Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1036/03.5TAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO LOCADOR
MORA DO LOCATÁRIO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÁGUEDA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 16º N.º 1 E 17º DO DL Nº 149/95, DE 24 DE JUNHO, ARTIGOS 432º N.º 1, 436º N.º 1, 801º, 804º N.ºS 1 E 2 E 808º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. O autor-locador só poderia resolver o contrato de locação se, após o decurso do prazo de sessenta dias sobre o início da mora no pagamento da prestação de renda, e transcorrido o termo do prazo de trinta dias, contados desde a notificação, por escrito, à ré, para pagar ou satisfazer as obrigações em falta, a ré-locatária não procedesse ao pagamento do montante em dívida, acrescido de 50%, no prazo de oito dias, contados da data em que foi notificada pelo locador da resolução do contrato (precludindo o direito do locador à rescisão).

2. Não tendo a resolução extrajudicial do contrato de locação financeira, operada pelo autor, obedecido aos requisitos legais aplicáveis, considera-se nula.

3. Na presente acção, não pedindo o autor que se declare a resolução do contrato de locação financeira, mas, tão só, a condenação da ré a entregar o imóvel, objecto do aludido contrato, o recebimento da petição inicial pela ré não opera a resolução judicial do contrato, não suprindo a falta de resolução extra-judicial daquele.

4. Perante a inobservância do requisito legal que previa a concessão à ré-locatária de um prazo razoável para poder precludir o direito do autor-locador à resolução do contrato, a mora da locatária não se converteu em incumprimento definitivo, não se considerando incumprida a obrigação, nem resolvido o contrato.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

O “A...”, com sede em Lisboa, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “B...”, com sede no lugar da Corga, Recardães, Águeda, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a entregar o imóvel, objecto de um contrato de locação financeira, e que seja ordenado o cancelamento do registo da locação financeira que onera o dito imóvel, alegando, para tanto, que contratou com a ré a locação financeira do imóvel em causa e que esta deixou de pagar as respectivas rendas, em 22 de Dezembro de 2000, pelo que o autor resolveu o contrato, por carta de 3 de Janeiro de 2001, para a hipótese de a ré não fazer cessar a mora, em 30 dias.

Na contestação, a ré, entretanto, declarada falida, concluiu no sentido da procedência da excepção da nulidade da resolução que arguiu, porquanto só a mora, por prazo superior a 60 dias, conferia o direito à resolução do contrato, sendo certo que o autor o resolveu, quer por uma outra carta de 3 de Janeiro de 2001, que não juntou, quer decorridos os 30 dias sobre a carta que juntou, sempre antes do referido prazo de 60 dias e, em consequência, pediu a absolvição do pedido.

Na réplica, o autor alterou a causa de pedir, alegando que a ré, ao receber uma carta de 3 de Janeiro de 2001, que não seria a junta na contestação, declarou, de imediato, que não iria cumprir a prestação, renunciando, assim, ao decurso do referido prazo de 60 dias, enquanto que, por outro lado, entendendo esta declaração como uma recusa em cumprir, considera convertida a mora em incumprimento definitivo, o que lhe daria direito de resolver o contrato, de imediato, resolução essa que, subsidiariamente, sempre teria ocorrido, com a falta de oposição da ré, depois de citada para a providência cautelar apensa, concluindo no sentido de que o eventual vício do não cumprimento do prazo de 60 dias teria sido sanado pela ré, ao confirmar a resolução e ao entregar o imóvel.

Na tréplica, a ré impugna parte dos factos alegados pelo autor, a interpretação que este faz de outros e as consequências que de uns restantes ainda pretende retirar.

A sentença julgou procedente a excepção da nulidade da resolução do contrato pelo autor e, em consequência, improcedente a acção, absolvendo a ré do pedido.

Desta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, formulando o pedido da sua revogação, com a consequente substituição por outra que defira a sua pretensão, com a entrega do imóvel, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – A resolução opera pela simples declaração para esse efeito enviada à outra parte.

2ª – O recebimento da petição também pode ter e tem essa função considerando-se com este acto a recepção da declaração para este efeito conforme estabelece o artigo 436º, nº 1, do CC.

3ª – Ao recepcionar a petição e ao posteriormente ter entregue o imóvel da acção a administração da recorrida sanou o vício consubstanciado no não decurso do prazo para a resolução aquando do recebimento da carta enviada para esse efeito /artigo 288º do CC).

4ª – A douta sentença agora objecto de recurso fez assim uma interpretação errada dos artigos 288º e 436º, nº 1, do CC.

Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido da manutenção, na íntegra, da sentença recorrida.

Na sentença recorrida, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

Por apresentação 10/010799, encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Águeda, a favor do “A...”, a aquisição, por compra, do prédio urbano descrito na ficha nº 02397 da freguesia de Recardães – A).

Por apresentação 11/010799, encontra-se inscrita, na CRP de Águeda, a locação financeira, a favor da “B...”, do prédio referido em A) – B).

Por escrito, datado de 22 de Abril de 1999, intitulado "contrato de locação financeira", o autor, na qualidade de locador, e a ré, na qualidade de locatária, convencionaram que aquele cedia a utilização à segunda do imóvel, referido em A), pelo período de 120 meses, mediante o pagamento, por esta, da quantia de 316.712$00 mensais – C).

Mais convencionaram que, além do mais, a ré poderia, no final do prazo, comprar o imóvel, mediante o pagamento do preço residual, que é de 570.000$00, acrescido dos impostos e taxas que, eventualmente, incidam sobre a transacção – D).

E acordaram ainda que “a qualquer das partes assiste o direito de resolução do presente contrato, com fundamento no incumprimento das obrigações que assistam à outra. [...] O direito à resolução do presente contrato só poderá ser exercido após o termo do prazo de trinta dias contados desde a notificação, por escrito, à parte incumpridora para pagar ou satisfazer as obrigações que se mostrem em falta" - E).

A ré pagou as 20 primeiras prestações mensais decorrentes do contrato, referido de C) a E) – F).

O autor, por carta datada de 3 de Janeiro de 2001, tendo por assunto o "contrato de locação financeira imobiliária 120.108”, informou a ré que “notificamos expressamente V Exªs que este Banco A... considerará o contrato em referência definitivamente resolvido, sem necessidade de qualquer aviso adicional, volvidos 30 (trinta) dias após a expedição da presente carta se dentro do referido prazo não se mostrarem integralmente pagos os valores vencidos e vincendos descritos na nota anexa e já atrás referida" – G).

O autor, por escrito datado de 3 de Janeiro de 2001, enviado à ré, tendo por assunto o "contrato de mútuo 110.084”, declarou que "verifica este Banco A... que essa Empresa se encontra em situação de incumprimento continuado no âmbito do contrato em referência, estando vencidas e em mora as importâncias referidas na nota anexa", e que "notificamos expressamente V.Exas. que este Banco A... considera o contrato em referência definitivamente resolvido, com efeitos imediatos".

E acrescenta “informamos, entretanto, que em consequência da resolução atrás anunciada, e nos termos do contrato reciprocamente firmado e aceite, (a) se considerará também resolvido o contrato de locação financeira imobiliária nº 120.108 [...], também formalizado em 22/4/1999 e de que o presente contrato é complemento [...]” - cfr. doc. de fls. 108 e 109 – H).

Posteriormente à missiva, referida em G), o autor não comunicou à ré que o contrato, indicado de C) a E), se havia extinguido – I).

O autor intentou a providência cautelar apensa, em 16 de Fevereiro de 2001 – J) [Facto considerado, ao abrigo do artigo 659º/3, do CPC, e provado por documento (carimbo aposto na petição respectiva)].

O autor é uma sociedade que se dedica ao exercício da actividade bancária, que comporta a locação financeira – 1º.

A ré deixou de pagar o quantitativo mensal devido, por força do contrato, referido de C) a E), e vencido em 22 de Dezembro de 2000 – 2º.

No dia 9 de Maio de 2001, no âmbito da providência cautelar que está apensa a estes autos, o Tribunal entregou o imóvel em causa ao autor, que se deu por entregue do mesmo, devoluto de pessoas e bens, e da respectiva chave, que lhe foi entregue, pelo legal representante da “B...”, António Fernando Pereira da Silva. A ré tinha sido citada para a providência, em 23 de Fevereiro de 2001. A sentença a decretar a falência é de 19 de Maio de 2001 – 4º.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da resolução do contrato.

II – A questão da restituição do imóvel objecto do contrato.

I

DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO

Entende o autor que a resolução do contrato se verificou pela declaração escrita enviada à ré, pelo recebimento da petição a que esta acção respeita e, finalmente, pela entrega do imóvel objecto da mesma, circunstâncias essas que teriam a virtualidade de sanar a falta do decurso do prazo da resolução.
Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, através de escrito, datado de 22 de Abril de 1999, o autor, na qualidade de locador, e a ré, na qualidade de locatária, convencionaram que aquele cedia a esta a utilização de um imóvel urbano, pelo período de 120 meses, mediante o pagamento da quantia de 316.712$00 mensais, podendo a ré, no final do prazo, comprar o mesmo, mediante o pagamento do preço residual de 570.000$00, assistindo a qualquer uma das partes o direito de resolução do contrato, com fundamento no incumprimento das obrigações que competiam à outra, mas que só poderia ser exercido, após o termo do prazo de trinta dias, contados desde a notificação, por escrito, à parte incumpridora, para pagar ou satisfazer as obrigações que se mostrassem em falta.

O autor, por carta datada de 3 de Janeiro de 2001, notificou, expressamente, a ré que considerava o contrato de mútuo, definitivamente, resolvido, com efeitos imediatos, sem necessidade de qualquer aviso adicional, volvidos trinta dias após a sua expedição, se dentro do referido prazo não se mostrassem, integralmente, pagos os valores, vencidos e vincendos, descritos em nota anexa e, em consequência desta rescisão, que considerava, também, resolvido o contrato de locação financeira imobiliária, de que aquele é complemento.

Tendo a ré deixado de pagar o quantitativo mensal, devido e vencido em 22 de Dezembro de 2000, o autor, posteriormente à aludida carta, não comunicou à ré que o contrato de locação financeira se havia extinto, sendo certo que, no dia 9 de Maio de 2001, no âmbito da providência cautelar que se encontra apensa a estes autos, o Tribunal entregou o imóvel aquele.

O artigo 1º, do DL nº 149/95, de 24 de Junho, define o contrato de locação financeira como aquele “pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o prazo acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.

Dispõe ainda o artigo 17º, do mesmo diploma legal, que “o contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes de lei civil, relativas à locação”, sendo certo, segundo estatui o nº 1, do respectivo artigo 16º, que “a mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a 60 dias permite ao locador resolver o contrato, salvo convenção em contrário a favor do locatário”.

Assim sendo, verificada que foi a mora no pagamento da prestação de renda, devida e vencida em 22 de Dezembro de 2000, o autor, em vez de aguardar por um prazo superior a sessenta dias, a contar daquele evento, logo, por carta datada de 3 de Janeiro de 2001, notificou, expressamente, a ré que considerava o contrato de mútuo, definitivamente, resolvido, com efeitos imediatos, e que, em consequência desta rescisão, considerava, também, resolvido o contrato de locação financeira imobiliária, sendo certo, outrossim, que só podia resolver este contrato, após o termo do prazo de trinta dias, contados desde a notificação, por escrito, à ré, para pagar ou satisfazer as obrigações em falta, e isto depois, como já se disse, de dever aguardar, por um prazo superior a sessenta dias, a contar da verificação da mora no pagamento da prestação de renda, devida e vencida em 22 de Dezembro de 2000.

E só, então, isto é, após o decurso do prazo de sessenta dias sobre o início da mora no pagamento da aludida prestação, e transcorrido o termo do prazo de trinta dias, contados desde a notificação, por escrito, à ré, para pagar ou satisfazer as obrigações em falta, é que o locador, caso a ré-locatária não procedesse ao pagamento do montante em dívida, acrescido de 50%, no prazo de oito dias, contados da data em que foi notificada pelo locador da resolução do contrato, hipótese esta em que se precludiria o direito do locador à rescisão, é que o autor poderia resolver o contrato.

Como assim, a resolução extrajudicial do contrato, operada pelo autor, não obedeceu aos requisitos legais aplicáveis, devendo, consequentemente, considerar-se nula, atento o estipulado pelos artigos 432º, nº 1, do Código Civil (CC), e 16º, nº 1, do DL nº 149/95, de 24 de Junho.

Porém, sustenta ainda o autor que o recebimento pela ré da petição da acção tem a função de fazer operar a resolução pretendida.

Estipula, a este propósito, o artigo 436º, nº 1, do CC, que “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte”, razão pela qual se entende que a eficácia resolutiva não depende de declaração judicial que a decrete, significando o recurso a juízo para que se declare a resolução de um contrato, tão somente, que se pede ao tribunal que declare que certo contrato foi, validamente, resolvido, funcionando, então, a petição e a respectiva citação da contraparte como declaração resolutiva.

Contudo, na presente acção, o autor não pede que se declare a resolução do contrato de locação financeira, mas, tão-só, a condenação da ré a entregar o imóvel, objecto do aludido contrato, e ainda que seja ordenado o cancelamento do registo de locação financeira que o onera.

Assim sendo, também pela via da resolução judicial, objectivada através da petição inicial da presente acção, o autor não pode aspirar a ver suprida a inobservância do estipulado pelo artigo 16º, nº 1, do DL nº 149/95, de 24 de Junho, no que contende com a exigência do decurso do prazo de mora da prestação de renda vencida, superior a sessenta dias.

Mas, mesmo admitindo-se, em sede de raciocínio académico, a tese do pedido implícito da declaração de resolução do contrato de locação financeira, nesta acção, e ainda que se trouxesse à colação o pedido deduzido na providência cautelar apensa, formulado nos precisos termos da acção, considerando que a citação da ré, naquela providência, ocorreu, a 23 de Fevereiro de 2001, enquanto que a declaração de resolução definitiva do contrato de mútuo, com efeitos imediatos, foi veiculada à ré, através de carta, datada de 3 de Janeiro de 2001, não teria sido, igualmente, observado o aludido requisito legal, que, apenas, permitia ao autor resolver o contrato de locação financeira, após o termo do prazo de trinta dias, contados desde a notificação, por escrito, à ré, para pagar ou satisfazer as obrigações em falta, e, isto depois, como já se repetiu, de dever aguardar, por um prazo superior a sessenta dias, a contar da verificação da mora no pagamento da prestação de renda, devida e vencida em 22 de Dezembro de 2000.

Finalmente, no que concerne à entrega do imóvel ao autor, a mesma aconteceu na sequência da decisão proferida na providência cautelar apensa, que o determinou, sendo certo que a ré não deduziu oposição à mesma, nem procedeu à entrega voluntária do imóvel, desinteressando-se, aparentemente, pelo desenvolvimento da providência, a ponto de ter sido necessário propor a acção principal, sob pena de, caso tal não tivesse sucedido, o autor ver, desde logo, extinto o procedimento cautelar, nos termos do estipulado pelo artigo 389º, nºs 1, a) e 4, do CPC.

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Uma das modalidades do não cumprimento das obrigações consiste na mora, isto é, no atraso ou retardamento do cumprimento da prestação, mas em que esta, apesar de não ter sido executada, no momento próprio, ainda é possível, por continuar a corresponder ao interesse do credor[ Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 1974, 62.].

Com efeito, o devedor considera-se constituído em mora, com a consequente obrigação de reparar os danos causados ao credor, em conformidade com o disposto pelos artigos 801º e 804º, nºs 1 e 2, do CC, quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada, no tempo devido.

Efectivamente, a prestação da ré estava sujeita a um prazo que já se havia vencido, tornando-se a mesma exigível, ou seja, não foi cumprida em tempo[ Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 301 e 302.], sendo certo que aquela não demonstrou, como lhe competia, atento o disposto pelos artigos 342º, nº 2 e 799º, ambos do CC, a ausência de culpa.

Assim, não se tratando, «in casu», de uma hipótese de impossibilidade da prestação, imputável ao devedor, deparavam-se ao autor duas vias, no sentido de ultrapassar o diferendo, isto é, ou procurava demonstrar a perda automática do seu interesse na concretização do contrato, ou, entendendo que à ré ainda é lícito o seu cumprimento, interpelava-a, para o efeito, de acordo com o preceituado pelo artigo 808º, nº 1, 2ª parte, do CC.

E a simples mora, em princípio, só constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sem determinar, inexoravelmente, a resolução do contrato, não se tendo demonstrado que o autor perdeu o interesse que tinha na continuação do contrato, o qual, além do mais, não fixou à ré um prazo admonitório consentâneo, susceptível de a converter em incumprimento definitivo[ STJ, de 27-9-2001, CJ (STJ), Ano IX, T3, 46.].

Com efeito, o direito de resolução, que se traduz num poder optativo, unilateral e potestativo de extinção do contrato, válido face ao aparecimento de condições posteriores à sua celebração que venham a frustrar os fins que as partes pretendiam atingir ao contratarem[ STJ, de 29-10-1996, Pocº. nº 429/96, 1ª secção, http://www.telepac.pt/stj.], previsto nos artigos 801º, nº 2 e 432º, do CC, funciona, nas situações de mora, nos contratos bilaterais em que a prestação é ainda possível, como uma eventualidade, dependente do tratamento e conversão do artigo 808º, também do CC, o que significa que pode actuar, desde que condicionada à observância dos pressupostos deste normativo, já analisados, ou seja, a perda do interesse para o credor, ou, após o decurso de um novo prazo razoável, considerando-se, em qualquer deles, para todos os efeitos legais, como não cumprida a obrigação.

Enquanto que, na hipótese do não cumprimento definitivo, a prestação já não é possível, compreendendo-se a resolução do contrato bilateral, uma vez que a contraprestação perdeu a sua razão de ser, no caso de mora, ao contrário, a prestação ainda pode ser realizada, razão pela qual nem sempre e, desvinculadamente, mas antes, de forma qualificada ou condicionada, se pode atribuir ao credor o direito de o resolver, a menos que inexista interesse da sua parte na prestação, situação esta mais próxima do incumprimento definitivo do que da mora, pois que, se o interesse existe, então, o contrato não deve ser resolvido, com base na simples mora do devedor, antes de se conferir a este a oportunidade de o impedir, cumprindo-o, através da concessão de um prazo razoável[ Vaz Serra, Mora do Devedor, BMJ, nº 48, 251, 254 e 255; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 1974, 63, nota 1, e 115, nota 1; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 311 a 313 e nota 1 desta página.].
Ora, foi a inobservância do requisito legal que previa a concessão à ré de um prazo razoável para, enfim, poder precludir o direito do autor à resolução do contrato, no momento, temporalmente, adequado para o efeito, que impediu a mora, desde logo, de se converter em incumprimento definitivo.
Não tendo sido observado o disposto pelo artigo 808º, nº 1, do CC, não pode, consequentemente, considerar-se incumprida a obrigação e resolvido o contrato de locação financeira celebrado entre as partes.

II

DA RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL

Inexistindo fundamento legal para declarar resolvido o contrato de locação financeira, deve ser accionado, oportunamente, transitado em julgado o presente acórdão, pelo Tribunal «a quo», o estipulado pelo artigo 389º, nºs 1, c) e 4, do CPC.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações do autor.

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CONCLUSÕES:

I – Não pedindo o autor que se declare a resolução do contrato, mas, tão-só, a condenação da ré a entregar o imóvel, objecto do mesmo, a via da resolução judicial, objectivada através da petição inicial da acção, não pode aspirar a ver suprida a falta de resolução extra-judicial a que aquele não procedeu.
II – Tendo sido a inobservância do requisito legal que previa a concessão à ré de um prazo razoável para poder precludir o direito do autor à resolução do contrato, no momento, temporalmente, adequado para o efeito, que impediu a mora de se poder converter em incumprimento definitivo, não pode, consequentemente, considerar-se incumprida a obrigação e resolvido o contrato.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo do autor.


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Notifique.