Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2143/20.5T8SRE-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO MEDIANTE EMBARGOS
SUPERVENIÊNCIA DA MATÉRIA DA OPOSIÇÃO.
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 728.º DO CPC
Sumário: I - É à parte embargante, na oposição à execução, que invoca a relação subjacente à livrança exequenda, enquanto matéria de exceção/meios de defesa, que cabe o respetivo ónus de alegação e prova.

II - Esse ónus de alegação deve ser observado, de forma concentrada, na petição de embargos, sob pena de preclusão.

III - Sendo o regime da obrigação cartular distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação da obrigação no título, literalidade, autonomia do direito do portador legítimo do título e abstração, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem, basta à execução, fundada em título cambiário, a apresentação desse título e a não demonstração pelo demandado, no caso de título emitido/entregue em branco, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento ou de outro fundamento válido de defesa/oposição.

IV - Se o avalista embargante, deduzindo embargos de executado, no pressuposto – erróneo – de caber ao exequente o ónus de alegação e prova da relação subjacente à livrança, não deduz de forma cabal os fundamentos de oposição que poderia invocar, não lhe pode aproveitar a junção aos autos, pela contraparte, do contrato subjacente à emissão da livrança – o qual aquele bem conhecia, por nele ter sido outorgante em representação da entidade devedora, de que era o único sócio e gerente, tal como outorgou, do mesmo modo, na convenção para o preenchimento dessa livrança – para, contornando a preclusão referente ao que não alegou na petição de embargos, vir oferecer novos embargos de executado, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 728.º do NCPCiv., sob invocação de superveniência, para aproveitar as possibilidades não exploradas da relação subjacente, designadamente em matéria de execução contratual.

V - Assim, não pode colher a invocação de que só com a junção do documento do contrato subjacente pôde obter junto da entidade devedora informações e documentos relativos às vicissitudes da relação contratual, posto que, conhecendo o contrato desde a sua celebração, poderia, se tivesse agido de forma prudente e diligente – como lhe era devido –, ter optado por obter tais elementos aquando da preparação da sua defesa à execução no âmbito dos embargos originários.

VI - Não podendo esse expediente ser usado para contornar a dita preclusão e ultrapassar a errónea avaliação, que lhe é imputável, sobre o ónus de alegação e prova quanto à relação subjacente à livrança, é de concluir pela não verificação da invocada superveniência (objetiva ou subjetiva), originando a intempestividade/impertinência dos embargos subsequentes.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa, movida por “S..., S. A.” ([1]), com os sinais dos autos,

veio o executado AA, também com os sinais dos autos,

deduzir oposição a tal execução (mediante embargos de executado), sob invocação de superveniência, nos termos do disposto no art.º 728.º, n.º 2, do NCPCiv.,

concluindo pela procedência da oposição e consequente extinção da execução.

Alegou, para tanto, em síntese ([2]):

- tendo o Embargante remetido uma comunicação escrita, via “e-mail”, à co-Executada, “M...”, «junta como “DOC.1”, dado por integralmente reproduzido, acompanhado de um documento intitulado de “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Nº” (cfr.DOC.1-A)» ([3]), na sequência da notificação que foi dirigida ao seu mandatário no âmbito do apenso A pelo mandatário do Exequente (cfr. ref.ª Citius n.º ...), e tendo tomado conhecimento da resposta escrita, àquela comunicação, também via “e-mail”, daquela co-Executada “M...…”, agora junto como “DOC.2” (do dia 15/11/2021), «bem como toda a documentação que o acompanhava em anexo» ([4]), vem apresentar, tempestivamente, nova/superveniente oposição à execução, movida por “S..., S. A.”, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 728.º do NCPCiv.;

- com efeito, a matéria da presente oposição é superveniente, atendendo a que o Embargante (co-Executado avalista) «só tomou conhecimento dos factos que constituem a comunicação escrita junta como DOC.2, e dos factos constantes na documentação que vinha em anexo, com a receção de tal comunicação» ([5]);

- confiante, assim, na tempestividade dos embargos – por superveniência subjetiva –, veio, então, invocar diversos meios de defesa (fundamentos de oposição à execução), fundado nas informações que a co-Executada “M...” lhe veio a prestar ([6]), que vão desde o pagamento de diversos montantes pecuniários (prestações consideradas em atraso quanto ao contrato de leasing imobiliário), impedindo a verificação de incumprimento contratual e o exercício do direito de resolução, os quais não foram considerados/deduzidos aquando do preenchimento da livrança, ocorrendo nulidade do título executivo, até ao abuso de preenchimento daquela livrança, à mora do credor, à violação por este do princípio da boa-fé, à incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda, à existência de contra-crédito da dita “M...…”, geradora de compensação creditória, ao dever de restituição do título a esta, por extinção da dívida, bem como, finalmente, abuso do direito no preenchimento da livrança exequenda.

Ofereceu requerimento de provas, contemplando, para além de prova testemunhal, 16 documentos.

Todavia, por decisão de 27/12/2021, foram os embargos liminarmente indeferidos.

Inconformado, o Embargante apela do assim decidido, apresentando alegação recursiva, onde formula as seguintes

Conclusões ([7]):

I.

Deve ser revogada a douta decisão recorrida, com a ref.ª citius nº ..., datada de 27.11.2021, aqui dada por integralmente reproduzida, e id. em I., que indeferiu liminarmente os embargos de executado deste apenso F..

II.

Deve ser alterada a decisão ali proferida sobre a matéria de facto,

E, na consequência, deve ser ampliada a matéria de facto dada como provada e/ou controvertida,

Bem como dados como não provados e/ou controvertidos, parte dos 9 factos dados como provados ou assentes.

Matéria de facto dada por provada no despacho liminar-sentença referido em I., sob os factos 1. a 9. que se deixa assim impugnada, ao abrigo do disposto no art. 662º, nºs. 1 e 2, als. a), b) e c), todos do CPC.

III.

❶. Devem os factos 5., 6., 7., 8. e 9. ser dados como não escritos,

Porquanto não foi dado cumprimento pelo Tribunal a quo ao estabelecido no art.412º, nº 2 do CPC:

«Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove.».

Isto é, não foi ordenada a junção de documentos que comprove o que consta dos factos dados como provados sob os nºs. 5. a 9. no despacho liminar-sentença referido em I..

Para além de que, tratando-se o despacho mencionado em I. de uma decisão de indeferimento liminar, tal significa que a única peça processual dos autos é a petição inicial de embargos de executado, com a ref.ª citius nº..., de 05.12.2021, e os 17 documentos que a instruem.

Ora, sendo, nos termos do art.551º, nº1 do CPC, subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva,

Importa atentar no que estabelece o art.552º (Requisitos da petição inicial) do CPC:

«1 - Na petição, com que propõe a ação, deve o autor:

d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;(…)».

A petição inicial de embargos de executado, de 05.12.2021, com a ref.ª citius nº..., foi apresentada, tendo como contraponto unicamente, como não podia deixar de ser, o requerimento executivo de 19.10.2020, junto aos autos principais com a ref.ª citius nº....

Sendo certo que a referência à existência do apenso “A”, no facto “4.“ despacho liminar-sentença, é por isso mais do que suficiente para dar nota da existência de tal apenso, que é um processo distinto, tramitado

O presente apenso “F” não é por isso uma espécie de prolongamento do apenso “A”, como parece depreender-se do facto “9.”, onde se exarou que em 5 de dezembro de 2021, o embargante AA instaura novamente embargos à execução, alegando superveniência – o presente apenso F.

Não sendo aceitável, salvo o devido respeito, a menção, nos prolegómenos da matéria de facto dada como provada, quanto à elaboração da seleção da matéria de facto dada como provada ter sido elaborada «…visto o “histórico do processo” e o apenso A…».

E, uma coisa é certa,

Não foi com base no histórico do “processo” que tal seleção de factos foi feita.

Até o contrato de locação financeira imobiliária, utilizado para responder aos factos “7.” e “8.”, não foi o deste apenso “F” junto com a p. i., mas foi o … do apenso “A”.

Por outro lado, estando tal apenso “A” a ser tramitado (vide resposta ao facto “4.”) à data da assinatura do despacho liminar-sentença referido em I.,

É conclusivo criar-se o facto “6.”, onde se consignou que «Tal livrança, junta na execução principal, teve subjacente a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária n.º ... (…).».

Tal “facto 6.” nada tem que ver, com a decisão aqui posta em crise, que se deveria circunscrever naturalmente ao âmbito deste apenso “F”.

Até porque a p. i. de execução, constante do processo principal, intentada em 19.10.2020, nem sequer continha o original da “livrança”, mas cópia da livrança distinta do original,

Ao passo que o “contrato de locação financeira imobiliária n.º ...” apenas foi junto ao apenso “A”, pela embargada-exequente, em … 02.11.2021, através do requerimento com a ref.ª citius nº....

Dito por outras palavras, no despacho liminar-sentença referido em I. foi delineada uma seleção de factos:

- que nada tem que ver com o presente apenso “F.”;

- que extravasou e muito do que tinha acolhimento legal, e

- que, ao não considerar apenas e tão só os factos vertidos neste apenso “F.” e na execução principal,

E ao não tomar em consideração todas as provas produzidas com suporte nos presentes autos,

Incorreu numa clara violação do princípio de aquisição processual (cfr.art.413º do CPC).

Ora,

A p. i. de embargos, deste apenso “F.”, constituiu uma nova oposição à execução (dos autos principais),

Assente em matéria superveniente, e

Feita nos termos do disposto no nº2 do art.728º do CPC, e no prazo previsto no nº1 do citado normativo (cfr. cabeçalho da p. i.).

E são os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à presente ação que deveriam ter sido objeto de apreciação no despacho liminar a que alude o art.732º (Termos da oposição à execução), nº1, do CPC., como se prescreve no citado normativo:

«1 - Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando:

a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo;

b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º;

c) Forem manifestamente improcedentes. (…)».

Todavia, o despacho liminar-sentença referido em I., conforme ficou patente na seleção dos factos “provados”, foi transformado numa espécie de condensação de todos os processos em que o aqui apelante era e é interveniente, conforme pairavam na mente do Julgador à época,

Ao invés de se cingir à análise da petição inicial e dos documentos que a acompanhavam, em confronto com o requerimento executivo tal como o mesmo foi apresentado em Juízo, pelo embargado-exequente, apenas com a cópia da livrança dada à execução.

Ou seja, sem o respetivo original do título, e sem a mais pequena alusão a qualquer contrato de locação financeira imobiliária, e muito menos o dito.

IV.

❷. Em contraponto, deve ser aditado à “Matéria de facto”, como “facto provado”, o facto seguinte:

A - O CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA N.º”...”, cuja LOCATÁRIA é a sociedade executada M...ª”, subscrito pelo locador e locatária em 28 de maio de 2008 e com data de vencimento a 27 de maio de 2023 (cfr. DOC.2 da p. i., numerado como 1-A), foi junto ao apenso “A” pelo embargado-exequente, através do requerimento de 02.11.2021, com a ref.ª citius nº..., notificado ao embargante-executado na mesma data (cfr. cabeçalho da p. i.).

B - O embargante remeteu uma comunicação escrita, via e-mail, em 13.11.2021, à co-executada, M... Lda. (cfr. DOC.1 da p. i.), acompanhada do contrato referido em A..

C - Em 15.11.2021, a co-executada, M..., Lda., remeteu e-mail ao embargante, contendo a informação solicitada por este (cfr. DOC.3 da p. i., numerado como 2), estampada nos documentos juntos com a p.i., sob os nºs.4 a 16:

- D – Em 15.10.2018 a Direção de Recuperação de Crédito do ..., remeteu carta à co-executada M..., Lda., resolvendo o Contrato de Leasing Imobiliário mencionado em A. (art.15º a 18º da p.i.);

- E - A co-executada, M..., Lda., efetuou os pagamentos constantes do extrato de conta referente ao período entre ...18 e ...18 (art.17º da p.i.);

- F - O Balcão do ... em ... enviou e-mail em 16.10.2018 à co-executada, M..., Lda. (art.19º da p.i.);

- G. - A co-executada, M..., Lda., efetuou dois pagamentos à exequente, em 16.10.2018 e em 18.10.2018 (arts.20º e 21º da p.i.);

- H. - A co-executada, M..., Lda., em resposta à identificada em D., remeteu carta à ... em 12.11.2018 (art.23º da p.i.);

- I. - A co-executada, M..., Lda., efetuou um pagamento à exequente em 27.10.2018 (art.25º da p.i.);

- J. - A co-executada, M..., Lda., efetuou um pagamento à exequente em 27.11.2018 (art.29º da p.i.);

- K. - O exequente alienou o imóvel objeto do contrato de locação financeira imobiliária referido em A. (cfr. caderneta predial respetiva) em 27 de setembro de 2019, pelo montante de 55.500,00€., a “P..., LDA.”, conforme resulta do documento particular de venda e da Informação Predial da Conservatória do Registo Predial (cfr. arts.33º e 36º a 38º da p.i.);

- L. - O valor registado como estando em dívida, na C.R.C. do B.P., da co-executada, M..., Lda., ao exequente, de 4.300,36€, mantém-se inalterado desde dezembro 2019 até setembro de 2021 (cfr. arts.39º e 40 da p.i.);

- M. - No Extrato Integrado emitido pelo ... à co-executada, M..., Lda., com data de 31 de dezembro de 2020, surge registado um valor em débito de 2.356,15€, relativo ao contrato de leasing imobiliário, com nº 414.44.... (cfr. art.41º da p.i.);

N. - Em requerimento apresentado em 29.11.2021, no apenso “A”, junto com a p. i. como DOC.17 (numerado como 16), o exequente reconhece ter recebido da co-executada, M..., Lda., os pagamentos mencionados no e-mail referido em C..

SEM CONCEDER,

V.

1. Resulta do retro exposto em III., aqui dado como integralmente reproduzido, quanto à matéria de facto que o Tribunal a quo não devia ter conhecido, referida no ponto ❶., e conheceu, que existiu flagrante excesso de pronúncia, conducente à nulidade do despacho liminar-sentença referido em I., prevista na al. d) do nº1 do art.615º do CPC, na medida em que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade esta que se deixa expressamente invocada.

VI.

2. Ressalta igualmente do retro exposto em IV., aqui dado como integralmente reproduzido, quanto à matéria de facto que o Tribunal a quo deveria ter conhecido, referida no ponto ❷., e se absteve de conhecer, que existiu flagrante omissão de pronúncia, conducente à nulidade do despacho liminar-sentença referido em I., prevista na al. d) do nº1 do art.615º do CPC, na medida em que deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, nulidade esta que se deixa expressamente invocada.

SEM CONCEDER,

VII.

3. Quanto à possibilidade da dedução da oposição dos autos, é expendido no despacho liminar-sentença recorrido id. em I., que:

O art.º 728º, n.º 2, do C. P. Civil, estabelece a possibilidade de instauração de “embargos supervenientes” nos seguintes casos:

- a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado (superveniência objetiva); e

- b) quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação (superveniência subjetiva).

Adere-se a tal definição.

Já não se sufraga o que foi expendido em seguida, ou seja, à tese de que, pelo embargante-executado, não teria sido pretensamente alegada a superveniência objetiva, mas subjetiva.

Passamos a percorrer o petitório, de molde a perscrutarmos onde se encontra a superveniência subjetiva e a superveniência objetiva que fundamenta a oposição sub judicio, com grifos nossos a azul:

A. - Tendo remetido uma comunicação escrita, via e-mail, à co-executada, M..., Lda., que se junta como DOC.1, dado por integralmente reproduzido, acompanhado de um documento intitulado de “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Nº” (cfr.DOC.1-A), na sequência da notificação que foi dirigida ao seu mandatário no apenso A pelo mandatário do exequente (cfr. ref.ª citius nº...),

[como exemplo de superveniência objetiva, no cabeçalho];

B. - E tendo tomado conhecimento da resposta escrita, àquela comunicação, também via e-mail, da outra co-executada, alegada devedora principal, M..., Lda., que se junta como DOC.2, dado por integralmente reproduzido, bem como toda a documentação que o acompanhava em anexo,

[como exemplo de superveniência objetiva, no cabeçalho];

C. - Por a matéria da presente oposição ser superveniente, atendendo a que o co-executado avalista, ora embargante, só tomou conhecimento dos factos que constituem a comunicação escrita junta como DOC.2, e dos factos constantes na documentação que vinha em anexo, com a receção de tal comunicação, sendo tais factos (extintivos, constitutivos e modificativos do direito, invocado pelo banco exequente no processo principal) supervenientes, por o co-executado avalista assim só deles ter tido conhecimento muito depois de findar o prazo previsto no art.728º, nº1 do CPC,

[como exemplos de superveniência subjetiva, no cabeçalho];

D. - Tendo rececionado o e-mail de resposta da co-executada, M..., Lda., no dia 15 de novembro de 2021 (cfr.DOC.2), que tinha como objeto o intitulado “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Nº” (cfr.DOC.1-A), bem como toda a documentação que o acompanhava em anexo. Munido de tal informação, apresentou nesse mesmo dia, requerimento no apenso A, com a ref.ª citius nº..., a impugnar tal documento e a juntar a demais documentação que a co-executada, M..., Lda., lhe facultara.

[como exemplos de superveniência subjetiva, nos arts.6º e 7º da p.i. no cabeçalho];

E. - o co-executado avalista, ora embargante, só tomou conhecimento dos factos (extintivos, constitutivos e modificativos do direito, invocado pelo banco exequente no processo principal) supervenientes, que constituem a comunicação escrita junta como DOC.2, e dos constantes na documentação que vinha em anexo, com a receção da mesma, em 15 de novembro de 2021, e, portanto, muito depois de findar o prazo previsto no art.728º, nº1 do CPC.

[como exemplos de superveniência subjetiva, nos arts.9º e 10º da p.i.];

F. - De resto, o banco exequente antes da propositura da ação executiva em momento nenhum notificou o executado avalista, enquanto tal, quer da resolução de qualquer contrato e/ou do preenchimento da livrança dada à execução.

[como exemplos de superveniência subjetiva, no art.13º da p.i.];

G. - Veio a empresa M..., Lda., na sua qualidade de contraente no “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Nº” (cfr. DOC.1-A), informar o co-executado avalista, com conhecimento à aqui embargante, do seguinte COM GRIFOS NOSSOS (cfr. DOC.2, dado nesta sede por integralmente reproduzido):

[como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.14º da p.i.];

G.1. =» da carta da Direção de Recuperação de Crédito do ..., datada de 15.10.2018, para a co-executada M..., Lda., para resolução do Contrato de Leasing Imobiliário [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, nos art.15º a 18º da p.i.];

G.2. =» do extrato de conta da M..., Lda., referente ao período entre ...18 e ...18 [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.17º da p.i.];

G.3. =» do e-mail do Balcão do ... em ... de 16.10.2018 para a M..., Lda. [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.19º da p.i.];

G.4. =» dos comprovativos de pagamento feitos pela M..., Lda. em 16.10.2018 e 18.10.2018 [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, nos arts.20º e 21º da p.i.];

G.5. =» da carta da M..., Lda., datada de 12.11.2018, para a Direção de Recuperação de Crédito do ... [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.23º da p.i.];

G.6. =» do comprovativo de pagamento feito pela M..., Lda. em 27.10.2018 [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.25º da p.i.];

G.7. =» do comprovativo de pagamento feito pela M..., Lda. em 27.11.2018 [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.29º da p.i.];

G.8. =» da caderneta predial, do documento particular de venda e da Informação Predial da Conservatória do Registo Predial ... objeto do contrato de locação financeira [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no arts.33º e 36º a 38º da p.i.];

G.9. =» da consulta da Centralização de Responsabilidades do Banco de Portugal da M..., Lda., relativa aos meses de dezembro 2019 e setembro de 2021 [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no arts.39º e 40 da p.i.];

G.10. =» do extrato bancário Integrado da M... Lda., de 31.12.2020 [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.41º da p.i.];

H. - Que tal informação [a referida em G.], respeitante ao contrato, na génese do preenchimento da livrança dada à execução deve ser julgada superveniente, para efeitos de admissibilidade da dedução de nova oposição à execução (cfr.art.728º, nº2 do CPC) pelo aqui embargante, avalista, que dela só teve conhecimento através do DOC.2, emanado da M..., Lda.. [como exemplo de superveniência subjetiva e objetiva, no art.45º da p.i.];

Decorre dos pontos A. a H. que precedem,

Como já decorria dos factos A. a N. que deverão passar a constar da seleção da matéria de facto provada, conforme II.❷. das presentes alegações,

Que o ora apelante, embargante avalista, invocou factos essenciais, supervenientes subjetiva e objetivamente à causa identificada no facto “4.” da seleção dos factos provados feita no despacho liminar-sentença referido em I., ou seja, factos supervenientes ao processo tramitado sob o apenso “A.”.

Não se alcança por isso onde é que o despacho liminar-sentença referido em I. faz assentar que os fundamentos alegados pelo embargante são manifestamente improcedentes, o que, nos termos dos arts. 732.º, n.º 1, al. c), e 551.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina o indeferimento liminar dos embargos de executado.

Com efeito, o despacho liminar-sentença referido em I. limita-se a tecer considerandos redondos, sem precisar sequer em que concretas passagens da p.i. é que fez assentar o porquê de os embargos do apenso “F” serem apenas subjetiva, e não objetivamente, supervenientes.

O que, como se vincou nos pontos A. a H. que precedem, é totalmente destituído de consistência.

Enferma por isso, o despacho liminar-sentença referido em I., também das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do art.615º do CPC, porquanto:

- não especifica os fundamentos de facto justificam a decisão; e

- ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.

Aliás, também patente na respetiva fundamentação onde se refere, relativamente ao aqui apelante, s.i.c.,

«… não podendo fazer-se valer em informações prestadas pela co-executada “M...” neste momento e que só a própria poderia aduzir em fase de embargos – mas a “M...” não deduziu embargos, não tendo, assim, alegado ter efetuado vários pagamentos, que só esta executada poderia alegar e demonstrar em sede de embargos de executado.».

Concluindo em seguida que: «Deste modo, inexiste superveniência objetiva e subjetiva também.».

Quer dizer, segundo se parece inferir do despacho liminar-sentença referido em I., por a devedora principal não ter deduzido embargos, o embargante no apenso “F.”, está privado, mesmo verificando-se os requisitos da superveniência impedido de os apresentar com tal fundamento.

Socorremo-nos de um Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Proc.nº5362/18.0T8CBR-B.C1, em 26-01-2021, que define bem o conceito de superveniência, tal como o mesmo deveria ter sido aplicado ao caso concreto, in www.dgsi.pt:

«1. Os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração. Só esses, como se refere no nº 2 do art. 611º, têm «segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».

2. E hão-de ser factos supervenientes – objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento depois de findos os prazos normais para a sua alegação. (…)».

Também se reveste de ambiguidade ou obscuridade o douto despacho liminar-sentença referido em I. quando se refere ao conhecimento da existência do “contrato de locação financeira imobiliária”, como se na p. i. tal contrato estivesse reduzido ao momento em que foi formalizado, em 28.05.2008.

Tal não corresponde à verdade.

Conforme decorre uma vez mais dos pontos A. a H. que precedem, e já decorria dos factos A. a N. que deverão passar a constar da seleção da matéria de facto provada, conforme II.❷. das presentes alegações.

Depreende-se do despacho liminar-sentença referido em I. que um contrato celebrado em 28.05.2008 e com vencimento previsto para 27.05.2023, estava reduzido ao momento em que foi formalizado!

O que, salvo o devido respeito, mais do que obscuro, não faz o menor sentido.

O embargante avalista não negou saber da existência da celebração do “contrato de locação financeira imobiliária”.

O que não sabia era o que tinha sucedido ao longo dos mais de 10 anos de duração do contrato?

Todos os pagamentos, depósitos, efetuados pela devedora principal, e o relacionamento comercial e financeiro da mesma com o exequente.

Tal “contrato de locação financeira imobiliária” não fazia parte da causa de pedir do requerimento executivo, e foi a sua aparição em cena no apenso “A.” que espoletou a necessidade de apresentação dos presentes embargos.

VIII.

4. A talhe de foice, refira-se que todos os epítetos com que o aqui apelante foi apodado no despacho liminar-sentença referido em I., quanto a “venire contra factum proprium”, à “atitude pouco prudente e que viola o princípio da cooperação e da boa fé processual” que se repudiam, mas que encaixavam que nem uma luva no comportamento processual do exequente, denotam uma manifesta violação do princípio da igualdade processual ou da paridade de armas, uma vez que as partes devem ver assegurada a igualdade de direitos e deveres, de ónus, sanções processuais, garantias e possibilidade de defesa dos seus argumentos, conforme previsto no art.4°, do C.P.C., e arts.13º e 20º da C.R.P..

Foi o exequente aliás que, por requerimento de 02.11.2021, com a ref.ª citius nº ..., veio apresentar tal contrato de locação financeira no apenso “A” da seguinte forma:

«…penitenciando-se pelo lapso na não junção do contrato, vem, no seguimento do despacho de 24/10/2021 requerer a junção do mesmo.».

Parafraseando o douto Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.09.2017, no Proc.nº 305/16.9BELSB, in www.dgsi.pt:

«I)-O princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.

II)-Há que previamente determinar se as situações devem ser consideradas iguais ou desiguais para depois lhes dar o mesmo ou diverso tratamento. Há que surpreender a ratio do tratamento jurídico. Daí a indispensável conexão entre o critério material que vai qualificar o igual e o fim visado no tratamento jurídico, que terá de ser razoável e suficiente. Tudo para evitar o arbítrio: tudo o que é injusto, desconexo e violador do fim. (…)

VIII)-Na verdade e como flui cristalino de tudo o que vem dito, o princípio da «igualdade de armas» ou da «igualdade das partes» consagrado nos artºs. 13º e 20º da CRP, consiste em estas serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Assim, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal:- perante ele, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor.

IX) -Por outro lado, do referido artigo resulta a consagração do princípio da Igualdade o qual postula a igualdade das partes analisado no princípio do contraditório e no princípio da igualdade de armas, constituindo esse princípio uma concretização do princípio geral da igualdade consagrado no art.13º do CRP, o qual significa que cada uma das partes deve situar-se numa posição de igualdade perante a outra e ambas iguais perante o Tribunal, designadamente um exercício do direito de defesa. (…)».

IX.

5.Por fim, é expendido no despacho liminar-sentença referido em I., que:

Os presentes embargos do apenso “F.” são «…manifestamente não podem ser tidos como supervenientes, encontrando-se totalmente fora de prazo.».

Ora, analisada a questão da prova junta aos autos e dos fundamentos (factos essenciais) em que radica a causa de pedir, manifesto se torna que o prazo de 20 dias a que alude o art.728, nº2 do CPC, ou seja, conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.

E tal prazo deve ser contado relativamente aos factos “C.” e “N.” do ponto II.❷..

Por conseguinte, quer à luz de um facto como do outro, o prazo de 20 dias para apresentação da p.i. de embargos deste apenso “F.” foi tempestiva.

X.

6. Admitindo como mera hipótese de patrocínio, e sem conceder que em III., nos pontos 1. a 3., seja entendido não terem sido cometidas nulidades, dão-se tais fundamentos como integralmente reproduzidos como tendo conduzido a erros de julgamentos da no despacho liminar-sentença id. em I.

E ASSIM DECIDINDO´

VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO A JÁ COSTUMADA

JUSTIÇA.”.

A parte recorrida, notificada para o efeito, não contra-alegou.

O recurso foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([8]), não tendo sido conhecida a invocada matéria de nulidades da sentença – sem que seja necessário/indispensável fazer baixar os autos para o efeito (cfr. art.º 617.º, n.º 5, do NCPCiv.) –, mas tendo-se ordenado a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos tais regime e efeito fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO RECURSIVO

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([9]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber:

a) Se ocorrem as invocadas causas de nulidade da decisão liminar recorrida, por excesso de pronúncia quanto a matéria de facto (conclusão V), não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e ambiguidade/obscuridade (conclusão VII, ps. 76 v.º e seg. do processo físico);

b) Se podia, ou não, ter-se em conta o já adquirido para o Apenso A (conclusão III);

c) Quanto à empreendida impugnação da decisão de facto (conclusões III e segs.), se houve erro de julgamento em matéria de facto, obrigando às alterações pretendidas do quadro fáctico da decisão liminar;

d) Da violação do princípio da igualdade processual (conclusão VIII);

e) Da tempestividade dos embargos, à luz da superveniência (para o que importa saber se está verificada tal superveniência ou se houve erro de julgamento a respeito) – conclusões IX e X.

III – FUNDAMENTAÇÃO

          A) Da nulidade da decisão recorrida

          1. - Por excesso de pronúncia

Como visto, na sua conclusão V, o Embargante/Apelante esgrime, «quanto à matéria de facto que o Tribunal a quo não devia ter conhecido, (…) e conheceu, que existiu flagrante excesso de pronúncia, conducente à nulidade do despacho liminar-sentença (…), prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, na medida em que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento».

          Cabe conhecer de tal arguição.

          Nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (itálico aditado).

          E, como também é consabido, são as conclusões formuladas pela parte recorrente, com reporte à decisão impugnada, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. (o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06).

          Ora, como vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência, somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no aludido preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([10]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([11]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([12]) esclarece,
em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de excesso ou omissão de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos (alegados ou provados), nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem sequer a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal.

Por isso, in casu, no plano da decisão da matéria de facto e respetiva sindicância recursória, não estamos perante uma questão em sentido técnico, pelo que não será caso de nulidade da decisão por excesso de pronúncia, decaindo a arguição correspondente.

Improcedem, pois, os argumentos da parte apelante em contrário.

2. - Por falta de fundamentação de facto e ambiguidade/obscuridade

Refere o Apelante que a decisão impugnada não especifica os fundamentos de facto que a justificam e incorre em ambiguidade/obscuridade.

Apreciando, desde logo cabe dizer que a questão a tratar na decisão liminar proferida – um despacho liminar e não, pois, uma sentença (decisão final, após discussão e instrução contraditória) – era, apenas, a da “Da admissibilidade dos embargos à execução”, como logo se retira da parte inicial da decisão em crise, concluindo-se ali, a final, pela extemporaneidade e manifesta improcedência dos embargos, assim liminarmente indeferidos.

O pretendido vício de nulidade por falta de fundamentação prende-se, como é consabido, com as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([13]).

Cabe, pois, perguntar: onde está a falta absoluta de fundamentação (de facto ou de direito) da decisão recorrida?

O Apelante refere-se à falta de fundamentos de facto, sendo, porém, que da simples leitura da decisão, dotada de uma parte fáctica, se conclui manifestamente não haver falta absoluta de fundamentação de facto.

Com efeito, do quadro fáctico da decisão liminar – não uma sentença – contam elencados nove pontos fácticos, selecionados na perspetiva, apenas, da decisão da única questão que se entendeu dever ser decidida no dito plano liminar.

Por isso, na evidência de existência de tal quadro fáctico, só pode concluir-se por ser infundada a invocação de nulidade da decisão, já que é patente não ocorrer uma total/absoluta falta de fundamentação de facto.

Improcede, pois, esta invocada causa de nulidade da decisão em crise.

Mas haverá ambiguidade/obscuridade, na perspetiva do percurso decisório quanto àquela questão única apreciada, em termos de haver dúvidas/incompreensão sobre o iter decisório ou o sentido da decisão?

Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão” ou esta seja “ininteligível” por via de “ambiguidade” ou “obscuridade”.

Ora, percorrido o despacho liminar impugnado, tendo em conta – repete-se – que a única questão a decidir era a da dita “admissibilidade dos embargos à execução”, sendo a decisão dotada de fundamentação de facto e, após, de fundamentação de direito, compreende-se bem, ante as premissas elencadas, a razão por que se veio a concluir pela extemporaneidade e impertinência dos embargos, com a consequência do decretado indeferimento in limine.

Donde que não possa dizer-se, a nosso ver, que a decisão é “ininteligível”, seja por “ambiguidade” ou “obscuridade” dos fundamentos ou do dispositivo.

Pode não se concordar com tal decisão, mas não pode concluir-se pela sua ininteligibilidade.

Improcede, pois, a arguição de nulidades da decisão liminar recorrida.

B) Da inadmissibilidade de aproveitamento do que consta do apenso “A”

Entende o Recorrente que não podia ter-se em conta, no âmbito do despacho liminar, o já adquirido para o apenso “A”, apenas podendo atender-se ao que constava deste apenso “F”, isto é, a petição de embargos e respetivos documentos (cfr. conclusão III).

Ora, apreciando, não poderá concordar-se com tal entendimento.

Desde logo, por a questão essencial da tempestividade dos embargos depender da superveniência a que alude o art.º 728.º, n.º 2, do NCPCiv., e esta só poder ser aferida perante o que consta dos anteriores embargos deduzidos pelo mesmo aqui Embargante/Recorrente, a começar, obviamente, pela petição de embargos daquele anterior apenso “A” e respetiva data de interposição.

Depois, por se tratar, em ambos os casos, de embargos de executado (sucessivos) à mesma execução, movidos pelo mesmo executado/embargante, perante a mesma parte exequente, deduzidos, reiteradamente, com a mesma finalidade (realidades processuais apensas/interligadas, dirigidas ao mesmo escopo extintivo da execução, com a segunda a depender da primeira, desde logo quanto à sua tempestividade/admissibilidade).

Sem isso, nem se poderia – insiste-se – aferir da existência, ou não, de superveniência, pois esta tem de ser reportada, à data da petição de embargos da oposição inicial (apenso “A”).

Donde, sem necessidade de outras considerações, a improcedência das conclusões em contrário do Apelante, designadamente quando esgrime que apenas se poderia atender, em sede liminar, ao que consta da petição dos presentes embargos e documentos com ela juntos.

          C) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

          1. - Sob as suas conclusões II e segs., em matéria de impugnação da decisão de facto, pretende o Apelante que seja aditada nova factualidade, não contemplada no quadro fáctico da decisão recorrida. Isto é, pretende ampliação da matéria de facto pela Relação, pela via da impugnação recursiva da decisão de facto.

          Ora, cabe dizer, desde logo, que não pode a Relação, por tal via de recurso, proceder – por si própria, nos moldes pretendidos – a essa ampliação da matéria de facto.

Com efeito, como entendido no recente acórdão desta Relação de 10/05/2022 ([14]), e consta do respetivo sumário:

«I- O dever de reapreciação, pela Relação, da prova produzida, sindicando a decisão de facto, só existe em relação aos factos objeto de pronúncia pelo tribunal recorrido.

II- Se o tribunal de 1.ª instância não se pronunciou sobre uma determinada questão de facto, cuja resposta seja indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão é a da anulação da decisão recorrida, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão.

III- Esta é a solução que resulta da conjugação das als. c) do n.º 2 e c) do n.º 3 do art. 662.º do CPCiv., só assim não sendo se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada (plenamente) por documentos ou por confissão reduzida a escrito.».

Isto é, por regra, não pode a Relação, no âmbito da impugnação da decisão de facto, proceder, por si mesma, à ampliação da matéria de facto, apenas podendo – a mais da sindicância do juízo proferido quanto a factos dados como provados ou não provados (âmbito de efetiva pronúncia da decisão recorrida) – anular a decisão impugnada para que o Tribunal a quo proceda, após baixa do processo para esse efeito, à dita ampliação do quadro fáctico relevante.

Donde que tenham de improceder as conclusões do Apelante em contrário.

2. - Quanto à não junção de documentos dos autos de Exec. 1050/20.... (conclusão III), invoca o Recorrente deverem os «factos 5., 6., 7., 8. e 9. ser dados como não escritos», porquanto «não foi dado cumprimento pelo Tribunal a quo ao que estabelece o art. 412º, nº 2 do CPC», o qual incorreu em omissão de junção ao processo de documento comprovativo (certidão judicial).

Ora, importa dizer – como expresso no acórdão agora proferido por este TRC no apenso “A” ([15]) – que, se num primeiro momento, não foi junta certidão judicial (e devia tê-lo sido, como pretende o Apelante), o que se deveu, como se perspetiva, a manifesto lapso, é seguro, por outro lado, que o lapso foi entretanto suprido, munindo-se o processo (aquele apenso “A”) da certidão em falta, a tempo de a questão poder ser cabalmente examinada pelo Tribunal ad quem, com aproveitamento também para o presente apenso “F”, ao que nada obsta, visto já que ocorre admissibilidade de aproveitamento do que consta do apenso “A”, em termos de aquisição processual de documentos relevantes para o processo interligado/dependente.

Assim é que, com o despacho de admissão do recurso no âmbito do apenso “A”, o Tribunal recorrido ordenou a junção a esses autos dos documentos considerados em falta (extraídos daqueloutra execução), os quais agora se encontram juntos a fls. 199 e segs. do processo físico desse apenso (certidão judicial, com nota de ter transitado em julgado).

Por isso, a questão está, a nosso ver, ultrapassada – também aqui –, por ter vindo a ser junta, ainda em tempo, a documentação em que se baseou aquele Tribunal e a mesma comprovar os factos em causa (também dados como assentes no apenso “A”), a não deverem, assim, ser dados como não escritos.

Em suma, encontrando-se agora cumprido o disposto no art.º 412.º, n.º 2, do NCPCiv., com aproveitamento para o presente recurso, nada haverá a alterar neste particular.

E, assim sendo, também não procedem as críticas no sentido da impertinência daquele impugnado factualismo, seja por referência ao contrato de locação financeira imobiliária celebrado (que, obviamente, só pode ser o mesmo, independentemente de estar junto a um ou outro dos apensos, aquele a que se reporta a relação material subjacente à livrança, sempre a mesma, discutida entre as mesmas partes, com referência à mesma execução), seja por via de um imputado caráter conclusivo, que não se pode ter como consubstanciado – quanto ao apurado facto 6, este com o seguinte teor: «Tal livrança, junta na execução principal, teve subjacente a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária n.º ..., cuja LOCATÁRIA é a sociedade executada “M..., unipessoal, Ld.ª”, subscrito pelo locador e locatária em 28 de maio de 2008.».

E também a questão da «tardia» junção do original da livrança se mostra já esclarecida, como analisado no acórdão proferido no âmbito do apenso “A”:

«Acresce que está comprovada a junção do título – livrança (original) – aos autos executivos de que o presente processo constitui apenso, junção essa (por “migração” de outro processo) ordenada judicialmente ([16]).

Junta tal livrança (original), irrelevante se torna, salvo o devido respeito, a inicial junção (provisória) de cópia do título cambiário, cópia essa agora inoperante por substituição, sendo, pois, o título cambiário original que importa contemplar para decisão do diferendo (…).».

Sendo que inexiste indevido aproveitamento de factos ou provas constantes da execução ou do anterior apenso “A”, tal como inexiste desconsideração de quaisquer elementos de prova apresentados no quadro dos presentes autos, não podendo colher, também nesta parte, a crítica de violação do «princípio de aquisição processual», visto o disposto no art.º 413.º do NCPCiv..

3. - Pretende o Apelante que se adite ao quadro da factualidade assente um conjunto de factos, mormente referentes à relação subjacente à livrança exequenda, incluindo, para além de invocadas comunicações/informações por «e-mail» e carta, pagamentos efetuados pela co-Executada “M...” e a alienação de um imóvel pela Exequente (o objeto do contrato de locação financeira imobiliária) – cfr. conclusão IV, de A. a N..

Ora, é patente, com todo o respeito devido por diverso entendimento, que não foi observado o contraditório no âmbito destes autos, visto ter sido proferida decisão de indeferimento liminar, termos em que a contraparte (Exequente/Embargado) não teve oportunidade de se pronunciar, de se defender do contra si aduzido (contra a sua pretensão executiva), alegando, por seu lado, o que entendesse, deduzindo impugnação ou oferecendo prova ou contraprova (exercício dos direitos de defesa e contraditório, nos planos alegatório e probatório).

Por isso, sem atuação do princípio do contraditório, não poderia dar-se tal factualidade como provada, o que – a acontecer – violaria o princípio da igualdade das partes, por se afastar uma delas, quanto a materialidade que lhe é desfavorável, da discussão de factualidade relevante para a solução do configurado litígio (cfr. art.ºs 3, n.ºs 1 e 3, e 4.º, ambos do NCPCiv.).

A propósito do «princípio da igualdade processual ou da paridade de armas», refere o Apelante (conclusão VIII) que, ante o «comportamento processual do exequente», ocorreu violação desse princípio (pelo Tribunal), convocando para tanto a apresentação do contrato de locação financeira pelo Exequente mediante «requerimento de 02.11.2021», isto é, já na pendência dos embargos do apenso “A” (deduzidos em 24/05/2021).

Ora, sobre esta matéria cabe enfatizar o seguinte (como já salientado no acórdão do TRC hoje proferido no âmbito daquele apenso “A”):

«Assim, sendo o regime da obrigação cartular distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação da obrigação no título, literalidade, em que o título se define pelos exatos termos que dele constem, autonomia do direito do portador legítimo do título e abstração, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem, basta à execução, fundada em título cambiário, a apresentação desse título e a não demonstração pelo demandado, no caso de título emitido/entregue em branco, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento ([17]).

O aval, por sua vez, configura-se como uma garantia da obrigação cambiária, destinando-se a garantir o seu pagamento. Assim, o avalista não é sujeito da relação jurídica estabelecida entre o portador e o subscritor da livrança, mas somente sujeito da relação subjacente ao ato cambiário do aval. A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado, mantendo-se mesmo no caso de a obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, como resulta do disposto no art.º 32.º da LULLiv. ([18]).

Ante, pois, a dita natureza e características dos títulos cambiários enquanto títulos executivos, bem se compreende que a parte exequente, desde que portadora legítima do título, não careça de alegar no requerimento executivo a relação subjacente.

Com efeito, se o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, certo é que a sua obrigação se mantém, até no caso de a obrigação garantida ser nula, a não ser que a nulidade decorra de um vício de forma.

Daqui se extrai, por um lado, que a obrigação do avalista é formalmente subsidiária/acessória da obrigação garantida, por isso dotada de uma extensão e de um conteúdo que se aferem pela obrigação da pessoa avalizada, nos moldes constantes do título, e, por outro lado, que a responsabilidade do avalista/garante é inequivocamente autónoma.

É, pois, consabido ([19]) ser à parte embargante, na oposição à execução, que invoca o preenchimento abusivo da livrança dada à execução (matéria de exceção), que caberá o ónus da alegação e prova dos factos ilustrativos do abuso invocado. O mesmo vale, mutatis mutandis, para quaisquer outros meios de defesa do executado, designadamente ligados à relação subjacente, como a inexistência da dívida exequenda, por não verificação de incumprimento contratual e falta de resolução (ou invalidade desta) do vínculo que motivou a emissão da livrança.

Efetivamente, a livrança em branco destina-se a ser preenchida pelo seu adquirente, sendo essa aquisição acompanhada da atribuição de poderes para o seu preenchimento (pacto ou contrato de preenchimento).

É indispensável à livrança em branco que dela conste a assinatura do subscritor, para além de outros possíveis obrigados cambiários (no caso, avalista), e que essa assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária, bastando ao respetivo exequente, como dito, a apresentação do título, ficando a aguardar que o demandado não demonstre qualquer fundamento de oposição que impeça/obstaculize o cabal exercício do direito creditório.

Se, assim, o executado, em sede de defesa/oposição, excecionar, com cabimento, a violação do pacto de preenchimento de letra ou livrança entregue em branco, ou outro relevante meio de defesa, então deve discutir-se a factualidade que seja alegada – desde logo a título de exceção, com o ónus probatório a cargo, naturalmente, do excecionante – pelas partes quanto a essa matéria de exceção.

Cabe, pois, ao opoente/excecionante o ónus de alegar e provar os factos constitutivos dessas exceções, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do CCiv. ([20]) ([21]).

Acresce que o Executado/Embargante está sujeito ao ónus de alegação dessa matéria de exceção (meios de defesa, ligados ou não à relação subjacente) na sua petição de embargos: é aí que devem ser deduzidos/concentrados todos os fundamentos de oposição à execução ([22]), ressalvada, logicamente, a possibilidade de superveniência a que alude o art.º 728.º, n.º 2, do NCPCiv. (mas também aí com obrigação de concentração na respetiva petição de embargos).

(…)

Não é, pois, ao exequente, na execução de título cambiário que caberá – designadamente, no requerimento executivo – alegar a factualidade referente à relação subjacente, seja ela relativa a um contrato causal da emissão da livrança e de que decorre a dívida, por via de incumprimento e resolução contratual, ou a outra qualquer causa debendi.

Assim, só teria de ser discutido nos autos se não houve incumprimento de obrigações contratuais e se o contrato não foi resolvido, no sentido de demonstrar a inexistência ou inexigibilidade da dívida, com os inerentes factos de suporte, se o Embargante tivesse, na petição de embargos, deduzido esses meios de defesa.

Ora, naquele articulado o Embargante limita-se, neste âmbito, a invocar que a contraparte, no requerimento executivo, não caraterizou devidamente, no plano fáctico, a causa de pedir, daí extraindo a consequência da ineptidão de tal requerimento executivo, bem como a pôr em causa o pacto de preenchimento e sua validade (mormente, por não comunicação/explicação do conteúdo de clausulado contratual geral respetivo e indeterminabilidade).

Assim sendo, tem de concluir-se que, por não invocados, no tempo próprio, os aludidos meios de defesa, não importa averiguar quanto a saber se não houve incumprimento de obrigações contratuais e se o contrato não foi resolvido, matéria que se prende com a relação subjacente, cujo ónus alegatório e probatório não pode, obviamente, ser transferido para a parte contrária (Exequente).

Para além disso, por não invocadas na sede própria, as respetivas questões sempre teriam de ser consideradas questões novas, na medida em que não conhecidas na sentença, de que o Tribunal de recurso não poderia, por isso, conhecer.

Donde que hajam de improceder as conclusões do Apelante em contrário, não sendo caso, neste âmbito, de alteração à matéria de facto, tal como não se justificaria o prosseguimento dos autos para apuramento de factualidade não alegada ou quanto a fundamento de defesa não oportunamente invocado.».

Por outro lado, como também dito (em nota) no acórdão do TRC proferido no apenso “A”, o Embargante/Recorrente ([23]) era, como apurado, o único sócio e gerente da sociedade devedora – atuando ele, por isso, invariavelmente, em representação dela –, bem se compreendendo que fosse seu avalista, motivo pelo qual teve intervenção na outorga do contrato de locação financeira e no pacto de preenchimento da livrança, tendo sido ele quem primeiro juntou aos autos a convenção de preenchimento de livrança em branco (cfr. factos apurados n.ºs 3 e 6 a 9), razão pela qual não poderia ignorar o ocorrido nesta matéria, designadamente as vicissitudes da relação assim estabelecida entre credor, devedora e avalista (este enquanto único sócio e gerente/representante daquela).

Ora, estas considerações são aplicáveis também ao presente apenso “F”, como logo decorre dos factos dos pontos 4 a 8 da decisão em crise ([24]), sendo patente que o Recorrente tem conhecimento pessoal do contrato de locação financeira, da livrança e do pacto de preenchimento desta desde o início da relação contratual, isto é, desde o tempo de celebração desse contrato (ano de 2008), em que foi outorgante.

Donde que a invocada junção pela contraparte apenas em 02/11/2021 desse contrato de locação financeira não pudesse constituir qualquer novidade para o Executado/Embargante/Apelante, que do mesmo tinha conhecimento desde o tempo da sua celebração, consabido ainda que era a ele, querendo, que cabia invocar a relação subjacente ao título cambiário e executivo.

Por isso, podia e devia o Embargante, na petição de embargos do apenso “A” deduzir todos os fundamentos de oposição que, ligados à relação subjacente, não fossem supervenientes, sob pena de preclusão, que não poderia ser contornada pela junção em 02/11/2021 desse contrato de locação financeira, cujo teor era dele sobejamente conhecido, a não poder, assim, oferecer apoio para a dedução de novos embargos de executado por via de superveniência quanto a eventos passados e conhecidos (ou facilmente cognoscíveis, mediante a diligência exigível e acolhimento/adoção da opção adequada de defesa).

Donde que não possa acompanhar-se, nesta perspetiva, a invocação de violação do princípio da igualdade das partes.

Aliás, afirma o Apelante (cfr. conclusão VII, in fine):

«Depreende-se do despacho liminar-sentença referido em I. que um contrato celebrado em 28.05.2008 e com vencimento previsto para 27.05.2023, estava reduzido ao momento em que foi formalizado!

O que, salvo o devido respeito, mais do que obscuro, não faz o menor sentido.

O embargante avalista não negou saber da existência da celebração do “contrato de locação financeira imobiliária”.

O que não sabia era o que tinha sucedido ao longo dos mais de 10 anos de duração do contrato?

Todos os pagamentos, depósitos, efetuados pela devedora principal, e o relacionamento comercial e financeiro da mesma com o exequente.».

Para reconhecer logo de seguida:

«Tal “contrato de locação financeira imobiliária” não fazia parte da causa de pedir do requerimento executivo, e foi a sua aparição em cena no apenso “A.” que espoletou a necessidade de apresentação dos presentes embargos.» (sublinhado aditado).

Ora, quanto ao assim afirmado, importa dizer que não pode confundir-se o contrato – incluindo-se aqui a celebração do vínculo e o seu conteúdo obrigacional – com a relação contratual, que decorre a partir daquele, como seu desenvolvimento/execução (para o futuro).

Assim, uma coisa é, obviamente, a celebração do contrato; outra, a sua decorrente execução. E essa execução, em tudo o que é temporalmente anterior à dedução da petição de embargos do apenso “A”, não pode ter-se, logicamente, como objetivamente superveniente, nem pode concluir-se, do mesmo modo, que se tornou conhecida pelo facto da junção do contrato pela contraparte (em consequência deste, no plano da superveniência subjetiva).

Já quanto ao assim reconhecido pelo próprio Apelante, deve notar-se que esta “confissão” sobre o que «espoletou» não deixa de ser relevante no âmbito da superveniência pretendida.

O Embargante conhecia esse contrato desde o início, no qual outorgou em representação da sociedade de que era único sócio e gerente e, como tal, o representante. E, se conhecia o contrato deste o tempo da sua celebração, então podia ter invocado essa matéria – a das vicissitudes da pretérita relação contratual subjacente ao título cambiário – no âmbito do anterior apenso “A”.

Já o conhecia muito antes da sua «aparição» nesse outro apenso, donde que não se mostre ocorrer superveniência quando se reconhece que foi o contrato, assim surgido, que tornou necessários os novos embargos.

Conhecido, desde o início, o contrato, estava o Embargante nas mesmas condições para invocar a relação subjacente – cujo ónus era seu – em que ficou com a «aparição» daquele no apenso “A”.

Se com a junção desse contrato optou por indagar junto da co-Executada, de que era o único sócio e gerente e representante, sobre o ocorrido ao longo dos anos pretéritos, no concernente à dita relação subjacente, é óbvio que, por bem conhecer o contrato desde a sua celebração, em que foi outorgante, e pela posição próxima em que se encontrava perante a devedora, logo podia – e devia – ter optado por tal indagação quando preparou e deduziu os embargos do apenso “A”.

O que não pode é, deixada passar essa oportunidade, com a decorrente preclusão, procurar contornar a sua inércia através do argumento/expediente da tardia junção do contrato, por quem não tinha o ónus de alegar e provar tal relação subjacente, para nisso fundar a pretendida superveniência.

Nessa parte, pois, não ocorre superveniência relevante, nem objetiva nem subjetiva, pelo que, também por isso, não poderia vingar a pretensão de alargamento da base fáctica da decisão liminar em crise à correspondente factualidade.

Assim, salvo o devido respeito, só poderia haver superveniência quanto a factos de ocorrência posterior à petição de embargos do apenso “A”, isto é, a 24/05/2021 ([25]), pelo que somente desses importaria cuidar.

Ora, a documentação – para além de se tratar de meios de prova documental e não de factos, como já visto – aludida na conclusão IV (de «2», A a N) ou é anterior a tal data de 24/05/2021 ou, se posterior, vem na sequência de tais embargos (apenso “A”), pelo que era aos mesmos, se relevante, que deveria ser junta, não sendo motivo atendível para abertura de nova frente, autónoma, de embargos.

Já o aludido na conclusão VII (de A a H) ou é anterior também a 24/05/2021 ou, se posterior, vem, igualmente, na sequência de tais embargos (apenso “A”), pelo que era aos/nos mesmos, se relevante, que deveria ser junta (se documentação) ou invocada (se materialidade factual), não sendo, também aqui, motivo atendível para abertura de nova frente, autónoma, de embargos.

Donde, assim sendo, que haja de improceder a pretensão de alteração do quadro fáctico da recorrida decisão liminar.

 

D) Da matéria de facto

Após sindicância pela Relação, é a seguinte factualidade apurada a considerar ([26]):

«1. Em 19 de Outubro de 2020, a exequente “S..., S. A.” instaurou a execução principal para pagamento de quantia certa contra os executados “M...ª”, BB e o aqui embargante AA, com base em livrança.

2. A livrança possui o valor de € 28.204,97 euros, com data de vencimento em 14/11/2018, subscrita pela executada pessoa coletiva e avalizada pessoalmente pelos demais executados pessoas singulares, entre eles o aqui embargante.

3. Na execução, o executado AA foi citado em 9 de fevereiro de 2021 (carta registada com aviso de receção assinada pelo próprio).

4. Em 24 de maio de 2021, o executado AA instaurou embargos à execução, que correm ainda como Apenso A.

5. Nesses embargos, o embargante AA juntou como Doc. 4 convenção de preenchimento de livrança em branco.

6. Tal livrança, junta na execução principal, teve subjacente a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária n.º ...50, cuja LOCATÁRIA é a sociedade executada “M..., unipessoal, Ld.ª”, subscrito pelo locador e locatária em 28 de maio de 2008.

7. Esse contrato de locação financeira imobiliária teve as assinaturas reconhecidas pelo notário, nos seguintes termos:

[mostra-se digitalizada parte de um documento, a fls. 57 v.º do processo físico, em modo fotográfico, impedindo o uso em modo de tratamento de texto ([27]).

Desse documento consta:

«KK

NOTÁRIO (…)

Reconheço a assinatura no documento anexo de AA, feita na minha presença pelo próprio, cuja identidade verifiquei em face da exibição do seu bilhete de identidade (…), que outorga na qualidade de único sócio e gerente e em representação da sociedade “M...”, (…), qualidade e poderes que verifiquei serem os necessários para este acto pela certidão permanente consultada (…).

A pedido dos interessados, foi exibida a licença de utilização n.º ...3 emitida a 02.04.2008 pela Câmara Municipal ... (…).

Coimbra, 28 de Maio de 2008.

(…)»]

(v. documento junto no apenso A em 02-11-2021).

8. Na convenção de preenchimento da livrança em branco, junta pelo embargante no apenso A, foram também reconhecidas notarialmente as assinaturas efetuadas nos seguintes termos:

[mostra-se digitalizada parte de um documento, a fls. 58 do processo físico, em modo fotográfico, impedindo o uso em modo de tratamento de texto.

Desse documento consta:

«Reconheço a assinatura no documento anexo de AA, feita na minha presença pelo próprio, cuja identidade verifiquei em face da exibição do seu bilhete de identidade (…), que outorga na qualidade de único sócio e gerente e em representação da sociedade “M...”, (…), qualidade e poderes que verifiquei serem os necessários para este acto pela certidão permanente consultada (…).

A pedido dos interessados, foi exibida a licença de utilização n.º ...3 emitida a 02.04.2008 pela Câmara Municipal ... (…).

Coimbra, 28 de Maio de 2008.

(…)»]

(v. documento junto no apenso A, em 02-11-2021).

9. Em 5 de dezembro de 2021, o embargante AA instaura novamente embargos à execução, alegando superveniência – o presente apenso F.».

E) Da substância jurídica do recurso

1. - Da violação do princípio da igualdade processual (conclusão VIII)

Neste âmbito, cabe apenas reiterar o já exposto supra, em III, C):

A invocada junção pela contraparte apenas em 02/11/2021 do contrato de locação financeira não poderia constituir qualquer novidade para o Executado/Embargante/Apelante, que desse conteúdo contratual tinha conhecimento desde o tempo da sua celebração (ano de 2008), consabido ainda que era a ele, querendo, que cabia invocar a relação subjacente ao título cambiário e executivo.

Por isso, podia e devia o Embargante, na petição de embargos do apenso “A” deduzir todos os fundamentos de oposição que, ligados à relação subjacente, não fossem supervenientes, sob pena de preclusão, que não poderia ser contornada pela junção em 02/11/2021 desse contrato de locação financeira, cujo teor era dele sobejamente conhecido, a não poder, assim, oferecer apoio para a dedução de novos embargos de executado por via de superveniência quanto a eventos passados e conhecidos.

Donde, pois, a improcedência, agora no plano jurídico (à luz do disposto no art.º 4.º do NCPCiv.), da invocação de violação do princípio da igualdade das partes.

2. - Da superveniência e decorrente tempestividade dos embargos (conclusões IX e X)

Importa, por fim, analisar – no plano de direito – a questão colocada da tempestividade, por superveniência, dos embargos deste apenso “F”, tendo em conta o disposto no art.º 728.º, n.º 2, do NCPCiv., com previsão dos casos em que «a matéria de oposição seja superveniente».

Como refere Rui Pinto ([28]), quanto à função da oposição mediante embargos à execução, este mecanismo processual «é uma ação declarativa incidental e especial, pela qual o executado exerce a sua defesa na execução, por certo fundamento processual ou material», bem se compreendendo que o impulso processual seja «feito por petição inicial, abrindo uma nova relação processual», embora não possa esquecer-se que, «dada a sua função de meio de defesa e dado o tipo de título executivo a que se opõe, a petição de embargos tem, em geral, o teor próprio da contestação, i.e., impugnatório e de dedução de exceções (cf. artigo 731.º) (…)».

No caso, deduzindo-se novos embargos de executado com fundamento em superveniência, esta (seja objetiva ou subjetiva) tem de ser reportada, como já dito, ao tempo da instauração dos embargos originários (apenso “A”), isto é, à data de 24/05/2021.

Assim, somente importam factos “novos” ou supervenientes, ocorridos (objetivamente) ou conhecidos (subjetivamente, se anteriores) após aquela data de 24/05/2021.

Ora, como já dito anteriormente [cfr. o exposto supra, em III, C)], o Embargante/Recorrente era o único sócio e gerente da sociedade devedora – atuando ele, por isso, invariavelmente, em representação dela –, com intervenção na outorga do contrato de locação financeira e no pacto de preenchimento da livrança, tendo sido ele quem primeiro juntou aos autos a convenção de preenchimento de livrança em branco (cfr. factos 4 a 8 apurados), razão pela qual não poderia ignorar o ocorrido nesta matéria, designadamente as vicissitudes da relação assim estabelecida entre credor, devedora e avalista (este enquanto único sócio e gerente/representante daquela).

Assim, é claro que o Recorrente tem conhecimento pessoal do contrato de locação financeira, da livrança e do pacto de preenchimento desta desde o início da relação contratual, isto é, desde o tempo de celebração desse contrato, em que foi outorgante (maio do ano de 2008).

Por isso, a invocada junção pela contraparte apenas em 02/11/2021 desse contrato de locação financeira não poderia constituir qualquer novidade para ele, que do mesmo tinha conhecimento desde o tempo da sua celebração, consabido ainda que era a si, querendo, que cabia invocar a relação subjacente ao título cambiário e executivo.

Insiste-se, pois, que podia e devia o Embargante, na petição de embargos do apenso “A”, deduzir todos os fundamentos de oposição que, ligados à relação subjacente, não fossem supervenientes, sob pena de preclusão, que não poderia ser contornada mediante o aproveitamento da junção em 02/11/2021 desse contrato de locação financeira, cujo teor era dele sobejamente conhecido, a não poder, assim, oferecer apoio para a dedução de novos embargos de executado por via de superveniência quanto a eventos passados e conhecidos.

Quanto ao mais, é o próprio Recorrente a reconhecer que, não fazendo o contrato de locação financeira imobiliária parte da causa de pedir do requerimento executivo, foi a sua «aparição» no apenso “A” «que espoletou a necessidade de apresentação dos presentes embargos».

Porém, não pode confundir-se o contrato – incluindo-se aqui a celebração do vínculo e o seu conteúdo obrigacional – com a relação contratual, que decorre a partir daquele, como seu desenvolvimento/execução (para o futuro).

Quanto à execução do contrato, em tudo o que é temporalmente anterior à dedução da petição de embargos do apenso “A”, não podendo ter-se, logicamente, como objetivamente superveniente, também não pode concluir-se, do mesmo modo, que apenas se tornou conhecida pelo facto da junção do contrato pela contraparte.

Se o Embargante conhecia o contrato deste o tempo da sua celebração, então bem podia, se normalmente diligente houvesse sido, como lhe era exigível ([29]), ter invocado essa matéria – incluindo a das vicissitudes da pretérita relação contratual subjacente ao título cambiário – no âmbito da sua defesa contra a execução já empreendida no anterior apenso “A”, onde, porém, se equivocou (como visto) quanto ao ónus de alegação e prova dessa relação subjacente (o ónus era seu e estava convencido que cabia à contraparte).

Já conhecia a materialidade contratual muito antes da «aparição» do documento contratual nesse outro apenso, donde que não se mostre ocorrer superveniência quando se reconhece que foi o contrato, assim aparecido, que tornou necessários os novos embargos, ao que, como se depreende, não será estranho o equívoco mencionado na originária organização da defesa contra a execução.

Conhecido, desde o início, o contrato, estava o Embargante nas mesmas condições para invocar a relação subjacente – cujo ónus era seu, mas no que se equivocou – em que ficou com a «aparição» daquele no apenso “A”.

Se com a junção desse contrato optou, a expensas suas, por indagar junto da co-Executada, de que era o único sócio e gerente e representante, sobre o ocorrido ao longo dos anos pretéritos (de execução contratual e suas vicissitudes), no concernente à dita relação subjacente, óbvio se torna que, por bem conhecer o contrato desde a sua celebração, em que foi outorgante, logo podia – e devia, se diligente houvesse sido, em vez de se equivocar de modo patente (perdoe-se-nos a expressão, e salvo sempre o devido respeito) – ter optado por tal indagação, em tempo normal (e de forma prudente), quando preparou a sua defesa, enquanto avalista na livrança, e deduziu os embargos do apenso “A”.

Deixada passar essa oportunidade processual e legal, com a decorrente preclusão, não pode obter cobertura para contornar a sua inércia através do argumento/expediente da tardia junção do contrato, por quem não tinha o ónus de alegar e provar tal relação subjacente, para nisso fundar a pretendida superveniência.

Nessa parte, pois, não ocorrendo superveniência relevante, nem objetiva nem subjetiva, não pôde vingar a pretensão de alargamento da base fáctica da decisão liminar, tal como não pode agora concluir-se por uma tempestiva dedução dos novos embargos.

Apenas poderia haver superveniência, nesta perspetiva, quanto a factos – e decorrentes fundamentos de oposição à execução – de ocorrência posterior a 24/05/2021, data da petição de embargos do apenso “A”.

Porém, como também visto já, a invocação/documentação convocada pelo Recorrente, desde logo, ou é de ocorrência anterior a 24/05/2021 ou, se posterior, vem na sequência dos embargos originários (apenso “A”), pelo que era aos respetivos autos, se relevante, que deveria ser junta, não sendo motivo atendível para abertura de nova frente, autónoma, de embargos de executado pelo mesmo Embargante ([30]).

Em suma, não se demonstra superveniência, antes havendo de concluir-se pela intempestividade/impertinência dos embargos empreendidos neste outro apenso (“F”).

Donde, pois, a improcedência do recurso, sendo de manter a decisão liminar impugnada.

 IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - É à parte embargante, na oposição à execução, que invoca a relação subjacente à livrança exequenda, enquanto matéria de exceção/meios de defesa, que cabe o respetivo ónus de alegação e prova.

2. - Esse ónus de alegação deve ser observado, de forma concentrada, na petição de embargos, sob pena de preclusão.

3. - Sendo o regime da obrigação cartular distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação da obrigação no título, literalidade, autonomia do direito do portador legítimo do título e abstração, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem, basta à execução, fundada em título cambiário, a apresentação desse título e a não demonstração pelo demandado, no caso de título emitido/entregue em branco, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento ou de outro fundamento válido de defesa/oposição.

4. - Se o avalista embargante, deduzindo embargos de executado, no pressuposto – erróneo – de caber ao exequente o ónus de alegação e prova da relação subjacente à livrança, não deduz de forma cabal os fundamentos de oposição que poderia invocar, não lhe pode aproveitar a junção aos autos, pela contraparte, do contrato subjacente à emissão da livrança – o qual aquele bem conhecia, por nele ter sido outorgante em representação da entidade devedora, de que era o único sócio e gerente, tal como outorgou, do mesmo modo, na convenção para o preenchimento dessa livrança – para, contornando a preclusão referente ao que não alegou na petição de embargos, vir oferecer novos embargos de executado, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 728.º do NCPCiv., sob invocação de superveniência, para aproveitar as possibilidades não exploradas da relação subjacente, designadamente em matéria de execução contratual.

5. - Assim, não pode colher a invocação de que só com a junção do documento do contrato subjacente pôde obter junto da entidade devedora informações e documentos relativos às vicissitudes da relação contratual, posto que, conhecendo o contrato desde a sua celebração, poderia, se tivesse agido de forma prudente e diligente – como lhe era devido –, ter optado por obter tais elementos aquando da preparação da sua defesa à execução no âmbito dos embargos originários.

6. - Não podendo esse expediente ser usado para contornar a dita preclusão e ultrapassar a errónea avaliação, que lhe é imputável, sobre o ónus de alegação e prova quanto à relação subjacente à livrança, é de concluir pela não verificação da invocada superveniência (objetiva ou subjetiva), originando a intempestividade/impertinência dos embargos subsequentes.


***

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo Embargante/Recorrente (vencido), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

                                                 ***

Coimbra, 28/06/2022

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro




([1]) Contra “M…”, … e ….
([2]) Segue-se no essencial, por economia de meios, o relatório da decisão recorrida.
([3]) Cfr. art.º 5.º da petição de embargos.
([4]) Cfr. art.º 6.º da mesma petição de embargos.
([5]) Cfr. pág. inicial do mesmo articulado de petição de embargos (fls. 03 do processo físico).
([6]) Vide art.ºs 14.º e segs. da petição de embargos.
([7]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([8]) Subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e com efeito meramente devolutivo.
([9]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([10]) Cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., p. 57.
([11]) Vide Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143.

([12]) Cfr. Manual de Processo Civil, p. 686.

([13]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (actual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([14]) Proc. 1932/19.8T8FIG.C1 (Rel. Emídio Francisco Santos), disponível em www.dgsi.pt.
([15]) Com a apelação de ambos os apensos a ser julgada em simultâneo, pelo mesmo coletivo.
([16]) Não obstante as tentativas – infrutíferas – de inversão do decidido, designadamente pela via recursiva, no quadro da execução anterior (declarada extinta por desistência, com decorrente desentranhamento e remessa do título/livrança para a execução aqui em discussão). Com efeito, como consta da certidão judicial extraída dos autos com o n.º 1059/20.0T8SRE-B.C1, em recurso neste mesmo TRC – certidão essa junta em 22/06/2022 (a ambos os apensos, em processo eletrónico), por ordem verbal do Relator, ao abrigo do disposto no art.º 412.º, n.º 2, do NCPCiv. –, ocorreu trânsito em julgado do acórdão, ali prolatado, datado de 10/05/2022, que manteve a decisão singular proferida pela Relatora em 30/12/2021, a qual, por sua vez, havia julgado improcedente a apelação e confirmado o despacho recorrido. Vale, pois, indubitavelmente, esse despacho recorrido, segundo o qual: «Atendendo ao teor do requerimento apresentado em 25-11-2020, complementado pelo requerimento de 02-12-2020, tendo sido extinta a presente execução por desistência da exequente, determino, em face do preceituado no art 442º/4 do CPC, o desentranhamento do original da livrança junta em 23/06/2020 e a remessa da mesma aos autos que correm termos neste Juízo 2, com o nº 2143/20.5T8SRE. // Notifique e comunique. // Oportunamente, arquive estes autos» (destaques aditados).
([17]) Assim o Ac. do STJ de 30/09/2010, Proc. 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), em www.dgsi.pt.

([18]) Cfr. ainda o aludido Ac. do STJ de 30/09/2010.
([19]) Cfr., por todos, deste mesmo coletivo, o Ac. TRC de 25/06/2019, Proc. 3867/16.7T8VIS-A.C1 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt.

([20]) Cfr. ainda o Ac. do STJ de 31/03/2009, Proc.º 08B3815 (Cons.ª Maria Pizarro Beleza), em www.dgsi.pt, considerando que cabe ao executado/opoente/embargante, excecionando o preenchimento abusivo de título cambiário “e, naturalmente, outros meios de defesa relativos à relação extra-cartular”, “o ónus da prova em relação aos factos constitutivos daquela excepção, ou destes outros meios de defesa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º do Código Civil (assim, por exemplo, os acórdãos de 24 de Maio de 2005, 14 de Dezembro de 2006, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 05A1347 e 06A2589 ou o já citado acórdão de 17 de Abril de 2008)”; no mesmo sentido, vide ainda o Ac. do STJ de 13/04/2011, Proc. 2093/04.2TBSTB-A L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos); o Ac. da Rel. Lisboa de 19/06/2007, Proc. 3840/2007-7 (Rel. Pimentel Marcos); o Ac. da Rel. Lisboa de 17/11/2009, Proc. 6501/07.2YYLSB-A.L1-7 (Rel. Luís Espírito Santo); e o Ac. da Rel. Lisboa, de 04/06/2009, Proc. 64872/05.1YYLSB-B.L1 (Rel. Ana Luísa Geraldes), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Veja-se ainda, deste mesmo Coletivo, o Ac. TRC de 17/01/2017, Proc. 3161/12.2TBLRA-A.C1 (Rel. Vítor Amaral), também em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário: «(…) 5. - Compete ao executado/embargante, que invoca a exceção do preenchimento abusivo da letra de câmbio emitida em branco ou outros meios de defesa relativos à relação extracartular, o ónus da alegação e prova da factualidade constitutiva da exceção/meios de defesa (art.º 342.º, n.º 2, do CCiv.). // 6. - Perante o vigente regime cartular, cabe, pois, a tal embargante demonstrar a inexistência ou inexigibilidade da dívida exequenda, não se impondo ao exequente, portador legítimo do título de crédito, assinado/subscrito pelo demandado, a prova – como teria de fazer em ação declarativa, se destituído de título executivo – da realidade/exigibilidade da dívida.».
([21]) Tal como é à parte embargante que cabe o ónus da alegação e prova de ter sido aposto no título cambiário (emitido em branco), como em dívida, um montante superior ao realmente devido (ou mesmo um montante não devido).
([22]) Como é consabido, os autos de oposição à execução apenas comportam, no figurino legal, dois articulados, um para cada parte, o requerimento de oposição (ou petição de embargos) e a correspondente contestação, (“sem mais articulados”, como se retira do disposto no art.º 732.º, n.º 2, do NCPCiv., e já antes, do mesmo modo, do disposto no art.º 817.º, n.º 2, do CPCiv./2007). Assim, apenas dispondo o executado/opoente de um articulado, nele está obrigado a deduzir/concentrar todos os fundamentos de oposição/defesa perante o exequente.  
([23]) Ali e também aqui, do mesmo modo.
([24]) Que, como se verá, não sofrerão alteração [cfr. quadro fáctico, exposto infra, em III, D)].
([25]) Matéria a que se voltará ulteriormente, no âmbito da questão da (in)tempestividade dos embargos por invocada oposição superveniente (plano jurídico).
([26]) A constante da decisão liminar sob recurso.
([27]) Cabe dizer que a digitalização e colagem de documentos (em modo fotográfico), ou de partes de documentos, no elenco dos factos provados, para além de não fazer a necessária destrinça adequada entre factos e documentos, não corresponde ao imperativo de discriminação fáctica a que alude o art.º 607.º, n.º 3, do NCPCiv., recorrendo/incorrendo, em nova versão, na difundida confusão de pretérito entre factos e documentos, quando, em adoção de prática não adequada, se dava simplesmente por reproduzido na parte fáctica da sentença o teor de determinados documentos, muito embora bem se soubesse – e continua a saber – que uma coisa são os factos e outra os documentos, que são apenas (estes) elementos de prova, servindo, pois, para prova dos factos, uns (os factos) a terem assento na parte fáctica da sentença e outros (os documentos) a serem, enquanto elementos/meios de prova, atendidos/valorados na justificação da convicção probatória do Tribunal (cfr. n.ºs 4 e 5 do mesmo art.º), e não mais. Bem se entende, assim, o exarado no Ac. TRC de 08/03/2022, Proc. 586/16.8T8PBL-C.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação pode ler-se: «A Mm.ª Juíza a quo não elaborou a sentença segundo o disposto, nomeadamente, no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte [“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (...)”] e 4 [“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (...)”] do CPC. // Na verdade, os citados normativos sobre a elaboração da sentença não foram devidamente observados quanto à factualidade a que se alude em (…), supra, sabendo-se que “os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados”, razão pela qual, na fixação da matéria de facto, sempre importará indicar, expressamente, os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor. // Ademais, se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, deverá o juiz selecionar os factos incluídos ou decorrentes de tais documentos que importem à decisão da causa (…)» (itálico aditado).
([28]) Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2018, p. 504.
([29]) Patrocinado/auxiliado até por profissional forense.
([30]) E também o aludido na conclusão VII (de A a H), como já notado, ou é anterior a 24/05/2021 ou, se posterior, vem, igualmente, na sequência de tais embargos (apenso “A”), pelo que era aos/nos mesmos, se relevante, que deveria ser junta (se documentação) ou invocada (se materialidade factual), não constituindo motivo atendível para novos/sucessivos embargos.