Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA CESSAÇÃO DO FORNECIMENTO PEDIDO DE MUDANÇA DE COMERCIALIZADOR POR TERCEIRO SUBSISTÊNCIA DO CONTRATO ORIGINÁRIO DEVER DE INDEMNIZAR | ||
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Data do Acordão: | 05/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 106.º-B, N.º 1, ALÍNEA C), 75.º, ALÍNEA K), E 143.º, DO REGULAMENTO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS DO SETOR ELÉTRICO, APROVADO PELA ERSE PELO REGULAMENTO N.º 561/2014, DE 22/12/2014, ALTERADO PELO REGULAMENTO N.º 632/2017, DE 21/12, E 406.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I – Ocorre mudança de comercializador de energia elétrica se a parte consumidora celebrar, para o local em questão, um contrato de fornecimento com outro comercializador. Não assim, se o pedido de mudança de comercializador foi apresentado por um terceiro, ocasionando um novo comercializador e um novo cliente.
II – Neste último caso, o contrato de fornecimento de energia elétrica com o anterior fornecedor e com o anterior titular não se extingue, pelo que é de ter como indevida a respetiva cessação por aquele fornecedor, que fica, por isso, constituído no dever de indemnizar os danos assim causados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Emídio Francisco Santos 1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves 2.ª Adjunta: Maria João Areias Processo n.º 1322/20.0T8CVL.C1
Acordam na 1.º Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
AA, residente na Avenida ..., ..., ..., propôs a presente acção declarativa com processo comum contra EDP Serviço Universal S.A., denominada actualmente SU Electricidade SA, com sede na Rua Camilo Castelo Branco, 43 – 1050-044 Lisboa, pedindo se condenasse a ré: Para o efeito alegou em síntese: A ré contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção. Na sua defesa alegou, em síntese, que procedeu efectivamente ao cancelamento do contrato de fornecimento de energia, mas fê-lo no cumprimento de instruções que lhe foram dadas no âmbito de um pedido de mudança de comercializador efectuado pelo autor; que era possível que, em consequência de tal pedido, o autor tenha visto a sua instalação cortada de energia; que esse facto era alheio à vontade da ré e apenas poderia ser imputado ao autor. Mediante requerimento do autor, foi admitida a intervir nos autos, na posição de ré, EDP Distribuição Energia SA. A interveniente, designada actualmente de E-REDES Distribuição de Eletricidade S.A., contestou a acção, mediante defesa por excepção e por impugnação. Em matéria de excepção, invocou a ilegitimidade dela para a acção. Em sede de impugnação, alegou que, para o local de consumo em questão nos autos, tinha havido um processo de alteração de titular do contrato de fornecimento de energia, mas que não se procedeu a qualquer interrupção ou fornecimento de energia eléctrica, sendo falso que a instalação do autor não estivesse a ser abastecida de energia eléctrica. No despacho saneador, o tribunal a quo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da interveniente. O processo prosseguiu os seus termos. Na audiência final, o autor desistiu do pedido em relação à interveniente. A desistência foi homologada por sentença, já transitada em julgado. Após a realização da audiência foi proferida sentença que decidiu: O recurso A ré não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se substituísse a sentença recorrida por decisão que julgasse improcedente a acção. Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: O autor não respondeu ao recurso. * Síntese das questões suscitadas pelo recurso: O recurso suscita questões de facto e de direito. Em sede de facto suscita a questão de saber se a prova indicada pela recorrente impõe a alteração da decisão de julgar provada a matéria do ponto n.º 5 e a de julgar não provada a matéria da alínea b), no sentido de se julgar, respectivamente, não provada aquela matéria e provada esta. Em sede de direito suscita a questão de saber se a sentença errou ao decidir que a ré, ora recorrente, violou o contrato de fornecimento de energia eléctrica e, em caso de resposta afirmativa, se a sentença é de revogar e de substituir por outra que julgue improcedente a acção. * Impugnação da decisão relativa à matéria de facto: (…). * Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados e não provados os seguintes factos: Provados: Não provados: * Resolução das questões de direito Como se escreveu acima, as principais questões de direito suscitadas pelo recurso são a de saber se a sentença errou ao decidir que a ré, ora recorrente, violou o contrato de fornecimento de energia eléctrica e a de saber, em caso de resposta afirmativa, se ela é de revogar e de substituir por decisão que julgue improcedente a acção, mais concretamente, o pedido de condenação da ré, ora recorrente, no pagamento de indemnização ao autor. A sentença sob recurso entendeu que a ré violou o contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre ela e o autor porque interrompeu o fornecimento de energia ao local de consumo em questão nos autos. A fundamentação da decisão consistiu em síntese no seguinte: A recorrente sustenta que não violou o contrato com base em síntese na seguinte linha argumentativa: Apreciação do tribunal: Como se vê da exposição efectuada, a recorrente sustenta que o corte do fornecimento de energia eléctrica ao local de consumo em questão nos autos ocorreu em consequência do cancelamento do contrato que ela celebrou com o autor e que tal cancelamento não lhe é imputável porque ocorreu na sequência de um pedido de mudança de comercializador e o processo de mudança é gerido por uma entidade externa (operador logístico de mudança de comercializador), limitando-se ela, ré, a receber o pedido de notificação do pedido de cessação do contrato. Salvo o devido respeito, a alegação da recorrente não procede. Em primeiro lugar, não é exacto dizer-se que, para o local de consumo em questão nos autos, houve apenas um pedido de mudança de comercializador. A situação seria de considerar como mudança de comercializador se o autor celebrasse, para o local em questão, um contrato de fornecimento com outro comercializador. Esta realidade, embora alegada pela ora recorrente, não se provou. A realidade provada foi a seguinte (realidade não alegada por nenhuma das partes): o pedido de mudança de comercializador para o local em questão foi apresentado por um terceiro (BB). Segue-se daqui que, para o local de consumo em questão, foi apresentado um novo comercializador e um novo cliente. Estava-se, pois, não apenas perante mudança de comercializador, mas também em face de mudança de cliente para o local de consumo em questão. Se, nos casos de mera mudança de comercializador, o contrato de fornecimento de energia eléctrica com o anterior comercializador extingue-se, por aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 106.º-B do Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico aprovado pela ERSE pelo Regulamento n.º 561/2014, de 22 de Dezembro de 2014, alterado pelo Regulamento n.º 632/2017, de 21 de Dezembro, já nos casos em que, para o local de consumo, ocorre mudança de comercializador e de titular tal não sucede. Com efeito, não decorre do Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico nem das disposições gerais sobre a eficácia dos contratos, designadamente do artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil, que, em tais hipóteses, o contrato de fornecimento de energia eléctrica com o anterior fornecedor e com o anterior titular se extingue. Vejamos. Segundo a já citada alínea c) do n.º 1 do artigo 106.º-B, do Regulamento acima citado, o que implica a cessação do contrato de fornecimento de energia eléctrica é a celebração pelo cliente de contrato de fornecimento com outro comercializador. Fora do alcance de tal alínea está a celebração, por um terceiro, de contrato de fornecimento para o local em questão com outro fornecedor. Por sua vez, de acordo com o n.º 2 do artigo 406.º do Código Civil, o contrato extingue-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, hipóteses onde também não cabe a celebração de contrato de fornecimento com outro fornecedor por parte de um terceiro, estranho ao contrato anterior. Em segundo lugar, é exacto que quem gere a mudança de comercializador é uma entidade externa, sendo que, à data dos factos, era a Agência para a Energia (ADENE), criada pelo Decreto-Lei n.º 223/2000, de 9 de Setembro (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 38/2017, de 31 de Março) e que essa mudança deve observar os procedimentos previstos na Directiva n.º 15/2018, de 10 de Dezembro emitida pela ERSE, em conformidade com o que que prevê o n.º 2 do artigo 143.º do Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico. Já não é, no entanto, exacta a alegação de que a ré procedeu ao cancelamento do contrato no cumprimento de instruções que lhe foram dadas na sequência do pedido de mudança de comercializador e que recebeu apenas um pedido de cancelamento do contrato. Com efeito, não está provado o concreto procedimento que levou a ré a cancelar o contrato de fornecimento celebrado com o autor. Não está demonstrado designadamente que a ré, ora recorrente, recebeu apenas uma notificação do chamado OLMC (operador logístico de mudança de comercializador) para cancelar o contrato com o autor. A realidade apurada é a de que a ré procedeu ao “cancelamento” do contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado com o autor, atendendo que lhe foi apresentado um pedido de mudança de comercializador efectuado por BB. O que se infere daqui é que o pedido de mudança foi apresentado à ré, ora recorrente, e que esta soube logo que quem estava a pedir a mudança de comercializador para o local em questão não era o autor, mas um terceiro. Sendo estas as circunstâncias conhecidas em que ocorreu o pedido de mudança de comercializador, a conclusão a retirar, face à alínea c) do n.º 1 do artigo 106.º-B, do Regulamento acima citado e ao n.º 2 do artigo 406.º do Código Civil é a de que a ré, ora recorrente fez cessar indevidamente o contrato de fornecimento de energia eléctrica que havia celebrado com o autor. Não merece, assim, censura a decisão a recorrida quando entendeu que a ré, ora recorrente, fez cessar indevidamente o contrato de fornecimento de energia eléctrica em questão nos autos. Como não merece censura na parte em que entendeu que foi indevida a suspensão do fornecimento de energia eléctrica. Vejamos. Segundo a alínea k) do n.º 1 do artigo 75.º do Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico acima citado, o fornecimento de energia eléctrica pode ser interrompido pelo operador de rede por facto imputável ao cliente quando, solicitada pelos comercializadores de último recurso, nas situações previstas no artigo 143.º. Estas situações são as de mudança de comercializador. A ré, ora recorrente, não está, no entanto, em condições de se prevalecer da citada alínea K). Na verdade, a aplicação de tal alínea pressupõe a mudança de comercializador nos termos previstos no artigo 143.º do Regulamento acima citado. E a mudança de utilizador ocorre nos termos de tal preceito quando o cliente contrata o fornecimento de energia eléctrica com outro comercializador. Ora, como se escreveu mais acima, o caso presente não é de considerar como de mera mudança de comercializador, mas antes o de mudança de comercializador e de titular do contrato, sendo que esta última situação não é abrangida pela alínea K) acima referida. Contra a pretensão da ora recorrente depõe ainda a seguinte razão de ordem processual retirada dos artigos 573.º e n.º 1 do artigo 627.º, ambos do CPC. Segundo o n.º 1 daquele preceito “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”. De acordo com o n.º 2 do mesmo preceito “depois da contestação, só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhece oficiosamente”. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 627.º afirma que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos. Decorre destes preceitos que está vedado ao recorrente servir-se do recurso para invocar contra a pretensão do autor, meios de defesa que podia ter deduzido na contestação ou depois da contestação, ao abrigo do n.º 2 do artigo 573.º, salvo aqueles de que o tribunal deva conhecer oficiosamente. Ao alegar em sede de recurso que procedeu ao cancelamento do contrato de fornecimento de energia no cumprimento de instruções que lhe foram dadas pelo Operador Logístico de Mudança de Comercializador [OLMC] atento o pedido de mudança de comercializador efectuado por um terceiro, quando na contestação justificou o cancelamento com o cumprimento de instruções que lhe foram dadas no âmbito de um pedido de mudança de comercializador efectuado pelo autor, a recorrente invoca uma realidade diferente como meio de defesa, que não é de conhecimento oficioso, o que lhe está vedado pelos preceitos acima citados. Por todo o exposto, é de julgar improcedente o recurso. * Decisão: Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. * Responsabilidade quanto a custas: Considerando a 1.º parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a ré, ora recorrente, ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesma nas respectivas custas. Coimbra, 30 de Maio de 2023
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