Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREDERICO CEBOLA | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO CRIME AGRAVADO PUBLICIDADE INTERNET | ||
Data do Acordão: | 11/13/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS (2.º JUÍZO) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 181.º E 183.º, N.º 1, ALÍNEA A), DO CP | ||
Sumário: | Tendo o arguido enviado, via electrónica e através da sua página de facebook, uma mensagem difamatória para o facebook de quatro pessoas distintas, o comportamento descrito preenche apenas a prática do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, já que, o meio utilizado, de per si, não é idóneo a facilitar a divulgação do texto - e, assim, a agravar a conduta nos termos do disposto no artigo 183.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma -, porquanto não é livremente acessível a qualquer utilizador no mural do perfil do remetente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o n.º 321/11.7TAPMS, do 2º Juízo do Tribunal Judicial Porto de Mós, foi julgado A..., a quem o Ministério Público imputara a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts.º 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 7/03/2013, decidindo: a) Julgar verificada a falta de uma condição objectiva de procedibilidade, por falta de exercício de acusação particular, determinando, em consequência, a extinção do procedimento criminal contra o arguido A...; b) Julgar extinta a instância cível, por impossibilidade da lide. Inconformada, recorreu a assistente C... formulando as seguintes (transcritas) conclusões: «a) O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto da sentença proferida nos presentes autos, a qual absolveu o Arguido da prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 183°, n.º 1, al. a) do Código Penal, porquanto não terá ficado demonstrado "Que o meio utilizado pelo arguido para veicular o texto descrito em l. Supra da matéria de facto provada, facilite a sua divulgação a um indiscriminado número de pessoas".
b) Tal convicção resultou, segundo a fundamentação do douto tribunal, do facto de o texto difamatório não ter sido divulgado a um indiscriminado número de pessoas.
d) Como é do conhecimento geral, a plataforma informática Facebook foi criada para facilitar a divulgação, partilha e envio dos mais diversos conteúdos.
e) É a rede social com mais utilizadores no nosso país e em todo o mundo.
f) É humilde entendimento da Recorrente que o meio utilizado pelo Arguido para
g) Pelo que consideramos, para efeitos da al. a) do n.º 1 do artigo 183° do Código «(…) E bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu. É que, não é qualquer meio que poderá ser considerado apto a facilitar a sua divulgação. Ainda que o meio utilizado seja através de da internet, mais através de uma rede social, não podemos descurar que o envio de um e-mail, não poderá ser considerado um meio apto a facilitar a sua divulgação pois tem um destinatário, ou mais específicos. No caso dos autos, é certo que o meio utilizado pelo arguido foi uma rede social, com milhões de utilizadores em todo o mundo, mas é também certo que o arguido não colocou o texto difamatório no mural do seu perfil, acessível a qualquer utilizador ou pelo menos, aos seus amigos no âmbito dessa rede social, mas antes enviou o mesmo, a destinatários específicos, através de uma mensagem privada. Para que a mensagem fosse acessível a outras pessoas, necessário seria que os destinatários da mesma a divulgasse, conduta essa já não imputável ao arguido. Nesta conformidade, por tudo quanto ficou exposto, afigura-se-nos, sem margem para dúvidas que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício nem interpretou erroneamente a norma em questão, pelo que apenas nos resta concluir que bem andou o Tribunal a quo, ao considerar que os factos dados como provados integram a pratica de um criem de difamação simples, p. e p. pelo artigo 181°, do Código Penal.
Assim, deverá negar-se provimento ao recurso, mantendo-se inteiramente a decisão condenatória do Tribunal a quo. Vossas Excelências não deixarão, porém, de apreciar com mais sabedoria, tudo o que é alegado e de fazer a habitual JUSTIÇA!»
O recurso foi admitido por despacho de fls. 206.
Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 214 a 216, referindo: «(…) É consabido que, abstractamente, a internet é um meio de comunicação muito amplo com milhões de utilizadores no mundo inteiro, mas não tendo o arguido posto o texto em causa com acessibilidade livre a qualquer utilizador no mural do seu perfil do facebook, outrossim tendo-o enviado apenas a quatro destinatários identificados através de uma mensagem privada, também sou de opinião que, este comportamento do arguido preenche apenas a prática do crime de difamação, p. e p. pelo art.° 180.°, n.° 1, do Código Penal, já que, o meio utilizado e a forma restrita e personalizada como fez a divulgação desse texto, não é propulsor de facilitar a sua divulgação por forma a agravar a sua conduta e preencher o crime de crime de difamação agravado pela publicidade, punido pelo art.° 183.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pelo que não tendo sido deduzida nos autos acusação particular pela assistente, a M.a Juíza ao declarar extinto o procedimento criminal, por falta desta condição objectiva de procedibilidade criminal pelo crime de difamação p. e p. pelo art.° 180.°, n.º 1, do Código Penal, decidiu correctamente. Nesta conformidade, também sou de parecer que, não merecendo qualquer censura a douta decisão recorrida, a mesma deve ser confirmada, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso da assistente.»
Cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Efectuado o exame preliminar e por despacho de fls. 219, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência, de acordo com o disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação Conforme pacificamente é entendido, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença (art.º 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – v. art.º 412.º, n.º 1, do mesmo Código, e a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, acórdão do STJ de 13.05.1998, em BMJ n.º 477, pág. 263; acórdão do STJ de 25.06.1998, em BMJ n.º 478, pág. 242; acórdão do STJ de 03.02.1999, em BMJ n.º 484, pág. 271; e Simas Santos/ Leal-Henriques, in “Recurso em Processo Penal”, a pág. 48. Tendo presente as conclusões da recorrente, as questões a apreciar por este Tribunal são as seguintes: - Se ocorre erro de julgamento quanto ao facto não provado, devendo o mesmo ser dado por provado; - Se, perante os factos dados como provados, houve incorrecta interpretação do art.º 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: «Discutida a causa, e com pertinência para o apuramento da responsabilidade criminal do arguido, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em data que não se logrou concretamente apurar mas em Abril de 2011, o arguido escreveu um texto com, além do mais, o seguinte teor, referindo-se a C...: “ela ter um comportamento completamente impróprio egoísta esquizofrénico inadequado para com as crianças etc. (…)” “é uma pessoa fria desequilibrada com mudanças de humor frequentes etc. (…)” “quero dar a conhecer a toda a gente que convive com ela quem é a verdadeira C... uma pessoa desequilibrada que fez da minha vida um inferno com ameaças constantes (…)” “ quando saí de casa tentou matar-me (…)” “ A minha indignação apreensão frustração é tal que me leva a ter vontade de mostrar a toda a agente quem é essa pessoa que tem a maior parte do tempo dois adolescentes a seu cargo, que já colocou pelo menos três namorados dentro de casa… um deles o meu filho apanhou a mãe despida da cintura para cima (…)” “deixavam as crianças a brincar em casa e passavam tardes fechados no quarto!(…)” “ esta mensagem vai para muita gente (…) toda a gente tem de saber quem é este animal C... (…)” 2. No dia 29 de Abril de 2011, o arguido remeteu via electrónica e através da sua página de FACEBOOK, uma mensagem com o teor que supra se descreveu para o FACEBOOK de D..., E..., I..., F..., sendo que para este último também enviou para o e-mail pessoal. 3. O arguido ao dirigir o referido escrito aos referidos destinatários, representou e quis utilizar expressões e formular juízos relativamente à pessoa de C...bem sabendo serem as mesmas aptas a ofender a honra, consideração pessoal e dignidade daquela, o que conseguiu, fim que quis atingir, como atingiu. 4. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento. Mais se provou que: 5. O arguido é divorciado. 6. Mora com os respectivos pais e um filho menor de idade em casa própria dos primeiros. 7. O arguido tem ainda outro filho, este residindo com a respectiva mãe. 8. O arguido é vendedor de profissão, encontrando-se, presentemente, desempregado, auferindo de subsídio mensal de € 510,00. 9. O arguido tem por habilitações literárias o 8.º ano de escolaridade. E que: 10. O arguido já foi julgado e condenado: - Por decisão proferida em 30.10.2002, transitada em julgado em 20.11.2002 e reportada a factos praticados em 17.08.2001, no âmbito do processo comum singular n.º 281/01.2GTLRA, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses, pela prática, em concurso real, de um crime de desobediência e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez [penas essas que, por decisão de 17.12.2007, foram julgadas extintas, pelo cumprimento].» Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença: «Com relevância, para o apuramento da responsabilidade criminal do arguido, não se provou: 1. Que o meio utilizado pelo arguido para veicular o texto descrito em 1. supra da matéria de facto provada facilite a sua divulgação a um indiscriminado número de pessoas.»
Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou expresso: «O Tribunal fundou a sua convicção a partir da análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, bem como nos documentos juntos aos autos, em conjugação com as regras da experiência comum. Assim, considerou o Tribunal: ▪ As declarações do arguido, A..., as quais foram confessórias, com excepção da circunstância de o texto transcrito supra em 1. da matéria de facto provada ter sido colocado na página do FACEBOOK, sendo acessível a um número indiscriminado de pessoas. Foram valoradas as declarações do arguido no que à matéria da sua situação pessoal e económica diz respeito. ▪ Depoimentos das testemunhas: - D... [38 anos, casado, mediador de seguros, patrão e amigo da Assistente], E... [33 anos, casada, empregada de escritório, colega de trabalho e amiga da Assistente], F... : com pertinência e conhecimento directo dos factos, disseram ter recebido o texto transcrito em 1. supra da matéria de facto provada, esclarecendo, de forma relevante, que o mesmo lhes teria sido individualmente dirigido, quer por e-mail quer por mensagem [individualizada] pelo FACEBOOK. - B... [73 anos, casado, reformado, pai do arguido], e G... [33 anos, solteiro, comercial, amigo do arguido]: os quais depuseram, essencialmente, à matéria da personalidade do arguido, descrevendo ainda - a primeira das testemunhas referenciadas – o mau relacionamento existente entre o arguido e a aqui Assistente. - e H... [28 anos, solteiro, militar da GNR], o qual nada soube esclarecer quanto à concreta matéria dos autos, afirmando apenas ter elaborado auto de notícia no mesmo dia dos factos ora submetidos a julgamento. ▪ Documentos juntos aos autos, mormente os de fls. 3 a 5, 22, 27 e 155 a 156 [estas para prova dos antecedentes criminais do arguido].
Ora, da conjugação dos elementos probatórios referenciados, resultou inequívoca a prática pelo arguido da factualidade descrita nos pontos 1. a 4. da rubrica “factos provados” – bastando, para tanto, a expressa [e convicta] confissão que dos mesmos foi feita pelo arguido em audiência de discussão e julgamento. Os pontos de facto descritos supra em 5. a 9. da rubrica “factos provados”, decorreram das declarações prestadas pelo arguido, as quais não mereceram quaisquer reservas. O ponto 10. da matéria de facto provada resulta, naturalmente, de prova documental junta aos autos [teor do certificado de registo criminal do arguido].
Mais do que a fundamentação da matéria de facto provada, importará aquilatar da convicção do Tribunal no que respeita à matéria da facto tida como não provada, pois que dela resultam consequências sobremaneira relevantes para a apreciação da responsabilidade criminal do arguido. Trata-se de um único ponto de facto, a saber: se o meio utilizado pelo arguido para veicular o texto descrito em 1. supra da matéria de facto provada facilita a sua divulgação a um indiscriminado número de pessoas. Ora, tanto o arguido, como as testemunhas inquiridas em audiência, foram consentâneas ao afirmar que o texto em apreço foi dirigido especificamente a determinadas pessoas, através de missivas individuais [seja por e-mail seja por mensagem no FACEBOOK], de nenhum modo resultando da prova produzida que o mesmo estivesse acessível a um número indiscriminado de pessoas. Se os destinatários do texto em referência os terão divulgado ou não, é questão que extravasa a responsabilidade [criminal] do arguido, não lhe podendo ser imputável, nessa parte, a divulgação. Termos em que não teve este Tribunal quaisquer dúvidas em dar como não provada a factualidade descrita supra em 1. da rubrica “factos não provados”.»
Analisando. Sustenta a recorrente que o tribunal formou a sua convicção relativa ao facto não provado do facto de o texto difamatório não ter sido divulgado a um indiscriminado número de pessoas quando a ratio da norma consiste apenas em o meio utilizado facilitar a sua divulgação. Parece partir a recorrente do pressupostos de que uma comunicação através do facebook sempre é apta a facilitar a sua divulgação. É precisamente isso que o tribunal a quo não considera demonstrado. Ou seja, que a comunicação em causa tivesse sido efectuada de modo a ser acessível a outras pessoas para além do destinatário. E era nesse aspecto que a recorrente, querendo impugnar a matéria de facto, devia incidir a sua argumentação, indicando as provas das quais resultaria o contrário do que vem afirmado na convicção formulada. Do que resulta que a recorrente nem sequer deu cumprimento aos ónus de especificação que vêm previstos no art.º 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, razão pela qual sempre a impugnação estaria votada ao insucesso. Ainda se diga que o tribunal se refere à divulgação a um indiscriminado número de pessoas, porque assim se encontrava alegado na acusação, o que não significa que não tenha ponderado como devia se o meio utilizado facilitava ou não (simplesmente) a divulgação. E lendo a motivação expressa não se nos oferece qualquer dúvida sobre esse aspecto. Por consequência deve ficar inalterada a matéria de facto descrita na sentença recorrida.
A segunda questão a decidir consiste em saber se, perante os factos dados como provados, o arguido cometeu o crime previsto no art.º 183.º ou o da previsão do art.º 181.º do Código Penal, como entendeu a sentença recorrida. Diga-se, desde logo, que não assiste razão à recorrente. Com efeito, como refere o Ministério Público, citando Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 640”, na agravação prevista no art.º 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, o legislador partiu de uma lógica que assenta na ideia de que os meios ou as circunstâncias que aumentem o efeito propulsor ou de ressonância da difamação ou injúria mereciam uma maior punição. No caso dos autos «(…) não tendo o arguido posto o texto em causa com acessibilidade livre a qualquer utilizador no mural do seu perfil do facebook, outrossim tendo-o enviado apenas a quatro destinatários identificados através de uma mensagem privada, (…), este comportamento do arguido preenche apenas a prática do crime de difamação, p. e p. pelo art.° 180.°, n.º 1, do Código Penal, já que, o meio utilizado e a forma restrita e personalizada como fez a divulgação desse texto, não é propulsor de facilitar a sua divulgação por forma a agravar a sua conduta (…)». E se divulgação houve das imputações constantes da sentença recorrida, por tal não pode ser o arguido responsabilizado. Não obstante o que acima se disse, certo é que para a solução do caso concreto revela-se indiferente a qualificação do crime pelo art.º 183.º ou pelo art.º 180.º do Código Penal, uma vez que, quer o crime simples, quer o agravado, detêm, atento o disposto no art.º 188.º, n.º 1, do Código Penal, natureza particular, dependendo, pois, o respectivo procedimento criminal de acusação particular. Não tendo sido deduzida essa eventual acusação, carece de legitimidade ao Ministério Público para apresentar o feito em juízo e, por isso, bem andou a Ex.ma Juíza ao declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido. Conclui-se, pois, que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter a respectiva decisão.
Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.
Coimbra, 13 de Novembro de 2013
Frederico João Lopes Cebola - Relator
Maria Pilar de Oliveira |