram entre estes sujeitos quaisquer negociações.

C. Destarte, não tinha a Autora qualquer direito a acionar diretamente a seguradora, não sendo esta parte na relação material controvertida.

D. Pelo que, bem andou o Tribunal “a quo” ao declarar a ilegitimidade da seguradora, atento o disposto nos artigos 140.º, números 2 e 3 do DL 72/2008, de 10 de abril e 30.º do CPC.

E. O apelante recorre da matéria de facto mas não cumpre o ónus processual que sobre ele impende, pelo que deve o recurso nessa parte ser rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 640.º, n.º1, al. b) e 640.º, n.º2, al. a) do CPC.

F. Com efeito, para muitos dos pontos de facto cuja alteração pretende, o apelante não especifica o meio probatório que, em concreto, impunha uma decisão diversa e cuja alteração requer a este Venerando Tribunal.

G. Por outro lado, de cada vez que se socorre das gravações para fundamentar um erro na apreciação da prova, o apelante não indica, com exatidão, as passagens cujo excerto relevante reproduz, ora total ora parcialmente.

H. Destarte, o recurso da decisão da matéria de facto subsiste apenas na parte em que o apelante invoca como meio probatório que impunha decisão diversa, prova documental.

I. Acontece que nenhuma prova documental invocada impõe decisão diversa da proferida pelo Tribunal “a quo”.

J. Com efeito, o documento 2 junto com a contestação não impõe alteração no ponto de facto n.º26 da matéria dada por provada (uma alteração que seria, aliás, inócua e sem qualquer consequência).

K. Os documentos 2, 3, 4 e 5 juntos pelo R. com a sua contestação também não impõem decisão diversa à tomada pelo Tribunal “a quo” quando elencou como não provados os factos elencados sob as alíneas c) e d).

L. O documento 24 também não impõe uma alteração da decisão, cujo facto foi devidamente elencado sob a alínea y da matéria tida por não provada.

M. Deste modo, deve manter-se inalterada a decisão da matéria de facto vertida na sentença do Tribunal “a quo”, que nenhum reparo ou censura merece.

N. Também o recurso da matéria de direito deve improceder, sendo que o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou corretamente as normas jurídicas.

O. Desde logo, há que considerar que o apelante parte do pressuposto de uma alteração à matéria factual para concluir que, dessa forma, não se encontram reunidos os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual.

P. Só que, como resulta supra, nenhuma censura ou reparo merece a decisão proferida sobre a matéria factual.

Q. Da prova produzida não só não resultou a ausência de culpa do R. como ficou clara a omissão dos deveres de vigilância e conservação do muro.

R. Por outro lado, não resultou provado que tenha existido uma causa de força maior que tornaria o dano inevitável, nos termos do artigo 492.º do CC.

S. Com efeito, as tempestades ocorridas na ... em dezembro não são um facto anormal ou imprevisível.

T. Por outro lado, aquando da queda do muro não tinha ainda passado por Portugal a tempestade “Fabien”, pelo que não pode o apelante querer prevalecer-se do despacho que juntou sob o documento 2 da sua contestação, que descreve em súmula as consequências decorrentes das 3 (três) tempestades.

U. Resultou assente da prova produzida em audiência que o Réu incumpriu o seu dever de prevenir o perigo, posto que não efetuou qualquer conservação no muro, nem nunca ali procedeu à devida vistoria, sendo que das escadas públicas (da ...) não é possível ver o muro em toda a sua extensão, como resultou da inspeção judicial ao local.

V. Sendo que, da inspeção judicial ao local foi ainda percetível que o muro se encontra (mesmo após a reconstrução) com uma fissura, pelo que é evidente a sua má conservação.

W. Desta forma, estão reunidos os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual, não tendo o Tribunal “a quo” violado qualquer norma com a sua decisão.

X. Ante o exposto, deve soçobrar o presente recurso, mantendo-se na íntegra a douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.

Nestes termos, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos por V.Exas., deve o recurso ser julgado improcedente mantendo-se na integra a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, assim se fazendo a mais elementar e costumada

JUSTIÇA!»

                                                                      *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Réu nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - rejeição do recurso por incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do n.C.P.Civil? [como questão prévia suscitada nas contra-alegações];

            - desacerto da decisão que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.” [e, em consequência, absolveu a mesma da instância]?;

- impugnação da matéria de facto, devendo a redação dos factos “provados” sob os pontos nos 7), 8), 10), 11), 23), 26), 32), 34) , 36), 49), 52), 53) ser alterada nos termos que especifica [à exceção do ponto nº 32, que deve ser “retirado”], e bem assim que os factos “não provados” constantes das alíneas b), c), d) f), g), h), i), j), K), l), m), n),o), p), r), s) ,t), u), x), y), devem ser acrescentados à matéria dos factos “provados” [com as “adaptações” que especifica]?;

- incorreto julgamento de direito, por não estar o R. constituído na obrigação de indemnizar, devendo ser integralmente absolvido [mormente por se mostrar «afastada a culpa do primeiro Réu», concretamente porque «A responsabilidade do Réu AA encontra-se afastada por verificação de uma causa de força maior idónea a afastar a presunção de culpa que decorre do art. 492º, 1 do CC, não foi por falta de vistoria ou conservação que o muro alui, não omitiu o Réu este seu dever»]?

                                                                       *

3 – QUESTÃO PRÉVIA

Cabe apreciar a invocada rejeição do recurso por incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do n.C.P.Civil.

Sustenta, em síntese, a Autora/recorrida nas suas contra-alegações a inobservância do preceituado legalmente dado que «(…) para muitos dos pontos de facto cuja alteração pretende, o apelante não especifica o meio probatório que, em concreto, impunha uma decisão diversa e cuja alteração requer a este Venerando Tribunal; (…) Por outro lado, de cada vez que se socorre das gravações para fundamentar um erro na apreciação da prova, o apelante não indica, com exatidão, as passagens cujo excerto relevante reproduz, ora total ora parcialmente».

Será assim?

Salvo o devido respeito, não assiste razão, nesta parte, à Autora/recorrida.

É certo que o Réu/recorrente juntou no texto das suas alegações recursivas transcrições extensas dos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência (e das declarações de parte do R.), mas constata-se que o primeiro grupo dessas transcrições (que nem constitui a transcrição integral dos mesmos) é precedido da sua concreta localização na gravação, com indicação da duração, balizada pelo início de cada específico trecho, e, por outro lado, um segundo grupo de transcrições [para apoio da argumentação quanto à 6 concretas «questões, com interesse e relevância para o presente Recurso»], configura segmentos muito circunscritos dos depoimentos.

Face a tal, a invocação por parte da Autora/recorrida não traduz toda a realidade.

Ora, conforme a melhor jurisprudência sobre esta temática,

«II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.

IV. Tendo os recorrentes indicado, nas suas alegações de recurso, apenas o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelos recorrentes como relevantes para o julgamento do objeto do recurso, impõe-se concluir que os recorrentes não cumpriram o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos nº art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, na medida em que, nestas circunstâncias, a falta de indicação das passagens concretas de tais excertos torna extramente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pelos recorridos.».[2]

Acresce que, salvo o devido respeito, cremos ser inquestionável na interpretação do art. 640º do n.C.P.Civil, que este normativo contempla nas alíneas a), b) e c) do nº1 do mesmo, um “ónus primário” [na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto], e que a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados [contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º], integra um “ónus secundário”, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.

Assim sendo, não obstante as alegações recursivas não serem “exemplares” em termos de cumprimento do rigorismo legalmente estabelecido, tendo em conta a jurisprudência recente e mais ponderada, importa concluir que no caso ajuizado, em função do que foi apresentado e enunciado pelo R./recorrente, não vemos como sustentar que o dito “ónus primário” não foi pelo mesmo cumprido; por outro lado, quanto ao referenciado “ónus secundário”, por se entender que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[3], importa concluir  que as indicações dadas pelo R./recorrente «(…) cumprem satisfatoriamente a ratio que preside ao n.º 2, al. a) do art. 640.º do CPC, permitindo o exercício do contraditório pela contraparte, bem como o exame, sem grande dificuldade, pelo Tribunal da Relação.»[4]  

Sendo certo que:

«I - A rejeição do recurso em sede de impugnação da decisão de facto, ao abrigo do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só deve ocorrer quando dos termos em que a pretensão recursória vem formulada não resulte a identificação dos juízos probatórios visados, o sentido da pretendida decisão a proferir sobre eles nem a indicação dos concretos meios de prova para tal convocados, o que é bem diferente do que seria já uma envolvência no plano da apreciação do mérito sobre o invocado erro de julgamento.

II - Uma coisa é a definição do objecto da impugnação deduzida e do alcance da alteração pretendida, bem como a indicação dos meios probatórios convocados, garantidas pela mencionada disposição legal; coisa diversa são as razões ou argumentos probatórios aduzidos nesse âmbito, seja qual for a sua densidade ou coerência, a apreciar, portanto, em sede de mérito.»[5]

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede o suscitado nesta questão prévia.

                                                           *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Como ponto de partida, mormente tendo em vista o oportuno conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, considerou-se o seguinte na 1ª instância:

            «Factos provados

Com interesse para a presente decisão, julgam-se provados os seguintes factos:

1) A propriedade do prédio urbano situado na Escada da ..., composto por edifício de 3 pisos, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...16, da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º ...05, encontra-se registada a favor da “A...”, pela Ap. ... de 2006/05/29.

2) Desde 05.09.2008, que o Réu AA é dono de uma parcela de terreno que confronta a norte com o prédio referido em 1) e o qual está situado numa cota superior a este.

3) O logradouro que compõe o prédio mencionado em 1) encontra-se delimitado do prédio aludido em 2), a norte, por um muro pertencente ao prédio referido em 2).

4) O muro referido em 3) tem uma extensão não concretamente apurada, mas de aproximadamente de 37 metros de comprimento.

5) O muro aludido em 3) foi construído em data não concretamente apurada, mas situada há mais de vinte anos.

6) O muro referido em 3) é composto por pedra emparelhada.

7) Atualmente, o muro descrito em 3) não apresenta “barrigas”.

8) O muro referido em 3) apresenta fissuras.

9) O Réu AA nunca efetuou nenhuma reparação ou outro trabalho de conservação e/ou manutenção no muro identificado em 3).

10) No hiato temporal compreendido entre 29.05.2006 e 20.12.2019, a Autora não rececionou por parte do Réu ou de outra pessoa qualquer pedido de acesso ao logradouro do prédio referido em 1), para arranjo, restauro, conservação ou vistoria para apurar o estado de conservação do muro aludido em 3).

11) No período temporal compreendido entre 29.05.2006 e 20.12.2019, o Réu, por si ou por interposta pessoa, não acedeu ao logradouro do prédio referido em 1), para arranjo, restauro, conservação ou vistoria para apurar o estado de conservação do muro aludido em 3), ainda que sem autorização da Autora.

12) Antes de 20.12.2019, as águas do muro referido em 3) escoavam para o logradouro do prédio aludido em 1), por este estar em plano inferior.

13) O logradouro que faz parte integrante do prédio referido em 1) encontra-se delimitado a nascente por outro muro pertencente à Autora que o delimita da Escadaria da ....

14) Antes de 20.12.2019, existia um portão pertencente à Autora situado entre o prédio mencionado em 1) e aquele aludido em 2) e que se destinava a permitir o acesso ao logradouro do prédio referido em 1).

15) O portão mencionado em 14) estava sempre fechado, não entrando ninguém pelo mesmo.

16) A Autora tem acesso ao logradouro do prédio mencionado em 1) por outro acesso que não o portão mencionado em 14), situado no lado sul do mesmo.

17) O portão mencionado em 14) tem umas escadas de acesso ao mesmo, situadas no logradouro do prédio referido em 1), que fazem um declive.

18) Na noite de 19.12.2019 para 20.12.2019, em hora não concretamente apurada, o muro mencionado em 3) ruiu parcialmente, em dimensão não concretamente apurada, mas de cerca de 5 metros, do lado sul.

19) Para a ruína da parcela muro aludido em 3) e 18) contribuiu a concentração de água no terreno que compõe o prédio referido em 2), em virtude da ocorrência de chuvas fortes.

20) O aludido em 18) provocou o arrastamento de terras do prédio referido em 2).

21) Em consequência do referido em 20), o logradouro que compõe o prédio referido em 1) ficou coberto de terras.

22) Em consequência do aludido em 18) e 20), parte do muro referido em 13) desmoronou, em cerca de 1 metro de comprimento, bem como o gradeamento superior vermelho que acompanha toda a extensão do muro mencionado em 13) e se situava na parte superior dessa extensão do muro.

23) Em consequência do aludido em 18) e 20), o portão referido em 14) ficou inutilizável.

24) Entre 15 e 22 de dezembro de 2019, fizeram-se sentir tempestades na cidade ..., denominadas “Daniel”, “Elsa” e “Fabien”.

25) Em 19.12.2019, o território português e algumas regiões em particular, mormente o concelho ..., foram atingidos pela tempestade “Elsa”, caracterizada por pluviosidade intensa e ventos fortes.

26) Em 20.12.2019, ruíram outros muros, que não o referido em 3), na cidade ....

27) Em 24.01.2020, foi publicado em Diário da República o Despacho n.º 117-B/2020, emitido pelo Gabinete da Ministra da Agricultura – o qual se encontra junto aos autos com a contestação como documento n.º 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos – no qual consta a seguinte introdução:

 “A partir do dia 15 de dezembro de 2019, Portugal continental deixou de ser influenciado por uma crista anticiclónica, ficando sob a ação de um vale depressionário, estabelecendo-se a partir do dia 18 uma intensa corrente de oeste na faixa de latitudes entre os Acores e a Bretanha. Neste período, conforme reconhecido pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o território do continente foi fortemente influenciado por três depressões muito cavadas, intituladas respetivamente, Daniel nos dias 15 e 16 de dezembro de 2019, Elsa nos dias 18 a 20 de dezembro de 2019 e Fabien nos dias 21 e 22 de dezembro de 2019- Estas depressões são também habitualmente referidas como tempestades.

A tempestade Daniel atravessou o continente no dia 16 de dezembro, mas sendo a menos cavada teve menos impactos no território. As tempestades Elsa e Fabien localizaram-se no Atlântico a noroeste e a norte do território do continente e oram mais cavadas. Assim, entre os dias 18 e 22 de dezembro, Portugal continental foi essencialmente afetado por ondulações frontais de forte atividade, em geral associadas às referidas tempestades, e com maiores impactos. Em particular, ocorreu precipitação persistente, por vezes intensa, tendo-se registado entre 16 e 21 de dezembro de 2019, valores de precipitação acumulados em 24horas superiores a 100 mm em alguns locais do Norte e Centro do País, em especial nas zonas de altitude. A precipitação acumulada neste período, 8 dias, nestas regiões foi muito elevada e muito superior aos valores médios para o mês de dezembro. Em grande parte das regiões Norte e centro os solos encontravam-se com valores de água no solo iguais à capacidade de campo. O vento soprou dos quadrantes sul e oeste soprando temporariamente forte ou muito forte e com rajadas muito fortes, atingindo-se no dia 19 de dezembro um valor de 150km/h na Pampilhosa da Serra e no dia 22 um valor de 137km/h na Guarda.

As condições meteorológicas adversas ocorridas entre 15 e 22 de dezembro de 2019, consubstanciadas nas sucessivas Daniel, Elsa e Fabien, atingiram com particular violência as regiões norte e centro do país, sendo que a dimensão, extensão e gravidade dos danos causados permitem exprimir a violência dos fenómenos ocorridos, nas freguesias do Norte e Centro do país, particularmente atingidas, justificando a qualificação destas situações como «fenómeno climático adverso», nos termos e para os efeitos da alínea d), do artigo 3.º da Portaria n.º 199/2015, de 6 de julho, na redação atual, que estabelece o regime de aplicação do apoio 6.2.2, «Restabelecimento do Potencial Produtivo», inserido na ação 6.2, «Prevenção e Restabelecimento do Potencial Produtivo», da medida n.º 6, «Gestão do Risco e Restabelecimento do Potencial Produtivo», do programa de Desenvolvimento Rural do Continente (PDR 2020), na sua redação atual (…)”.

28) No dia 23.12.2019, o Réu deslocou-se aos serviços da Autora.

29) Na sequência do aludido em 22), foi elaborado “relatório do episódio”.

30) Em 30.12.2020, os trabalhadores da Autora elaboraram um “memorandum”, no qual consta, designadamente:

31) Em consequência do referido em 22), no dia 07.01.2020, Réu AA reuniu nos serviços técnicos da Autora.

32) Na reunião referida em 31), o Réu AA comprometeu-se a dar início aos trabalhos de reconstrução do muro mencionado em 3).

33) O Réu deu conhecimento à Autora que iria proceder à reconstrução do muro mencionado em 3).

34) Em data não concretamente apurada, mas situada no início de janeiro de 2020, o Réu AA deu inicio à reconstrução do muro mencionado em 3).

35) No dia 20.01.2020, quando um técnico da Autora se deslocou ao local para se inteirar do estado das obras, foi informado pelos trabalhadores que ali se encontravam que não tinham qualquer indicação do Réu AA para intervir no muro referido em 13).

36) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 35), o técnico da Autora constatou que alguns aspetos da execução do novo muro, em especial no que concerne ao escoamento das águas pluviais, poderiam vir a originar novos problemas para a Autora.

37) A Autora elaborou um “Memorando” – o qual se encontra junto aos autos como documento n.º 11 com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos – e no qual consta designadamente:

38) Na sequência do mencionado em 35), a Autora remeteu ao Réu AA uma missiva – a qual se encontra junta aos autos com a petição inicial como documento n.º 11 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos – datada de 22.01.2020, com o seguinte teor:


39) Em 25.03.2020, dois trabalhadores da Autora deslocaram-se ao local, a pedido do Réu AA, a fim de se inteirarem do estado dos trabalhos de reconstrução.

40) Os trabalhadores da Autora elaboraram um “memorando” na sequência do aludido em 39), no qual consta, designadamente:

“Pelo que, após visita ao local, cabe-me informar o seguinte:

1. O muro em pedra que divide a propriedade do Sr. Arquitecto e a da A... encontra-se concluído. O mesmo foi reposto com pedra existente, argamassado e colocação de drenos ao longo do seu comprimento;

2. O Sr. Arquitecto procedeu à colocação de “acrescento”, em cima do muro de pedra, de murete em betão de modo a evitar a escorrência de águas pluviais dos terrenos adjacentes. Ainda no topo do muro procedeu à execução de meia cana em betão para encaminhamento de águas pluviais para o exterior da propriedade;

3. Foram realizados trabalhos de limpeza e remoção de escombros provenientes de derrocada do dia 21/12/2019;

4. Foram deixadas, no local, as pedras que à primeira vista corresponde ao muro em pedra e betão que delimitavam a propriedade da A... e respectivo portão;

5. O Sr. Arquitecto, informou que dado a sua seguradora não comparticipar nos custos da obra e que a mesma já ascende o valor de 5000€, não irá proceder à reconstrução do muro da A...;

6. Foi o mesmo informado no local que era sua responsabilidade e obrigação repor as condições existentes, anteriores à derrocada do “seu” muro;

7. Foi ainda informado que a A... irá executar todos os tramites legais disponíveis de modo a ser reposto o muro e respectivo portão”.

41) Na sequência do aludido em 40), a Autora remeteu ao Réu uma missiva, datada de 31.03.2020 – a qual se encontra junta aos autos como documento n.º 12 com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos – e na qual consta, nomeadamente:

42) O Réu remeteu à Autora uma missiva – a qual se encontra junta aos autos com a petição inicial como documento n.º 13 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos – na qual consta, designadamente:

43) O muro aludido em 13) e 22) ainda não foi reconstruído.

44) O portão mencionado em 14) foi retirado na sequência das obras efetuadas pelo Réu.

45) Após o aludido em 18) e 20), o Réu AA colocou de imediato plásticos sobre as terras que compõem o terreno referido em 2) para as estabilizar, antes de iniciar a reconstrução do muro mencionado em 3).

46) Pela apólice n.º ...74, o Réu AA tem a responsabilidade civil por danos causados pelo muro aludido em 4) para a Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.”.

47) O Réu AA fez a participação do “sinistro” à Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.” em 23.12.2019.

48) Em 26.01.2020, o Réu AA remeteu à Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.” um email, com o seguinte teor:

49) O perito da seguradora referida em 47) foi ao local, em data não concretamente determinada.

50) Em 27.05.2020, a Interveniente “MUDUM – Companhia de Seguros, S.A.” assumiu o “sinistro”, enquadrando-o na cobertura “Inundações”, mas referindo ao Réu AA que ainda não estava “em posição de apresentar o valor da indemnização dos danos reclamados”.

51) O muro aludido em 3) foi reconstruído com a mesma pedra que o compunha anteriormente ao aludido em 18), por esta se encontrar em bom estado e foi rematado com blocos de betão e o terreno impermeabilizado a cimento e de modo a que a água escoasse para a via pública.

52) O Réu AA acordou com a Autora que iria proceder à retirada dos escombros do prédio da Autora, deixando apenas as pedras do muro da Autora para procederem à sua reconstrução e refazer as escadas de acesso ao portão.

53) O Autor efetuou o aludido em 52).

54) A terra que caiu na sequência no aludido em 18) já foi retirada, apenas estando no local as pedras do muro aludido em 13).

55) O Réu AA é arquiteto de profissão.

*

Factos não provados

Não se julgam provados os seguintes factos, com interesse para a presente decisão:

a) O muro ruiu nos termos referidos em 18) no dia 21.12.2019.

b) Na noite de 20.12.2019, um vizinho do Réu AA telefonou-lhe a informá-lo que o muro mencionado em 3), tinha ruido.

c) O muro aludido em 3) e 18) ruiu exclusivamente em consequência da pluviosidade sentida na noite de 19.12.2020 para 20.12.2020.

d) O muro aludido em 3) e 18) ruiu em consequência de rajadas de vento.

e) Em 20.12.2020, o muro referido em 3) já apresentava uma “barriga”, o que o configurava em traços desalinhados.

f) O Réu AA procedeu todos os anos à vistoria do muro mencionado em 3) e 18), não encontrando qualquer deficiência ou problema no mesmo que necessitasse de uma intervenção.

g) O muro referido em 3) e 18) não apresentava nenhuma deficiência ou problema que necessitasse de reparações ou outras obras de manutenção ou conservação.

h) Situando-se no prédio aludido em 2), o Réu consegue visualizar o muro aludido em 3) e 18), em toda a sua extensão.

i) Antes da derrocada referida em 18), o muro aludido em 3) e 18), estava rematado na sua parte superior a cimento.

j) A Autora não efetuava a limpeza ao logradouro que compõe o prédio referido em 1).

k) O Réu AA solicitou aos funcionários da Autora para limparem o entulho junto ao muro aludido em 3) e 18), por considerar que o mesmo poderia dificultar o escoamento das águas, nomeadamente junto às escadas de acesso ao portão.

l) Os funcionários da Autora aludidos em k) responderam que iam falar com os serviços técnicos da Autora, pois não o podiam fazer sem autorização.

m) A acumulação de entulho no logradouro que compõe o prédio aludido em 1), junto à base do seu muro, mais concretamente junto às escadas que dão acesso ao portão referido em 14), na parte que faz declive e por onde as águas escoam para a via pública, estando esse espaço entupido com galhos de poda de árvores dificultou o escoamento das águas, ficando aí retidas e originou efeito balão no muro referido em 3) e 18), que não aguentou com o peso da água e das terras, ruindo.

n) Se as águas tivessem escoado no local referido em m) não teriam acumulado nas terras pertencentes ao prédio mencionado em 2) ao ponto do muro mencionado em 3) e 18) não aguentar o peso das mesmas.

o) Na data mencionada em 18), o logradouro da Autora, mais concretamente no local onde ruiu o muro aludido em 3), estava cheio de entulho, nomeadamente de ramos de citrinos lá existentes, provenientes de uma poda e outros ramos provenientes de podas de árvores.

p) O aludido em o) dificultava o escoamento das águas.

q) O Réu AA deslocou-se no dia 21.12.2019, aos locais mencionados em 1) e 2).

r) No dia 21.12.2019, o Réu AA contactou a Câmara Municipal ..., no sentido de obter alguma ajuda.

s) No dia 21.12.2019, o Réu AA deslocou-se aos serviços da Autora e foi-lhe transmitido que o chefe de serviços da Autora se encontrava de férias de Natal, pelo que o Réu deixou os seus contactos.

t) Na reunião referida em 31), o Réu AA comprometeu-se a dar início aos trabalhos de reconstrução ao muro aludido em 13) da Autora.

u) O Réu AA transmitiu à Autora que quanto à reconstrução do muro mencionado em 13) esperaria pela posição da sua seguradora, o que a Autora aceitou.

v) Na reunião mencionada em 31), o Réu AA explicou que dadas as condições atmosféricas que se fizeram sentir entre os dias 16 e 22 de dezembro que provocaram a queda do muro, que tinha a sua responsabilidade civil transferida para a Seguradora “GNB – Companhia de Seguros, S.A.”, a quem já tinha feito a participação do sinistro, que já tinha colocado plásticos e que a Autora também deveria fazer a participação do ocorrido à sua seguradora e que precisava de autorização da mesma para dar início à reconstrução do seu muro.

w) O Réu AA informou a Autora que ainda não tinha uma resposta definitiva da sua seguradora, apesar de insistir com a mesma e lhe enviar missivas e que já tinha despendido a quantia de 5.000,00EUR na reconstrução do muro

x) A reconstrução do muro aludido em 3) iniciou-se em 08.01.2020.

y) A Autora encetou negociações com a Interveniente Principal “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.”.»

                                                                       *

5 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

            5.1 - Importa no presente recurso, por uma questão de precedência lógica e jurídica, começar por aferir e decidir quanto ao desacerto da decisão que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.” [e, em consequência, absolveu a mesma da instância].

            Sustenta, em síntese, o R./recorrente que «O incidente de intervenção principal provocada é o incidente adequado para o Réu assegurar a presença na causa da seguradora para a qual havia transferido a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros, tem sido este o entendimento da nossa melhor jurisprudência que considera que “perante o lesado o segurado e seguradora são solidariamente responsáveis (art. 497º do CC), pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro lesado por virtude da existência de um contrato de seguro. Na verdade pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento assim sendo deve a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Ré, ser considerada improcedente e ser considerada parte legitima na presente acção nos termos do 316º e 317º do CPC.»

            Que dizer?

            Desde logo, que esta argumentação olvida que o regime jurídico do contrato de seguro estabelecido no Dec. Lei nº 72/2008, de 16 de Abril[6], configurou uma alteração relevante nesta temática.

Senão vejamos.

            O seguro de responsabilidade civil, no âmbito do citado regime jurídico, é classificado em:

a) seguro facultativo – quando a sua celebração deriva exclusivamente da autonomia das partes e a que são aplicáveis as disposições relativas ao regime comum do seguro de responsabilidade civil (arts. 137º a 145º); deve também considerar-se seguro facultativo o que exceda, e na medida em que o faça, o seguro obrigatório;

b) seguro obrigatório – quando resulta de obrigatoriedade prevista em disposição legal ou regulamentar, a que se aplicam, para além dos regimes das espécies contratuais que dele disponham, os arts. 146º a 148º.

Nos termos do disposto nos arts. 137º e 138.º do citado diploma legal, «[n]o seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros», garantindo «a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro».

No seguro obrigatório mostra-se expressamente consagrada a possibilidade de ação direta do lesado contra a seguradora, estatuindo o art. 146º que o «lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador».

Mas já quanto a seguro de responsabilidade civil facultativo releva o estatuído no art. 140º, sob a epígrafe “Defesa jurídica”, nos termos do qual:

«1 - O segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes.

2 - O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.

3 - O direito de o lesado demandar diretamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.

(…)»

À luz do citado regime, se no seguro obrigatório está consagrada a possibilidade de ação direta do lesado contra a seguradora, no seguro facultativo o titular do direito face à seguradora será, por via regra, a título exclusivo, o tomador de seguro/segurado.

Quanto aos demais seguros de responsabilidade civil, os nos 2 e 3 do art. 140º da LCS concedem, de facto, ao lesado o direito de demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, mas apenas nas duas situações aí mencionadas, a saber:

i) - quando tal se encontre expressamente previsto no contrato de seguro;

ii) - quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador.

De referir que, certamente ciente da polémica jurisprudencial e doutrinária até aí existente, o legislador fez questão de explicitar a sua posição sobre o tema, fazendo constar do Preâmbulo de tal diploma legal o seguinte:

«No seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado pode demandar directamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil. Por isso, a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No seguro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador».

A esta luz, cremos ser perfeitamente pacífico o entendimento jurisprudencial[7] e doutrinário[8] no sentido de que nos contratos de seguro de caráter facultativo, a seguradora só possui legitimidade para ser demandada como parte principal no processo nas concretas situações, excecionais, consagradas nos nos 2 e 3 do art. 140º da LCS, ou seja, quando o contrato de seguro prever o direito de o lesado demandar diretamente o segurador ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro e se tenham iniciado as negociações diretas entre ele, lesado, e o segurador; nas restantes situações em que este seja demandado, ocorrerá ilegitimidade passiva do segurador, pois que não é parte na relação material controvertida [mas apenas sujeito passivo de uma relação jurídica (contrato de seguro) conexa com aquela)].

Assim, revertendo este entendimento para o caso vertente, na medida em que não resulta dos autos – tal não foi alegado, nem se mostra documentalmente provado! –, que no concreto contrato de seguro (facultativo) em análise, tenha sido expressamente prevista a atribuição ao lesado do direito de exigir diretamente à Seguradora a prestação contratual, de acordo com o nº 2 do art. 140º da L.C.S., ou seja, que a constitua como garante direta da sua responsabilidade perante a Autora, e bem assim porque não se configura a situação prevista no nº 3 do mesmo normativo [a informação à aqui Autora/recorrida sobre a existência do seguro e o consequente início das negociações diretas entre a alegada lesada (Autora) e a Seguradora], importa concluir, inapelavelmente, pela impossibilidade de a Seguradora assumir o estatuto de parte principal na lide [numa situação de litisconsórcio voluntário passivo].

Dito de outra forma: a existência de contrato de seguro (facultativo) celebrado pela ré com a seguradora não tem a virtualidade de transmutar esta em titular da relação material controvertida, apenas lhe conferindo um interesse processual acessório/secundário no litígio em apreço.[9]  

 Consequentemente, a Seguradora poderia ser admitida a intervir na causa, mas apenas como parte acessória, auxiliando o Réu/lesante na sua defesa.[10]

Acontece que essa concreta modalidade de “intervenção de terceiros” não foi nunca suscitada nos autos, nem sequer em via recursiva [atente-se que, como flui do trecho das alegações recursivas supra transcrito, o Réu/recorrente continua a pugnar pela admissão do incidente de “intervenção principal provocada”!], donde, 
estar fora de causa convolar a intervenção que foi requerida nos autos em “
intervenção acessória”…

Nestes termos e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente esta questão recursiva.

                                                           *

            5.2 – O Réu/recorrente deduz impugnação da matéria de facto, pugnando no sentido da redação dos factos “provados” sob os pontos nos 7), 8), 10), 11), 23), 26), 32), 34) , 36), 49), 52), 53) ser alterada nos termos que especifica [à exceção do ponto nº 32, que deve ser “retirado”], e bem assim que os factos “não provados” constantes das alíneas b), c), d) f), g), h), i), j), K), l), m), n),o), p), r), s) ,t), u), x), y), devem ser acrescentados à matéria dos factos “provados” [com as “adaptações” que especifica]:

Começando, naturalmente, pela apreciação da discordância relativamente aos “factos provados”, vejamos o que está em causa relativamente a cada um deles, sem prejuízo da apreciação ser feita por conjuntos, quando a argumentação ou decisão o permita/justifique, nomeadamente por razões de boa compreensão das soluções e celeridade processual.

Pontos “7)” e “8)”, cujo teor literal é:

            «7) Atualmente, o muro descrito em 3) não apresenta “barrigas”.»;

            «8) O muro referido em 3) apresenta fissuras.»

            Quanto ao primeiro destes pontos de facto, o R./recorrente pretende que passe a figurar com a redação «7) O muro descrito em 3 não apresenta barrigas.»

            Já quanto ao segundo desses pontos de facto, o R./recorrente pretende que passe a figurar com a redação «8) O muro referido em 3) apresenta uma rachadela no remate de tijolo de cimento.»

Para tanto sustenta, em síntese, que nem antes, nem “atualmente”, o muro apresentou barrigas nem fissuras, aliás, nada tendo sido detetado pelo R. [cf. “declarações” do próprio e nesse mesmo sentido o depoimento da testemunha BB], acrescendo que o que foi possível visualizar na inspeção ao local foi apenas «(…) uma rachadela não por cima de um tanque mas no canto oposto à parte do muro que alui, no remate de tijolo de cimento.»

            Que dizer?

            Quanto a nós, a pretensão exposta quanto ao ponto de facto “7)” não tem qualquer sentido ou razão lógica: na verdade, se o alegado pela A. relativamente a problemas estruturais ao tempo da derrocada resultou concretamente “não provado” e não está a ser impugnado [cf. «e) Em 20.12.2020, o muro referido em 3) já apresentava uma “barriga”, o que o configurava em traços desalinhados.»], a redação dada a este ponto de facto “7)” é a que se mostra com tal plenamente coerente.

            Já quanto ao ponto de facto “8)”, o que resulta consistente e concludentemente da prova produzida – que naturalmente é o constatado na inspeção judicial ao local! – , conforme consignado na correspondente Ata, é o seguinte «Visualizou-se ainda: Que não existe nenhuma barriga no muro, pese embora tenha sido visualizada por cima do tanque uma rachadela no muro. – (fotos 5, 6 e 7)». E, com efeito, mormente a foto 7 em questão, evidencia uma “rachadela”, com uma extensão seguramente não inferior a 1,5 m, em traçado vertical irregular, acompanhando a disposição/interseção dos blocos de pedra entre os quais se desenvolve, e não se circunscrevendo apenas ao remate do tijolo em cimento. Assim sendo, importa concluir que a redação dada a este ponto de facto não é totalmente fiel ao constatado, para além de poder ser equívoca enquanto aludindo a “fissuras” no plural, que não foram efetivamente visualizadas, pelo que, reapreciando os meios de prova produzidos, e ainda que não se acolhendo integralmente a pretensão apresentada pelo R./recorrente, determina-se que este ponto de facto passe a figurar doravante com a seguinte redação:

            «8) O muro referido em 3) apresenta uma rachadela de traçado vertical irregular.»

                                                                       ¨¨

            Passando aos pontos de facto “10)” e “11)”, rememore-se, antes de mais, o seu teor literal, a saber:

            «10) No hiato temporal compreendido entre 29.05.2006 e 20.12.2019, a Autora não rececionou por parte do Réu ou de outra pessoa qualquer pedido de acesso ao logradouro do prédio referido em 1), para arranjo, restauro, conservação ou vistoria para apurar o estado de conservação do muro aludido em 3).»;

            «11) No período temporal compreendido entre 29.05.2006 e 20.12.2019, o Réu, por si ou por interposta pessoa, não acedeu ao logradouro do prédio referido em 1), para arranjo, restauro, conservação ou vistoria para apurar o estado de conservação do muro aludido em 3), ainda que sem autorização da Autora.»

            Quanto a estes pontos de facto, o R./recorrente pretende que lhe seja aditado o segmento «por o muro do Réu se encontrar em bom estado de conservação».

            Como é bom de ver, tal corresponderia a acolher-se factualidade meramente argumentativa, razão mais do que suficiente para se denegar uma tal pretensão.

                                                                       ¨¨

Vejamos, de seguida, do ponto de facto “23)”, cujo teor literal é o seguinte:

«23) Em consequência do aludido em 18) e 20), o portão referido em 14) ficou inutilizável.»

 Clama o R./recorrente no sentido de que a redação passe a ser «23) o portão referido em 14, não caiu em consequência do aludido em 18) e 20», invocando para tanto um trecho das suas “declarações”, e fundando-se, ao que é dado perceber, na circunstância de o portão em causa não ter “caído” no dia da derrocada.

Será assim?

O que foi visualizado na inspeção ao local – e se encontra consignado na respetiva Ata, com suporte fotográfico! – foi «Um portão no chão, junto à entrada do terreno pertencente à autora. – foto 10)».

Ora se assim é, entende-se que a redação dada a este ponto de facto corresponde à realidade material detetada, em toda a sua amplitude [e com toda a probabilidade, senão antes, consequência da intervenção/reparação que o próprio R. efetuou no local!], tal como flui da prova produzida, não havendo assim que acolher a pretensão exposta, que não cumpre nenhum objetivo processual útil, podendo ser apodada de “jogar com as palavras”.

                                                           ¨¨

Passando ao ponto de facto “26)”, cujo teor literal é:

«26) Em 20.12.2019, ruíram outros muros, que não o referido em 3), na cidade ....»

Quanto a este, o R./recorrente pretende que passe a ter a redação «26) Em 20.12.2019, ruíram outros muros, nomeadamente o referido em 3) na cidade ....», invocando para tanto o «Doc. n.º 2 – junto com a contestação – pagina do Município».

Que dizer?

Enquanto se traduzindo numa alteração meramente formal/literal, não se vislumbra qual fosse o objetivo processual útil que tal modificação permitiria alcançar, pelo que vai indeferida.

                                                           ¨¨

Quanto ao ponto de facto “32)”, cujo teor literal é «32) Na reunião referida em 31), o Réu AA comprometeu-se a dar início aos trabalhos de reconstrução do muro mencionado em 3)», o R./recorrente pretende que o mesmo seja “retirado”.

Sucede que não apresenta razão convincente para tal, nem, aliás, se deteta que o que consta desse ponto de facto esteja desconforme com o que teve lugar, termos em que se indefere a uma tal pretensão.

                                                           ¨¨

Ponto de facto “34)”, cujo teor literal é «34) Em data não concretamente apurada, mas situada no início de janeiro de 2020, o Réu AA deu inicio à reconstrução do muro mencionado em 3).»:

Relativamente a este ponto de facto, a pretensão do R./recorrente é que passe a ter a redação «34) O Réu AA deu inicio à reconstrução do muro no dia 8 de Janeiro de 2019.», invocando para tanto as “declarações” do próprio.

Acontece que o mesmo seguramente não aludiu a “8 de Janeiro de 2019” [sublinhado nosso], até porque seria uma impossibilidade material enquanto respeitante ao ano precedente em que nada tinha sucedido, pelo que, também por não se vislumbrar qual fosse o objetivo processual útil que tal modificação permitiria alcançar, vai esta pretensão indeferida.

                                                           ¨¨

Passando ao ponto de facto “36)”, cujo teor literal é:

«36) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 35), o técnico da Autora constatou que alguns aspetos da execução do novo muro, em especial no que concerne ao escoamento das águas pluviais, poderiam vir a originar novos problemas para a Autora.»

Quanto a este, o R./recorrente pretende que passe a ter a redação «36) A Técnica da Autora sugeriu ao Réu que com a reconstrução do muro colocasse o seu prédio a escoar para a via publica.».

Que dizer?

Decisivamente que o R./recorrente não especifica qual o meio probatório que “impõe” uma tal alteração [cf. art. 662º, nº1 do n.C.P.Civil], razão pela qual vai a mesma indeferida.

                                                           ¨¨

Vejamos, de seguida, do ponto de facto “49)”, cujo teor literal é o seguinte:

«49) O perito da seguradora referida em 47) foi ao local, em data não concretamente determinada.»

 Clama o R./recorrente no sentido de que a redação passe a ser « 49) O perito da Seguradora referida em 47) foi ao local no dia 8 de Janeiro de 2019», invocando para tanto um trecho das suas “declarações”.

Que dizer?

Acontece que o mesmo seguramente não aludiu a “8 de Janeiro de 2019” [sublinhado nosso], até porque seria uma impossibilidade material enquanto respeitante ao ano precedente, em que uma tal deslocação não teria pertinência para a questão ajuizada, pelo que, também por não se vislumbrar qual fosse o objetivo processual útil que tal modificação permitiria alcançar, vai esta pretensão indeferida.

                                                           ¨¨

Passando aos pontos de facto “52)” e “53)”, rememore-se, antes de mais, o seu teor literal, a saber:

«52) O Réu AA acordou com a Autora que iria proceder à retirada dos escombros do prédio da Autora, deixando apenas as pedras do muro da Autora para procederem à sua reconstrução e refazer as escadas de acesso ao portão.»;

«53) O Autor efetuou o aludido em 52).»

Quanto a estes pontos de facto, o R./recorrente pretende que o primeiro deles passe a ter a redação «52) O Réu AA acordou com a autora que iria proceder à retirada dos escombros do prédio da Autora, deixando apenas as pedras do muro da Autora para procederem à sua reconstrução.».

Está em causa a eliminação do teor literal final deste ponto de facto [cf. «(…) e refazer as escadas de acesso ao portão»], sendo que, para tanto, o R./recorrente invoca pequenos excertos da prova produzida, mais concretamente procede à reprodução de segmento das “declarações” do próprio, e dos depoimentos das testemunhas CC e DD.

Que dizer?

Que concatenando a prova produzida, se pode efetivamente constatar que não era (nem é!) material e objetivamente necessário o R. “refazer” as escadas em causa, posto que não resulta terem as mesmas ficado destruídas nem sequer fisicamente deterioradas em consequência da derrocada que teve lugar, acrescendo não se detetar prova concludente de o R. ter assumido uma qualquer intervenção/reparação nesse particular, donde, reapreciando os meios de prova produzidos, determina-se que este ponto de facto passe a figurar doravante com a seguinte redação:

«52) O Réu AA acordou com a Autora que iria proceder à retirada dos escombros do prédio da Autora, deixando apenas as pedras do muro da Autora para procederem à sua reconstrução.».

Por outro lado, não se impõe, em decorrência, qualquer alteração na redação do ponto de facto “53)”, o qual mantém a sua lógica e coerência, não obstante a eliminação do ponto de facto anterior.

*

            É tempo de passar à análise dos pontos de facto “não provados”.

            Factualidade constante da al. “b)”, cujo teor literal é:

«b) Na noite de 20.12.2019, um vizinho do Réu AA telefonou-lhe a informá-lo que o muro mencionado em 3), tinha ruido.»

Quanto a tal, o R./recorrente pretende que transite in integrum para o elenco dos factos “provados”.

Que dizer?

Decisivamente, que o R./recorrente não especifica qual o meio probatório que “impõe” uma tal alteração [cf. art. 662º, nº1 do n.C.P.Civil], razão pela qual vai a mesma indeferida.

Atente-se que o art. 640º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil preceitua o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”…

                                                           ¨¨

Alíneas “c)” e “d)”, cujo teor literal é, respetivamente:

«c) O muro aludido em 3) e 18) ruiu exclusivamente em consequência da pluviosidade sentida na noite de 19.12.2020 para 20.12.2020.»;

«d) O muro aludido em 3) e 18) ruiu em consequência de rajadas de vento.»

Pugna o R./recorrente no sentido de que a factualidade em causa nestas duas alíneas figure no elenco dos factos “provados”, com uma redação diversa, a saber, respetivamente:

 «c) o muro aludido em 3) e 18) ruiu exclusivamente em consequência da tempestade “Elsa” que se fez sentir entre os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019, salientando-se que anteriormente entre os dias 15 e 16 já tinha havido outra tempestade denominada de Daniel, pelo que face à precipitação persistente e intensa registou-se entre o dia 16 e 22 de Dezembro de 2019, valores de precipitação acumulados em 24h superiores a 100 mm em alguns locais do Norte e Centro do país, em especial em zonas de altitude com valores de água no solo iguais à capacidade de campo.»;

«d) O muro aludido em 3) e 18) ruiu exclusivamente em consequência das condições meteorológicas adversas ocorridas entre os dias 15 a 22 de Dezembro de 2019, duas depressões muito cavadas intituladas Daniel nos dias 15 e 16 de Dezembro de 2019 especialmente a tempestade Elsa nos dias 18 a 20 de Dezembro, com rajadas de vento muito fortes e precipitação persistente e intensa, deixando os solos com valores de água iguais à capacidade do campo.»

O R./recorrente fundamenta esta sua pretensão em tal se encontrar «Provado pelos doc. 2, 3, 4 e 5 – juntos com a contestação do Réu».

Que dizer?

Que desde logo se constata que já consta dos factos “provados” uma extensa descrição das condições meteorológicas que se fizeram sentir, mais concretamente através dos factos discriminados nos pontos nos “24)”, “25)”, “26)” e “27)”.

Ora, confrontando o teor literal que o R./recorrente agora pretende ver aditado a tal, não pode deixar de se concluir que, em ambos os propostos “novos” pontos de facto, figuram claramente juízos conclusivos de facto, para além de exposição argumentativa, razões pelas quais, sem necessidade de maiores considerações, vai tal pretensão indeferida.

                                                           ¨¨

Alíneas “f)” e “g)”, cujo teor literal é, respetivamente:

«f) O Réu AA procedeu todos os anos à vistoria do muro mencionado em 3) e 18), não encontrando qualquer deficiência ou problema no mesmo que necessitasse de uma intervenção.»;

«g) O muro referido em 3) e 18) não apresentava nenhuma deficiência ou problema que necessitasse de reparações ou outras obras de manutenção ou conservação.»

Quanto a tal, o R./recorrente pretende que transitem in integrum para o elenco dos factos “provados”.

Que dizer?

Decisivamente, mais uma vez, que o R./recorrente não especifica qual o meio probatório que “impõe” uma tal alteração [cf. art. 662º, nº1 do n.C.P.Civil], razão pela qual vai a mesma indeferida pela mesma ordem de razões já supra exposta.

Acresce, em todo o caso, que se a grande base da fundamentação para tal seria o que foi dito pelo próprio nas suas “declarações”, então importa relevar que a inspeção ao local detetou, ainda no presente, uma “rachadela”, tal como ficou a constar da redação correspondente ao ponto de facto “provado” sob “8)” [cf. explicação que o justificou supra], pelo que, só por aí, salvo o devido respeito, havia argumentação para considerar que não existiu “erro de julgamento” por parte do Tribunal a quo quanto a este particular [consignar esta factualidade no elenco dos factos “não provados”!].

                                                           ¨¨¨

Alíneas “h)” e “i)”, cujo teor literal é, respetivamente:

«h) Situando-se no prédio aludido em 2), o Réu consegue visualizar o muro aludido em 3) e 18), em toda a sua extensão.»;

«i) Antes da derrocada referida em 18), o muro aludido em 3) e 18), estava rematado na sua parte superior a cimento.».

Relativamente a tal, o R./recorrente pretende que a factualidade constante da 1ª delas passe a figurar no elenco dos factos “provados” com o seguinte teor literal:

«h) Situando-se no prédio aludido em 2), o Réu consegue visualizar o muro aludido em 3) e 18, em toda a sua extensão, assim como o consegue visualizar subindo e descendo as Escadas da ... como tanta vez o fez já que tem outro quintal ao fundo das escadas.»

Já quanto à alínea “i)”, a pretensão é, mais singelamente, no sentido de que a mesma transite in integrum para o elenco dos factos “provados”.

Sendo certo que só a primeira dessas pretensões figura concretamente fundamentada, a saber, recorrendo o R. à transcrição de pequenos segmentos de “declarações” do próprio e da testemunha CC.

Que dizer?

Relativamente à alínea “h)”, quanto a nós, importa não olvidar que o Tribunal a quo fundamentou a opção por consignar a mesma, como a globalidade das demais alíneas deste elenco, em não ter sido «(…) produzida prova suficiente e idónea para considerar os mesmos como provados», sendo certo que complementou tal quanto a este particular, através da alusão a que «(…) se mostra pouco verosímil, em face da dimensão do muro e das suas características, mormente da sua altura, que o Autor lograsse visualizar o mesmo na sua totalidade, somente se encontrando no seu terreno».

A esta luz, não se considera que os meios de prova invocados constituam prova consistente e concludente a “impor” uma convicção de sinal contrário, acrescendo, ainda, que o segmento que o R./recorrente pretendia ver aditado à redação dessa alínea “h)”, sempre seria de recusar, por constituir materialidade meramente “instrumental”…

Já relativamente à alínea “i)” é pretensão a que se indefere, mais uma vez decisivamente, porquanto o R./recorrente não especificou qual o meio probatório que “impõe” uma tal alteração [cf. art. 662º, nº1 do n.C.P.Civil].

                                                           ¨¨

Passando às alíneas “j)”, “m)”, “n)”, “o)” e “p)”, cujo teor literal é, respetivamente:

«j) A Autora não efetuava a limpeza ao logradouro que compõe o prédio referido em 1).»;

«m) A acumulação de entulho no logradouro que compõe o prédio aludido em 1), junto à base do seu muro, mais concretamente junto às escadas que dão acesso ao portão referido em 14), na parte que faz declive e por onde as águas escoam para a via pública, estando esse espaço entupido com galhos de poda de árvores dificultou o escoamento das águas, ficando aí retidas e originou efeito balão no muro referido em 3) e 18), que não aguentou com o peso da água e das terras, ruindo.»;

«n) Se as águas tivessem escoado no local referido em m) não teriam acumulado nas terras pertencentes ao prédio mencionado em 2) ao ponto do muro mencionado em 3) e 18) não aguentar o peso das mesmas.»;

«o) Na data mencionada em 18), o logradouro da Autora, mais concretamente no local onde ruiu o muro aludido em 3), estava cheio de entulho, nomeadamente de ramos de citrinos lá existentes, provenientes de uma poda e outros ramos provenientes de podas de árvores.»;

«p) O aludido em o) dificultava o escoamento das águas.».

Relativamente a tal, o R./recorrente pretende que a factualidade constante da 1ª delas transitasse in integrum para o elenco dos factos “provados”, e que as demais passassem a figurar no elenco dos factos “provados” com o seguinte teor literal, respetivamente:

«m) A acumulação de entulho no logradouro que compõe o prédio aludido em 1) junto à base do seu muro mais concretamente junto às escadas que dão acesso ao portão referido em 14) na parte que faz declive e por onde as águas escoam para a via pública, estando esse espaço entupido com galhos de poda de árvores, ervas, terra, laranjas e outro tipo de lixo arremessado pelos transeuntes que frequentam as Escadas da ..., dificultou o escoamento das aguas, ficando aí retidas, armazenadas, causando pressão/ saturação na a base do muro do Réu.»;

«n) Se as aguas tivessem escoado no local referido em m) não teriam acumulado nas terras pertencentes ao prédio mencionado em 2) pressionando/saturando o muro mencionado em 3) e 18).»;

«o) Na data mencionada em 18) o logradouro da autora, mais concretamente no local onde o muro ruiu em 3), estava cheio de entulho, nomeadamente de galhos de poda de arvores, ervas, terra, laranjas e lixo arremessado dos transeuntes que frequentavam as Escadas da ....»;

«p) o aludido em o) dificultava o escoamento das águas.»

O R./recorrente fundamenta a sua pretensão – que nem relativamente a todas elas! – na transcrição de pequenos segmentos de “declarações” do próprio, e dos depoimentos das testemunhas DD, EE, FF e CC.

Que dizer?

Quanto a nós, que importa não olvidar que o punctum saliens em todas essas alíneas é a versão de que havia lixo/entulho acumulado no prédio da Autora, por esta não fazer a limpeza do mesmo, o que determinou a acumulação de águas, sem conseguirem escoar, e, por via disso, a “descalcificação” da base do muro do R., originando a derrocada daquele segmento do dito.

Ora, quanto à referida acumulação de entulho/lixo naquele local, para além das “declarações” de sentido afirmativo, mas generalistas, por parte do R./recorrente [o qual reside distante do local, em ...], e da confirmação de princípio por parte das testemunhas DD e CC, perfila-se o depoimento da testemunha FF [este “vizinho” dos prédios ajuizados] que o R. transcreveu no seguinte concreto segmento:  

«Depoimento da testemunha FF- 20221019094647-09:46:49

MI: Quando diz que às vezes iam lá funcionários da A... limpar o terreno para o inglês ver, eles deixavam lá folhagens de arvores, terra, fruta podre, galhos eventualmente podados, é isto que lá ficava, é este entulho de que estamos a falar? Isto em quantidade a ponto de o Sr. ter medo que incendiasse

TR: Sim ficava lá, secava lá.

MI: É deste entulho que estamos a falar relativamente à zona das escadas, tem uma cota mais baixa do quintal, tem no seu quintal vista para aquela Zona

TR: Para o portão sim.

MI: Para o lado de dentro do portão?

TR: Pelas escadas sim, se me debruçasse.

MI: Nessa zona havia lá agua empossada?

TR: Nunca reparei, havia lá coisas depositadas, canas, isso sim.

MI: Os detritos de que falamos, atenta a força de gravidade eram puxados para ali

TR: Sim

MI: Era ali que se acumulava a maior parte do lixo?

TR: Sim

MA: Aquilo que está atrás do portão só consegue ver se lá for espreitar por cima do portão

TR: Sim

MA: Tinha o hábito de fazer isso, encostava-se e espreitava?

TR: Tinha de ver se lá estava alguém a fumar lá dentro por causa das ervas, ia muitas vezes ao muro eu frequentava o clube que há ali nas escadas, ia lá muita vez.»

Em contraponto, importa não olvidar que a já aludida testemunha DD sustentou em termos convictos, e nessa medida a merecer credibilidade, que os jardineiros da Autora efetuavam 1-2 vezes por ano a limpeza do logradouro pertencente ao prédio descrito.

Que dizer?

Salvo o devido respeito, face aos elementos de prova convocados pelo R./recorrente não é possível dizer que foi produzida prova consistente e concludente no sentido de que na noite de 19.12.2019 aí existia efetivamente “entulho/lixo”, e que este se podia caracterizar como “acumulado”…

Atente-se que para além do depoimento da dita testemunha FF já ter sido classificado em termos de que «(…) não se revelou credível, atenta a forma titubeante e contraditória com que prestou o seu depoimento, revelando, outrossim, pouca isenção na forma como depôs»[11], classificação esta a que aderimos sem qualquer rebuço após se ter procedido à audição integral da correspondente gravação, o que é certo é que nem este [nem, aliás, os demais invocados!], logrou afirmar/certificar uma tal situação.

Sucede que tal é que seria determinante e decisivo para se poder concluir nos termos pretendidos pelo R./recorrente!

O que idem se diga, mutatis mutandis, quanto à invocada “acumulação” de água, enquanto consequente da situação anterior, e nexo de causalidade para o demais…

Neste conspecto, também não vislumbramos como questionar fundadamente a resposta de “não provado” que se encontra dada às factualidades em causa, assim improcedendo igualmente a impugnação nesse particular.

                                                           ¨¨

Alíneas “k)” e “l)”, cujo teor literal é, respetivamente:

«k) O Réu AA solicitou aos funcionários da Autora para limparem o entulho junto ao muro aludido em 3) e 18), por considerar que o mesmo poderia dificultar o escoamento das águas, nomeadamente junto às escadas de acesso ao portão.»;

«l) Os funcionários da Autora aludidos em k) responderam que iam falar com os serviços técnicos da Autora, pois não o podiam fazer sem autorização.».

Relativamente a tal, o R./recorrente pretende que passem a figurar no elenco dos factos “provados” com o seguinte teor literal, respetivamente:

«K) O Réu AA, num dos dias que estava no lado de cima do seu muro, disse a dois funcionários que se encontravam no logradouro da autora a fumar, que deveriam limpar o logradouro, pois temia que a falta de limpeza dificultasse o escoamento da água, nomeadamente junto ao portão, ao que responderam que tinha que enviar um email ao serviço pois tinha de haver uma autorização, não o podiam fazer sem autorização.»;

«l)Nunca o Réu enviou tal email.».

O R./recorrente fundamenta esta sua pretensão na transcrição de segmentos das “declarações” do próprio.

Que dizer?

Desde logo, que se trata de uma nova/distinta versão face ao invocado no articulado. 

Ora, salvo o devido respeito, por plausível e verosímil que o “atual” relato seja, o que é certo é que, desacompanhado de corroboração por qualquer outro meio de prova, não se pode considerar que exista prova consistente e concludente no sentido da sua verificação, termos em que, é caso para dar por reproduzido o que foi apresentado como justificação na motivação da sentença recorrida para a versão “original”, a saber, «(…) que não foi produzida prova suficiente e idónea para considerar os mesmos como provados».

                                                           ¨¨

Alíneas “r)” e “s)”, cujo teor literal é, respetivamente:

«r) No dia 21.12.2019, o Réu AA contactou a Câmara Municipal ..., no sentido de obter alguma ajuda.»;

«s) No dia 21.12.2019, o Réu AA deslocou-se aos serviços da Autora e foi-lhe transmitido que o chefe de serviços da Autora se encontrava de férias de Natal, pelo que o Réu deixou os seus contactos.».

Relativamente a tal, o R./recorrente pretende que passem a figurar no elenco dos factos “provados” com o seguinte teor literal, respetivamente:

«r) No segunda feira, dia 23.12.2019, o Réu dirigiu-se à Câmara Municipal ... a fim de obter ajuda, onde informaram que teria de contactar os serviços técnicos da universidade.»;

«s) O Réu depois de sair de r) dirigiu-se aos serviços técnicos da universidade onde lhe foi transmitido que o chefe dos serviços técnicos se encontrava de férias de Natal pelo que o Réu deixou o seu contacto.».

O R./recorrente só apresentou fundamentação para esta sua pretensão relativamente à 1ª dessas alíneas, o que se resumiu, expressis verbis, ao seguinte: «Fundamentação: Consultando o calendário, a vizinha telefona a 20, que é sexta feira, dia 21 o Réu vai ao local, sábado, dia 22 é domingo, 23 segunda feira.».

Que dizer?

A versão “original”, e que seguramente também determinou que a factualidade constante destas alíneas fosse considerada como “não provada” pelo Tribunal a quo, era de que tal tinha sucedido no dia 21, que era um sábado (?!).

Em todo o caso, para a “nova” versão ora invocada, com narrativa diversa, nem sequer é indicado qualquer meio de prova.

Improcede assim manifestamente o pretendido.

                                                           ¨¨

Alínea “t)”, cujo teor literal é o seguinte:

«t) Na reunião referida em 31), o Réu AA comprometeu-se a dar início aos trabalhos de reconstrução ao muro aludido em 13) da Autora.».

Invocando um segmento das “declarações” do próprio, o R./recorrente pretende que a mesma passe a figurar no elenco dos factos “provados” com o seguinte teor literal:

«t) Na reunião referida em 31), o Réu foi apresentar-se e pedir autorização para entrar no logradouro da autora a fim de recomeçar a reconstrução do muro.»

Que dizer?

Que salvo o devido respeito, para além do mais atinente à consistência/concludência da prova produzida nos termos já antes expostos, esta pretensão carece de sentido processual, na medida em que o que foi considerado “não provado” era a versão da A., cujo ónus de prova lhe competia, não se justificando dar como “provado” o que o R. terá alegado para contraditar aquela versão ou abalar a credibilidade da sua verificação.

                                                           ¨¨

Alínea “u)”:

Por eventual lapso ou desatenção, nem sequer foi enunciado em que termos é que a mesma deveria transitar para o elenco da materialidade “provada”, nem muito menos a fundamentação para tal, donde improceder sem mais.

                                                           ¨¨

Alínea “x)”, cujo teor literal é o seguinte:

«t) Na reunião referida em 31), o Réu AA comprometeu-se a dar início aos trabalhos de reconstrução ao muro aludido em 13) da Autora.».

Invoca o R./recorrente neste particular, expressis verbis, o seguinte:

«Retirado por ter sido já dado como provado no ponto 34.»

O que é certo é que efetivamente quanto ao dito ponto “34)” do elenco dos factos “provados”, se concluiu supra por manter o que constava na sentença recorrida, donde, até por coerência com tal juízo, nada mais a acrescentar.

¨¨

            Alínea “y)”, cujo teor literal é o seguinte:

«y) A Autora encetou negociações com a Interveniente Principal “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.”.».

Invocando um segmento das “declarações” do próprio, o R./recorrente pretende que a mesma passe a figurar no elenco dos factos “provados” com o seguinte teor literal:

«y) A Autora tinha conhecimento que o Réu tinha transferido a sua responsabilidade civil para a Seguradora desde a Reunião referida em 3) sabendo inclusive o numero da apólice.»

Que dizer?

Que face ao precedentemente decidido em termos de confirmar a decisão recorrida no sentido da verificação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Interveniente “Mudum – Companhia de Seguros, S.A.”, independentemente de tudo o mais, não tem qualquer sentido processual útil a factualidade ora pretendida aditar ao elenco dos factos “provados”, termos em que improcede fatalmente esta pretensão.

                                                           *

6 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão neste particular supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, do incorreto julgamento de direito, por não estar o R. constituído na obrigação de indemnizar, devendo ser integralmente absolvido [mormente por se mostrar «afastada a culpa do primeiro Réu», concretamente porque «A responsabilidade do Réu AA encontra-se afastada por verificação de uma causa de força maior idónea a afastar a presunção de culpa que decorre do art. 492º, 1 do CC, não foi por falta de vistoria ou conservação que o muro alui, não omitiu o Réu este seu dever»].

Será assim?

Se bem captamos o sentido do alegado pelo Réu/recorrente[12], este seu fundamento tinha como pressuposto lógico e jurídico necessário a procedência da impugnação à decisão sobre a matéria de facto que vimos de apreciar.

Ora, salvo aspetos claramente residuais, tal não ocorreu, como flui do que antecede.

Pelo que entendemos estar só por aí fatalmente votado ao insucesso o sustentado neste enquadramento.

Pois que subsistem todos os fundamentos de facto e de direito para a decisão de improcedência da ação que teve lugar: os fundamentos, de facto e de direito, encontram-se devidamente expostos, sendo certo que dos mesmos resulta inquestionavelmente que tendo ocorrido a ruína parcial do muro propriedade do Réu – o que indicia per se a ilicitude, i.e. incumprimento de deveres relativos à conservação do muro – incumbia ao mesmo, enquanto responsável por essa conservação, ilidir a presunção de culpa advinda do artigo 492º, nº 1, do Código Civil, demonstrando que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência.

Este é entendimento ao que cremos perfeitamente pacífico na doutrina e jurisprudência, sendo certo que se trata de uma responsabilidade subjetiva fundada na violação dos deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras (deveres de segurança no tráfego), a qual é agravada através de uma presunção de culpa.

De sublinhar que o R./recorrente não questionou este entendimento em si nas alegações recursivas.

O que o R./recorrente intentou afirmar é que não tinha havido culpa da sua parte, por não haver omitido os deveres de conservação do seu muro e bem assim de vigilância sobre o mesmo.

O que não logrou fazer – nesse sentido, os factos “não provados” que constam das alíneas “f)” e “g)”.

Acrescendo que, mesmo na data do julgamento, conforme a inspeção ao local detetou, existe uma “rachadela” no muro, com uma extensão seguramente não inferior a 1,5 m, em traçado vertical irregular, acompanhando a disposição/interseção dos blocos de pedra entre os quais se desenvolve, e não se circunscrevendo apenas ao remate do tijolo em cimento [cf. ponto de facto “provado” sob “8)”].

Por outro lado, ainda que tivesse ocorrido efetivamente uma pluviosidade muito significativa na noite da derrocada, tal não configura um caso de força maior tal como configurado legalmente para efeitos do normativo em causa.

A este propósito já foi doutamente sustentado que «Salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos, a ruína de um edifício ou obra é um facto que indicia só por si o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios (…)».[13]

Recorde-se que a força maior ou caso fortuito há-de ser um evento inevitável, isto é um acontecimento que o devedor não pode obstar a que se produza e a cujos efeitos não se pode furtar, por se tratar dum facto imprevisível, acrescendo que há-de ser ainda irresistível, o que significa que os efeitos dele devem ser insuperáveis para o devedor,   ainda  que   este,   nos   limites   das   suas forças e da diligência que lhe  é exigida,  faça  tudo para os impedir.[14]

Assim, em nosso entender, não é possível concluir que o muro ajuizado ruiu exclusivamente em consequência da tempestade “Elsa”, e/ou em consequência das condições meteorológicas adversas ocorridas entre os dias 15 a 22 de Dezembro de 2019…

Ademais, o R./recorrente não logrou provar a culpa do lesado ou de terceiros, ou que mesmo que se tivesse adotado a diligência devida o evento danoso, ainda assim teria ocorrido.

Consequentemente, não vislumbramos como questionar a decisão no sentido da procedência da ação, nos termos em que o foi.

Esta mesma linha de raciocínio foi doutamente perfilhada na sentença recorrida, quanto aos dois aspetos em referência, como flui dos seus seguintes segmentos:

«(…)

Sufragando a posição acima defendida e tendo ocorrido a ruína parcial do muro propriedade do Réu AA – o que indicia per se a ilicitude, i.e. incumprimento de deveres relativos à conservação do muro – incumbia a este – responsável por essa conservação – ilidir a presunção de culpa advinda do citado artigo 492.º, n.º 1, do Código Civil, demonstrando que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência.

Ficou, pois, demonstrado que a concentração de água no terreno que compõem o prédio propriedade do Réu e advinda das chuvas fortes contribuiu para a ruína do muro [cf. ponto n.º 19), da matéria de facto provada]. Mais ficou demonstrado que entre 15 a 22 de dezembro se fizeram sentir três tempestades na cidade ..., sendo a tempestade “Elsa” caracterizada por pluviosidade intensa e ventos fortes [cf. pontos n.ºs 24) e 25), da matéria de facto].

Ora, não obstante tenha ficado demonstrado que contribuiu para ruína parcial do muro em causa a pluviosidade que se fez sentir, na sequência das tempestades que assolaram o território nacional, certo é que não se poderá concluir que tal, no caso concreto, configurasse um caso de força maior ou fortuito idóneo a afastar a presunção de culpa que decorre do normativo legal acima citado.

Importa, pois, atender, desde logo, à caracterização climatérica da zona da ..., onde por vezes se fazem sentir chuvas abundantes, sendo certo que não se pode considerar a ocorrência de tempestade, caracterizada por chuvas intensas e ventos fortes na altura do ano em que o foi – dezembro –, totalmente imprevisível. Veja-se, aliás, o exemplo das tempestades que se fizeram sentir este ano em Portugal, em igual altura do ano.

Saliente-se ainda que, sem se olvidar que a conjugação das três tempestades ocorridas – “Daniel”, “Elsa” e “Fabien” – causaram uma precipitação acumulada muito elevada e superior aos valores médios para o mês de dezembro, durante oito dias e que os solos se encontravam com valores iguais à capacidade de campo – conforme é mencionado no Despacho n.º 117-B/2020, emitido pelo Gabinete da Ministra da Agricultura [cf. ponto n.º 27), da matéria de facto provada] – , certo é que conforme é mencionado igualmente no aludido despacho, a tempestade “Daniel”, teve “menos impactos em território nacional” e aquando da ruína do muro ainda não se tinha verificado a tempestade “Fabien”, pelo que da simples análise do mesmo, não é possível aferir que a tempestade “Elsa” – aquela que se verificava aquando da queda do muro – era suficiente para que concluísse, igualmente, pelas mesmas circunstâncias.

Destarte, ainda que a chuva se mostrasse mais abundante que habitual ou eventualmente até mais concentrada em determinado lapso de tempo, na região geográfica em questão, tal chuva – ainda que configurasse um fenómeno denominado “tempestade” – não poderá ser – em nossa aceção – contemplável como um caso de força maior ou fortuito, imprevisível para um cidadão medianamente diligente colocado na posição do Réu.

Acresce, por outro lado, que não ficou demonstrado que o muro ruiu exclusivamente em consequência da pluviosidade sentida aquando do sinistro (i.e. 19.12.2019-20.12.2019) – cf. ponto c), da matéria de facto não provada –, pelo que se considera que a responsabilidade do Réu AA não se encontra afastada por verificação de um causa de força maior.

Por outro lado, ficou, outrossim, demonstrado que o Réu AA, proprietário do muro, há mais de dez anos, nunca efetuou nenhuma reparação ou outro trabalho de conservação ou manutenção do muro ou procedeu à vistoria do mesmo [cf. pontos n.ºs 9), 10) e 11), da matéria de facto provada], não tendo ficado provado que o Réu AA procedeu todos os anos à vistoria do muro, não encontrado qualquer deficiência ou problema no mesmo. [cf. pontos f) e g), da matéria de facto não provada].

Ora, o Réu AA, na qualidade de proprietário do muro em causa, tem o dever de vigilância do muro, tanto mais que o mesmo é um muro antigo – construído há mais de vinte anos, e com cerca de 37 metros de comprimento – não podendo, pois, ser considerado de dimensão reduzida. A este propósito, não se pode deixar de salientar que atenta a idade de construção do muro mais premente se tornava a sua vigilância, não podendo a mesma ser desconhecida do Réu AA, tanto mais que este é arquiteto de profissão.

Estatui, ainda, o Decreto–Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro – que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação – no seu artigo 89.º, n.º 1, que “as edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético”. Não obstante as regras urbanísticas se destinem em primeira linha a tutelar interesses coletivos, a norma acima aludida destina-se, outrossim, a proteger interesses particulares, mormente da segurança das pessoas, pelo que a omissão destas regras poderá fundar, ainda, o dever de indemnização dos danos, nos termos do artigo 486.º, do código Civil.

Ora, o Réu AA não demonstrou, pois, que nenhuma culpa houve da sua parte e bem assim de que os danos se tivessem produzido ainda que houvesse culpa da sua parte, v.g. que mesmo que tivesse procedido à vigilância e manutenção do muro os danos se teriam igualmente produzido. De notar que sobre o Réu AA impendia o ónus de provar a adoção de todas as diligências e providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo que se veio a concretizar na ruína do muro, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte ou bem assim que os danos se teriam igualmente produzido.

Não logrou, pois, o Réu AA provar que, no respetivo exercício do dever de vigilância, o muro de que era proprietário e que parcialmente ruiu, se encontrava devidamente cuidado e conservado ou que a adversidade das condições atmosféricas era de tal modo imprevisível que a queda do muro se verificaria de modo inevitável.

Nesta conformidade, não logrou o Réu AA ilidir a presunção de culpa que sobre ele recaía, pelo que incumbe aos mesmo a responsabilidade pelos danos provados pela ruína (ainda que parcial) do muro de que é proprietário.»

 Na verdade, face ao quadro fáctico apurado e que se entendeu ser de subsistir, no seu essencial, não se vislumbra fundamentação jurídico-legal que não seja a de concluir pela procedência da pretensão condenatória formulada pela A./recorrida, nos termos a que lhe foi dada procedência!

Tendo a sentença recorrida efetuado um douto enquadramento jurídico do caso, para o qual, “brevitatis causa” se remete.

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso.

                                                           *

(…)

                                                                                                          *

8 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.  

Custas nesta instância pelo réu/recorrente.                                                            

Coimbra, 13 de Junho de 2023

     Luís Filipe Cravo                                     

   Fernando Monteiro

      Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Assim pelo acórdão do STJ de 3.10.2019, proferido no proc. nº 77/06.5TBGVA.C2.S2, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Neste sentido, vide para além do acórdão supra citado no texto, inter alia o acórdão do STJ de 28.04.2016, proferido no proc. 1006/12.2TBPRD.P1.S1, ambos acessíveis em www,dgsi.pt/jstj.
[4] Assim no acórdão do STJ de 02.02.2023, proferido no proc. nº 364/05.0TBCMN.2.G1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Citámos o acórdão do mesmo STJ de 02.03.2023, proferido no proc. nº 2093/21.8T8BRG.G1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] doravante “LCS”.
[7] Cf., inter alia, o acórdão do TRG de 19.10.2017, proferido no proc. nº 6101/15.3T8BRG.G1, e o acórdão do TRP de 15-12-2021, proferido no proc. nº 635/20.5T8PVZ-B.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cf. Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres, Arnaldo da Costa Oliveira, Maria Eduarda Ribeiro, José Pereira Morgado, José Vasques, José Alves de Brito, in “Lei do Contrato de Seguro – Anotada”, Livª Almedina, 4ª ed.., em anotação ao artigo em referência.
[9] Neste sentido vide o acórdão do TRP de 12-07-2017, proferido no proc. nº 1599/17.8T8PRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[10] Assim também no acórdão do TRG de 21.05.2020, proferido no proc. nº 2075/19.0T8VCT-A.G1, acessível em www.dgsi.pt/trg.
[11] Assim na “motivação” da sentença recorrida.
[12] Cf. o constante das alegações recursivas quando aí se grafou «Alterando-se as respostas aos factos elencados a montante, conforme se propugna, a Acão deve ser julgada improcedente por não provada, absolvendo-se o Réu/Réus do pedido.»
[13] Assim por MENEZES LEITÃO, in “Direito das Obrigações”, Volume I – Introdução. Da constituição das obrigações, 2013, Livª Almedina, a págs. 292.
[14] Cf. ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., 2004, Livª Almedina, a págs. 681-682.