Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CATARINA GONÇALVES | ||
Descritores: | COACÇÃO MORAL ANULABILIDADE DECLARAÇÃO NEGOCIAL PENHORA COM REMOÇÃO AGENTE DE EXECUÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 255º Nº1 E 256º DO CPC | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – A coacção moral, enquanto vício da vontade que determina a anulabilidade da declaração negocial, pressupõe: que a declaração tenha sido determinada pelo receio de um mal que tanto pode ser dirigido à pessoa, honra ou fazenda do declarante, como à pessoa, honra ou fazenda de terceiro; que esse receio seja provocado por ameaça que lhe é dirigida por outrem, seja ele o declaratário ou um terceiro; que essa ameaça seja ilícita (assim não se considerando a ameaça do exercício normal de um direito) e que tal ameaça tenha sido dirigida ao declarante com o fim de obter dele a declaração e, portanto, com a intenção de extorquir a declaração. II – Estando em causa uma diligência de penhora com remoção que está a ser efectuada por agente de execução e sem que se demonstre que este, ao pretender fazer a remoção dos bens, tenha qualquer outro objectivo que não seja o de realizar a diligência para a qual foi incumbido, não se verificam os pressupostos da coacção moral relativamente à declaração que, no âmbito dessa diligência e para evitar a remoção, vem a ser efectuada pela pessoa que, estando a ser atingida pela diligência, declara assumir o pagamento da quantia que aquela penhora visava garantir; não estando demonstrado que a ameaça de remoção dos bens (ainda que, eventualmente, possa ser considerada ilícita por estar a atingir bens que não deveriam responder pela dívida) tenha sido utilizada com a finalidade ou intenção de obter aquela declaração, não é possível ter como verificado o último requisito, supra apontado, da coacção moral. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A..., residente na (...) Pombal, intentou a presente acção declarativa na forma sumária contra B..., Ldª, com sede na (...), Pombal, e C..., com domicílio na (...), Leiria, alegando, em síntese, que: No dia 17/11/2011, a 2.ª Ré, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo desempenho da sua profissão (solicitadora de execução), levou a cabo uma diligência de penhora, no âmbito do processo executivo que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Pombal, sob número 254/11-7TBPBL, 2.º Juízo, em que a exequente é a 1.ª Ré e executada a sociedade D..., Ldª; pretendendo a 2ª Ré efectuar a penhora na morada que corresponde à residência da Autora, esta informou que aquela era a sua residência, que os bens lhe pertenciam e que nada tinha a ver com a sociedade executada naquele processo; não obstante esse facto, a Ré começou a penhorar e a remover diversos móveis pertencentes à Autora; transtornada com o que estava a suceder chamou a sua mãe para lhe dar apoio, tendo esta sugerido entregar as suas economias para evitar que os bens fossem levados; propuseram, então, à 2ª Ré a entrega de 1.500,00€ para que esta não removesse os móveis, ao que a mesma acedeu, dizendo, contudo, que a penhora se mantinha e que a Autora ficaria como fiel depositária; todavia, agindo de má fé e abusando dos seus poderes, a 2ª Ré redigiu um documento, onde responsabilizou a Autora e sua mãe, pessoal e solidariamente, como devedoras da 1ª Ré; completamente transtornada, a Autora assinou o referido documento sem perceber o alcance e o significado das palavras que nele se encontravam escritas, sendo que o mesmo não lhes foi explicado, nem lhes foi transmitido o fim a que se destinava aquele acordo; a Autora nada deve às Rés e apenas assinou aquele acordo para evitar que lhe levassem os móveis, tendo sido pressionada psicologicamente e sob ameaça de remoção dos bens, razão pela qual o referido acordo é nulo por erro e por não se ter apercebido que o que nele estava vertido não correspondia à sua vontade real. Com estes fundamentos e alegando ser proprietária dos bens que foram penhorados na referida execução (tendo aí deduzido embargos de terceiro), conclui pedindo que seja anulado o acordo assinado pela Autora e sua mãe e que, em consequência, lhe seja restituída a quantia de 1.500,00€.
As Rés contestaram, alegando que a penhora foi legitimamente efectuada em virtude de aquela ser a sede da sociedade executada, facto que era do conhecimento da Autora por fazer parte do elenco social e administração dessa sociedade. Mais alegam que foi a Autora e sua mãe quem propôs o pagamento da dívida em prestações, tendo assinado o referido acordo, de livre e espontânea vontade, depois de o mesmo lhes ter sido lido e explicado e com plena consciência das responsabilidades que estavam a assumir. Com estes fundamentos e referindo que a Autora alega factos que bem sabe não corresponderem à verdade, concluem pela improcedência da acção, pedindo ainda a condenação da Autora, como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor das Rés de valor não inferior a 1.000,00€ (500,00€ para cada uma das Rés).
A Autora respondeu, reafirmando os factos que havia alegado.
Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, declarou anulada a transacção efectuada constante do auto de penhora e condenou as Rés a pagar solidariamente à Autora a quantia de € 1500,00 (mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento.
Discordando dessa decisão, a Ré, B..., Ldª, veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: A- Só erroneamente se refere na D. Sentença recorrida que a penhora efectuada pela R. Solicitadora de Execução constituiu uma actuação manifestamente violadora das sobreditas normas legais (Artº 1268º do Cód. Civil e Artº 848º, nº 2 do Cód. Proc. Civil), logo ilícita ou que daquela actuação se mostram preenchidos todos os requisitos de que dependem a verificação e a relevância da coacção moral B- Comprovativo de que a penhora levada a cabo pela R. Solicitadora de Execução na morada identificada como sede da sociedade D..., S.A. e também casa de morada da A., foi efectuada com obediência à Lei, mormente do disposto no Artº 848º, nº 2 do C.P.C., desde logo se verifica do facto da mesma, apesar de se encontrar em dissolução e em liquidação, não se encontrar extinta, mas apenas em extinção, dado tal dissolução e extinção só se verificarem após a partilha, que é a fase final da vida societária (partilha esta que não pode ter ocorrido como o comprova o facto de não ter sido satisfeito o pagamento do crédito da 1ª R.). C- Para tanto atente-se ao que se dispõe nos Artº 146º e 147º ambos do Cód. Sociedades Comerciais e à vasta jurisprudência nesse sentido, entre outros, os Acórdãos Doutrinais referidos em IX, alíneas a) e b) deste articulado. D- Assim, porque de acordo com o disposto no Artº 255º do Cód. Civil " a ameaça, para constituir coacção moral, deve ser ilícita, não revestindo tal característica a ameaça do exercício normal de um direito", tal como decidido no Ac. STJ de 11.10.1977 in BMJ, 270º-192, não se pode dizer que na situação "sub judice" se encontram preenchidos todos os requisitos de que dependem a verificação e a relevância da coacção moral, antes pelo contrário. E- Sem conceder, sempre se dirá ainda que, nunca se poderá dizer que a A. agiu sob "coacção moral", desde logo, porque conforme ensinamentos de Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, 1979, III-249 (em anotação ao Artº 255º do Cód. Civil Anotado de Abílio Neto), são elementos da coacção moral: "a)- Ameaça de um mal (ameaça que pode consistir no surgir desse mal ou na sua continuação); b)- Intencionalidade da ameaça (esta tem de ser feita com o fim de obter a declaração negocial); c)- Ilicitude da ameaça, estes são os requisitos necessários para haver a coacção moral, mas um outro requisito é ainda necessário para a coacção ser relevante e que é a dupla causalidade - a coacção deve ter sido causa do medo e este do negócio em concreto" (SIC), conforme também ainda ensinamentos do mesmo, a pág. 145, quando aí se refere "O vício da vontade é o receio ou medo, mas medo causado por uma ameaça destinada intencionalmente a provocá-lo"(SIC), requisitos esses que de modo algum se verificaram na situação em apreço. Para tanto basta atentar que a A. não logrou provar, como lhe competia, como facilmente se alcança da resposta dada à decisão da matéria fáctica de fls... os seguintes "Factos não provados: 2) A Autora, completamente alterada e transtornada, não percebeu o alcance e gravidade e o significado das palavras que estavam escritas no acordo dito em 16, que lhe foi dado para assinar e muito menos a sua mãe, devido a idade avançada de que é portadora. 3) A autora e a sua mãe não sabiam e não perceberam o alcance das palavras constantes do acordo e confissão de divida que assinaram, dado que não foi explicado o verdadeiro sentido e alcance e teor das palavras ali escritas pela 2.ª Ré. 4) A autora e a sua mãe não perceberam que, com a assinatura de ambas, ficavam as mesmas responsabilizadas por uma divida que ascende a €7.800,00. 5) A Autora e sua mãe foram enganadas, apanhadas de surpresa, e o acordo que ambas assinaram não corresponde às suas vontades. 6) A Autora foi pressionada psicologicamente." F- Aliás, atente-se ainda para o efeito à fundamentação das respostas à matéria quesitada a fls... dada pela Mma. Senhora Juíza "a Quo" reproduzida em XIII deste articulado. G- Ainda e sempre sem conceder, dir-se-á também que a A., porque desacompanhada da sua identificada mãe, F..., de igual modo subscritora do acordo cuja anulação é peticionada nos presentes autos com base no disposto no Artº 256º do Cód. Civil - anulabilidade da declaração negocial - é não só parte ilegítima, para por si só arguir a anulabilidade do acordo celebrado, dado a relação material controvertida respeitar e exigir a intervenção de ambas (A. e sua mãe), atento o disposto nos Artº 27º e 28º ambos do Cód. Proc. Civil e Artº 287º do Cód. Civil., como também lhe assiste ainda falta de legitimidade para por si só, como o fez, pedir a anulação do acordo celebrado por ela e sua mãe, razão porque, por falta de legitimidade da A. deveria a presente acção ter sido julgada improcedente ou quando assim se não entender tão somente procedente quanto à anulação do acordo celebrado por ela A., ou seja, sem que tal procedência se estendesse ao acordo subscrito pela sua mãe, dado esta não ter mostrado qualquer vontade ou feito qualquer pedido nesse sentido e o mesmo não se encontrar ferido de nulidade. H- Atendendo à matéria fáctica dada como não provada e ainda ao facto da mãe da A., também ela subscritora do acordo em causa, ter mostrado uma postura diametralmente oposta à da ora A., não intentando qualquer processo, nem com ele sequer colaborando, sempre deveria ter sido aquela condenada como litigante de má fé - Artº 456º e 457º ambos do Cód. Proc. Civil. I- Deverá assim revogar-se a D. Sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que, não só absolva as RR. do pedido, como também condene ainda a A. como litigante de má fé, sob pena de se violar o disposto nos Artº 27º, 28º, 456º, 457º e 848º, nº 2 todos do Cód. Proc. Civil, Artº 255º, 256º e 287º do Cód. Civil e Artº 146º e 147º ambos do Cód. Sociedade Comerciais.
Não foram apresentadas contra-alegações. ///// II. Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: • Saber se estão reunidos os pressupostos legais de que depende a anulabilidade da declaração da Autora por coacção moral; • Saber se Autora, desacompanhada da sua mãe, é parte legítima nos presentes autos; • Saber se a Autora litigou de má fé. ///// III. Na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto: 1) No dia dezassete de Novembro do ano de 2011, a 2.º Ré, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo desempenho da sua profissão, levou a cabo uma diligência de penhora no âmbito do processo executivo que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Pombal, sob número 254/11-7TBPBL, 2.º Juízo, em que a exequente é a 1.ª Ré e executada a sociedade D..., Lda. 2) De acordo com os objectivos da acção executiva, a 2.º Ré deslocou-se à (...), Pombal a fim de concretizar a referida penhora. 3) A sociedade D..., Lda. teve a sua sede na (...), Pombal, até ao momento da dissolução e liquidação de tal sociedade, o que foi registado na Conservatória de Registo Comercial competente em 29/01/2011. 4) Chegada ao local, (...), concelho de Pombal, a 2.ª Ré comunicou à Autora que pretendia efectuar uma penhora naquela morada, por dívidas da sociedade de nome “D..., Lda”, à sociedade B..., Lda. 5) Nesse momento, a Autora disse à 2.ª Ré que naquele local não se encontrava nenhuma sede de nenhuma sociedade, sendo aquela a sua residência e dos seus filhos. 6) A autora informou a 2ª ré de que a sociedade D..., Lda, já se encontrava dissolvida e que qualquer assunto relativo a essa sociedade devia ser tratado e resolvido com a Sr.ª E.... 7) Apesar do que lhe foi referido pela autora, a 2.ª Ré insistiu em fazer a penhora e remover os bens móveis que se encontrassem naquele local e que a autora não comprovasse pertencerem-lhe. 8) A autora ficou nervosa e não conseguiu naquele momento encontrar as facturas e comprovativos que atestassem a sua propriedade relativamente aos bens móveis. 9) A 2ª ré penhorou e carregou um plasma SAMSUNG, cor preta, modelo EU 32 S62 BX/XEC, um leitor DVD, marca JVC, cor inox, com 5 colunas pequenas e uma maior vertical, um aparelho VTS preto, marca SAMSUNG, SV-30*K, impressora a laser Epson Stylus DX 4400 – multi-funções; uma Playstation 2, com 2 comandos um computador portátil Fujtsu/Siemens, cor preta, um conjunto de sofás de madeira e tecido estampado, um de três lugares e dois individuais, uma mesa de sala jantar oval, em madeira clara com 8 cadeiras costas redondas e madeira e assento em cabedal castanho, um móvel sala cristaleira, em madeira, com 6 portas de vidro, 6 em madeira e 6 gavetas. 10) Aquando da realização da penhora apareceu no local a mãe da autora, F..., que tentou acalmá-la. 11) A mãe da Autora informou-a que tinha algumas economias e que se a 2.ª Ré aceitasse as entregava para que não fossem levados os móveis. 12) Mais perguntou à Autora se não tinha nenhumas economias. 13) Do resultado da conversa entre a Autora e sua mãe resultou que possuíam a quantia de €1.500,00, (mil e quinhentos euros), que estavam na disposição de entregar à 2.ª Ré para que essa não removesse os móveis. 14) Tal situação foi proposta à 2.ª Ré e pela mesma foi dito que a penhora mantinha-se, mas que com a entrega daquele montante não removia os referidos bens. 15) Contudo, como consequência, a Autora ficaria fiel depositária dos bens penhorados, ao que esta anuiu. 16) Do auto de penhora assinado pela autora e por F... resulta que estas declararam assumir pessoalmente e solidariamente a dívida em causa naquele processo de execução, na qualidade de fiadoras, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia e a apresentaram proposta de acordo de pagamento em prestações, nos termos constantes de fls. 67 e 68. 17) O dito acordo foi lido à autora e sua mãe. 18) A transacção dita em 16) foi celebrada com o acordo da autora. 19) A autora assinou o acordo dito em 15) a fim de evitar que os bens penhorados fossem removidos. 20) A autora interveio no contrato de constituição da sociedade D..., S.A, realizado no dia 15 de Dezembro de 2009, tendo-lhe sido atribuídas 10000 acções pela sua participação no capital social de tal empresa. 21) Aquando da constituição da sociedade dita em 20), a autora foi nomeada Administradora Única da mesma, tendo cessado tais funções em 28/01/2010, o que foi registado na CRComercial competente através da Ap. 20100203. 22) A Assembleia-Geral da sociedade D..., S.A. de aprovação de Contas e Liquidação teve lugar em 20 de Janeiro de 2011, aí se declarando que tal assembleia decorreu na sede da aludida sociedade sita na morada dita em 3). 23) A dissolução e liquidação da sociedade dita em 20) foi registada na CRComercial competente através da Ap. 4/20110125. 24) O prédio urbano sito em (...), composto de casa de habitação e logradouro encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial competente sob o nº (...) a favor da autora através da Ap. (...) de 2010/02/22. 25) Os bens ditos em 9) encontravam-se em casa da autora e eram por ela e pelo seu filho utilizados. ///// IV. Apreciemos, pois, o objecto do recurso à luz da matéria de facto que foi considerada provada em 1ª instância e que não vem impugnada pela Apelante. De acordo com essa matéria de facto, no dia 17/11/2011 e quando da realização de uma diligência de penhora que estava a ser efectuada pela 2ª Ré, no âmbito de um processo de execução em que era exequente a 1ª Ré e em que era executada a sociedade D..., Ldª, a Autora e F... declararam – no auto de penhora que assinaram – assumir pessoalmente e solidariamente a dívida em causa naquele processo de execução, na qualidade de fiadoras, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia e apresentaram proposta de acordo de pagamento em prestações, nos termos constantes do referido auto. Por via da presente acção, pretendia a Autora a anulação dessa declaração/acordo e tal pretensão veio a merecer acolhimento na sentença recorrida, onde se considerou que aquela declaração era anulável, por coação, ao abrigo do disposto no art. 256º do C.C. Mas, na perspectiva da Apelante, não estão reunidos os pressupostos legais para que a declaração possa ser anulada com esse fundamento. Analisemos, pois, a questão. É inquestionável que a declaração negocial extorquida por coacção é anulável; isso mesmo se dispõe no art. 256º do Código Civil. O art. 255º do citado diploma – estabelecendo a definição e os limites da coacção moral – dispõe nos seguintes termos: “1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração. 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coacção moral a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”. A anulabilidade da declaração negocial emerge, portanto, de um vício/perturbação da vontade do declarante; a sua vontade não foi livremente determinada, antes foi condicionada e limitada pelo receio ou temor de um mal. Para que essa perturbação ou vício de vontade possa determinar a anulabilidade da declaração por coacção moral, será necessário que se verifiquem os seguintes requisitos (exigidos pelo citado art. 255º): • É necessário que a declaração negocial tenha sido determinada pelo receio de um mal que tanto pode ser dirigido à pessoa, honra ou fazenda do declarante, como à pessoa, honra ou fazenda de terceiro; • É necessário que esse receio seja provocado por ameaça que lhe é dirigida por outrem, seja ele o declaratário ou um terceiro (cfr. art. 256º); • É necessário que essa ameaça seja ilícita (assim não se considerando a ameaça do exercício normal de um direito); • E é necessário que tal ameaça tenha sido dirigida ao declarante com o fim de obter dele a declaração, ou seja, é necessário que exista a intenção de extorquir a declaração.
Admitimos – perante a matéria de facto provada – que a declaração negocial da Autora (cuja anulação é peticionada nos autos) tenha sido determinada pelo receio de um mal de que estava a ser ameaçada pela 2ª Ré, já que a Autora emitiu aquela declaração para evitar a remoção dos bens móveis que a 2ª Ré pretendia levar a cabo no âmbito de uma diligência de penhora que estava a efectuar. Mas já nos parece muito duvidoso que se verifiquem os demais requisitos de que depende a verificação da coacção moral. Vejamos porquê. É certo que a Ré ameaçava – e pretendia mesmo – remover os bens que havia penhorado na residência da Autora (e foi o receio de concretização dessa intenção que determinou a Autora a emitir a declaração aqui em causa). Mas, poder-se-á considerar que estamos perante uma ameaça ilícita, como seria necessário para que se pudesse falar em coacção moral? A 2ª Ré pretendia efectuar uma penhora de bens móveis naquela morada, por força das funções de solicitadora e agente de execução para cujo exercício havia sido designada num processo de execução que se encontrava pendente e no qual a 1ª Ré era exequente. Dado que a remoção dos bens é, por regra, inerente à penhora de bens móveis, como decorre do disposto no art. 848º do C.P.C., a ameaça de remoção desses bens apenas poderia ser considerar ilícita se, de algum modo, assim pudesse ser considerada a realização da penhora. Na sentença recorrida considerou-se que aquela penhora era ilícita – e, portanto, era ilícita a ameaça que consistia na sua efectiva realização – com os seguintes fundamentos: “…os bens que eram visados pela actuação da Ré Solicitadora de Execução destinados a serem penhorados encontravam-se na posse da Autora; ora, de acordo com o regime plasmado no artigo 1268º, 1, do CC, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito. Nesta confluência, o artigo 848º, 2, do CPC, estatui que se presumem pertencer ao executado os bens por este detidos, na respectiva posse. É, assim, manifesto que a Autora usufruía da presunção de ser a titular do direito de propriedade sobre os bens móveis que se encontravam em sua casa. Presunção que inexistia no que tange à executada que já ali não tinha a sua sede, há largos meses. Neste conspecto, não poderia a ré solicitadora de execução efectuar a penhora dos bens móveis existentes na casa da autora, bem como estava inibida de exigir a apresentação de documentos comprovativos do direito de propriedade da autora sobre os mesmos ou o pagamento da quantia exequenda, para que tal penhora se não concretizasse. Assim, ocorreu uma actuação manifestamente violadora das sobreditas normas legais, logo ilícita”. Mas a verdade é que a penhora estava a ser efectuada no local que correspondia à sede da sociedade que figurava como executada naquela execução e, portanto, de algum modo, também se poderia presumir, face ao disposto no art. 848º, nº 2, que esses bens pertenciam à sociedade (embora seja certo que a natureza dos bens penhorados indiciava que os bens não pertenceriam a qualquer sociedade). Mas, dir-se-á, essa já não era a sede da sociedade (assim o considerou a sentença recorrida), uma vez que esta já se encontrava extinta. Argumenta, a este propósito, a Apelante que a sociedade, apesar de estar em dissolução e liquidação, não se encontrava extinta, porquanto a partilha ainda não poderia ter ocorrido, como o comprova o facto de o seu crédito não ter sido satisfeito. Na verdade, não será bem assim. De facto, ainda que o seu crédito não tenha sido satisfeito, a sociedade extingue-se com o registo do encerramento da liquidação – como estabelece o art. 160º do Código das Sociedades Comerciais –, sendo certo que o registo do encerramento da liquidação da sociedade aqui em causa foi efectuado em 25/01/2011 e, portanto, antes da penhora. Importa notar, de qualquer forma, que, não obstante a extinção da sociedade executada, a execução que contra ela estivesse pendente (não sabemos se era aqui o caso) não se extinguia, sendo a sociedade substituída – sem necessidade de qualquer habilitação – pela generalidade dos sócios, que respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (cfr. arts. 162º e 163º do C.S.C.). Ora, como decorre da matéria de facto, a Autora era sócia da referida sociedade e, portanto, face ao disposto nas normas supra citadas, nem sequer poderemos ter como líquido que os bens penhorados não respondessem, efectivamente, pela dívida da sociedade que já se encontrava extinta (importando notar que desconhecemos as vicissitudes do aludido processo de execução). Parece-nos, pois, em face do exposto, que será, no mínimo, discutível que se possa concluir pela ilicitude da ameaça. De facto, a ameaça de remover os bens correspondia apenas ao exercício do direito (que, no caso, até seria um dever decorrente da lei) de proceder à remoção dos bens penhorados e nem sequer teremos elementos bastantes para concluir que essa penhora era ilícita ou ilegal por estar a atingir, indevidamente, bens que não respondiam pela dívida exequenda. Importa reafirmar que a penhora estava a ser efectuada na morada que estava indicada como correspondendo à sede da executada (como foi, efectivamente, até à sua extinção) e nada nos permite afirmar que a Ré soubesse ou tivesse alguns elementos que indiciassem, com alguma segurança, que aqueles bens pertenciam à Autora e que, como tal, não podiam responder pela dívida, sendo certo que a Autora não exibiu quaisquer documentos comprovativos desse facto. Mas, se é discutível a ilicitude da ameaça, também nos parece que – tal como alega a Apelante – não se verifica o último requisito que apontámos. É que, como referimos, a coacção moral pressupõe que a ameaça tenha sido dirigida ao declarante com o fim de obter dele a declaração, ou seja, é necessário que exista a intenção de extorquir a declaração[1]. Essa intenção e finalidade da ameaça resultam claramente das seguintes expressões utilizadas nos citados arts. 255º, nº 1, e 256º: “…com o fim de obter dele a declaração” e “…extorquida por coacção…”. A este propósito, escreve-se na sentença recorrida o seguinte: “…ao exigir os documentos e o pagamento sob pena de penhora verbaliza uma ameaçar dirigida à autora, comunicando-lhe a iminência da prática de um acto ilícito, destinado a condicionar a respectiva liberdade de acção – ou seja, actos indubitavelmente passíveis de se subsumirem ao conceito de ameaça e que se erigiu como causa adequada da entrega de quantia para pagamento de dívida de pessoa jurídica diferente da autora”. Mas, salvo o devido respeito, não nos parece que a matéria de facto legitime essa afirmação. De facto, nada na matéria de facto permite a afirmação de que a Ré tenha exigido à Autora o pagamento, sob pena de penhora e remoção. Na verdade, e como decorre da matéria de facto, a Ré não exigiu, não propôs e não sugeriu qualquer pagamento ou a realização de qualquer acordo de pagamento; a Ré pretendia apenas levar a efeito a penhora de cuja realização estava encarregada e proceder à remoção dos bens e foi a Autora que, juntamente com a sua mãe, propôs à Ré a entrega de 1.500,00€ para que os bens não fossem removidos, proposta que a Ré aceitou. Ou seja, ainda que tenha existido uma ameaça ilícita (o que consideramos muito discutível) essa ameaça não foi feita com o fim de obter a declaração que aqui se pretende ver anulada; a Ré não tinha a intenção de extorquir qualquer declaração à Autora (pelo menos tal não resulta da matéria de facto); a Ré pretendia apenas executar a penhora e proceder à remoção dos bens sem que tivesse qualquer outra intenção e sem qualquer outra finalidade. Aludindo à intenção de coagir, como elemento da própria noção deste vício e que consiste no ânimo de extorquir o consentimento para o negócio em causa, refere, porém, Manuel de Andrade[2], que é discutível e discutido o caso de o cominante se deixar convencer a desistir da ameaça mediante certo negócio que não pretendia, ou diverso do inicialmente pretendido. Referindo-se (a fls. 268 e 269) aos casos em que o cominante nenhum negócio pretendia extorquir ou em que tinha em vista a conclusão de negócio diferente daquele que veio a ser concluído, sendo este último proposto pelo próprio ameaçado, para evitar a consumação da ameaça, diz Manuel de Andrade que a questão é discutida, mas, acrescenta, “…na 2ª variante mal se concebe que possa ter deixado de existir uma verdadeira coacção, pois o cominante certamente terá passado a pretender, pelo menos, o novo negócio, apenas consentindo em abrandar as suas exigências; e, em qualquer dos dois casos, ele terá tido pelo menos a consciência de que o ameaçado se decidiu ao negócio por força da cominação”. A verdade, porém, é que a lei exige, claramente, como requisito da coacção, a intenção de obter ou extorquir a declaração e, portanto, ainda que se admita, em tese, a possibilidade de existência de coacção moral numa situação em que a ameaça feita não tem a intenção de extorquir ou obter a declaração e em que esta declaração é proposta pelo próprio ameaçado para evitar a consumação da ameaça (como aconteceu no caso sub judice), parece-nos, de qualquer forma, que, ainda que tal intenção não exista inicialmente, ela sempre terá que vir a existir antes de emitida a declaração, de tal forma que, ainda que não tenha sido essa a intenção do cominante quando faz a ameaça, ele passa, a dado momento (eventualmente na sequência da proposta feita pelo ameaçado), a utilizar essa ameaça com o objectivo de obter e extorquir a declaração. Parece-nos, todavia, que tal intenção não existiu no caso sub júdice (pelo menos, não foi demonstrada). De facto, a intenção e o objectivo da Ré não era – e não está demonstrado que o tenha sido em momento algum – a obtenção de qualquer declaração por parte da Autora; a Ré pretendia apenas efectuar uma penhora e proceder à remoção dos bens, apenas se dispondo a prescindir da remoção (mas não da penhora) porque a Autora se disponibilizou a prestar garantias que, de alguma forma, substituíam a garantia (que a Ré pretendia obter) que resultaria da efectiva disponibilidade dos bens penhorados por parte da Ré. Importa notar nem sequer temos como demonstrado que a Ré estivesse convicta de que a ameaça de penhora e remoção dos bens tenha sido a única motivação da Autora quando fez a proposta de entrega da quantia de 1.500,00€ e que a vontade da Autora estivesse verdadeiramente viciada e determinada em função do receio decorrente daquela ameaça. É preciso não esquecer que a penhora estava a ser efectuada num local que estava indicado como sendo a sede da sociedade executada, da qual a Autora era accionista e, portanto, na perspectiva da Ré, a Autora poderia estar a propor a entrega daquela quantia, não só para evitar a remoção dos bens, mas também porque, de algum modo, se sentia obrigada ao seu pagamento. Importa ainda notar que nada consta da matéria de facto relativamente ás circunstâncias em que veio a ser elaborado o acordo de pagamento da totalidade da quantia exequenda em prestações (que veio a ficar exarado no auto de penhora) e, portanto, não sabemos quem o sugeriu e em que circunstâncias. Refira-se que, no que toca a este acordo, a Autora nem sequer havia invocado, em rigor, a existência de coacção, já que nem sequer alegou que esse acordo correspondia a uma efectiva condição para a não remoção dos bens (apenas foi alegado que a condição – sugerida pela Autora e aceite pela Ré – para a não remoção dos bens era a entrega de 1.500,00€). No que toca ao acordo de pagamento da restante quantia exequenda (com ressalva dos aludidos 1.500,00€), a Autora apenas havia alegado – o que não provou – que tal acordo tinha sido redigido pela Ré e que a Autora (e sua mãe) o tinham assinado sem que percebessem o seu conteúdo e sem que o mesmo lhes tivesse sido explicado. A verdade é que estes factos não ficaram provados, provando-se, ao contrário, que o dito acordo foi lido à Autora e que o mesmo foi efectuado com o seu acordo. Não nos parece, pois, que esteja demonstrado que a Ré, em algum momento, tenha utilizado a ameaça de remoção dos bens como forma de obter ou extorquir qualquer declaração da Autora, razão pela qual não se mostram verificados os requisitos que seriam necessários para que se pudesse falar em coacção moral como fundamento da anulabilidade da declaração.
Assim, não ocorrendo os requisitos de que depende a coacção moral e não tendo ficado provado que o acordo exarado no auto de penhora não tivesse sido lido e explicado à Autora, que esta não tivesse percebido o seu alcance e que tal acordo não corresponda à sua vontade, a acção terá que improceder por não ter sido demonstrada a existência de fundamento para a anulabilidade da declaração em causa.
Atente-se, porém, que, ainda que assim não fosse – e, portanto, ainda que a declaração fosse anulável – a acção não poderia ter procedido nos termos em que procedeu. Ao contrário do que pretende a Apelante, não nos parece que a Autora seja parte ilegítima para requerer, desacompanhada da sua mãe, a anulabilidade da sua própria declaração, sendo certo que a anulabilidade da declaração que, no mesmo momento, foi emitida pela sua mãe teria que ser arguida por esta. Mas, ainda que se decretasse a anulabilidade da declaração da Autora, tal nunca poderia determinar a condenação das Rés a restituir-lhe a quantia de 1.500,00€, já que não resulta da matéria de facto que tenha sido essa, efectivamente, a quantia entregue pela Autora. De facto, apenas sabemos que a Autora e a sua mãe entregaram a quantia de 1.500,00€, mas não sabemos se essa quantia pertencia à Autora, se pertencia à sua mãe ou qual a parte que pertencia a cada uma delas. Assim e porque apenas a Autora veio arguir a anulabilidade da (sua) declaração, as Rés apenas poderiam ser condenadas a restituir-lhe o valor que esta efectivamente havia entregue (e não também o valor que havia sido entregue pela mãe) e esse valor teria que ser objecto de posterior liquidação, porquanto, neste momento, não está determinado.
De qualquer forma e como acima referimos, a acção terá que improceder, por não se verificarem os pressupostos de que dependia a anulabilidade da declaração da Autora.
Não obstante a improcedência da acção, não nos parece – ao que contrário do que pretende a Apelante – que existam elementos bastantes para concluir pela litigância de má fé por parte da Autora. Na perspectiva da Apelante, existiram elementos bastantes para assim concluir, atendendo à matéria de facto não provada e ao facto de a mãe da Autora não ter intentado qualquer processo com vista à anulação da declaração. Mas não nos parece que assim seja. Com efeito, e como decorre do disposto no art. 456º do C.P.C., a litigância de má fé pressupõe a existência de dolo ou negligência. Ora, a matéria de facto não provada não tem qualquer relevância para efeitos de litigância de má fé, porquanto são factos que apenas não se provaram, não podendo ser excluída a possibilidade de terem ocorrido efectivamente. E, como é evidente, a circunstância de a mãe da Autora não ter arguido a anulabilidade da sua declaração (facto que, aliás, nem sequer está demonstrado) também não tem qualquer relevância para o efeito de concluir que a Autora, actuando com dolo ou negligência grave, tenha praticado qualquer um dos actos que são enunciados pelo citado art. 456º. ****** SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção): I – A coacção moral, enquanto vício da vontade que determina a anulabilidade da declaração negocial, pressupõe: que a declaração tenha sido determinada pelo receio de um mal que tanto pode ser dirigido à pessoa, honra ou fazenda do declarante, como à pessoa, honra ou fazenda de terceiro; que esse receio seja provocado por ameaça que lhe é dirigida por outrem, seja ele o declaratário ou um terceiro; que essa ameaça seja ilícita (assim não se considerando a ameaça do exercício normal de um direito) e que tal ameaça tenha sido dirigida ao declarante com o fim de obter dele a declaração e, portanto, com a intenção de extorquir a declaração. II – Estando em causa uma diligência de penhora com remoção que está a ser efectuada por agente de execução e sem que se demonstre que este, ao pretender fazer a remoção dos bens, tenha qualquer outro objectivo que não seja o de realizar a diligência para a qual foi incumbido, não se verificam os pressupostos da coacção moral relativamente à declaração que, no âmbito dessa diligência e para evitar a remoção, vem a ser efectuada pela pessoa que, estando a ser atingida pela diligência, declara assumir o pagamento da quantia que aquela penhora visava garantir; não estando demonstrado que a ameaça de remoção dos bens (ainda que, eventualmente, possa ser considerada ilícita por estar a atingir bens que não deveriam responder pela dívida) tenha sido utilizada com a finalidade ou intenção de obter aquela declaração, não é possível ter como verificado o último requisito, supra apontado, da coacção moral. ///// V.
Maria Catarina Gonçalves (Relatora) Maria Domingas Simões Nunes Ribeiro
|