Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | 1540/17.8T8PBL.C1 | ||
Descritores: | VALORES MOBILIÁRIOS REGISTO REIVINDICAÇÃO USUCAPIÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO HERANÇA ABUSO DA PERSONALIDADE COLETIVA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 10/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 323.º, 1260.º, 1289.º, AL.ª B), 1298.º E 1299.º DO CÓDIGO CIVIL, 59.º, 73.º E 102.º DO CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS, 405.º, N.º 2, E 431.º, N.º 2, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Nos registos de titularidade de valores mobiliários, o que é objeto de registo junto do emitente não é o título, enquanto negócio causal de aquisição, mas a inscrição do direito.
II – A aceitarmos a tese de que a reivindicação das ações da herança teria de ser efetuada por todos os herdeiros, a incompatibilidade ou conflitos de interesses entre um dos herdeiros e os interesses da própria herança caberia no conceito de força maior enquanto causa suspensiva do decurso do prazo prescricional. III – A posição assumida pelos restantes herdeiros, quer no inventário, quer nas ações de anulação de deliberações sociais que interpuseram contra determinada sociedade anónima – deixando em tais processos clara a sua posição de que, inexistindo qualquer partilha verbal de tais ações, a doação que se lhes seguiu sempre seria nula, considerando tais ações como bens da herança –, é idónea a produzir efeitos interruptivos da posse que relativamente às mesmas vinha sendo exercida pela autora. IV – A invocação por parte da autora, do estatuto de autonomia da personalidade jurídica coletiva, distinta da personalidade do seu então acionista quase único e presidente do Conselho de Administração, e da sociedade de quem era sócia dominante e cujos órgãos de administração haviam sido nomeados com o seu voto único, para efeitos de negar o conhecimento judicial da questão da titularidade das ações controvertidas em processos em que aquele acionista e esta sociedade foram partes, constituiu um abuso da personalidade coletiva. V – O reconhecimento de tal abuso da personalidade coletiva impedirá a autora de se valer dos efeitos da autonomia jurídica daí decorrentes, nomeadamente, negando o conhecimento judicial que lhe adveio das ações em que foram intervenientes principais o seu acionista quase único e a sociedade com a qual se encontrava numa relação de domínio. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 1450/17.8T8PBL-A.C1 – Apelação
Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Paulo Correia 2º Adjunto: Helena Melo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO CCM..., S.A., intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra: 1. AA 2. BB 3. CC, pedindo: a) seja a A. reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 1.418.000 ações tituladas nominativas, representativas de 56,72% do capital social da ADM..., S.A. (identificadas no artigo 11.º supra), condenando-se os RR. a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências; b) seja a A. reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 304.476 ações, representativas de 12,18% do capital social da ADM..., S.A. (identificadas no artigo 11.º supra), condenando-se os RR. a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências; c) seja a A. reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 55.524 ações, representativas de 2,22% do capital social da ADM..., S.A. (identificadas no artigo 11.º supra), condenando-se os RR. a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências.
Alegando, para tal e em síntese: a Autora, CCM..., S.A., que figura como sociedade gestora de participações sociais, sendo titular de 1.778.000 ações, tituladas e nominativas, representativas de 71,12% do capital social da ADM..., S.A. pretendendo, com a presente ação, ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre os mesmos títulos com base na sua aquisição originária por usucapião, pretensão que dirige contra os Réus AA, e BB [cada um titular de 361.000 ações representativas de 14,44% do capital social desta sociedade] e CC [que antecedeu a sociedade Autora na propriedade e posse das ações], por estes assumirem condutas tendentes a pôr em causa o seu direito; as sobreditas ações foram-lhe transmitidas [ou para sociedades por si participadas], por intermédio de endosso, pelo Réu CC – 1.418.000 ações em 20 de janeiro de 2011, 304.476 ações em 7 de dezembro de 2012 e 55.524 ações em 31 de julho de 2013, com subsequente registo das sobreditas transmissões no livro da sociedade ADM..., S.A.; a autora vem exercendo, de forma contínua, pública e de boa-fé, atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre as participações supramencionadas, atuação por si diretamente desenvolvida desde as datas em que o 3º Réu, CC, operou a correspondente transmissão por reporte a cada um dos referidos blocos de ações; numa conduta que nunca foi obstaculizada pelos 1º e 2º Réus, podendo, de qualquer forma, aceder à posse materializada pelo 3º Réu, pois que o mesmo ingressou no domínio das sobreditas participações – i) em 18 de janeiro de 2011 quanto a 1.418.00 ações; ii) em 10 de janeiro de 2011 quanto a 204.167 ações e iii) em 25 de Março de 1996, quanto a 77.000 ações. Os 1º e 2º réus, BB e AA, apresentam Contestação, alegando, em síntese: reconhecendo que a Autora se acha titular de 77.000 ações da ADM..., S.A., por lhe terem sido transmitidas pelo 3ºRéu, CC, enquanto seu legítimo possuidor e proprietário, rejeitam, no demais, os direitos invocados pela Autora sobre as restantes ações, ações essas que figuravam como bem comum do casal composto por DD e EE, casados no regime da comunhão geral de bens e que titulavam, à data do óbito de EE, [ocorrido em 16 de .../.../2007], num total de 90,76% do capital social de tal sociedade, não tendo, até à data, tais participações sociais sido objeto de partilha; DD, exercendo funções como Cabeça de Casal no inventário por óbito de EE – que correu termos neste Tribunal sob o n.º 326/12.... –, pretendeu excluir as sobreditas ações da correspondente relação de bens, invocando, para tanto, a materialização, em 10 de Janeiro de 2011, de uma partilha verbal e extrajudicial das mesmas participações por intermédio da qual teriam cabido 1.418.126 ações ao Cabeça de Casal e 283.625 ações a cada um dos aqui Réus; tendo o DD, nesse seguimento, doado as suas 1.418.126 ações ao aqui 3º Réu, CC [o qual as transmitiu, posteriormente, para a Autora]; no entanto, tal partilha nunca ocorreu, pelo que, as participações sociais continuam a integrar o acervo hereditário aberto por óbito de EE; a subsequente doação concretizada por DD ao 3º Réu CC [ou qualquer ulterior transmissão] acha-se nula ou ineficaz relativamente à herança de EE ou em face dos demais herdeiros, o que inviabiliza a possibilidade de aquisição das ações pela Autora por usucapião, o que, aliás, sempre representaria um manifesto abuso de direito. Concluem, afirmando que essa mesma realidade é do conhecimento de todos os sujeitos processuais e foi já reconhecida por acórdão transitado em julgado proferido no processo n.º 894/11...., consistente numa ação de anulação de deliberações sociais proposta pelo Réu AA contra a sociedade, ADM..., S.A. * Iniciada a audiência prévia (a requerimento da autora), por sessão de 24-05-2021, a autora aproveitou para juntar aos autos requerimento de Aperfeiçoamento/ Concretização da Petição Inicial”, requerimento que foi objeto de despacho na sessão de 06-07-2021, a considerá-lo inadmissível, determinando o seu desentranhamento. Mais aí se determinou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de o processo fornecer já elementos para o conhecimento do mérito e para procederem à discussão de facto e de direito prévia a esse possível conhecimento do mérito da causa. Por requerimento de 27.10.2021, a Autora veio alegar que, tendo sido proferida decisão singular no âmbito da Apelação em separado sobre o despacho de inadmissibilidade do requerimento de aperfeiçoamento apresentado na sessão de audiência prévia que teve lugar no dia 24.05.2021, despacho que revogou tal decisão, “impõe-se a reabertura da audiência prévia, em linha com o previsto no artigo 591º do CPC, em particular com o disposto na al. c) do seu nº1, e nos artigos 5º, nº2, alínea b) e 7º do CPC, do CPC.”. * O juiz a quo proferiu despacho a indeferir a reabertura de tal audiência prévia, após o que proferiu: Despacho a conhecer do mérito da causa, que culmina com a seguinte: a) V. DECISÃO Pelo exposto e em conformidade com os preceitos citados, decide-se 1) Julgar a presente ação como parcialmente procedente e, em consequência, condenar os Réus AA, BB e CC, a reconhecer a Autora CCM..., S.A., como legítima possuidora e proprietária de 77.000 ações representativas do capital social da ADM..., S.A.. Custas pela Autora CCM..., S.A. [artigos 527.º e, quanto às 77.000 objeto de procedência, 535.º, n.º 1 do Código de Processo Civil no artigo 11.º supra), condenando-se os RR. a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências. * Inconformada, a autora interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: OBJETO DO RECURSO; ENQUADRAMENTO FACTUAL (1) O presente Recurso tem por objeto o Saneador-Sentença proferido no dia 30.01.2022, pelo qual o Tribunal a quo julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu a Recorrente como legítima possuidora e proprietária de apenas 77.000 ações representativas do capital social da ADM..., S.A. (“Sentença Recorrida”). (2) O Tribunal a quo omitiu, porém, no segmento decisório da Sentença Recorrida qual a sua decisão relativamente a parte do pedido formulado pela Recorrente — em concreto, quanto às restantes 1.701.000 ações representativas do capital da ADM..., S.A. (“ações controvertidas”) —, o que determina a nulidade da referida Sentença. (3) Sem prejuízo, da fundamentação da Sentença Recorrida pode inferir-se que a decisão do Tribunal a quo seria no sentido de julgar a presente ação improcedente no que respeita ao reconhecimento e declaração da posse e propriedade da Recorrente relativamente às restantes 1.701.000 ações representativas do capital social da ADM..., S.A., pelo que vem o presente recurso interposto da Sentença Recorrida nessa parte. (4) Conforme se verá, a argumentação do Tribunal a quo para fundamentar a improcedência parcial da presente ação carece manifestamente de fundamento — e, inclusivamente, baseia-se numa interpretação contra legem das normas invocadas pelo Tribunal a quo para o efeito —, impondo-se a revogação da Sentença Recorrida e a sua substituição por outra que reconheça e declare que a Recorrente é a legítima possuidora e proprietária das ações controvertidas, tudo conforme peticionado na Petição Inicial. (5) Resulta dos factos carreados para os autos pelos Recorridos que as ações controvertidas se encontravam, inicialmente, na propriedade dos pais dos Recorridos, os Srs. DD e EE, os quais se encontravam casados em regime de comunhão geral de bens. (6) Apesar de a partilha das ações da ADM..., S.A. constantes da herança da Sra. EE não ter sido feita com a observância das formalidades impostas por lei — por ter sido feita verbalmente —, a mesma terá respeitado as regras injuntivas relativamente à quota parte da herança que deve ser atribuída a cada herdeiro. (7) Não obstante, os Recorridos AA e BB reagiram contra esta partilha verbal no âmbito do processo de inventário por óbito da Sra. EE, tendo o Tribunal remetido a questão da titularidade das ações da ADM..., S.A. objeto daquela partilha — entre as quais se encontram as ações controvertidas — para os meios comuns. (8) Desde 2014 até à presente data, os Recorridos AA e BB nunca recorreram aos meios comuns para determinar a questão da titularidade das ações da ADM..., S.A. objeto de partilha em 2011. O que indicia que os Recorridos AA e BB respeitam a vontade do seu pai e não a querem verdadeiramente contrariar. (9) Mais: como resulta dos autos, apesar de terem conhecimento de que o Recorrido CC tinha transmitido as ações controvertidas à Recorrente, nunca os Recorridos AA e BB — ou a herança da Sra. EE — reagiram contra a Recorrente no sentido de reclamar as ações controvertidas para a herança. (10) Em 2013, a ADM..., S.A. e todo o grupo empresarial encabeçado pela Recorrente foi objeto de uma operação de reestruturação, protagonizada pelo Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR, que injetou liquidez nas empresas e adquiriu créditos bancários sobre o grupo em montante global superior a 100 milhões de euros. A operação de reestruturação implicou que metade do capital social da Recorrente fosse alienado pelo Recorrido CC a uma sociedade detida pelo fundo, pelo valor simbólico de 1 euro. (11) Em 2017, o Recorrido CC foi suspenso judicialmente e, posteriormente, destituído da administração do grupo, por explorar ocultamente um grupo paralelo de empresas concorrentes e desviar sistematicamente recursos da ADM..., S.A. e das demais empresas detidas pela Recorrente para essas empresas concorrentes, assim violando o seu dever fiduciário de lealdade e causando mais de 2 milhões de prejuízos (cf. Acórdãos proferidos por este Venerando Tribunal no processo n.º 4039/17....). (12) A partir de então, o Recorrido CC deixou de ser o rosto visível da ADM..., S.A. e da Recorrente, estando a reestruturação do grupo a ser assegurada por uma administração profissional e transparente. Nessa sequência, foi submetido um substabelecimento neste processo e apresentado um articulado de aperfeiçoamento com os detalhes da causa de pedir apurados pela nova administração da Recorrente. (13) Embora seja evidente que o desfecho do presente litígio é absolutamente capital para a reestruturação do grupo e para proteção do terceiro investidor que, de boa-fé e com recurso a fundos próprios, confiou nessa reestruturação, a verdade é que, infelizmente - e dizemo-lo com todo o devido respeito -, o Tribunal a quo não revelou qualquer sensibilidade para a delicadeza do litígio, tendo manifestado várias vezes, no decurso da audiência prévia, a intenção de, seja como for, indeferir imediatamente a pretensão da Recorrente. Ao ponto de não prestar a devida obediência a uma decisão deste Tribunal ad quem no sentido de admitir o aperfeiçoamento dos articulados. DAS NULIDADES DE QUE PADECE A SENTENÇA RECORRIDA – DA NULIDADE POR DESOBEDIÊNCIA AO TRIBUNAL SUPERIOR (E POR PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA) (14) Em sede de audiência prévia realizada no dia 24.05.2021, mediante apresentação de articulado de aperfeiçoamento e concretização da Petição Inicial, a Recorrente veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), e 7.º do CPC, aperfeiçoar/complementar alguns artigos da Petição Inicial, tendo, ainda, juntado nova documentação aos autos. (15) O Tribunal a quo, por meio de despacho proferido em sede da sessão da audiência prévia realizada no dia 06.07.2021, considerou que o Articulado de Aperfeiçoamento apresentado pela Recorrente não era admissível. (16) Este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, por meio de Decisão singular proferida em 22.10.2021 e apreciando o recurso interposto pelo Recorrente, reverteu o despacho proferido pelo Tribunal a quo, tendo concluído estarem em causa, no Articulado de Aperfeiçoamento, factos complementares e concretizadores, e não meramente instrumentais (como concluíra o Tribunal de primeira instância) ou principais. (17) Sucede, porém, que o Tribunal a quo, embora tenha, por fim, admitido o Articulado de Aperfeiçoamento, desconsiderou totalmente o ordenado pelo Tribunal ad quem relativamente à relevância dos factos contidos no Articulado de Aperfeiçoamento, tendo indeferido o pedido de reabertura da audiência prévia formulado pela Recorrente e desconsiderado em absoluto os factos aperfeiçoados/complementados pela Recorrente, não os transitando para a Sentença Recorrida. (18) O Tribunal ad quem, ao ordenar a admissão do Articulado de Aperfeiçoamento, foi claro e expresso no sentido de considerar que os factos nele vertidos eram relevantes e tinham a virtualidade de influir no conhecimento da causa, razão pela qual deviam constar dos presentes autos, pelo que, ao consignar o que consignou na Sentença Recorrida, o Tribuna a quo desrespeitou flagrantemente a ordem direta proveniente do Tribunal ad quem, omitindo assim vários atos que a lei prescreve e cuja omissão influiu no exame e decisão da presente causa, incorrendo, assim, na nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. (19) Com efeito, face ao decidido pelo Tribunal Superior, o Tribunal a quo não só deveria ter acedido ao pedido de reabertura de audiência prévia deduzido pela Recorrente formulado no seu requerimento datado de 27.10.2021, como deveria, pelo menos, ter vertido os factos aperfeiçoados e complementados nos temas da prova ou no elenco dos factos provados — o que, claramente, não fez. (20) É entendimento unânime na jurisprudência que o presente recurso é o momento adequado à alegação da nulidade processual em causa, porquanto esta se encontra coberta por uma decisão judicial que determinou que os autos não deveriam prosseguir. (21) Nestes termos, deve o Tribunal ad quem declarar a nulidade da Sentença Recorrida e substituí-la por despacho que determine o prosseguimento dos autos e a reabertura da audiência prévia para efeitos do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alíneas c) e f), do CPC. DAS NULIDADES DE QUE PADECE A SENTENÇA RECORRIDA – DA NULIDADE POR OMISSÃO DE CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO (22) O Tribunal a quo veio, ainda, para grande espanto da Recorrente, afirmar na Sentença Recorrida que a Recorrente falhou em concretizar determinados factos que, no entender do Tribunal a quo, consubstanciam factos essenciais para o conhecimento cabal do mérito da causa. (23) A contradição das atuações do Tribunal a quo é manifesta: ou bem que os factos alegados pela Recorrente na Petição Inicial são suficientes e não careciam de aperfeiçoamento/concretização nos termos do Articulado de Aperfeiçoamento, ou bem que os factos alegados pela Recorrente na Petição Inicial sofrem de insuficiências ou imprecisões e, por conseguinte, carecem de densificação, situação em que o Tribunal a quo não só deveria ter considerado o Articulado de Aperfeiçoamento, como também deveria ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar as deficiências e insuficiências que alegadamente encontrou. (24) O que não é possível é o Tribunal a quo considerar que existem insuficiências ou imprecisões nos factos alegados na Petição Inicial e, ao mesmo tempo, desconsiderar totalmente o Articulado de Aperfeiçoamento e não convidar a Recorrente a aperfeiçoar e concretizar os factos cujo aperfeiçoamento e concretização não foi feito no âmbito daquele articulado. (25) Este convite ao aperfeiçoamento dos articulados, previsto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC, como foi já admitido pelo Tribunal a quo no despacho que indeferiu o Articulado de Aperfeiçoamento, corresponde a um poder-dever do juiz. (26) Sendo o convite ao aperfeiçoamento por parte do Tribunal a quo um dever deste quando se depara com o que considera serem insuficiências ou imprecisões do alegado na Petição Inicial, a consignação na Sentença Recorrida de que a alegação do Recorrente na Petição Inicial carecia de ser concretizada sem a prolação do correspondente convite ao aperfeiçoamento constitui uma omissão de um ato que a lei prescreve, omissão esta que tem manifesta influência no exame e decisão da presente causa. (27) Assim, também neste âmbito constitui a prolação da Sentença Recorrida uma nulidade nos termos do artigo 195.º do CPC, a qual é sindicável em sede de recurso, nulidade esta que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais, devendo, em consequência, o Tribunal ad quem anular a Sentença Recorrida e ordenar ao Tribunal a quo que profira despacho pré-saneador, convidando a Recorrente a concretizar e aperfeiçoar os pontos da matéria de facto por si alegada na Petição Inicial que o Tribunal a quo considera insuficientemente ou deficientemente alegados. DAS NULIDADES DE QUE PADECE A SENTENÇA RECORRIDA – DA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO (DECISÃO SURPRESA) (28) A norma ínsita no n.º 3 do artigo 3.º do CPC — e este princípio, o qual é uma verdadeira manifestação do direito constitucional de defesa previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP — têm como objetivo, entre outros, o de evitar decisões surpresa, i.e., decisões que sejam proferidas sem que a devida possibilidade de contraditório prévio seja concedida às partes. (29) A jurisprudência superior é clara no sentido de existir violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC quanto a uma decisão do Tribunal que, tendo procedido a um enquadramento jurídico completamente diferente daquele até então formulado pelas partes, proferiu decisão sem ter o cuidado de, previamente, conceder o contraditório. (30) In casu, o princípio do contraditório inscrito no artigo 3.º, n.º 3, do CPC foi violado pelo Tribunal a quo no que respeita à aplicação do instituto do abuso do direito em relação à usucapião invocada pela Recorrente, sendo forçoso concluir que a Sentença Recorrida — por concluir pela aplicação do referido instituto — configura uma verdadeira decisão surpresa. (31) Com efeito, ao longo das duas sessões da audiência prévia e dos diversos despachos proferidos nos autos nunca, em momento algum, o Tribunal a quo sequer aflorou o instituto do abuso do direito ou manifestou qualquer intenção em considerá-lo no âmbito da decisão de fundo a proferir nos presentes autos, nunca tendo sido concedida à Recorrente qualquer oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo. (32) A doutrina tem configurado a nulidade resultante da prolação de decisões surpresa — como é o presente caso — como uma nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a qual, nos termos do n.º 4 deste artigo deve ser invocada em sede de recurso da decisão proferida. (33) Mas mesmo que não se acolha este entendimento, sempre se tem de considerar que a ocorrida violação do princípio do contraditório consubstancia uma nulidade processual nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na medida em que foi omitida uma formalidade que a lei prescreve (cfr. artigo 3.º, n.º 3 do CPC e artigo 20.º, n.º 4, da CRP), formalidade esta que pode influir, como influiu, no exame e decisão da presente causa. (34) Em face do exposto, por consubstanciar uma decisão surpresa, deve a Sentença Recorrida ser anulada, sendo o presente processo devolvido ao Tribunal a quo para que a Recorrente tenha oportunidade de se pronunciar sobre a concreta aplicação do direito que o Tribunal a quo pretende aplicar ao presente caso. (35) Sem prejuízo, cumpre acrescentar que a jurisprudência e a doutrina são unânimes no sentido de que o momento adequado para a pronúncia das partes sobre a concreta solução de direito que o Tribunal a quo pretendia aplicar — abuso de direito — era a audiência prévia (cfr. artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC). (36) A preterição da realização da audiência prévia consubstancia a omissão de um ato que a lei prescreve, omissão esta que pode influir no exame e decisão da presente causa e, por conseguinte, se traduz numa nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, a qual, por se encontrar a coberto de um despacho — in casu, a Sentença Recorrida — é sindicável por via do presente recurso. (37) Assim, também nestes termos deve o Tribunal ad quem anular a Sentença Recorrida e ordenar ao Tribunal a quo a reabertura da audiência prévia para que as Partes tenham a oportunidade de exercer o contraditório sobre a concreta aplicação do instituto do abuso de direito feita pelo Tribunal a quo na Sentença Recorrida. (38) Mas mais: a par da figura do abuso do direito, o Tribunal a quo sinaliza, na Sentença Recorrida, outras figuras e construções jurídicas — entre as quais, a desconsideração da personalidade jurídica e os efeitos do caso julgado —, apenas as enunciando, sem ter o cuidado de esclarecer como configura a sua aplicação ao caso concreto, deste modo coartando materialmente a possibilidade de a Recorrente se defender previamente da solução final que, com todo o respeito, se revela esdrúxula ou, no mínimo, incomum e surpreendente. DAS NULIDADES DE QUE PADECE A SENTENÇA RECORRIDA – DA NULIDADE POR PRETERIÇÃO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO (39) A decisão do Tribunal relativamente à improcedência da aquisição pela Recorrente das ações controvertidas por usucapião tem subjacente o entendimento do Tribunal a quo de que tais ações pertencem ao acervo hereditário da Sra. EE. (40) Assim sendo — o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona —, então sempre se dirá que, não figurando na presente ação a suposta legítima proprietária das referidas ações (a herança jacente), ocorreu preterição de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do artigo 33.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, por cuja sanação se impunha ao Tribunal a quo providenciar. (41) Com efeito, para que a Sentença Recorrida pudesse regular definitivamente a questão da propriedade das ações controvertidas, seria necessário que a herança da Sra. EE fosse parte no presente litígio, ao lado (ou, até, em substituição) dos restantes Réus, ora Recorridos. (42) Não tendo a herança da Sra. EE sido parte nos presentes autos, estamos perante uma preterição de litisconsórcio necessário nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 33.º do CPC e 2087.º e 2091.º do CC, a qual determina a ilegitimidade das partes, o que consubstancia uma exceção dilatória que, não sendo suprida, acarreta a absolvição da instância (cfr. artigos 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e), todos do CPC). (43) Esta exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos artigos 578.º e 608.º, n.º 1, ambos do CPC, pelo que incumbia ao Tribunal a quo ter convidado a Recorrente a sanar essa exceção dilatória, mediante intervenção principal provocada da herança jacente, nos termos do disposto no artigo 316.º do CPC, o que deveria ter feito ao abrigo do dever de gestão processual que sobre ele impende, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CPC, mediante proferimento de despacho pré-saneador, nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 590.º do CPC. (44) A omissão por parte do Tribunal a quo desta formalidade prescrita por lei consubstancia uma nulidade processual, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, a qual é suscetível de arguição em sede de recurso, nulidade essa que desde já se argui, para todos os efeitos legais, devendo o Tribunal ad quem anular a Sentença Recorrida e devolver o presente processo ao Tribunal a quo para que o mesmo providencie oficiosamente pela sanação da preterição do litisconsórcio necessário supra referido. (45) Adicionalmente, relembre-se que, no artigo 45.º da Petição Inicial, a Recorrente alega que entre os vários atos materiais que praticou enquanto possuidora e proprietária das ações controvertidas se encontra a dação das ações controvertidas em penhor a favor do Banco Espírito Santo, S.A. (atualmente Novo Banco, S.A.), facto este que foi aperfeiçoado e concretizado no artigo 5. do Articulado de Aperfeiçoamento. (46) É defensável que sem a presença do credor pignoratício no presente litígio, uma qualquer decisão a proferir nos presentes autos nunca poderá regular definitivamente o litígio social sobre as ações controvertidas, pois tal decisão nunca poderia afetar os direitos reais de garantia que foram conferidos ao Novo Banco, S.A. pela Recorrente. (47) Caso assim se considere, também pela ausência do Novo Banco, S.A. no presente litígio existiria uma preterição de litisconsórcio necessário, cuja ausência de suprimento oficioso pelo Tribunal a quo gera uma nulidade processual nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, suscetível de arguição em sede de recurso e que determina a nulidade da Sentença Recorrida e a devolução do presente processo ao Tribunal a quo. DAS NULIDADES DE QUE PADECE A SENTENÇA RECORRIDA – DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E FUNDAMENTAÇÃO NO ÂMBITO DO SEGMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA RELATIVO À FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO (48) A Recorrente alegou, tanto na sua Petição Inicial, como no posterior Articulado de Aperfeiçoamento, um conjunto de factos essenciais integrantes da sua causa de pedir — cuja consideração pelo Tribunal a quo se revela indispensável para a apreciação do pedido deduzido pela Recorrente na sua Petição Inicial — que não constam da Sentença Recorrida, quer do elenco de factos provados, quer do elenco factos não provados (que, aliás, não existe). (49) Com efeito, o Tribunal a quo excluiu do elenco de factos provados da Sentença Recorrida os artigos 12.º a 20.º, 22.º a 38.º e 41.º a 76.º da Petição Inicial, bem como os pontos 13 a 14 do Articulado de Aperfeiçoamento, os quais dizem respeito ao exercício da posse sobre as ações controvertidas pela Recorrente e o lapso de tempo que decorreu desde o início da posse (ou seja, factos essenciais de que dependem a aquisição originária por usucapião). (50) Tratando-se de factos essenciais constitutivos da causa de pedir da Recorrente, impendia sobre o Tribunal a quo o dever de se pronunciar sobre os referidos mesmos, conforme decorre do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, o qual é necessário conjugar com o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CPC. (51) Ao não se ter pronunciado sobre os referidos factos essenciais constitutivos da causa de pedir no âmbito da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre algumas das questões que deveria obrigatoriamente apreciar, o que, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC constitui uma nulidade da Sentença Recorrida, a qual expressamente se invoca para todos os efeitos legais. (52) Sem prejuízo, e caso se entenda não estar em causa uma nulidade por omissão de pronúncia — o que não se concede, mas apenas por cautela de patrocínio se equaciona —, sempre estaríamos perante uma clara omissão de fundamentação da Sentença Recorrida, igualmente sancionada com o vício de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, na medida em que, ao não incluir os factos sub judice na fundamentação de facto da Sentença Recorrida o Tribunal a quo escusou-se a especificar os factos essenciais que suportam a sua decisão. (53) Em qualquer caso, deve a Sentença Recorrida ser anulada e substituída por outra que considere os factos sub judice como provados e, em consequência, determine a total procedência da presente ação. (54) Por outro lado, e sem prejuízo, num cenário meramente hipotético, que apenas se pondera por extrema cautela, em que a exclusão dos referidos factos do elenco de factos provados da Sentença Recorrida significaria a sua recondução ao conjunto de factos não provados, sempre se dirá que, então, o Tribunal a quo violou o direito à prova da Recorrente. (55) Com efeito, caso o Tribunal a quo considerasse que a prova documental junta aos autos não era suficiente para a prova dos factos essenciais aqui em jogo, tinha a Recorrente o direito constitucionalmente garantido de sobre eles produzir prova, designadamente de produzir a prova testemunhal por si indicada na Petição Inicial. (56) Desrespeitando este direito da Recorrente a fazer prova dos factos por si alegados, não poderá senão concluir-se pela violação (i) do direito da Recorrente de aceder à justiça e a um processo justo e equitativo, tal como previsto no artigo 20.º da CRP, (ii) bem como do princípio do contraditório, tal como previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, ambos na sua vertente do direito a produzir prova, o que consubstancia uma nulidade processual ao abrigo do artigo 195.º do CPC, com natural e evidente influência na decisão de mérito da causa. (57) Conclui-se, assim, também neste caso, pela existência de uma nulidade, desta feita, processual, pela violação do direito à prova, devendo, mais uma vez, a Sentença Recorrida ser anulada pelo Tribunal ad quem e o presente processo retornar à primeira instância para que seja produzida a prova testemunhal cuja produção não foi permitida. DAS NULIDADES DE QUE PADECE A SENTENÇA RECORRIDA – DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA NO ÂMBITO DO SEGMENTO DECISÓRIO DA SENTENÇA RECORRIDA (58) A todo o exposto acresce que no segmento decisório da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre parte do pedido da Recorrente, olvidando-se, seguramente por mero lapso, de se pronunciar — i.e., de proferir decisão expressa, constante do segmento decisório da Sentença Recorrida — sobre a posse e propriedade das remanescentes 1.701.000 ações, ou seja, das ações controvertidas. (59) Estamos, assim, perante mais uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo geradora de nulidade da Sentença Recorrida, desta feita nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, devendo, por conseguinte, a Sentença Recorrida ser considerada nula, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no já referido artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DOS CARATERES DA POSSE DA RECORRENTE – DA EXISTÊNCIA DE REGISTO (E DA INEXISTÊNCIA DE AUTORIDADE DE CASO JULGADO) (60) Indagando sobre se a declaração de nulidade do registo da aquisição (prévia) das ações controvertidas pelo Réu CC afirmada no Processo de Anulação de Deliberação Social poderá ter alguma relevância na determinação do prazo relevante para a aquisição das mesmas ações por usucapião por parte da Recorrente, conclui o Tribunal a quo que “a constatação da sobredita nulidade do registo impõe[-se], naturalmente, na presente ação”, em virtude da “própria eficácia intrínseca das decisões judiciais proferidas no processo n.º 894/11....”, acrescentando, ainda, a este propósito, que a Recorrente não se pode prevalecer do disposto no artigo 58.º do CVM porquanto a mesma se encontra de má-fé, atendendo à autoridade de caso julgado emanada no âmbito do Processo de Anulação de Deliberação Social e ao facto de o Réu CC integrar os seus órgãos societários e os órgãos societários da ADM..., S.A. (61) Sucede, porém, que no âmbito do Processo de Anulação de Deliberação Social o Tribunal não se pronunciou sobre as aquisições derivadas das ações em causa nos presentes autos por parte da Recorrente, nem, como tal, sobre o respetivo registo, pelo que a autoridade de caso julgado dessa decisão que o Tribunal a quo pretende retirar não poderá nunca abranger aquilo que ali não foi sequer objeto de análise e, por conseguinte, não poderá, nunca, ter qualquer influência na decisão a proferir nos presentes autos, motivo pelo qual deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo. (62) Para além disso — como argumentação subsidiária, de reforço —, a decisão proferida no Processo de Anulação de Deliberação Social nunca poderia ter qualquer reflexo na análise a fazer sobre a existência ou não de registo da transmissão das ações controvertidas a favor da Recorrente, porquanto, contrariamente ao que parece o Tribunal a quo entender, a validade ou invalidade do registo da aquisição para efeitos de usucapião é totalmente irrelevante. (63) Com efeito, a distinção entre os prazos de usucapião com base na existência ou inexistência de registo prende-se com a publicidade acrescida relativamente ao facto registado (neste caso, à putativa propriedade do bem) e com a respetiva segurança jurídica que tal publicidade gera — é essa a ratio legis. Assim sendo, o objetivo que o legislador pretendeu consagrar quando distinguiu entre as situações de posse registada e não registada, está atingido a partir do momento do registo, seja ele válido ou não. (64) Mais: a lei — nomeadamente os artigos 1295.º e 1298.º do CC — refere-se ao registo do título, sem fazer qualquer menção à validade do registo (ou à validade do título). Ou seja, para além de contrariar a ratio legis, a interpretação operada pelo Tribunal a quo não tem o mínimo suporte na letra da lei. (65) Nestes termos, no caso concreto, a suposta nulidade do registo da transmissão das ações controvertidas a favor do Recorrido CC e o subsequente efeito jurídico — e não real, fáctico — que tal nulidade tem no registo da transmissão das ações controvertidas a favor da Recorrente será sempre totalmente irrelevante para os presentes autos, sendo apenas relevante que, no domínio da realidade fáctica, a transmissão das ações controvertidas a favor da Recorrente foi efetivamente registada no livro de registo de ações da ADM..., S.A. (sendo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 102.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, este o único registo relevante) — mais concretamente, nas folhas 67 a 70 deste livro, junto aos autos como Documento n.º 3 da Petição Inicial. (66) Sem prejuízo, não se pode, ainda, deixar de acrescentar que o registo das transmissões das ações controvertidas a favor da Recorrente é perfeitamente válido e fundamentado no respetivo título (título este que, contrariamente ao que o Tribunal a quo refere na Sentença Recorrida e conforme se explicitará infra, foi devidamente alegado e concretizado na Petição Inicial e no Articulado de Aperfeiçoamento). (67) Mais: o livro de registo de ações é totalmente transparente, permitindo a qualquer terceiro que o consulte aferir quem é o titular das ações da ADM..., S.A. neste momento — e, em concreto, das ações controvertidas, ou seja, a Recorrente —, respeitando, portanto, o principal princípio que se lhe impõe. (68) Assim — e caso se entenda que as ações controvertidas são um bem sujeito a registo —, não pode senão concluir-se no sentido de que, para efeitos da usucapião, a posse da Recorrente se tem de considerar como registada e, por conseguinte, que a norma aplicável in casu é a constante do artigo 1298.º, alínea a), do CC, devendo o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que decida no sentido de que a posse da Recorrente se considera como uma posse registada. (69) Sem prejuízo, também como argumentação subsidiária, refira-se também que o que o Tribunal a quo pretende retirar da decisão do Processo de Anulação de Deliberação Social para aplicar no presente caso é, no essencial, aquilo que consta da sua fundamentação de direito — que, salvo raras exceções, não se inclui na autoridade de caso julgado da decisão. (70) Para além disso, em regra o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. (71) Ou seja, os fundamentos e factos não adquirem força de caso julgado se desligados dessa decisão judicial. É, aliás, o que determina o disposto no artigo 91.º, n.º 2, do CPC. (72) Uma ação de anulação de deliberação social intentada, naturalmente, apenas contra a sociedade ADM..., S.A., com o mero objetivo de anulação de uma deliberação social, não pode nunca ter um efeito de reconhecimento da nulidade de um registo ou da propriedade das ações com extensão para fora desse mesmo processo, não podendo, como ensina a doutrina e a jurisprudência, tais questões conhecidas no processo a título incidental ser desligadas da decisão tomada no referido processo e ser extrapoladas para fora do mesmo. (73) Nestes termos, e contrariamente ao que pugna o Tribunal a quo, a questão da nulidade do registo da aquisição das ações controvertidas por parte do aqui Recorrido CC e da propriedade de tais ações por parte da herança da Sra. EE, a qual consta apenas e somente da fundamentação da decisão proferida no Processo de Anulação de Deliberação Social, não sendo o objeto daquele processo, não pode ser importada para os presentes autos por não ter autoridade de força de caso julgado. (74) Acresce que a autoridade de caso julgado, para que possa operar, depara-se com limites — objetivos e subjetivos (identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir) —, sob pena de contender com os mais básicos princípios processuais, de entre os quais se conta o princípio do contraditório (cfr. artigos 580.º, 581.º e 621.º do CPC). (75) Mesmo a jurisprudência que admite a dispensa da identidade entre pedidos e causa de pedir (mas nunca da identidade de sujeitos), exige, para que possa prevalecer a autoridade de caso julgado, a existência de uma relação de prejudicialidade entre as ações judiciais em causa. (76) Uma ação é prejudicial em relação a outra quando o seu objeto — não sendo, embora, idêntico — esteja de tal forma relacionado com o objeto desta, que a resolução da questão jurídica sobre que versou a primeira ação “constitua pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda”. (77) É por demais evidente que não existe, entre o Processo de Anulação de Deliberação Social e o processo sub judice uma qualquer relação de prejudicialidade: no Processo de Anulação de Deliberação Social estava em causa a anulação de deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da sociedade ADM..., S.A. no dia 19.03.2011; no presente caso, estamos perante uma ação de usucapião em que a Recorrente pretende ver reconhecida a aquisição originária da propriedade, independentemente da questão da eventual propriedade anterior a essa aquisição originária (isto é, da questão da aquisição derivada da propriedade). (78) Por outro lado, a finalidade do efeito positivo do caso julgado — vulgo autoridade de caso julgado — é evitar decisões contraditórias sobre a mesma situação, o que nunca acontecerá no presente caso, porquanto estamos perante causas de pedir e pedidos absolutamente distintos e independentes sem qualquer relação de prejudicialidade, tal como é exigido para que se possa operar o efeito de autoridade de caso julgado. (79) Mais: para que uma decisão proferida numa determinada ação tenha eficácia extraprocessual, as partes numa e noutra ação terão, necessariamente, de ser as mesmas; a doutrina e a jurisprudência não prescindem do pressuposto da identidade de sujeitos. (80) Ora, na presente situação é manifesto que as partes não são as mesmas, porquanto a única parte que se encontra simultaneamente no presente processo e no Processo de Anulação de Deliberação Social é o Recorrido AA, que foi autor da referida ação, pelo que não poderá essa ação ter qualquer efeito em relação à ora Recorrente que não teve qualquer intervenção no referido processo, não tendo exercido por isso o seu direito ao contraditório. (81) Em face de todo o exposto, é manifesto que a decisão proferida no âmbito do Processo de Anulação de Deliberação Social não tem qualquer efeito nos presentes autos, seja porque o Processo de Anulação de Deliberação Social não tem qualquer influência na validade do registo da transmissão das ações controvertidas a favor da Recorrente, seja porque o Processo de Anulação de Deliberação Social não tem qualquer influência na inaplicabilidade do artigo 58.º do CVM (sendo, portanto, esta norma aplicável ao presente caso), impondo- se, por conseguinte, ao Tribunal ad quem a revogação da Sentença Recorrida e a sua substituição por outra que qualifique a posse da Recorrente como registada para efeitos da aquisição por usucapião da propriedade das ações controvertidas. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DOS CARATERES DA POSSE DA RECORRENTE – DA EXISTÊNCIA DE TÍTULO (82) Segundo o Tribunal a quo, a Recorrente ter-se-á limitado a aludir brevemente à transmissão das ações controvertidas e respetivo modo de materialização através de endosso, quase numa postura de inércia, que teria impossibilitado o Tribunal a quo de aferir adequadamente da titulação da posse por aquela invocada, para efeitos de determinação do prazo de usucapião aplicável. (83) Com todo o devido respeito, foi com estupefação que a Recorrente se deparou com as palavras do Tribunal a quo a este propósito; não só porque o Tribunal a quo utilizou como argumento para rejeitar o Articulado de Aperfeiçoamento apresentado pela Recorrente que “a p.i. que impulsiona a lide contém causa de pedir completa, linear e escorreita e, como tal, capacitada a prover à prescrição aquisitiva que é a usucapião. Não se divisa para tanto, qualquer falha, lacuna ou insuficiência na alegação factual apresentada pela Autora CCM..., S.A. no plano petitório”, como também porque é manifestamente falso que a Recorrente não tenha individualizado os negócios e atos através dos quais adquiriu as ações controvertidas. (84) De facto, a Recorrente, tanto na Petição Inicial, como no Articulado de Aperfeiçoamento — articulado este apresentado já após a descrita suspensão e destituição judicial do Recorrido CC da gestão da Recorrente e na sequência da constituição de novos Mandatários —, identificou individualizadamente a causa de aquisição de todas as ações cuja propriedade pede o reconhecimento: o No que respeita às ações constantes do apelidado “Lote A”, conforme resulta dos artigos 17.º a 19.º a Petição Inicial, do Documento n.º 6 junto com a mesma e do Documento n.º 3 junto com o Articulado de Aperfeiçoamento, estas ações constituíram a entrada em espécie oferecida pelo Réu CC aquando de um aumento de capital da Recorrente; e o No que respeita às ações constantes dos apelidados “Lote B” e “Lote C”, a Recorrente, no âmbito dos artigos 14. a 17. do Articulado de Aperfeiçoamento, a Recorrente detalhou todos os contratos celebrados desde a aquisição pelo Recorrido CC até à transmissão para a Recorrente das ações contidas nesse lote, entre os quais se encontram um contrato de permuta, dois contratos promessa de permuta e quatro contratos de compra e venda (cfr. Documentos n.ºs 5 a 11 do Articulado de Aperfeiçoamento). (85) Sem prejuízo, cumpre, também, referir que existe um regime específico para a aquisição de valores mobiliários — como são as ações controvertidas —, vertido no artigo 102.º, n.º 1, do CVM, e nos termos do qual, para a transmissão dos mesmos se exige apenas a declaração de transmissão aposta no título das ações (vulgo, endosso) e o respetivo registo da transmissão no livro de registo de ações (ambos devidamente alegados e demonstrados nos presentes autos, conforme resulta dos Documentos n.ºs 3, 4 e 7 da Petição Inicial). (86) Por outras palavras, e contrariamente ao que considerou o Tribunal a quo, o endosso das ações controvertidas a favor da Recorrente (acompanhado do respetivo registo) vale como “modo legítimo de adquirir” nos termos do CVM (e, por conseguinte, para efeitos do disposto no artigo 1259.º, n.º 1, do CC). (87) Destaque-se, ainda, que, em qualquer caso, os “negócios causais à transmissão da propriedade” foram, conforme referido supra, devidamente alegados e individualizados, havendo uma coincidência subjetiva quanto à identidade do titular das ações, nos títulos que as representam, no livro de registo de ações e nesses negócios causais: em todos, a Recorrente é indicada como a titular dessas ações. (88) Nestes termos, andou o Tribunal a quo mal quando desconsiderou o endosso das ações controvertidas a favor da Recorrente (e o correspondente registo no suporte de registo de ações), tomando apenas em consideração os negócios causais subjacentes para efeitos de determinação dos caracteres da posse da Recorrente, sendo a posse da Recorrente titulada não só pelos negócios jurídicos subjacentes (deliberação de aumento de capital e contratos de alienação), como também pelos negócios jurídicos cartulares (endosso), pelo que é manifesto, ad nauseum, que a posse da Recorrente é titulada. (89) Por outro lado, o Tribunal a quo tece considerações sobre a invalidade das transmissões das ações, atenta a nulidade do registo abordada no Processo de Anulação de Deliberação Social — considerações que são incorretas, sendo inclusivamente contrariadas por lei expressa e doutrina e jurisprudência pacíficas. (90) Com efeito, resulta expressamente da lei — mais concretamente do artigo 1259, n.º 1, do CC — e é entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que a validade substancial do negócio subjacente ao título da posse é irrelevante para a qualificação da posse como titulada, pelo que, contrariamente ao asseverado pelo Tribunal a quo, nunca impenderia sob a Recorrente um qualquer ónus de invocar e, de alguma maneira, demonstrar a validade substancial do negócios e atos subjacentes à titulação da sua posse. (91) Para que a posse seja titulada interessa apenas que haja um título que abstratamente que seja idóneo a constituir o direito ao qual a posse se reporta, sendo totalmente irrelevante se tal título é materialmente válido ou não. A posse titulada abstrai-se, assim, da validade substancial do negócio jurídico que lhe subjaz. (92) Ora, nos presentes autos, não só foi alegado, como também foi demonstrado, (i) os diversos negócios jurídicos subjacentes à aquisição translativa das ações controvertidas pela Recorrente, (ii) a tradição das ações controvertidas para a Recorrente e (iii) o registo destas transmissões, estando, por conseguinte, reunidos todos os requisitos para que a posse da Recorrente sobre os títulos se considere titulada (e registada) nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1259.º, 1260.º, 1298.º e 1299.º do CC. (93) Por tudo, impõe-se concluir, para todos os efeitos legais, que a posse das ações controvertidas pela Recorrente é titulada, devendo o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida neste ponto e substituí-la por outra que considere como titulada para efeitos de usucapião a posse das ações controvertidas pela Recorrente. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DA INEXISTÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE USUCAPIÃO E DE ABUSO DE DIREITO POR PARTE DA RECORRENTE (94) A argumentação do Tribunal a quo relativamente à interrupção da prescrição aquisitiva e ao abuso de direito por parte da Recorrente mais não são do que novas tentativas por parte do Tribunal a quo, sem o devido fundamento jurídico, de impedir a Recorrente de adquirir as ações controvertidas. (95) Com efeito, ambas as construções jurídicas ensaiadas pelo Tribunal a quo para determinar a improcedência da presente ação — interrupção da prescrição e abuso de direito — fazem total tábua rasa do disposto na lei, na jurisprudência e na doutrina, solicitando-se ao Tribunal ad quem que revogue a Sentença Recorrida e a substitua por outra que considere que inexiste qualquer interrupção da prescrição ou qualquer abuso de direito por parte da Recorrente. Vejamos: DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DA INEXISTÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE USUCAPIÃO E DE ABUSO DE DIREITO POR PARTE DA RECORRENTE – DA NÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NOS TERMOS DO ARTIGO 323.º DO CC (96) O Tribunal a quo ignora patentemente o disposto no artigo 323.º do CC relativamente à interrupção da prescrição e tenta, por vários meios, imputar a citação e notificação judicial de terceiros à Recorrente — citação e notificação esta requerida por pessoas, que, conforme já exposto supra e resulta, aliás, da instrução da causa, não seriam sequer os putativos titulares do direito de propriedade das ações controvertidas —, de modo a poder concluir, a toda a força, pela interrupção da prescrição aquisitiva que a Recorrente invoca. (97) Como é evidente, a norma constante do artigo 323.º do CC não é uma “norma de conhecimento”, no sentido em que não basta o conhecimento do devedor da intenção do credor de exercer o direito, sendo antes imperativo que tal conhecimento seja dado ao devedor por um meio judicial no qual o mesmo é parte; a tónica do artigo 323.º do CC não é apenas o conhecimento da intenção de exercer o direito, mas também o meio pelo qual tal intenção é dada a conhecer àquele contra quem o direito pode ser exercido. (98) A doutrina e a jurisprudência são unânimes na interpretação de que, para que opere a interrupção da prescrição nos termos do disposto do artigo 323.º do CC, a intenção de exercer o direito tem de ser expressa pelo próprio titular do direito diretamente contra o próprio devedor — in casu, contra aquele que se arroga titular de um direito contrário — e levada ao conhecimento deste devedor por um meio judicial (não sendo admissível qualquer outro meio de conhecimento), o que manifestamente não ocorre nos presentes autos. (99) É que não só os putativos titulares do direito de propriedade em discussão nunca seriam os Recorridos, mas antes a herança da sua mãe, a Sra. EE, que não figura em nenhum dos processos judiciais invocados pelo Tribunal a quo, como também o possuidor — i.e., aquele que se arroga um direito contrário ao putativo direito de propriedade da herança da Sra. EE —, a Recorrente, não é parte em nenhum desses mesmos processos. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DA INEXISTÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE USUCAPIÃO E DE ABUSO DE DIREITO POR PARTE DA RECORRENTE – DA NÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NOS TERMOS DO ARTIGO 323.º DO CC – DA IMPOSSIBILIDADE DE “EXTENSÃO SUBJECTIVA” DO DISPOSTO NO ARTIGO 323.º DO CC (100) Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 323.º do CC, aplicável ex vi artigo 1292.º do CC, que a interrupção da prescrição depende da manifestação, “de modo particularmente solene”, da intenção de exercer o direito e não apenas do conhecimento dessa intenção — conclusão que é confirmada pela norma do artigo 323.º, n.º 4 do CC. (101) Presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nos termos do ordenado pelo artigo 9.º, n.º 3 do CC), é necessário concluir que, caso se tivesse pretendido conceder relevância ao conhecimento independentemente da forma como este é obtido, a lei tê-lo-ia consagrado (ao invés de consagrar uma forma especifica para a obtenção desse conhecimento). (102) No entanto, o legislador não o fez; antes consagrou que o conhecimento apenas é relevante para efeitos de interrupção da prescrição se for levado ao conhecimento daquele contra quem o direito puder ser exercido por um meio judicial. (103) E a doutrina e a jurisprudência são muito claras neste mesmo sentido, não se compreendendo como pôde o Tribunal a quo ignorar não só a letra da lei, mas também a unanimidade existente entre os seus principais e mais conceituados intérpretes. (104) É, assim, evidente, que a norma constante do artigo 323.º do CC relativa à interrupção da prescrição não constitui uma “norma de conhecimento” pura, em que bastaria o conhecimento do devedor (aqui, do possuidor) para que se interrompesse o prazo de prescrição (aqui, prescrição aquisitiva), antes exigindo que tal conhecimento seja adquirido de uma determinada forma: a forma judicial — o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos, uma vez que a Recorrente não é parte em nenhum dos Processos Interruptivos. (105) Esta interpretação da norma constante do artigo 323.º do CC — a única interpretação possível da mesma sem que se extravase o seu elemento literal (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do CC) — é também confirmada pelos elementos histórico, sistemático e teleológico. (106) Acresce que a prescrição (tanto extintiva, como aquisitiva) é regulada por normas de ordem pública, destinadas a assegurar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico – sendo, aliás, por essa razão que o legislador consagrou o disposto no artigo 300.º do CC (remetendo o artigo 1292.º do CC expressamente para esta norma). (107) Atendendo também ao disposto no artigo 300.º do CC, ainda mais claro fica que a interpretação feita pelo Tribunal a quo da norma constante do artigo 323.º do CC no sentido de esta ser passível de uma “extensão subjetiva” contraria manifestamente o sentido normativo de todo o regime da prescrição, pois acrescenta uma condição não existente na lei para que se possa adquirir um bem por usucapião e que dificulta sobremaneira tal aquisição: que a pessoa que invoca a usucapião não tenha conhecimento de um processo judicial intentado contra terceiros, consigo relacionados, em que outros terceiros invocaram um direito de propriedade incompatível com a usucapião. (108) Em face do exposto, é manifesto que, para efeitos da interrupção da prescrição aquisitiva e de aplicação do artigo 323.º do CC, o único conhecimento relevante é aquele que é adquirido diretamente por via de citação, notificação ou qualquer outro meio judicial, não sendo admissível a “extensão subjectiva” das normas constantes no artigo 323.º do CC feita pelo Tribunal a quo e sendo, por conseguinte, totalmente irrelevante a existência dos processos judiciais invocados pelo Tribunal a quo para efeitos de interrupção do prazo de usucapião em discussão nos presentes autos. (109) Ao ora exposto não se pode deixar de acrescentar que, nos termos do artigo 323.º do CC — cuja epigrafe é “Interrupção promovida pelo titular” —, a intenção de exercer o direito tem de ser manifestada pelo próprio titular do direito e nessa qualidade de titular do direito. (110) Ora, como é evidente e resulta dos autos, no presente caso, nenhum dos pressupostos supra elencados previstos no artigo 323.º do CC está preenchido. (111) De acordo com a própria tese do Tribunal a quo, o direito de propriedade sobre as ações controvertidas pertenceria à herança da Sra. EE e não aos aqui Recorridos, pelo que, para efeitos do disposto no artigo 323.º do CC, sempre teria de ser a herança, enquanto titular do direito, a manifestar a intenção de exercer tal direito de propriedade, o que nunca sucedeu. (112) E mesmo que se entendesse que os Recorridos poderiam, isoladamente, atuar em representação da herança — o que não se concede —, para que existisse uma atuação suscetível de interromper a prescrição, era necessário que os Recorridos atuassem nessa mesma qualidade e tendo em vista o exercício do direito de propriedade sobre as ações controvertidas. (113) Sucede, porém, que os Recorridos atuaram sempre na sua qualidade de acionistas da ADM..., S.A. e apenas com a intenção de exercer o seu direito, enquanto acionistas da ADM..., S.A., de requerer a anulação das deliberações inválidas adotadas por esta sociedade. (114) Por outro lado, neste mesmo cenário em que se entendesse que os Recorridos, isoladamente e em nome próprio, poderiam reivindicar a propriedade das ações controvertidas para a herança da Sra. EE — o que, novamente, não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona —, sempre tal intenção de reivindicar a propriedade teria de ser feita diretamente perante a Recorrente, o que, novamente e como resulta dos autos, nunca sucedeu. (115) Por fim, tal intenção, para além de ser manifestada diretamente perante a Recorrente, teria de ser manifestada por meio judicial, o que implicaria que a Recorrente fosse, pelo menos, parte acessória em algum dos Processos Interruptivos, o que, conforme é reconhecido pelo próprio Tribunal a quo, tampouco sucedeu. (116) De todo o exposto resulta que, mesmo que se entendesse ter tido a Recorrente conhecimento dos Processos Interruptivos — o que não se concede —, sempre esse putativo conhecimento não assumiria relevância para a análise da suspensão ou interrupção do prazo de usucapião, devendo o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que conclua pela inaplicabilidade do disposto no artigo 323.º do CC ao presente caso e, portanto, pela inexistência de qualquer causa de interrupção da prescrição aquisitiva invocada pela Recorrente nos presentes autos. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DA INEXISTÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE USUCAPIÃO E DE ABUSO DE DIREITO POR PARTE DA RECORRENTE – DA NÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NOS TERMOS DO ARTIGO 323.º DO CC – DOS INSTITUTOS UTILIZADOS PELO TRIBUNAL A QUO PARA EFEITOS DE IMPUTAÇÃO DO CONHECIMENTO À RECORRENTE E DE “EXTENSÃO SUBJECTIVA” DO ARTIGO 332.º DO CC (117) A impossibilidade de “extensão subjetiva” da norma constante do artigo 323.º do CC no termos expostos no capítulo anterior determina, desde logo, a inutilidade de recorrer aos mecanismos que o Tribunal a quo ensaiou para imputar o conhecimento dos Processos Interruptivos e as citações e notificações judiciais à Recorrente. (118) De qualquer modo, por mera cautela de patrocínio, cumpre sempre referir que mesmo que o que fosse relevante fosse o conhecimento dos Processos Interruptivos por parte da Recorrente — o que se rejeita veementemente nos termos já expostos —, nem por isso tal conhecimento lhe poderia ser imputado por meio das normas e instituto referidos pelo Tribunal a quo. (119) De facto, tal como sucede com o artigo 323.º do CC, as normas dos artigos 61.º e 486.º do CSC também não são “normas de conhecimento” — nem têm a virtude de imputar o conhecimento de uma entidade a outra —, o mesmo sucedendo com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. (120) Basta uma mera leitura do disposto no artigo 61.º do CSC para que se compreenda que falência da argumentação do Tribunal a quo a propósito da aplicabilidade desta norma para efeitos de uma “extensão subjetiva” do artigo 323.º, n.º 1, do CC. (121) O artigo 61.º do CSC limita-se a determinar o âmbito de produção de efeitos da declaração de nulidade ou anulação de uma deliberação social por sentença transitada em julgado, mas não a imputar a citação judicial no âmbito do correspondente judicial ou sequer o conhecimento da invalidade da deliberação aos sócios. (122) A norma constante do artigo 61.º do CSC deriva da conceção da sociedade como um organismo jurídico-social com a suas regras internas próprias, no âmbito do qual é necessário a uniformização dos efeitos das regras internas relativamente a todos os intervenientes que compõe tal organismo jurídico-social. Dito de outro modo, tal como uma deliberação válida se forma com eficácia geral no seio da pessoa coletiva e, portanto, é oponível a todos os membros da sociedade, que integram o organismo jurídico-social, o legislador sentiu necessidade de deixar expresso que também a sua invalidade será oponível a toda a sociedade. (123) No entanto, o artigo 61.º do CSC nada prescreve quanto à imputação da citação ou notificação judicial da sociedade aos seus sócios ou quanto à imputação do conhecimento da invalidade da deliberação aos sócios da sociedade. (124) Ao invocar o disposto no artigo 61.º do CSC para justificar a interrupção da prescrição aquisitiva, o Tribunal a quo confunde o plano da produção de efeitos de uma declaração de invalidade de uma deliberação social (i.e., da oponibilidade da mesma) com o plano do conhecimento da sentença que declarou tal invalidade, sendo que o artigo 61.º do CSC nada estabelece quanto ao plano do conhecimento, limitando-se a regular o plano da produção de efeitos. (125) É, por isso, manifesto que, por um lado, o conhecimento dos Processos Interruptivos não pode ser imputado à Recorrente por via do artigo 61.º do CSC, carecendo antes tal conhecimento de prova autónoma nesse sentido, e que, por outro lado, o facto de o artigo 61.º do CSC estender os efeitos de uma sentença judicial à Recorrente não torna, nem pode tornar, a Recorrente parte nesse processo, não imputando, nem podendo imputar, a citação judicial da sociedade aos seus sócios. (126) Nestes termos, e contrariamente ao pugnado pelo Tribunal a quo, é evidente que o disposto no artigo 61.º do CSC não tem a virtude de fazer operar uma “extensão subjetiva” do disposto no artigo 323.º do CC, porquanto aquele nada estabelece quanto à previsão normativa deste. (127) Ao invocar a existência de uma influência dominante da CCM..., S.A. em relação à ADM..., S.A. nos termos do artigo 486.º do CSC como fundamento para operar uma “extensão subjetiva” da norma constante do artigo 323.º, n.º 1 do CC, o Tribunal a quo, mais uma vez, ignora totalmente o disposto na lei e interpreta a mesma a seu bel-prazer de forma a satisfazer o seu objetivo reiterado de indeferir a pretensão da Recorrente. (128) É que o direito societário não associa quaisquer efeitos jurídicos à existência de uma relação de domínio, pelo que não se compreende como pode o Tribunal a quo fazê-lo. (129) Em termos legais, apenas duas consequências resultam da existência de influência dominante, sendo que nenhuma das normas relevantes a este propósito (cfr. artigos 486.º, n.º 3 e 487.º, ambos do CSC) se consubstancia nas consequências que o Tribunal a quo pretende retirar da existência de uma influência dominante entre a Recorrente e a ADM..., S.A. (130) Com efeito, não só a existência de uma relação de domínio não é legalmente causa de imputação dos efeitos produzidos numa esfera jurídica (da sociedade dominada) a outra (da sociedade dominante), como também, nas relações de domínio, as sociedades — dominada e dominante — mantêm a sua personalidade jurídica autónoma, não tendo a sociedade dominante qualquer poder de ingerência nas decisões da administração da sociedade dominada. (131) Nestes termos, é manifesto que, contrariamente ao pugnado pelo Tribunal a quo, o disposto no artigo 486.º do CSC não tem a virtude de fazer operar uma “extensão subjetiva” do disposto no artigo 323.º do CC, porquanto aquele nada estabelece relativamente à previsão normativa deste. (132) Também a argumentação do Tribunal a quo no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica da Recorrente em face do Recorrido CC permitiria fazer operar uma “extensão subjetiva” do artigo 323.º, n.º 1, do CC é totalmente desprovida de fundamento. (133) O levantamento da personalidade coletiva encontra-se sistematicamente bipartido em dois grupos de casos: (i) levantamento de imputação, em que “determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice-versa”, ou (ii) levantamento da limitação de responsabilidade, correspondente aos casos nos quais cede a regra da personalidade limitada dos sócios, que são chamados a responder com o seu património perante os credores sociais. (134) Nenhum destes grupos de casos de levantamento da personalidade jurídica justifica a imputação à Recorrente de uma citação ou notificação judicial feita ao Recorrido CC ou à ADM..., S.A. (135) Por outro lado, não basta para fazer operar a desconsideração da personalidade jurídica que exista uma “interpenetração dos corpos sociais entre a Autora CCM..., S.A. e a BB” ou um “o domínio qualificado de uma sociedade sobre outra resultante do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais”, sendo antes necessária a existência de uma grosseira violação da boa-fé que justifique a aplicação da desconsideração da personalidade. (136) Recorde-se que a lei societária expressamente admite as relações de domínio (artigo 486.º do CSC), mantendo o princípio da separação de personalidades coletivas (artigo 5.º do CSC) e o princípio da responsabilidade limitada dos sócios (artigos 197.º, n.º 3, e 271.º do CSC). (137) Sucede que, o Tribunal a quo não menciona, nem existe nos presentes autos, qualquer atentado à boa-fé que justifique o levantamento da desconsideração da personalidade jurídica. (138) Acrescente-se, ainda, que, em geral, o levantamento da personalidade coletiva será uma via para controlar o uso pelos sócios das sociedades para (objetiva ou subjetivamente) alcançarem fins ilícitos e repudiados pela ordem jurídica, na ausência de previsão adequada, o que, mais uma vez, não acontece no presente caso. (139) Por fim, a origem marcadamente casuística do instituto do levantamento da personalidade levou à progressiva formação de grupos de casos típicos de levantamento, que podem ser reconduzidos à (i) confusão de esferas, (ii) subcapitalização, (iii) atentado a terceiro e (iv) abuso de personalidade. Os factos em discussão não são reconduzíveis a qualquer destes casos. (140) Em face do exposto, é manifesto que não estamos nos presentes autos perante um caso em que estejam verificados os pressupostos da desconsideração da personalidade, respeitando- se o caráter excecional e subsidiário do instituto, tendo andado o Tribunal a quo mal quando invocou este instituto para fundamentar uma (inexistente) “extensão subjetiva” do disposto no artigo 323.º do CC. (141) Não há quaisquer dúvidas de que não existe qualquer fundamento jurídico ou fáctico para a “extensão subjetiva” do disposto no artigo 323.º do CC que o Tribunal a quo pretendeu fazer operar nos presentes autos, inexistindo, por conseguinte, qualquer causa de interrupção da prescrição aquisitiva invocada pela Recorrente e devendo o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que conclua neste sentido. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DA INEXISTÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE USUCAPIÃO E DE ABUSO DE DIREITO POR PARTE DA RECORRENTE – DA INEXISTÊNCIA DE ABUSO DE DIREITO (142) A aplicação do instituto do abuso de direito aos presentes autos apenas pode resultar de uma equivocada compreensão do instituto da usucapião e da sua harmonização com as regras da suspensão e interrupção da prescrição por parte do Tribunal a quo. (143) É que, contrariamente ao que o Tribunal a quo parece querer defender, é a própria lei que permite que o adquirente por usucapião atue de má-fé — i.e., tendo conhecimento de que existem terceiros que se arrogam um direito incompatível com o seu ou de que se encontra a lesar o direito desses terceiros —, apenas sancionando essa má-fé com prazos mais largos para que opere a aquisição por usucapião. (144) Aliás, de forma a tutelar os terceiros cujo direito seria extinto pela usucapião, a lei prevê formas concretas e efetivas de defesa dos direitos desses terceiros, formas estas que todos os Recorridos — bem como a herança da Sra. EE — sempre tiveram à sua disposição e nunca exerceram! (145) Com efeito, apesar de terem amplas oportunidades e terem conhecimento de que a Recorrente se arroga proprietária das ações controvertidas, nenhum dos Recorridos — e, em especial, os Recorridos AA e BB — ou a herança da Sra. EE alguma vez intentou qualquer ação contra a Recorrente com vista, por exemplo, a reaver tais ações para a herança ou, no limite, notificou judicialmente a Recorrente para o efeito. (146) É manifestamente falsa a afirmação do Tribunal a quo de que os Recorridos têm “ad nauseam, exercido o seu direito”, porquanto a verdade é que os Recorridos (com exceção do Recorrido CC, como é evidente) nunca exerceram qualquer direito de propriedade sobre as ações controvertidas, seja a título pessoal, seja enquanto herdeiros da Sra. EE, tendo-se limitado a exercer os seus direitos enquanto acionistas da ADM..., S.A. (147) Com todo o devido respeito, é evidente que com a invocação do “abuso de direito”, o Tribunal a quo procura, mais uma vez, subverter o instituto da usucapião no sentido de criar requisitos que não constam da lei para impedir, a todo o custo, a usucapião das ações controvertidas por parte da Recorrente. (148) Repita-se para que fique claro: a lei, a doutrina e a jurisprudência são claras no sentido de que o conhecimento da existência de um direito incompatível apenas é relevante para efeitos de determinação dos caracteres da posse, nomeadamente para a qualificação da posse como sendo de má-fé. (149) Sem prejuízo, cumpre ainda acrescentar que a figura do exercício abusivo de um direito tem sido amplamente trabalhada pela doutrina e jurisprudência, que a tipificaram em determinados grupos — venire contra factum proprium, inalegabilidade, suppressio, surrectio, tu quoque e desequilíbrio no exercício da posição jurídica —, sendo manifesto que a atuação da Recorrente ao invocar a usucapião nos presentes autos não se enquadra em nenhuma dessas situações tipificadas de abuso de direito. (150) Em face de todo o exposto, não subsistem assim quaisquer dúvidas de que a Recorrente não atua em abuso de direito ao invocar a usucapião das ações controvertidas, tendo andado mal o Tribunal a quo quando determinou a improcedência da pretensão da Recorrente relativamente às ações controvertidas com base num inexistente abuso de direito e devendo o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que decida pela inexistência de um abuso de direito por parte da Recorrente relativamente à usucapião das ações controvertidas. DA AQUISIÇÃO PELA RECORRENTE DAS AÇÕES CONTROVERTIDAS POR USUCAPIÃO – DA CONTAGEM DO PRAZO PARA USUCAPIR (151) Considerando-se que as ações controvertidas são um bem sujeito a registo, conforme já exposto, a aplicação da alínea b) do artigo 1298.º do CC ao presente caso carece totalmente de fundamento, sendo antes de aplicável a alínea a) desta disposição. (152) E, no âmbito da alínea a) do artigo 1298.º do CC, qualquer que seja o prazo que se aplique — dois ou quatro anos —, sempre o mesmo já estaria perfeito na presente data, tendo a Recorrente adquirido por usucapião as ações controvertidas: Nº AÇÕES DATA INÍCIO/POSSE Termo do prazo de 2 anos Termo prazo de 4 anos LOTE A ...4.2013 18.04.2015 Lote B ...14 07.12.2016 7.793 3.159 ...15 18.09.2017 ...15 18.09.2017 (153) Sem prejuízo e subsidiariamente, caso se considere que as ações controvertidas não são bens sujeitos a registo, então, a norma aplicável seria a constante do artigo 1299.º do CC. (154) Também neste cenário, qualquer que seja o prazo que se aplique — três ou seis anos —, sempre o mesmo já estaria perfeito na presente data (cfr. artigo 611.º do CPC), tendo a Recorrente adquirido por usucapião as ações controvertidas: Nº AÇÕES INÍCIO/POSSE Termo/Prazo 3 anos INICIO/POSSE TERMO/prazo 4 anos (titulada) (Não titulada) LOTE A ...4.2014 ...17 Lote B ...15 07....18 7.793 3.159 ...16 ...15 (155) Mais: no que respeita ao prazo de seis anos e às ações constantes do “Lote B”, uma vez que para efeitos do prazo para usucapião, no presente cenário, se considera uma posse não titulada e de má-fé, a Recorrente pode aceder na posse do Recorrido CC nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1256.º, n.º 1, do CC. (156) Ora, como resulta dos autos, a posse do Recorrido CC iniciou-se em 10.01.2011 e manteve-se, sem qualquer interrupção da prescrição — nos termos do já exposto supra a propósito do disposto no artigo 323.º do CC, não é admissível considerar-se que, porque o Recorrido CC era administrador da ADM..., S.A. aquando da citação da ADM..., S.A. no âmbito dos processos de anulação de deliberações sociais dos autos, se pode considerar o prazo de usucapião interrompido quanto a este na sua veste pessoal —, até 07.12.2012, altura em que se iniciou a posse da Recorrente. (157) Assim, acedendo na posse do Recorrido CC no que respeita às ações controvertidas incluídas no “Lote B”, o prazo para a Recorrente usucapir tais ações terminou no dia 10.01.2017. (158) Nestes termos, andou mal o Tribunal a quo quando (implicitamente) julgou a presente ação improcedente relativamente às ações controvertidas, devendo o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que julgue a presente ação inteiramente procedente e declare e reconheça a Recorrente como legitima possuidora e proprietária de 1.778.000 ações representativas do capital social da ADM..., S.A. (77.000 ações cuja propriedade já foi reconhecida e não se discute + 1.701.000 ações controvertidas). (159) Pelos motivos e fundamentos acima expostos, forçoso é concluir que a Sentença Recorrida viola o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 5.º, 6.º, 7.º, 33.º, n.ºs 2 e 3, 91.º, n.º 2, 195.º, 278.º, n.º 1, alínea d), 316.º, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e), 578.º, 580.º, 581.º, 590.º, n.º 2, alíneas a) e b), e n.º 4, 591.º, n.º 1, alíneas b), c) e f), 607.º, 608.º, n.º 1, 611.º, 615.º, n.º 1, alíneas b) a d), todos do CPC, 20.º, n.º 4, da CRP, 9.º, 300.º, 323.º, 334.º, 1256.º, 1259.º, 1260.º, 1287.º, 1292.º, 1298.º, 1299.º, 2087.º e 2091.º do CC, 43.º, n.º 1, 58.º e 102.º, n.º 1, do CVM e 5.º, 61.º, 271.º e 486.º do CSC, bem como as demais normas supra referidas. * * * NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, por sua vez, deve a Sentença Recorrida ser anulada nos termos supra expostos e, ou caso assim não se entenda, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça a aquisição originária, pela Recorrente, do direito de propriedade sobre as ações controvertidas. A Apelante junta Parecer Jurídico da autoria do Professor FF. * Não foram apresentadas contra-alegações.No despacho pelo qual admitiu o recurso de Apelação, o tribunal a quo apreciou as invocadas nulidades da decisão, considerando-as improcedentes. Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes: 1. Nulidades da decisão recorrida: a. por desobediência ao tribunal superior e por preterição de audiência prévia b. por omissão do convite ao aperfeiçoamento. c. por violação do princípio do contraditório/decisão surpresa d. por preterição do litisconsórcio necessário passivo e. por omissão de pronuncia e fundamentação no âmbito do segmento da sentença recorrida relativo à fundamentação de facto f. por omissão de pronuncia no âmbito do segmento decisório da sentença recorrida 2. Caracteres da posse – existência de registo e efeitos da autoridade do caso julgado 3. Carateres da posse – da existência de título 4. Contagem do prazo para usucapir a. Inexistência de interrupção do prazo de prescrição e abuso de direito b. Institutos utilizados para efeitos de imputação do conhecimento à autora: i) Extensão subjetiva do art. 323º, CC – 61º CSC, influência dominante, nos termos do art. 486º do CSC; desconsideração da personalidade jurídica; c. Da inexistência de abuso de direito * III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Nulidades da decisão recorrida a. Nulidade por desobediência ao tribunal superior e por preterição de audição prévia A Apelante vem invocar uma alegada nulidade da “sentença recorrida”, nos seguintes termos: - Em sede de audiência prévia realizada no dia 24.05.2021, mediante apresentação de articulado de aperfeiçoamento e concretização da Petição Inicial, a Recorrente veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), e 7.º do CPC, aperfeiçoar/complementar alguns artigos da Petição Inicial, tendo, ainda, juntado nova documentação aos autos. - O Tribunal a quo, por meio de despacho proferido em sede da sessão da audiência prévia realizada no dia 06.07.2021, considerou que o Articulado de Aperfeiçoamento apresentado pela Recorrente não era admissível. - O Tribunal da Relação de Coimbra, por meio de Decisão singular proferida em 22.10.2021, reverteu o despacho proferido pelo Tribunal a quo, tendo concluído estarem em causa, no Articulado de Aperfeiçoamento, factos complementares e concretizadores, e não meramente instrumentais (como concluíra o Tribunal de primeira instância) ou principais. - porém, apesar de admitido o Articulado de Aperfeiçoamento, o tribunal recorrido desconsiderou totalmente o ordenado pelo Tribunal ad quem relativamente à relevância dos factos contidos no Articulado de Aperfeiçoamento, tendo indeferido o pedido reabertura da audiência prévia formulado pela Recorrente e desconsiderado em absoluto os factos aperfeiçoados/complementados pela Recorrente, não os transitando para a Sentença Recorrida. - O Tribunal ad quem, ao ordenar a admissão do Articulado de Aperfeiçoamento, foi claro e expresso no sentido de considerar que os factos nele vertidos eram relevantes e tinham a virtualidade de influir no conhecimento da causa, razão pela qual deviam constar dos presentes autos, pelo que, ao consignar o que consignou na Sentença Recorrida, o Tribunal a quo desrespeitou flagrantemente a ordem direta proveniente do Tribunal ad quem, omitindo assim vários atos que a lei prescreve e cuja omissão influiu no exame e decisão da presente causa, incorrendo, assim, na nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Com efeito, face ao decidido pelo Tribunal Superior, o Tribunal a quo não só deveria ter acedido ao pedido de reabertura de audiência prévia deduzido pela Recorrente formulado no seu requerimento datado de 27.10.2021, como deveria, pelo menos, ter vertido os factos aperfeiçoados e complementados nos temas da prova ou no elenco dos factos provados — o que, claramente, não fez. Conclui no sentido de que o Tribunal ad quem declarar a nulidade da Sentença Recorrida e substituí-la por despacho que determine o prosseguimento dos autos e a reabertura da audiência prévia para efeitos do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alíneas c) e f), do CPC. Da alegação contida em tais conclusões, resulta que a Apelante faz assentar a nulidade da sentença, na verificação do seguinte circunstancialismo que, em seu entender constituem irregularidades processuais: - o tribunal a quo proferiu saneador/sentença, após indeferir o pedido de reabertura da audiência prévia por si formulado, quando aquela reabertura se imporia face à revogação do despacho de indeferimento do Articulado de Aperfeiçoamento apresentado pela autora; - ao apreciar o mérito da ação, o tribunal desconsiderou os factos por si alegados no Articulado de Aperfeiçoamento da Petição inicial, não os levando aos temas de prova ou ao elenco dos factos provados. Encontrando-se a dispensa de “reabertura da audiência prévia” coberta por um despacho judicial que indeferiu o pedido formulado a tal respeito pela autora/Apelante, seria em sede de impugnação de tal decisão, que o Apelante poderia ver a mesma revertida para, na sua procedência, ver os autos prosseguir para a sua realização, com o consequente arrastamento da nulidade dos atos posteriormente praticados. Com efeito, a tal respeito foi proferido o seguinte Despacho pelo juiz a quo: “Vem a Autora CCM..., S.A., no seu requerimento de fls. 2532, peticionar a reabertura da audiência prévia. Desejo que manifesta à luz da decisão de admissão do requerimento de aperfeiçoamento da p.i. constante de fls. 2299 tal como determinado pelo Tribunal da Relação de Coimbra. Sem razão, no entanto… Cabe, para tanto, relembrar que o Tribunal antecipou já, em audiência prévia [fls. 2451], que se justificará o imediato conhecimento de mérito do litígio dos autos em sede de saneador-sentença. Em virtude de o processo conter já os elementos necessários para tal desiderato…Tendo-se, aliás, concedido aos sujeitos processuais ampla faculdade de discussão quanto a tal hipótese [artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil], a qual foi por aqueles exercida, por escrito, por intermédio dos requerimentos de fls. 2466, 2470, 2503 e 2530. Reconhecendo aí a Autora CCM..., S.A. [como, aliás, os demais sujeitos processuais] que “o Tribunal está já suficientemente munido dos elementos necessários para proferir uma decisão nos presentes autos” [fls. 2503]. Encontra-se, efectivamente, o Tribunal, desde então, capacitado para aferir da sorte da lide atenta, antecipa-se, a absoluta falta de fundamento que assiste à Autora CCM..., S.A.. Conclusão que, naturalmente, não é alterada em função da concretização de “alguns aperfeiçoamentos/complementos factuais” [expressão da própria Autora CCM..., S.A. no requerimento de fls. 2299] não incidentes [nem o podendo ser atenta a natureza do aperfeiçoamento] sobre os factos essenciais da causa de pedir. Acessoriedade circunstancial do aperfeiçoamento que é, aliás e implicitamente, assumida pela própria Autora CCM..., S.A. nas alegações que apresentou no recurso interposto do despacho que não admitiu o aperfeiçoamento. Aí apondo, designadamente, que No Requerimento de Aperfeiçoamento, os factos alegados meramente complementam os que realmente incorporam a previsão do artigo 1287.º do CC, constante dos seguintes artigos da Petição Inicial: 11.º, 23.º a 32.º, 33.º a 38.º, 48.º, 56.º, 62.º, 66.º, 128.º, 129.º, 152.º a 155.º e 161.º, na sua globalidade, respeitantes à aquisição das ações da ADM..., S.A. pela ora Recorrente, quanto aos denominados lotes B, e C. A informação adicional quanto à existência de sucessivas transmissões, suportadas pela documentação junta com o Requerimento de Aperfeiçoamento, apenas identifica com maior rigor a sequência das transmissões ocorridas, que resultaram na aquisição última das ações por parte da ora Recorrente no dia 7 de dezembro de 2012, não alterando em nada a causa de pedir. Na verdade, o facto de a cadeia de transmissões de ações ter sido ligeiramente diversa do que inicialmente aparentava, em nada afeta ou altera os factos que integram a causa de pedir, i.e.: (i) A existência de posse do bem por parte da ora Recorrente, nem (ii) A sua manutenção durante um determinado período de tempo, nem muito menos, (iii) A sua invocação, perante terceiros. (…) A existência de posse (atos materiais sobre as ações e o exercício de direitos associados às ações) e a data do seu início (dia em que se iniciam os atos materiais) não sofrem sequer a menor alteração! O aperfeiçoamento apenas visa partilhar com o Tribunal todo o detalhe apurado, em estrito cumprimento do dever de colaboração, não implicando qualquer alteração factual nos pressupostos da usucapião. [sublinhado nosso] E porque assim é, resulta manifesto que o aperfeiçoamento concretizado a fls. 2299 não ostenta qualquer capacidade de influir na possibilidade de apreciação imediata do processo. E, por igual forma, na solução a oferecer à lide… Pois que o mesmo complemento factual, ao não afectar a causa de pedir no seu circunstancialismo essencial, não permite acrescentar qualquer razão ou justeza a uma p.i. que, ab initio não as tinha. Seria, assim, absurdo e paradoxal promover a realização de audiência prévia adicional em face do quadro traçado. E a contrariar, com isso, o princípio da limitação dos autos plasmado no artigo 130.º do Código de Processo Civil enquanto cânone que obsta à realização de actos inúteis. Pois que tal diligência teria apenas o condão de operar [mais uma] postergação da tramitação dos autos e, com isso, inviabilizar a necessária superação do litígio sem contribuir, em nada, para o saneador-sentença que o Tribunal [como antecipou em face dos sujeitos processuais com concessão de pleno contraditório] irá agora proferir. Note-se, secundariamente, que o próprio aperfeiçoamento de fls. 2299 foi já objecto de ampla discussão entre as partes. Cabe relembrar que o Tribunal concretizou já, nos presentes autos, audiência prévia desdobrada em duas sessões [fls. 2343 e 2451]. Isto sendo que a necessidade de continuação de tal diligência numa segunda data foi motivada, entre outras razões, pela precisa premência de concessão de prazo para contraditório quanto à admissibilidade do sobredito requerimento de aperfeiçoamento. O qual foi então exercido pelos demais sujeitos processuais por intermédio da apresentação dos requerimentos de fls. 2416 e 2430. Acresce que, confrontado com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que estabeleceu a admissibilidade do aperfeiçoamento, se concedeu nova faculdade de contraditório por reporte à matéria ali articulada. O qual foi também concretizado pelos demais sujeitos processuais desta feita por intermédio dos requerimentos de fls. 2544 e 2546. Temos, por conseguinte, que o requerimento de aperfeiçoamento apresentado pela Autora CCM..., S.A. foi já objecto de cabal discussão. E não influencia, nos seus termos ou conteúdo, os actos que importa concretizar. Indeferindo-se, como tal, a pretensão plasmada no requerimento de fls. 2532 pois que resulta evidente que, claramente, não se “impõe a reabertura da audiência prévia” Em tal despacho, o juiz a quo expõe os motivos pelos quais, em seu entender, não se justifica nova reabertura da audiência prévia, nomeadamente, porque as partes já teriam sido previamente ouvidas sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da ação e porque “o aperfeiçoamento concretizado em tal articulado não ostenta qualquer capacidade de influir na possibilidade de apreciação imediata do processo (…) Pois que o mesmo complemento factual, ao não afetar a causa de pedir no seu circunstancialismo essencial, não permite acrescentar qualquer razão ou justeza a uma p.i. que, ab inicio não a tinha”. Era contra esta decisão que a Apelante tinha de reagir, impugnando-a, ainda que no âmbito do presente recurso. Ora, quanto aos motivos, fundamentos, que estiveram na base de tal decisão de indeferimento, a Apelante nada diz, omitindo as razões pelas quais, no seu entender, e ao contrario do assumido na decisão recorrida, a reabertura da audiência se justificaria. Como tal, nada mais há a apreciar quanto, julgando-se improcedente a pretensão da Apelante à requerida “reabertura da audiência prévia”. Quanto à segunda apontada irregularidade – de que, ao apreciar o mérito da ação, o tribunal teria desconsiderado os factos por si alegados no Articulado de Aperfeiçoamento da Petição inicial, não os levando aos temas de prova ou ao elenco dos factos provados, e, desobedecendo, como tal, ao tribunal superior –, também não é de dar razão ao Apelante. Em primeiro lugar, a Apelante não esclarece que tipo de nulidade da sentença integrará tal irregularidade, de entre as previstas no nº1 do artigo 615º do CPC. De qualquer modo, a reconhecer a existência de tal irregularidade, nunca integraria uma nulidade da sentença prevista em qualquer uma das alíneas do nº1 do artigo 615º, CPC (nomeadamente, por omissão de pronúncia prevista na al. d), uma vez que as questões a que o tribunal se acha obrigado a resolver são as questões de direito correspondentes aos pedidos, causa de pedir e exceções. Já quanto às questões de facto, o juiz não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa ou causas de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor ou as exceções do réu[1]. A falta de consideração de algum facto relevante constitui um erro de julgamento da matéria de facto e não uma “nulidade” da sentença. Em segundo lugar, porque a Apelante omite quais os específicos factos por si alegados no Articulado de Aperfeiçoamento que, em seu entender, deveriam ter sido atendidos, e não o foram, na decisão que apreciou o mérito da ação. Na falta de tal alegação, a invocação de tal irregularidade de um modo absolutamente genérico e desligado das consequências que tal omissão de factos poderia importar para a decisão proferida (irregularidade que, de qualquer modo nunca integraria uma nulidade da sentença prevista em qualquer uma das alíneas artigo 615º, CPC – a falta de consideração de algum facto relevante constitui um erro de julgamento e não uma “nulidade” da sentença), não é de apreciar. Não se reconhece assim a verificação das invocadas “nulidades”. * b. Nulidade por omissão de convite ao aperfeiçoamento Segundo a Apelante, a sentença recorrida, ao afirmar que a recorrente falhou em alegar concretizar determinados factos que, no entender do tribunal a quo consubstanciam factos essenciais para o conhecimento cabal do mérito da causa, entrou em contradição com o seu comportamento anterior, quando começa por rejeitar o Articulado de Aperfeiçoamento (rejeição que veio a ser revogada pelo tribunal superior) e por, posteriormente, desconsiderar os factos aí alegados, acabando por considerar que os factos alegados pela recorrente não estão suficientemente concretizados na petição inicial, irregularidade que situa nos seguintes excertos da decisão recorrida: (i) “Não retratando, por qualquer forma e na sua p.i., os factos essenciais que se traduzem nos negócios subjacentes às transmissões a seu favor ao ponto de se ignorar se os mesmos se assumiram como onerosos ou gratuitos. Não se podendo, como tal, afirmar a exigida aquisição. E não alegando ou invocando, paralelamente, o seu desconhecimento da falta de legitimidade substantiva do Réu CC.”; (ii) “Sucede que a Autora CCM..., S.A., não obstante apregoar a titulação da posse, não enuncia, num qualquer momento da sua p.i. [e, como facto essencial, dúvidas não há, repete-se, que a titulação carecia de ser ali densificada], qual foi o título de aquisição das acções.”; Ainda segundo a Apelante, se o tribunal entendia que a alegação do apelante carecia de ser concretizada deveria ter proferido o correspondente convite ao aperfeiçoamento, constituindo a sua ausência a omissão de um ato que a lei prescreve, constituindo uma nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 195º do CPC. Antes de mais, uma eventual contradição entre os fundamentos de uma decisão respeitante à não admissão de um articulado e os fundamentos de outra posterior decisão de mérito na sentença, não é suscetível de constituir nulidade para efeitos do artigo 615º, nº1, al. c), do CPC, nulidade que só se verificará quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Tal nulidade apenas tem aplicação à contradição lógica da decisão em si, entre os seus fundamentos e a linha de raciocínio para que apontam e a decisão que na sus sequência, vem a ser proferida. Uma eventual contradição entre a decisão de rejeitar o Articulado de Aperfeiçoamento (decisão que veio a ser revogada, pelo que o mesmo se mostra admitido) e a fundamentação da decisão que incidiu sobre o mérito da ação sempre seria insuscetível de implicar ou fundamentar a nulidade da decisão recorrida. Quanto à imposição de um convite ao aperfeiçoamento, e dentro dos poderes de gestão do processo, dispõe artigo 590º, nº4, do CPC que, incumbe ao juiz “convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação do articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”. Segundo AA[2], este preceito reporta-se essencialmente aos factos principais da causa, isto é, aos que integram a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as exceções, pois só esses são suscetíveis de comprometer o êxito da ação ou da defesa. quanto aos factos instrumentais (art. 5-2-a.) o aperfeiçoamento só faz sentido quando o facto principal que deles se retira não tenha sido diretamente alegado, tratando-se de completar ou retificar a causa de pedir ou uma exceção, considerando o conjunto dos factos articulados pelas partes. Este convite “constitui um remédio para os casos em que os factos alegados pelo autor ou réu (os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados. No primeiro caso, está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada. No segundo caso, estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstrato ou jurídico) ou equívoco[3]”. No caso em apreço, temos de distinguir duas situações, uma respeitante à falta de alegação do negócio subjacente à transmissão das ações para a autora e outra relativamente à falta de alegação do seu desconhecimento da falta de legitimidade substantiva do Réu para efetuar tal transmissão. Em relação à segunda questão, a falta de razão da Apelante reside, desde logo, no facto de o tribunal a quo, em sede audiência prévia realizada a 24 de maio de 2021, ter convidado a autora a exercer tal pronúncia, nos seguintes termos: “(…) Estando a ser realizada audiência prévia na sequência do peticionado pela Autora CCM..., S.A., cabe conceder-lhe a palavra por forma a que a mesma possa responder às excepções peremptórias articuladas pelos Réus AA e BB na sua contestação. Os mesmos, materializando mera imputação genérica dos factos enunciados pela Autora CCM..., S.A. [artigo 78.º da contestação], dedicam-se essencialmente a contrapor circunstancialismo complementar que se destina a paralisar, modificar ou extinguir o efeito jurídico por esta pretendido. Falamos, para tanto, da enunciação que 90,76% das acções pertencem à massa hereditária de EE, na inexistência de partilha de tais bens e na consequente consideração que o negócio concretizado por DD e o Réu CC e todos os negócios subsequentes traduzem transmissão a non domino. E, por conseguinte, ineficaz em face do acervo hereditário. Deverá, pois, a Autora CCM..., S.A., exercer o contraditório quanto a tal matéria de excepção peremptória, devendo, ainda e nesta vertente, pronunciar-se sobre a decisão final [pois que transitada em julgado] proferida no processo n.º 894/11.....” Convite este a que a autora não acedeu. Quanto ao convite ao aperfeiçoamento relativamente à matéria dos “negócios subjacentes à transmissão das ações” para a autora, no despacho em que se pronuncia sobre a invocada nulidade, afirma o juiz a quo: “Uma coisa é o poder-dever que impende sobre o Tribunal de convidar as partes a colmatarem as insuficiências ou imprecisões patentes nos seus articulados. Outra, substancialmente distinta, é esperar que seja o próprio juiz a definir a estratégia processual que a parte deve seguir nos autos. E, designadamente, impô-la em sentido oposto à visão do próprio sujeito processual. No que não deixa de ser paradoxal que a própria Recorrente CCM..., S.A. reclame agora a falta de aperfeiçoamento factual numa matéria em que, mesmo após a instância do Tribunal, não desejou abordar. Temos, por outra via, que o propalado convite ao aperfeiçoamento não se poderia materializar quando se atente à tipologia dos demais factos sobre os quais a Recorrente CCM..., S.A. o pretende fazer incidir! Tratamos, nesta vertente, de um desejo de densificação circunstancial de uma titulação da posse que não havia sido articulada… E que se afirma, segundo uma possível visão, facto essencial para a sua pretensão. Pois que apenas a ser a mesma posse titulada logrará a Recorrente CCM..., S.A. aceder ao prazo «abreviado» da alínea a) do artigo 1298.º do Código Civil. Isto quando se tenha em atenção a data a que a mesma reporta o início do exercício de poderes factuais sobre as acções. E, como é absolutamente consensual em sede doutrinal e jurisprudencial, o convite ao aperfeiçoamento nunca poderá incidir sobre factualidade essencial... Mas mesmo a considerarmos que não tratamos de factos essenciais, nem assim se justificaria o convite ao aperfeiçoamento. É, efectivamente, cogitável uma perspectiva segundo a qual a usucapião apenas demanda, como circunstancialismo essencial, a articulação do exercício efectivo de poderes materiais correspondentes a direito real sobre uma coisa mantido por certo lapso temporal. (…) Embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas. A causa de pedir determinante na usucapião traduz-se, pois, na densificação factual do exercício de posse do direito de propriedade [ou de outros direitos reais de gozo] por certo período de tempo. Excluindo-se de tal categorização, neste raciocínio, a aferição da boa ou má fé do possuidor, da existência ou ausência de título e da materialização ou não concretização do registo. Pois que também a posse de má fé, não titulada e não registada poderá conduzir à usucapião [artigo 1298.º, alínea b) do Código Civil] ainda que demandando prazos claramente distintos. No que se o possuidor articula devidamente uma posse para usucapir mas não invoca factualmente o seu carácter titulado, deveremos, tão somente, depreender que essa titulação inexiste. Não cabendo, certamente, ao Tribunal [tanto mais quando a p.i. que impulsiona a lide contém causa de pedir completa, linear e escorreita e, como tal, capacitada, em abstracto, a prover à prescrição aquisitiva] ir então indagar esse mesmo possuidor se não considera mais conveniente alegar, inversamente, aquela precisa titulação sob argumento ou consideração que apenas esta lhe assegura o prazo necessário para usucapir. Tal como, aliás, ocorreria a estar em causa o registo ou a boa fé do possuidor… Acompanhamos a posição do tribunal recorrido quando firma que não se justificaria o convite ao aperfeiçoamento, com a retificação de que o convite ao aperfeiçoamento, não só pode, como se destina, precisamente a suprir a alegação de factos essenciais, nos termos por nós acima expostos, sendo que, de qualquer modo, tal convite só poderá ser efetuado relativamente a factos essenciais que façam parte da causa de pedir invocada nos autos e que sejam essenciais ao preenchimento da norma[4]. “O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fáticos que a entregam ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ao a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos[5]”. O entendimento exarado pelo juiz a quo na decisão recorrida – de que “não retratando por qualquer forma na sua p.i., os factos essenciais que se traduzem nos negócios subjacentes às transmissões a seu favor ao ponto de se ignorar se os mesmos se assumiram como onerosos ou gratuitos” – não o obrigava à prolação de qualquer convite ao aperfeiçoamento, porquanto, como é aí afirmado, a alegação respeitante aos negócios que estiveram na base do endosso e registo das ações a favor da autora não seria necessária à demonstração da aquisição da usucapião, relevando, quando muito, ao nível do tempo necessário à prescrição aquisitiva. Para o preenchimento da aquisição das ações por usucapião, enquanto causa de pedir da presente ação, nem sequer era necessária a invocação do negócio que esteve na base de tal endosso. Quando muito, como refere o tribunal recorrido, a invocação do negócio que esteve por trás do endosso, influenciaria no tempo de posse necessário ao completar da prescrição aquisitiva. A intervenção do juiz, apontando defeitos na narração dos factos, deve pautar-se com grande rigor e sobriedade, não cabendo ao juiz imiscuir-se nas opções assumidas pelas partes, nem sugerir outras alternativas, ainda que eventualmente mais vantajosas. Neste âmbito, a estratégia da parte baliza a intervenção do juiz e será dentro desses limites que o juiz deve cuidar de verificar se a alegação fáctica apresenta insuficiências ou imprecisões, proferindo o despacho de convite ao aperfeiçoamento quando conclua haver imperfeições[6]”. Ou seja, no caso em apreço, a consideração, por parte da decisão recorrida, de que a titulação dos negócios que estiveram na base dos endossos das ações não se mostrava alegada, não seria caso para convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. Como tal, improcede a pretensão da autora à prolação de um prévio convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. * c) Nulidade por violação do princípio do contraditório (decisão surpresa) Segundo a Apelante, o princípio do contraditório inscrito no artigo 3º, nº3, do CPC, foi violado pelo tribunal a quo no que respeita à aplicação do instituto do abuso de direito e no que respeita à prescrição aquisitiva invocada pela Apelante: ao logo das duas sessões da audiência prévia e dos diversos despachos proferidos nos autos nunca, em momento algum, o tribunal aflorou sequer o instituto do direito ou manifestou qualquer intenção em considerá-lo no âmbito da decisão de fundo a proferir nos presentes autos. Não é de dar qualquer razão à Apelante. Desde logo, porque a questão do abuso de direito relativamente à invocação da aquisição por usucapião das ações por parte da autora, não é apreciada pelo juiz a quo oficiosamente, mas, a invocação expressa na contestação deduzida pelos 1º e 2º réus nos presentes autos (arts. 70º a 74º da contestação), tratando-se, como tal, de questão que o tribunal teria de resolver, por força do nº2 do artigo 608º do CPC. Por outro lado, a apreciação de tal questão na decisão recorrida nunca poderia ser considerada uma decisão surpresa, quando um dos objetivos da convocação da audiência prévia foi precisamente “facultar às partes a discussão de facto e de direito, no caso em que ao juiz cumpra apreciar questões dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (art. 591º, al. b), CPC). Ora, na segunda sessão de tal audiência prévia, o juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “C. QUANTO À NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO Na perspectiva do Tribunal, poderá o processo conter já os elementos suficientes e idóneos para a prolação de decisão de mérito. Tal possibilidade, a ocorrer, dar-se-á em função de dois pontos essenciais no perspectivar da pretensão da Autora CCM..., S.A.: 1. Por um lado, cabe apreciar a influência que a autoridade de caso julgado constatada pode assumir para os caracteres da posse. Isto pois que um maior ou menor prazo da prescrição presuntiva dependerá, naturalmente, da boa-fé ou má-fé da Autora CCM..., S.A. e, a considerarmos que as acções figuram como coisa móvel sujeita a registo, da existência ou não (hipótese que incluirá a correspondente invalidade) deste. Ao ponto de, a concluir-se que se encontra preenchida a fattispecie do artigo 1298.º, al. b) do Código Civil, uma determinada definição daqueles caracteres da posse conduzir já inevitavelmente à improcedência da acção. 2. Por outro lado, sabemos já que à usucapião são aplicáveis as regras da prescrição (pois que de uma prescrição aquisitiva se trata) tendo em atenção o disposto no art.º 1292.º do Código Civil. Importando aferir se a litigância que foi sendo desenvolvida em sede de inventário, no processo 894/11.... ou nas acções ainda pendentes junto do Juízo de Comércio do Tribunal ... assume alguma virtualidade enquanto fundamento de suspensão ou interrupção na contagem dos prazos da usucapião. Vão assim os sujeitos processuais notificados para se pronunciarem quanto à possibilidade aventada de o processo fornecer já elementos para o conhecimento do mérito e, porque o Tribunal pode assumir tal perspectiva, procederem à discussão de facto e de direito prévia a esse possível conhecimento de mérito da causa [artigo 591.º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil]. Discussão onde deverão atender com particular ênfase aos pontos referidos. Em tal despacho é anunciada claramente a intenção de o juiz vir a proferir decisão sobre o mérito da causa e não apenas sobre alguma questão ou exceção suscitada pelas partes, sendo a exemplificação dos pontos sobre os quais as partes são convidadas a pronunciar-se meramente exemplificativa. Não se reconhece, assim, a ocorrência da alegada violação do princípio do contraditório. d) Nulidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo Segundo a Apelante, tendo o tribunal a quo julgado improcedente a aquisição pela recorrente das ações controvertidas por usucapião, sob o entendimento de tais ações pertencem ao acervo hereditário de EE, então, e se assim é, não figurando na presente ação como parte a suposta legítima proprietária das referidas ações (a herança jacente), ocorreu preterição do litisconsórcio necessário, por cuja sanação ao tribunal se impunha providenciar; assim como, sem o credor penhoratício, Novo Banco, não se poderá regular definitivamente o litigio social sobre as ações controvertidas. Em seu entender, quer pela ausência da herança jacente, quer pela ausência do Novo Banco, existiria preterição de litisconsórcio necessário, cuja ausência de suprimento oficioso pelo tribunal a quo geraria uma nulidade processual nos termos do nº1 do artigo 195º do CPC, determinante da nulidade da decisão recorrida. Mais uma vez, não é de dar razão à Apelante. Em primeiro lugar, tal questão não foi suscitada na primeira instância, não tendo como tal, sido aí objeto de apreciação, sendo que, sendo os recursos meios de impugnação de decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração ou revogação, não é possível ao tribunal conhecer novas questões. Em segundo lugar, nunca a autora teria legitimidade para arguir a ilegitimidade de alguma das partes por preterição do litisconsórcio necessário, uma vez que, na qualidade de autora, intentou a ação contra quem muito bem entendeu, pelo que, a existir tal ilegitimidade, teria sido a autora quem lhe teria dado causa. De qualquer modo, sendo a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário de conhecimento oficioso, sempre se imporá a este tribunal a apreciação de tal questão. Coloca a Apelante a questão da preterição de litisconsórcio necessário, pela ausência da alegada legítima proprietária das ações e do credor penhoratício, alegando ser necessária a sua presença para que a decisão a obter produza o seu efeito normal, remetendo-nos, assim, para o disposto no nº2 do artigo 33º do CPC. E segundo o disposto no nº3 do art. 33º CPC, “A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”. Alegando ter adquirido por usucapião determinadas ações da ADM..., S.A. a autora propõe a presente ação contra os seus acionistas AA, BB e CC, advindo o seu interesse em agir – como por si é expressamente alegado no art. 7º da P.I. – “da necessidade de conferir certeza sobre a existência do direito de propriedade que aqui reclama em face das condutas assumidas pelos Réus, ainda que indiretamente, quer em assembleia geral, quer em contencioso de anulação de deliberações sociais.” A Autora instaurou a ação, precisamente, contra os 1º e 2º Réus, AA e BB, por terem sido estes quem, ao longo destes anos (e desde que as ações sociais lhe foram entregues e endossadas), vem deduzindo oposição ao seu alegado direito de propriedade sobre as controvertidas ações sociais (quanto à propositura da ação contra o 3º Réu, CC, ainda Presidente do Conselho de Administração da própria autora à data da propositura da presente ação, a 26 de abril de 2017, desconhece-se quais as razões do seu chamamento como réu a esta ação). O facto de, pelo menos, desde que o Réu CC, na Assembleia Geral da ADM..., S.A., de 19 de março de 2011, se apresentou como titular do 1º Lote de ações controvertidas, os 1º e 2º Réus terem deduzido oposição à invocação de tal titularidade, quer através da propositura de ações judiciais a 18 de abril de 2011 (proposta pelo Réu AA), e a 15 de abril de 2011 (proposta pelo réu DD), contra a sociedade a que respeitam tais ações (pedindo a anulação das deliberações tomadas nessa assembleia geral de 19 de março, tendo como um dos fundamentos o não reconhecimento da titularidade de tais ações por parte do CC) – posição que mantêm na Assembleia Geral de 2 de março de 2012, e em todas as posteriores Assembleias Gerais[7] até à propositura da presente ação, quanto à participação da aqui autora na qualidade de titular de tais ações – é suficiente para lhes conferir legitimidade passiva, sem necessidade de se encontrarem acompanhados de quaisquer outros interessados, no reconhecimento da titularidade de tais ações por parte da autora. Assim como a ação de reivindicação deve ser movida contra o atual possuidor do bem, a ação de simples apreciação de reconhecimento do direito de propriedade terá de ser proposta contra aquele, ou aqueles, que contestem aquela titularidade, gerando incerteza quando ao mesmo e impedindo-o de retirar do seu direito a plenitude das suas vantagens: réu será quem pratica tais atos – o réu deve ser o fator dessa incerteza – e ainda aqueles que, os não praticando, estejam com eles numa relação de comunhão ou indivisibilidade, fundamento do litisconsórcio necessário[8]. Ou seja, “podem vir a ser chamadas à ação pessoas que, não tendo praticado qualquer de detenção da coisa ou qualquer ato de oposição ao direito proclamado pelo autor, mas que, não obstante, estarão abrangidas pelas regras dos ns. 1 e 2 do artigo 28º do código[9]”; assim, se o autor do facto ilícito é um comproprietário e nessa qualidade se apoderou da coisa, não para ele, mas para a comunhão, há que demandar todos os demais compartes visto que só com a intervenção de todos produzirá o seu efeito útil normal. No entanto, já não haverá litisconsórcio necessário entre o que pratica o ato causador da incerteza e o titular do direito por ele alardeado. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (artigo 30º, nº 3 do atual CPC). A Autora propôs a presente ação, peticionando o reconhecimento da aquisição por usucapião do seu direito de propriedade relativamente a determinadas ações da ADM..., S.A., - a chamando-se, mais uma vez a atenção de não se tratar de uma ação de reivindicação, mas de mera apreciação, pois é a autora que se encontra posse das ações cuja titularidade é contestada pelos réus – contra os 1 e 2º réus, enquanto acionistas de tal sociedade que, sistematicamente, vêm contestando a titularidade de tais ações pela autora, quer nas assembleias gerais, quer através da propositura de ações judiciais. Assim sendo, são estes os titulares do interesse em contradizer esta ação, sendo que, a alegada herança por óbito de EE é completamente omitida na relação material controvertida, tal como é configurada pela autora na petição inicial, com os esclarecimentos do Articulado de Aperfeiçoamento. Concluindo, não se reconhece a verificação da invocada ilegitimidade por violação do litisconsórcio necessário passivo. e) Nulidade por omissão de pronúncia e fundamentação no âmbito do segmento da sentença recorrida relativo à fundamentação de facto Alega a apelante ter alegado, tanto na petição inicial, quer no posterior Articulado de Aperfeiçoamento, um conjunto de factos que não constam da decisão recorrida, quer do elenco dos factos dados como provados, quer do elenco dos factos não provados, nomeadamente aqueles que dizem respeito ao exercício da posse sobre as ações controvertidas pela recorrente e o lapso de tempo que decorreu entre o inicio da posse e a propositura da presente ação: em concreto, o tribunal a quo excluiu do elenco de factos dados como provados os artigos 12º a 20º, 22º a 38º e 41º a 76º da p.i., bem como os pontos 13 a 14 do Articulado de aperfeiçoamento. Tal situação integraria uma nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. d), ou, caso assim se não entenda, por omissão de fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº1, al. b), do CPC. Não é de dar razão à Apelante. Em primeiro lugar, ainda que se reconhecesse que o tribunal não tivesse tido em consideração determinados factos essenciais alegados pela autora (e não se reconhece, como se analisará de seguida), nunca tal situação integraria um vicio de nulidade da sentença, seja por omissão de pronúncia, seja por falta de fundamentação. A nulidade cominada para a sentença que “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, e a que se reporta a 1ª parte da al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC, encontra-se conexionada com a obrigação do juiz “de conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608º-2). O não conhecimento de pedido de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constituiu nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado[10]”. As questões a resolver são as questões de direito correspondentes aos pedidos, causa de pedir e exceções, tanto perentórias como dilatórias[11]. Já quanto às questões de facto, em cuja decisão assenta a resolução daquelas, “o juiz não tem o dever de pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor[12]” ou as exceções do réu. Quanto à nulidade da sentença por falta de fundamentação, prevista na al. b), seja ao nível de direito seja ao nível de facto, só ocorrerá quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial[13]. Em segundo lugar, a decisão recorrida teve em consideração a factualidade alegada pela autora na petição inicial (com os aperfeiçoamentos posteriores), nomeadamente a respeitante aos atos de posse das ações controvertidos por parte da autora – dos quais retirou ser a autora possuidora das mesmas – posse que, segundo o afirmado na decisão recorrida, é não titulada, não registada e de má-fé – daí retirando as respetivas consequências – concluindo que o prazo para usucapir seria de 10 anos, pelo que, ainda que se contasse todo o tempo de posse, desde a data em que as ações foram entregues ao Réu CC, não se encontraria preenchido o prazo prescricional necessário, pelo que sempre a ação teria de improceder (por este e outros fundamentos que aí expõe). Não se reconhece a verificação das invocadas nulidades da sentença. f) Nulidade por omissão de pronúncia no âmbito do segmento decisório da sentença recorrida Segundo a Apelante, a decisão recorrida, ao julgar a ação parcialmente procedente e reconhecendo a recorrente como legítima possuidora e proprietária de 77.000 ações representativas do capital social da ADM..., S.A. esquece-se de proferir decisão sobre a posse e propriedade das remanescentes 1.701.000 ações, ou seja, as ações controvertidas, incorrendo em omissão de pronúncia. Embora da fundamentação surja como perfeitamente claro que, relativamente às restantes ações controvertidas, a decisão é de improcedência, a sentença, com certeza por mero lapso, é omissa relativamente às consequências relativamente à improcedência do demais peticionado. Como tal, reconhecendo tal omissão de pronuncia e ao abrigo dos poderes concedidos pelo disposto no artigo 665º, nº1 do CPC, proceder-se-á à retificação do dispositivo final, nos seguintes termos: a) V. DECISÃO Pelo exposto e em conformidade com os preceitos citados, decide-se 1) Julgar a presente ação como parcialmente procedente e, em consequência, condenar os Réus AA, BB e CC, a reconhecer a Autora CCM..., S.A., como legítima possuidora e proprietária de 77.000 ações representativas do capital social da ADM..., S.A.. 2) Julgar, no mais, a ação improcedente, absolvendo os réus do demais peticionado. Custas pela Autora CCM..., S.A. [artigos 527.º e, quanto às 77.000 objeto de procedência, 535.º, n.º 1 do Código de Processo Civil no artigo 11.º supra), condenando-se os RR. a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências. * 2. Da aquisição pela recorrente das ações controvertidas por usucapião Instaura a CCM..., S.A., a presente ação, pretendendo ver reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 1.778.000 ações, tituladas e nominativas do capital social da ADM..., S.A. com base na sua aquisição originária por usucapião, por lhe terem sido transmitidas por endosso, o que ocorreu a 20 de janeiro de 2011 quanto a 1.418 ações, a 7 de dezembro de 2012 quanto a 304.476 ações e a 31 de julho de 2013 quanto a 55.524 ações, com o subsequente registo de tais transmissões no livro da ADM..., S.A.. A decisão recorrida entendeu que, excetuadas as 77.000 ações cuja titularidade é reconhecida pelos réus, a ação sempre teria de improceder “quanto às participações sociais controvertidas nos autos, ou seja, quanto às 1.418.000 acções integradas no que a Autora CCM..., S.A. apelida de Lote A e quanto a 283.000 das acções integradas no que a Autora CCM..., S.A. apelida de Lote B. Pois que diversas objecções confluem para alcançar a conclusão que o tempo da posse propalada não se acha suficiente para usucapir. Na verdade, a falta de registo e a não titulação seriam, cada uma [ainda que esta dependa, mas apenas em parte, da primeira], bastantes para fazer intervir o prazo de 10 anos previsto na alínea b) do artigo 1298.º do Código Civil. Que, em face da data de início da invocada posse assumida na p.i., nunca se acharia perfeito à data de entrada em juízo da pretensão da Autora CCM..., S.A.. E a pendência de diversos foros de discussão judicial quanto à titularidade das acções sempre obstaria à pretensão da Autora CCM..., S.A., por se achar, nesse quadro, claramente abusiva, ou, pelo menos, a obrigar necessariamente a interromper a contagem do tempo da prescrição aquisitiva.” Na sua análise, o tribunal atentou na seguinte factualidade invocada pela Autora, a título de causa de pedir: 1. A Autora CCM..., S.A. é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo titular de 1.778.000 ações, tituladas e nominativas, representativas de 71,12% do capital social da ADM..., S.A.. 2. 1.418.000 ações [representativas de 56,72% do capital social] da ADM..., S.A. foram-lhe endossadas e transmitidas em 20 de Janeiro de 2011 pelo Réu CC [a quem foram transmitidas em 18 de Janeiro de 2011], 3. Tendo a Autora CC, em 18 de Abril de 2011, mobilizado o sobredito lote de cções para aumentar o seu capital social de € 15.000.000,00 para € 23.675.000,00, 4. Registando, simultaneamente, a mencionada transmissão no livro de registo de ações da ADM..., S.A.; 5. O Réu CC endossou e transmitiu, em 7 de Dezembro de 2012 e com concretização no correspondente registo no livro de registo de ações da ADM..., S.A., i) 204.167 ações [representativas de 8,17% do capital social] à Autora CCM..., S.A., ii) 33.867 [representativas de 1,35% do capital social] à sociedade F... e iii) 66.442 [representativas de 2,66% do capital social] à sociedade M..., 6. Detendo então a Autora CCM..., S.A., respetivamente, 50,85% e 100% do capital social da F... e da M..., 7. Tendo estas sociedades transmitido, por seu turno e em 18 de Setembro de 2013, as ações por si tituladas à Autora CCM..., S.A. e endossando-as em conformidade em 11 de Outubro de 2013, 8. Procedendo a Autora CCM..., S.A., naquela data de 18 de Setembro de 2013, ao registo da sobredita transmissão no livro de registo de ações da ADM..., S.A.; 9. O Réu CC endossou e transmitiu à Autora CCM..., S.A., em 31 de Julho de 2013, 55.524 ações [representativas de 2,22% do capital social] da ADM..., S.A., 10. Tendo a Autora CCM..., S.A. impulsionado, em 31 de Agosto de 2013, o registo da sobredita transmissão no livro de registo de ações da ADM..., S.A.; 12. Desde as datas em que as sobreditas participações sociais lhe foram transmitidas [ou às sociedades por si participadas] que a Autora CCM..., S.A. vem praticando, de forma ininterrupta, pública e de boa-fé, um conjunto de atos sobre as mesmas ações e exercendo os inerentes direitos e deveres sociais, 13. Participando e votando, na qualidade de acionista detentora das correspondentes participações sociais, nas assembleias gerais da ADM..., S.A., 14. Propondo também, enquanto sua acionista maioritária, a composição dos respetivos órgãos sociais, 15. Quinhoando nas perdas e lucros da ADM..., S.A. na proporção dessa participação no seu capital social, 16. Apresentado, ademais, contas consolidadas com a ADM..., S.A., 17. Tendo, inclusivamente, transmitido, e ulteriormente readquirido, 100.00 das propaladas ações para o FUNDO REVITALIZAR CENTRO – FRC, 18. E dando mesmo em penhor 1.418.000 ações a favor do Banco Espírito Santo como parte da garantia a financiamento por desconto de uma livrança; 19. Os atos descritos em 13 a 18 verificaram-se mesmo por reporte às participações tituladas pela F... e M... no período em virtude de a Autora CCM..., S.A. ser a sua sociedade-mãe e ter definido o correspondente sentido de voto; 20. Tais direitos exercidos sobre as descritas participações sociais nunca foram obstados ou impedidos pelos Réus AA, BB e CC; 21. A Autora CCM..., S.A. realça, ademais e para efeitos de acessão na posse, que o Réu CC ingressou na titularidade de 1.418.000 ações da ADM..., S.A. em 18 de Janeiro de 2011 e de 204.167 ações em 10 de Janeiro de 2011, 22. Isto sendo que as restantes 3,08% das sobreditas participações sociais [designadamente 21.476 ações de entre as que lhe foram transmitidas em 7 de Dezembro de 2012 e as 55.524 ações que lhe foram transmitidas em 31 de Julho de 2013] se achavam já pertença do Réu CC desde a transformação em sociedade anónima da ADM..., S.A. concretizada em 11 de Janeiro de 1996, 23. O qual vinha exercendo, sobre esses ações e desde essa data, atos materiais de posse idênticos aos supra explanados O juiz a quo afirma ter igualmente tido em consideração as correções efetuadas no articulado de Aperfeiçoamento quanto às datas, números de ações, transmitidas e cadeias de transmissão, por referencia ao enunciado em 5. a 10. * O tribunal considerou ainda demonstrados os seguintes factos, face à prova documental junta aos autos: a) Da Certidão de Registo Comercial da Autora CCM..., S.A. junta a fls. 60 consta, designadamente, o seguinte: Ap. 2/010928 – CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S)SOCIAL(AIS) FIRMA: CCM..., S.A. – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. (…) NATUREZA JURÍDICA: SOCIEDADE ANÓNIMA (…) Objecto: Gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas CAPITAL: 5.000.000,00 Euros (…) FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS Forma de obrigar: obriga-se pela assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou pela assinatura conjunta dos dois Vogais (…) Ap. ...12 – DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S) CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Nome/Firma: CC Cargo: Presidente (…) Ap. ...19 – AUMENTO DE CAPITAL Montante do aumento: 8.675.000,00 Euros Modalidade e forma de subscrição: Realizado por entrada em espécie de títulos de ações nominativas da sociedade “ADM..., S.A.”, pertencentes ao acionista CC Capital após o aumento: 23.675.000,00 Euros (…) Ap. ...05 – ALTERAÇÃO TOTAL AO CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) FORMA DE OBIRGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS: Forma de obrigar: Intervenção de 3 administradores; de um ou mais administradores com poderes delegados (…) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S) CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Nome/Firma: CC Cargo: Presidente (…) Ap. ...18 – DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) (…) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S) CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Nome/Firma: CC Cargo: Presidente [artigo 1.º da p.i. e certidão de fls. 60] b) Da Certidão de Registo Comercial da ADM..., S.A. junta a fls. 66 consta, designadamente, o seguinte: Firma: ADM..., S.A. Natureza Jurídica: SOCIEDADE ANÓNIMA (…) Objecto: Prospecção, pesquisa, exploração e comercialização de depósitos minerais, especialmente argilas destinadas à indústria de cerâmica e venda de energia eléctrica Capital: 12.500.000,00 Euros (…) Prazo de duração do(s) Mandato(s): triénio (…) Ap. ...22 – ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE (ONLINE) E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S) CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Nome/Firma: DD Cargo: Administrador (…) Nome/Firma: CC Cargo: Administrador (…) Nome/Firma GG Cargo: Administrador (…) Ap. ...23 – ACTUALIZADO (ONLINE) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S) CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Nome/Firma: DD Cargo: Presidente (…) Nome/Firma: CC Cargo: Vice Presidente e Presidente da Comissão Executiva (…) Nome/Firma: GG Cargo: Administrador e membro da Comissão Executiva (…) Nome/Firma: HH Cargo: Administrador e membro da Comissão Executiva (…) Ap. ...14 – DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S) CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Nome/Firma: DD Cargo: Presidente (…) Nome/Firma: CC Cargo: Vice-Presidente (…) Nome/Firma: II Cargo: Vice-Presidente (…) Ap. ...22 – DECISÃO FINAL AUTOR(ES): Nome/Firma: AA (…) RÉU(S) Nome/Firma: ADM..., S.A. (…) CONTEÚDO DISPOSITIVO DA SENTENÇA: Declara anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 19 de Março de 2011. Declara nulas as alterações propostas aos estatutos da Ré relativamente aos artigos 10.º, n.º 2 – “as prestações acessórias poderão ser efectuadas a título gratuito ou oneroso, consoante o que for deliberado em assembleia geral que as determine” – e 12.º, n.º 5 “as pessoas colectivas poderão delegar a sua representação a quem entenderem” Declara improcedentes os demais pedidos principais e subsidiários que foram formulados pelo Autor. Declara ainda improcedente o pedido formulado pela Ré no sentido de ser condenada na renovação das deliberações sindicadas. Data do trânsito em julgado: 2016-06-22 (…) Ap. ...27 – Provisório por natureza – ACÇÃO JUDICIAL Artigo 64.º, n.º 1, alínea n) AUTOR(ES) Nome/Firma: AA (…) RÉU(S) Nome/Firma: ADM..., S.A. (…) PEDIDO: a) Que seja declarado que o registo, no livro de registo de acções da ré, de 2.269.000 acções, representativas de 90,76% do respectivo capital social, pertencentes À herança de EE, a favor de CC e, posteriormente, a favor de CCM..., S.A., é juridicamente inexistente ou, se assim não se entender, nulo ou, se também assim não se considerar, ineficaz; b) Que sejam declaradas juridicamente inexistentes ou, se assim não se entender, nulas ou, caso também assim não se considere, anuladas todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada no dia 15 de Fevereiro de 2017, retratadas na respectiva acta n.º 168, com todas as legais consequências. [artigo 2.º da p.i. e certidão de fls. 66] c) DD e EE contraíram casamento em 21 de Abril de 1956 sujeito ao regime da comunhão geral de bens [artigo 18.º da contestação e assento de fls. 1117], d) Tendo a sobredita EE falecido no mês de .../.../2007 [artigo 17.º da contestação e assento de fls. 66], e) Deixando como herdeiros o seu cônjuge DD e os filhos e aqui Réus AA, CC e BB [artigo 19.º da contestação e escritura de fls. 1120]; f) No Inventário com o n.º ...2..., autuado em 9 de Fevereiro de 2012, tendente à partilha do património hereditário de EE e na qual intervieram como interessados DD, AA, CC e BB [artigo 32.º da contestação e certidão de fls. 1132], g) o correspondente Cabeça de Casal DD apresentado, nessa sede e em 12 de Novembro de 2012, a relação de bens junta a fls. 1145 e da qual constam, designadamente, as seguintes verbas: 5.º 1.134.500 ações do valor nominal de € 5,00, em nome de EE, no capital social da soc. ADM..., S.A. pessoa colectiva n.º ..., com sede em ..., ..., no valor de ………………….. € 5.672.500,00 6.º1.134.500 ações do valor nominal de € 5,00, em nome de DD, no capital social da soc. ADM..., S.A. pessoa colectiva n.º ..., com sede em ..., ..., no valor de …………………. € 5.672.500,00 (…) i) O Réu AA deu entrada, em 4 de Dezembro de 2012, da reclamação contra a relação de bens descrita em h) junta a fls. 1178 e da qual fez constar, designadamente, o seguinte: (…) Das participações sociais (…) 8. Ademais, o cabeça-de-casal refere que a mãe do ora Requerente era titular de 1.134.500 acções no valor nominal de € 5,00 cada, na sociedade ADM..., S.A. 9. ora, atenta a actuação do cabeça-de-casal que motivou o processo de arrolamento que se encontra apensado aos presentes autos (cfr. artigos 41.º a 124.º do requerimento inicial de arrolamento), as acções referidas 1.134.500 acções já não integram a herança, no entanto, 10. o Requerente desconhece o destino que lhes foi dado e, caso tenham sido transmitidas, qual o negócio através do qual se deu essa transmissão, o que deverá ser explicado pelo cabeça-de-casal. (…) Termos em que se requer a V. Exa. que seja notificado o cabeça-de-casal para relacionar os bens em falta e dizer o que se lhe oferecer sobra a reclamação supra apresentada. j) Por requerimento apresentado no Inventário n.º ...2... em 10 de Dezembro de 2012 e junto a fls. 1183, o aí Cabeça de Casal DD expôs, designadamente, o seguinte: (…) Quanto às comparticipações sociais (…) 6.º As 1.134.500 acções da sociedade ADM..., S.A. estão relacionadas sob a verba 5 da relação e o cabeça de casal entende que integram a herança. (…) k) Por requerimento apresentado no Inventário n.º ...2... em 26 de Janeiro de 2013 e junto a fls. 1204, o aí Cabeça de Casal DD expôs, designadamente, o seguinte: (…) Vem corrigir a relação de bens que apresentou, eliminando da mesma as verbas 5 e 6, que, só por lapso, as incluiu e já não pertencem à herança pois: 1º- As acções, na soc. ADM..., S.A., quer as que pertenciam à inventariada quer as que pertenciam ao cabeça de casal, foram partilhadas entre os 3 filhos, em partes iguais, em 10.01.2011; 2º- Tal partilha foi feita verbalmente e, na sequência da mesma, foram essas registadas em nome dos 3 filhos conforme resulta do livro de registo de acções de que junta fotocópia (doc.1); 3º- Como o cabeça de casal já tem mais de 82 anos e não foi feito documento escrito de partilhas, não se apercebeu do lapso ao incluir na relação de bens tais acções, do que se penitencia. l) O Réu BB deu entrada, em 5 de Fevereiro de 2013, de reclamação contra a relação de bens e da qual fez constar, designadamente, o seguinte: (…) 11. Por fim, veio entretanto o Cabeça de Casal “corrigir a relação de bens” por si inicialmente apresentada, eliminando as verbas n.º 5 e 6 desta por, alegadamente, as acções objecto dessas verbas terem sido verbalmente “partilhadas entre os três flhos”. 12. O Cabeça de Casal tem sido imaginativo nas sucessivas e já incontáveis versões que tem apresentado relativamente ao destino que deu às acções em causa. 13. Esta é só mais uma dessas versões. 14. Todavia, a verdade é que não existiu qualquer partilha das referidas acções. 15. Pelo que corresponde à verdade o que consta das verbas n.º 5 e 6 da relação de bens originária. (…) m) Por requerimento apresentado no Inventário n.º ...2... em 15 de Fevereiro de 2013, o aí Cabeça de Casal DD expôs, designadamente, o seguinte: (…) 2.º Em 10.01.2011, os interessados procederem à partilha verbal das acções que a inventariada tinha na sociedade. 3.º Couberam ao Cabeça de Casal, como herdeiro, 283.625 acções para além das 1.134.500 que lhe pertenciam. 4.º De imediato, o Cabeça de Casal dispôs-se a doar a qualquer um dos filhos as 1.418.126, que lhe pertenciam, desde que o libertassem dos inúmeros avales que tinha dado à empresa. O reclamante tentou preencher esta condição, mas não o conseguiu. 5.º Perante a resposta do reclamante de que não o libertava dos avales, o Cabeça de Casal negociou a doação por conta da quota disponível com o filho, CC, que aceitou, satisfazendo a condição proposta. 6.º Portanto, a parte das acções que lhe coube na partilha foi vendida ao filho CC, que, provavelmente, ainda as tem. 7.º O Cabeça de Casal é que não em já qualquer acção em seu nome ou na sua posse” n) Por requerimento apresentado no Inventário n.º ...2... em 21 de Fevereiro de 2013, o Réu CC expôs, designadamente, o seguinte: Relativamente aos bens relacionados na verba n.º 5 da Relação de Bens, o ora Interveniente acompanha o entendimento do seu Irmão, o Requerente AA, no sentido dos mesmos bens já não integrarem a herança. 4. De facto, conforme veio – e bem - o Cabeça de Casal retificar, no seu requerimento de Refª. 12278202, as acções da ADM..., S.A. foram efetivamente partilhadas pelos herdeiros em iguais proporções, nos termos propostos pelo Cabeça de Casal, 5. Devendo, nessa medida, ser excluídas as verbas n.ºs 5 e 6 da Relação de Bens original.Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., devem as verbas n.º 5 e 6 da Relação de Bens original ser dadas por não escritas, por não fazerem parte do acervo a partilhar o) Por requerimento apresentado no Inventário n.º ...2... em 26 de Fevereiro de 2013, o Réu AA expôs, designadamente, o seguinte: 1. Esta é apenas mais uma versão do que sucedeu às acções que, afinal, estarão por partilhar desde a morte da autora da herança, apesar de todas as afirmações feitas pelo cabeça de casal e pelo interessado CC a propósito das mesmas. 2. Parece ilimitada a capacidade que o cabeça de casal tem para inventar a quem pertencem as acções e de que forma lhe foram parar às mãos. 3. O Requerente reitera que não tem conhecimento de qualquer partilha verbal ou venda das acções. 4. Mas parece que também esta última versão não pode colher na medida em que o próprio interessado CC, a quem o Cabeça de casal diz que vendeu as suas acções após a alegada partilha verbal, reconhece que não é titular das mesmas. o) Foi proferido, em 15 de Janeiro de 2014, o despacho de fls. 1251 no Inventário com o n.º ...2... e do qual consta, designadamente, o seguinte: (…) Reclamações à nova relação de bens Do interessado BB (fls. 226 a 229) Este interessado vem reclamar a manutenção das verbas n.º 5 e 6 da relação de bens, porque, segundo alega, não houve qualquer partilha das mesmas. Do interessado AA Este interessado, pronunciando-se, alega, em síntese, continuar a desconhecer o destino dado às ações, pois que apenas alguns dias após a alegada partilha das mesmas, da lista de presenças da mencionada sociedade na Assembleia Geral (19.03.2011), constavam, como acionistas, CC, como sendo titular de 1.778.000 ações, AA, como titular de 361.000 ações e BB, como titular de 361.000, sendo que não são os referidos acionistas titulares desse número de ações. * Resposta do cabeça-de-casal Em face das reclamações descritas, o cabeça-de-casal, veio esclarecer que da partilha verbal o mesmo ficou com 1.134.500 ações, que já detinha, e 283.625, da esposa inventariada, e que doou a totalidade de tais ações ao filho CC, por conta da quota disponível. * Do interessado CC Este interessado refere que as ações a partilhar o foram em partes iguais pelos herdeiros, devendo dessa medida serem excluídas as verbas n.º 5 e 6 da relação de bens inicial. Do interessado BB Este interessado, impugnando qualquer partilha verbal das ações em causa, vem defender que atento o regime de bens (de comunhão geral), o cabeça-de-casal não podia ter vendido as suas ações, pois estas também integravam o acervo a partilhar. (…) 2. Existência das ações relacionadas nas verbas n.º 5 e 6 da relação de bens de fls. 39 a 69. (…) Ora da prova produzida não foi possível apurar o tipo de acordo ou contrato que foi efetivado entre os interessados e se efetivamente já se concretizou alguma transferência da titularidade das ações inicialmente relacionadas, bem como em relação a que parte das ações. Deste modo, mais não resta concluir que não há nos autos elementos que permitam com segurança dizer que as ações relacionadas ainda façam parte do acervo a partilhar ou se já foram por qualquer forma transmitidas e a que título. Resta pois, atendendo às considerações tecidas, concluir que a complexidade manifesta da questão suscitada torna inconveniente a decisão deste incidente nesta sede e, em consequência, remetemos os interessados, nesta parte, para os meios comuns, nos termos do disposto no artigo 1350.º, nº 1 do CPC. Pelo exposto, decide-se: a) julgar improcedente a reclamação relativamente às joias da inventariada; b) determinar o conhecimento da questão relativa às verbas n.º 5 e 6 da relação de bens inicial para os meios comuns. p) O Réu AA intentou, em 18 de Abril de 2011 e junto do Juiz ... do Juízo de Comércio do Tribunal da Comarca ..., a ação de anulação de deliberações sociais contra ADM..., S.A. com o n.º 894/11.... e por intermédio da qual peticionou: a) a declaração de nulidade das deliberações aprovadas na Assembleia Geral de 19 de Março de 2011, porquanto tomadas em Assembleia Geral não convocada de acordo com o artigo 56º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Sem conceder e a título subsidiário, b) caso se entenda que se está apenas perante uma irregularidade na convocação da Assembleia Geral e não em face de uma não convocação da mesma, a anulabilidade das deliberações, ao abrigo do preceituado no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Sem conceder e a título subsidiário c) a inexistência das deliberações aprovadas na reunião da Assembleia Geral de 19 de Março de 2011, uma vez que a Assembleia Geral da Ré deliberou sem que estivesse reunido o quórum necessário para que a mencionada assembleia se reunisse e pudesse validamente apreciar e aprovar as propostas de deliberação. Se assim não se entender e a título subsidiário, d) a anulabilidade das mesmas deliberações, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Sem conceder e a título subsidiário, e) a ineficácia da proclamação do resultado das deliberações em crise nestes autos pelo Presidente da mesa da Assembleia Geral; Sem conceder e a título subsidiário, f) caso se entenda que a proclamação é a última fase do processo deliberativo e que, em consequência, tem valor constitutivo da deliberação, a anulabilidade das mesmas deliberações por violarem o disposto no artigo 386.º do Código das Sociedades Comerciais e o artigo 11.º dos estatutos da Ré, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código. Sem conceder e a título subsidiário, g) por não terem sido facultados ao Autor os elementos descritos nas alíneas a), b) e d), do artigo 289.º do CSC, durante os quinze dias anteriores à reunião da Assembleia Geral da Ré, a anulabilidade das mesmas deliberações, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais. Sem conceder e a título subsidiário, h) a nulidade das deliberações que aprovaram a alteração dos estatutos relativamente à aprovação do artigo 5.º, n.º 2 e n.º 3, do artigo 9.º, n.º 1, do artigo 10.º, n.º 2, e do artigo 12.º, n.º 5, dado que o seu conteúdo é ofensivo de preceitos legais que não podem ser derrogados, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d), do Código das Sociedades Comerciais, bem como o aditamento ao artigo 18.º, n.º 6, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, als. a) e d) do referido Código. [artigo 57.º da contestação e certidão de fls. 1273] q) Foi proferida sentença em 14 de Setembro de 2015 no processo n.º 894/11.... junta a fls. 1603 e da qual consta, designadamente, o seguinte: (…) “Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais mencionadas e em complemento da sentença proferida nos autos a 6 de Agosto de 2012 com a sindicância que dela fez o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Fevereiro de 2013, o Tribunal julga a presente acção instaurada por AA contra a sociedade ADM..., S.A. parcialmente procedente por provada e em consequência: 5.1. Declara anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Requerida de 19 de março de 2011, materializadas na acta n.º 159, documentada a fls.131 e ss e sua Adenda, por violação do quórum constitutivo e deliberativo nos termos dos artigos 58.º n.º 1 al.a), 383.º n.º 1 e 2 e 386.º do Código das Sociedades Comerciais. 5.2. Declara nulas as alterações propostas aos estatutos da Requerida relativamente aos artigos 10.º, n.º 2 - “as prestações acessórias poderão ser efetuadas a título gratuito ou oneroso, consoante o que for deliberado em Assembleia Geral que as determine” – e 12.º, n.º 5 - “as pessoas coletivas poderão delegar a sua representação a quem entenderem” – por violação de preceitos legais que não podem ser derrogados por vontade dos seus sócios nos termos do art.56.º n.º 1 al.d) do Código das Sociedades Comerciais. 5.3. Declara improcedentes os demais pedidos principais e subsidiários que foram formulados pelo Autor. 5.4. Declara ainda improcedente o pedido formulado pela Requerida no sentido de ser condenada na renovação das deliberações sindicadas nos termos do art.62.º n.º 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais.” r) Em 17 de Maio de 2016, foi proferido o Acórdão de fls. 1654 [já transitado em julgado em de Junho de 2016 à luz de fls. 2405] pelo Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 894/11.... e do qual consta, designadamente, o seguinte: (…) Os factos provados são os seguintes: (…) 25. No dia 19 de março de 2011 reuniu a Assembleia-Geral da Ré (alínea I), dos factos assentes); 26. Encontravam-se presentes o Sr. Dr. JJ, o Sr. DD, o Sr. CC, o Sr. Dr. HH, o Sr. Dr. KK, o Sr. Dr. LL e a Sra. Dra. MM (alínea J), dos factos assentes); 27. Encontrava-se ainda presente o Autor na sua qualidade de administrador da Ré (alínea K), dos factos assentes); 28. O Autor, na sua qualidade de sócio, fez-se representar na Assembleia-Geral por Advogada, a Sra. Dra. NN (alínea L), dos factos assentes); 29. Da lista de presenças na Assembleia Geral constavam, como [sendo]acionistas, CC, como sendo titular de 1.778.000 ações, representativas de 71,12% do capital social da Ré, o Autor, como sendo titular de 361.000 ações, representativas de 14,44% do capital social da Ré, e BB, como sendo titular de 361.000 ações, representativas de 14,44% do capital social da Ré (alínea M), dos factos assentes); 30. Assumiu a Presidência da mesa da Assembleia-Geral o Sr. Dr. JJ, na qualidade de fiscal único da Ré e para suprir a falta do presidente da mesa da Assembleia-Geral (alínea N), dos factos assentes); 31. O Presidente da mesa considerou existir quórum constitutivo da Assembleia-Geral e deu início aos trabalhos (alínea O), dos factos assentes); 32. Aquando da realização da assembleia-geral de 19 de março, o presidente da mesa aceitou a declaração do Autor no sentido de que este apenas se reconhecia titular não de trezentas e sessenta e uma mil e sim de setenta e sete mil ações no capital social (resposta ao quesito 10.º); 33. Entrando na discussão do ponto 1 da ordem de trabalhos, o acionista CC propôs, para membros da mesa da Assembleia Geral, o Sr. Dr. LL, para Presidente, e a Sra. Dra. MM, para secretária (alínea P), dos factos assentes); 34. Mais propôs que os mencionados membros assumissem de imediato as respetivas funções, cessando as até aí desempenhadas pelo Sr. Dr. JJ (alínea Q), dos factos assentes); 35. Submetida a proposta a votação, o acionista CC votou no sentido da sua aprovação (alínea R), dos factos assentes); 36. O Autor votou contra a mencionada proposta e o Presidente da mesa considerou a proposta aprovada por maioria de 71,12%, com base no sentido de voto do acionista CC (alínea S), dos factos assentes); 37. O Presidente da Mesa considerou, em consequência e com efeitos imediatos, cessadas as suas funções, pelo que assumiu a presidência da mesa o Sr. Dr. LL, secretariado pela Sra. Dra. MM (alínea T), dos factos assentes); 38. Tendo-se passado à discussão e deliberação do ponto 2 da ordem de trabalhos, o Presidente da mesa leu a proposta de alteração de estatutos que afirmou ter sido apresentada pelo acionista CC (alínea U), dos factos assentes); 39. Sujeita a proposta a votação, o acionista CC votou a favor da mesma, o autor votou contra e o Presidente da mesa considerou a proposta aprovada por 71,12% dos votos, com base no sentido de voto do acionista CC (alínea V), dos factos assentes); 40. Tendo-se passado à discussão e deliberação do ponto 3 da ordem de trabalhos, o Presidente da mesa leu a proposta de destituição dos membros do Conselho de Administração apresentada pelo acionista CC (alínea W), dos factos assentes); 41. A proposta a que se alude em “40” foi justificada, na Assembleia-Geral de 19 de março, pelo seu proponente, pelo facto de ter ocorrido a renúncia de metade dos membros do conselho de administração, de ser insuficiente o número de administradores e pela necessidade de adequação do conselho de administração aos novos estatutos da sociedade (resposta aos quesitos 17.º, 18.º e 19.º); 42. Sujeita esta proposta a votação, foi a mesma considerada aprovada com os votos favoráveis do acionista CC. O Autor votou contra e, no uso da palavra, declarou que: “Voto contra a destituição dos administradores em exercício desse cargo, uma vez que o mandato ainda está em curso e desconhecia até este momento quem serão os administradores substitutos. Acresce que estando o mandato em curso, será necessário ressarcir nos termos gerais do direito os administradores destituídos, uma vez que não existe justa causa para a destituição agora sujeita a deliberação. Para além de acionista, é administrador desta Sociedade desde 1996 e em momento algum foram nomeados administradores que não fossem acionistas da Sociedade. Esta forma de atuar não corresponde à natureza da Sociedade, que como é do conhecimento de todos é uma empresa de caráter familiar, em que os acionistas, do conhecimento do acionista, ainda são apenas a herança indivisa por morte da sua mãe, o seu pai e os seus irmãos, pelo que censura veementemente os termos e os comportamentos que estão ser adotados na empresa, desconhecendo por completo os seus motivos.” (alínea X), dos factos assentes); 43. No que respeita ao ponto 4 da ordem de trabalhos, foi apresentada pelo acionista CC, através do Presidente da mesa, a seguinte proposta de deliberação: designação, como Presidente do Conselho de Administração, do Sr. DD, como Vice-Presidente, o acionista CC, e, como vogais, o Dr. KK, o Dr. HH e o Sr. GG (alínea Y), dos factos assentes); 44. Submetida a proposta a votação, a mesma foi objeto dos votos favoráveis do acionista CC e dos votos contra do Autor (alínea Z), dos factos assentes); 45. O Presidente da mesa considerou a proposta aprovada por 71,12%, atento o sentido de voto do acionista CC (alínea AA), dos factos assentes); 46. O artigo 5.º, n.º 2, da proposta de alteração dos estatutos prevê que “As ações tituladas podem ser convertidas em ações escriturais mediante solicitação escrita à Sociedade pelo(s) respetivo(s) titular(es)” (alínea CC), dos factos assentes); 47. O artigo 5.º, n.º 3, da proposta de alteração dos estatutos estabelece que: “O custo das operações de registo das transmissões, conversões, bem como qualquer outro custo relativo às ações escriturais, é suportado pelo respetivo titular, segundo critério a fixar pelo Conselho de Administração” (alínea DD), dos factos assentes); 48. O art. 9.º, n.º 1, da proposta de alteração dos estatutos refere que a “a Sociedade poderá emitir ações preferenciais sem voto” (alínea EE), dos factos assentes); 49. O art. 10.º, n.º 2 da proposta de alteração dos estatutos prevê que “as prestações acessórias poderão ser efetuadas a título gratuito ou oneroso, consoante o que for deliberado em Assembleia Geral que as determine” (alínea FF), dos factos assentes); 50. O artigo 12.º, n.º 5, da mesma proposta, prevê que “as pessoas coletivas poderão delegar a sua representação a quem entenderem” (alínea GG), dos factos assentes); 51. No decurso da Assembleia-Geral foi apresentada uma proposta de aditamento de um número seis ao artigo 18.º da proposta de reformulação dos estatutos que previa: “As faltas de qualquer administrador a 5 (cinco) reuniões ordinárias seguidas ou interpoladas sem justificação aceite pelo Conselho de Administração conduzirá a uma falta definitiva desse administrador, com as consequências legais estabelecidas no art. 393.º do Código das Sociedades Comerciais” (alínea HH),dos factos assentes); 52. As deliberações tomadas na Assembleia-Geral de 19 de março foram registadas (alínea MM), dos factos assentes); (…) Quando foi realizada a Assembleia Geral da Ré, em que forma tomadas as deliberações impugnadas pelo Autor, constava no livro de registo de ações da Ré que CC era titular de 71,12% do capital social, AA de 14,44% e BB de 14,44%. Ora, a Ré era, inicialmente, uma sociedade por quotas que foi transformada em sociedade anónima, passando o capital social a ter os seguintes titulares: - DD, titular de 1.134.500 ações correspondentes a 45,38% do capital social; - EE, casada com DD, no regime de comunhão geral de bens, titular de 1.134.500 ações correspondentes a 45,38% do capital social; - AA, filho de DD e EE, titular de 77.000 ações, correspondentes a 3,08% do capital social; - CC, filho de DD e EE, titular de 77.000 ações, correspondentes a 3,08% do capital social; - BB, filho de DD e EE, titular de 77.000 ações, correspondentes a 3,08% do capital social; EE faleceu em .../.../2007, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, o marido e os filhos acima referidos. (…) Ora, a partilha extrajudicial é um negócio jurídico que pressupõe o acordo de todos os interessados – artigo 2102.º, n.º 1 do Código Civil. A proposta de partilha efetuada por DD aos restantes interessados não obteve o acordo de AA e de BB, sendo certo que o silêncio nunca teria aqui valor declarativo, uma vez que não estamos perante qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 218.º do Código Civil. Não tendo a proposta de partilha obtido o acordo de todos os interessados, inexiste qualquer negócio jurídico de partilha, não tendo, pois, resultado das negociações descritas a produção de quaisquer efeitos jurídicos nos bens da herança, designadamente na titularidade das ações da Ré. A alegada partilha é inexistente. (…) Como DD era casado em comunhão geral de bens com a falecida EE as ações de um e de outro pertenciam ao património comum do casal - art.º 1372º do C. Civil -, pelo que todas essas acções integravam a massa da herança aberta por morte de EE. Inexistindo a partilha da herança quanto a essas acções, como acima se concluiu, DD não tinha legitimidade para as doar, uma vez que o direito de alienar bens da herança só pode ser exercido por todos os herdeiros - art.º 2091º, n.º 1, do C. Civil -, pelo que nos encontramos perante uma doação de bens alheios, acto que é sancionado com nulidade, nos termos do art.º 956º, n.º 1, do C. Civil. Apesar da alegada partilha ser inexistente e a subsequente doação ser nula, as mesmas tiveram tradução no livro de registos de acções da Ré. Qual o valor deste registo na determinação do quorum constitutivo e deliberativo da Assembleia de uma sociedade anónima, com vista a apurar a validade das deliberações nela tomadas?A verificação quer do quorum constitutivo, quer do quorum deliberativo, compete na Assembleia ao Presidente da Mesa, o qual deve mandar organizar a lista dos accionistas que se encontrem presentes e representados no início da reunião, constando dessa lista o número, a categoria e o valor nominal das acções pertencentes a cada associado presente ou representado - artigo 382.º, n.º 1 e 2, c), do C.S.C. - e proclamar os resultados das votações, sendo o valor nominal indicado das acções pertencentes a cada associado presente ou representado o que consta do respectivo registo. (…) As transmissões das acções tituladas nominativas efectuam-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente – artigo 102.º, n.º 1 do CVM –, produzindo a transmissão efeito a partir do requerimento de registo junto do Emitente. Independentemente da polémica sobre se este registo é constitutivo ou meramente declarativo dos direitos inscritos, a invalidade dos negócios singulares de transmissão de acções pode determinar desde logo a nulidade dos respectivos registos, dado que sendo este registo valorativo deve ser recusado quando é manifesta a nulidade (e também a inexistência) do facto a registar, como dispõe expressamente o art.º 77º, n.º 1, d), do CVM, para o registo dos valores mobiliários escriturais. Mas o disposto no artigo 58º do CVM não deixa dúvidas sobre a possibilidade da situação jurídica certificada pelo registo ser também posta em causa pela invocação da invalidade do negócio jurídico subjacente. Se a transmissão de valores mobiliários exige um negócio que justifique essa transmissão e um modo de a efectivar (declaração de transferência e registo), a verificação da invalidade desse negócio não pode deixar de se reflectir na subsistência do registo que é simultaneamente modo constituinte da transmissão e meio de revelação da situação jurídica registada. Se a transmissão subjacente sofre de um vício que a invalida, essa invalidade estende-se necessariamente ao seu registo, limitando-se o interesse da segurança da circulação. (…) Neste caso, provou-se que foram objecto de registo a transmissão de acções tituladas nominativas da Ré, tendo como negócio justificativo uma partilha que não existiu e uma subsequente doação de parte dessas acções que supostamente haviam sido atribuídas a um dos herdeiros naquela partilha e por isso nula. Na verdade, estando nós perante uma sociedade familiar, em que os sócios eram pai e filhos, sendo também eles os administradores da sociedade, a inexistência do negócio de partilha das acções integrantes da herança por morte da esposa e mãe daqueles e a nulidade da subsequente doação de acções não partilhadas são vícios necessariamente manifestos para os administradores da Ré (estes e os intervenientes nos negócios em causa são as mesmas pessoas) que tinham a obrigação de impedir o registo das respectivas transmissões, sendo por isso nulo o registo efectuado. Além disso, mesmo que, por hipótese de raciocínio, não se considerasse que os apontados vícios eram manifestos para a Ré, sempre a inexistência e invalidade dos negócios subjacentes àqueles registos, determinariam a invalidade destes, pelas razões acima apontadas, não havendo lugar à inoponibilidade prevista no art.º 58º do CVM, uma vez que os adquirentes nas transmissões em causa não podiam ignorar a existência de tais vícios, não se encontrando de boa-fé. Tendo o registo das transmissões aqui em causa, como negócios subjacentes, uma partilha que não existiu e uma doação de acções nula por não pertencer ao doador o bem doado, tais registos devem ser considerados inválidos desde o seu início, atento os efeitos retroactivos da nulidade. Daí que deva considerar-se que no momento em que foi realizada a Assembleia Geral da Ré de 19 de Março de 2011 as acções da Ré estavam, assim, distribuídas: - da herança de EE, 2.269.000 acções, representando 90,76% do capital social; - de AA, 77.000 acções, representando 3,08% do capital social; - de CC, 77.000 acções, representando 3,08% do capital social; - e de BB, 77.000 acções, representando 3,08 do capital social. Sendo os herdeiros de EE (DD, AA, CC e BB) contitulares das ações que integravam a herança daquela, o direito inerente a essa titularidade deve ser exercido através de representante comum -art.º 303º do C.S.C. -, incumbindo essa representação ao cabeça de casal da herança, por força do art.º 2079º do C.C., que no caso era DD. Tendo estado presentes na Assembleia Geral da Ré apenas os sócios AA e CC, a Assembleia funcionou sem o quorum suficiente para aprovar uma alteração dos estatutos, o qual exige a presença de accionistas ou seus representantes que sejam titulares de acções correspondentes a um terço do capital social - art.º 383º, n.º 1, do C.S.C.. Quanto às restantes deliberações, como as respectivas propostas tiveram o voto favorável do sócio CC e o voto contra do sócio AA Voto, os quais dispunham do mesmo número de acções, valendo cada 100 acções um voto, não se registou em qualquer uma delas uma maioria de votos necessária à sua aprovação. Por estas razões constata-se o acerto da decisão recorrida quando anulou todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 19 de Março de 2011 com fundamento na falta de quorum constitutivo (a que aprovou a alteração de estatutos da Ré) e de quorum deliberativo (as restantes). Assim, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. s) O Réu BB intentou, em 15 de Abril de 2011 e junto do Juiz ... do Juízo de Comércio do Tribunal da Comarca ..., a ação de anulação de deliberações sociais contra ADM..., S.A. com o n.º 869/11.... e por intermédio da qual peticionou (…) ser declarada a inexistência jurídica ou, se assim não se entender, a nulidade de todas as sobreditas deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada no dia 19 de Março de 2001 ou, como assim não se considere, serem essas deliberações anuladas, com todas as legais consequências. [artigo 59.º da contestação e certidão de fls. 1703] t) Foi proferida decisão em 18 de Outubro de 2016 no processo n.º 869/11.... junta a fls. 1603 e da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Como é sabido uma deliberação de accionistas é juridicamente imputável à sociedade e a declaração judicial de nulidade ou a anulação dessa deliberação que transite em julgado, impõe-se, assim, a todos os membros do substrato pessoal da sociedade - accionistas, bem como a todos os órgãos societários. Assim a reza, expressamente, o nº 1 do artigo 61º do Código das Sociedades Comerciais que refere que a sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não intervindo na acção." O art. 61º, nº 1, do C.S.C. estende, assim, a eficácia da decisão judicial proferida sobre a invalidade da deliberação social a todos os sócios e órgãos da sociedade, "mesmo que não tenham sido partes ou hajam intervindo na acção, constitui um caso de extensão dos limites subjetivos do caso julgado. Deste modo, em face do trânsito em julgado da decisão proferida no processo intentado por AA que declarou anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Requerida de 19 de Março de 2011, materializadas na acta nº 159, por violação do quórum constitutivo e deliberativo e nulas as alterações propostas nos estatutos da Requerida relativamente aos artigos 10º, nº 2 e perante a eficácia do caso julgado dessa decisão que se estende ao aqui autor na qualidade de accionista, importa concluir que a presente lide se tornou supervenientemente inútil. Pelo exposto, impõe-se declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277º, alínea e) do CPC.” u) O Réu AA intentou, em 10 de Março de 2017 e junto do Juiz ... do Juízo de Comércio do Tribunal da Comarca ..., ação comum contra ADM..., S.A. com o n.º 1295/17.... a peticionar que: - seja declarado que o registo, no livro de registo de ações da ré, de 2.269.000 acções, representativas de 90,76% do respetivo capital social, pertencentes à herança de EE, a favor de CC e, posteriormente, a favor de CCM..., S.A., é juridicamente inexistente ou, se assim não se entender, nulo ou, se também assim não se considerar, ineficaz; e - declaradas juridicamente inexistentes ou, se assim não se entender, nulas ou, caso também assim não se considere, anuladas todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da ré realizada no dia 15 de fevereiro de 2017, retratadas na respetiva ata nº 168, com todas as legais consequências. [artigo 68.º da contestação e certidão de fls. 2158] q) Processo no qual foi proferido despacho a 6 de Fevereiro de 2018 a determinar a suspensão de instância em virtude de se considerar que os presentes autos figuram como causa prejudicial. “Trata-se, como se disse, de factualidade alegada pelas partes e que flui da documentação autêntica junta ao processo. E que se assume inequivocamente relevante no processo… A matéria plasmada em a) e b) permite compreender os vasos comunicantes existentes entre os corpos sociais da Autora CCM..., S.A. e da ADM..., S.A.. Já o vertido em c) a e) retrata a génese do processo de Inventário n.º ...2.... Com o circunstancialismo plasmado em g) a q) fica, ademais, claro que a titularidade das participações sociais da ADM..., S.A. figura como assunto que foi objecto de discussão judicial nos processos postos em relevo. O que se assumirá fulcral na avaliação do prazo tendente à prescrição aquisitiva tendo em atenção o disposto no artigo 323.º do Código Civil aplicável ex vi artigo 1292.º do mesmo diploma legal. E relevo assumem, sobretudo, as decisões descritas em q) e r) atenta a autoridade de caso julgado quanto ao elemento material do pedido que o Tribunal já reconheceu no despacho proferido na audiência prévia cuja acta se acha junta a fls. 2451. Matéria a que teremos, aliás, a oportunidade de retornar infra.” * A sentença recorrida veio a julgar improcedente a pretensão da autora ao reconhecimento da sua invocada aquisição por usucapião das controvertidas ações tituladas nominativas (com exceção das tais 77.000 ações cuja titularidade é reconhecida pelos 1º e 2º Réus), com os fundamentos que assim se sintetizam: a) o tempo da propalada posse das ações não se acha suficiente para usucapir – na falta de alegação de título, ausência de registo e má-fé, o prazo prescricional era o de 10 anos previsto na al. b) do artigo 1289º CC; b) o tempo de posse mostra-se interrompido pela interposição das ações judiciais propostas pelos 1º e 2º R. contra a ADM..., S.A., e pelo incidente respeitante à titularidade das ações no âmbito do processo de inventário por óbito da EE; c) ou, assim se não entendendo, sempre a invocação das ações por usucapião constituiria um abuso de direito. Na posição por si assumida na petição inicial, sustentou a autora que, figurando as ações tituladas nominativas aqui em causa como bem móvel não sujeito a registo, ser-lhes-ia aplicável o disposto no 1299.º do Código Civil, ou seja, a usucapião quando a posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou quando, independentemente da boa fé e de título, tiver durado seis anos”. E, alegando encontrar-se a exercer atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre as participações sociais – desde 20 de janeiro de 2011 por referência a 1.418.00 ações, desde 7 de dezembro de 2012 por reporte a 304.476 ações e desde 31 de julho de 2013 para 55.524 ações –, numa posse pública, pacífica, titulada e, até pela presunção derivada do n.º 2 do artigo 1260.º do CC, de boa fé. Podendo, ademais, aceder à posse desenvolvida pelo Réu CC pois que o mesmo ingressou no domínio das sobreditas participações i) em 18 de janeiro de 2011 quanto a 1.418.00 ações; ii) em 10 de janeiro de 2011 quanto a 204.167 ações e iii) em 25 de Março de 1996 quanto a 77.000 ações. Existindo, como tal, uma posse relevante, para efeitos de usucapião, de 6 anos e 3 meses por reporte a 1.622.167 ações e de mais de 21 anos quanto às 77.000 ações. A decisão recorrida, aceitando que as participações sociais são suscetíveis de aquisição por usucapião e a existência de posse das ações controvertidas por parte da autora (pontos 1 e 2, da decisão), começa por considerar, que o prazo necessário para a usucapião seria o de 10 anos, nos termos da al. b) do artigo 1289º do Código Civil: i). quanto aos carateres da posse - quanto ao prazo da prescrição aquisitiva, as ações tituladas nominativas são de considerar como “coisa sujeita a registo”, sendo-lhes como tal, aplicáveis, não os prazos do artigo 1299º do Código Civil, mas os prazos do artigo 1298º: i) de dois anos quando haja título de aquisição e registo deste, estando o possuidor de boa-fé; ii) de 4 anos, quando haja título e má-fé e, iii) de 10 anos, independentemente da existência de título e de má-fé. - o marco temporal a que se deverá indexar o início dos atos materiais propalados pela autora, não será o do depósito e endosso das ações, mas o do registo das mesmas, uma vez que, só com o registo junto da emitente ADM..., S.A., passou a autora a poder exercer os direitos sociais inerentes a tais ações; ii) quanto à concreta posse da Autora - a autora não se poderia socorrer dos prazos abreviados da al. a) do artigo 1298º, de 2 ou 4 anos, mas, tão só, do prazo de 10 anos da al. b), pelos seguintes motivos: - a declaração de nulidade do registo da prévia aquisição das mesmas participações pelo R. CC, afirmada no processo 894/11.... – que teve por fundamento uma partilha que não existiu e uma subsequente doação de parte de tais ações ao R. CC – acarretaria a nulidade do posterior registo a favor da autora; para tal, invoca a eficácia do caso julgado de decisão proferida em tal processo, negando que a autora se possa socorrer do artigo 58º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), que só torna inoponível a falta de legitimidade do alienante quando o adquirente esteja de boa-fé, o que não é o caso; por outro lado, nos seus articulados a autora não alega nem invoca o seu desconhecimento da falta de legitimidade substantiva do Réu CC nem o disposto no artigo 58º do CVM; - por se mostrar patente a sua má-fé, face à intervenção da autoridade do caso julgado decorrente da decisão proferida no referido processo nº ...1, e da realidade que flui do constante em a) e b), quanto à composição dos corpos sociais da autora e da ADM..., S.A.: a autora adquiriu imediata ciência da propositura desta ação de anulação das deliberações sociais, não só, pelo seu registo na Certidão de Registo Comercial da ADM..., S.A., mas, sobretudo, porque a ADM..., S.A. era detida, na maioria do capital social pela Autora CCM..., S.A., que intervinha, enquanto tal, nas correspondentes assembleias gerais da ADM..., S.A.; e o Réu CC tinha assento no Conselho de Administração de ambas as sociedades. - por falta de alegação do título de aquisição das ações, sempre se trataria de posse não titulada; iii) quanto à contagem do prazo para usucapir as ações instauradas pelos 1º e 2º réus contra a ADM..., S.A., bem como a relacionação das ações controvertidas no inventário por óbito de EE e incidente aí deduzido relativamente à titularidade de tais ações tiveram por efeito a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323º do CC, com a consequente inutilização do respetivo prazo; - a pretensão da autora à aquisição por usucapião das participações sociais controvertidas constituiu um verdadeiro abuso de direito, nos termos do artigo 334º do CC, quando se tome em consideração o ocorrido nos processos nº 326/12.... (processo de inventário), 894/11...., 869/11.... e 1295/17..... Analisemos, assim, as razões de discordância exaradas pela Apelante nas suas alegações de recurso. * i. quanto aos caracteres da posse Não sendo controvertido nos autos que, com o endosso, depósito e registo das ações controvertidas junto da ADM..., S.A., a autora adquiriu a posse das ações em causa – não só, as mesmas lhe foram entregues e registadas em seu nome junto da sociedade emitente, como vem exercendo os direitos sociais a ela inerentes –, posse que se mantém até hoje, apenas aqui se discute se a permanência de tal posse até aos dias de hoje lhe atribuiu o direito de invocar a sua aquisição por usucapião. Também não se discute que tal posse, pelas suas caraterísticas, seria boa, ou seja, seria aproveitável para efeitos de prazo prescricional: como resulta do teor do artigo 1261º do Código Civil (CC) – aplicável aos bens móveis por força do nº1 do artigo 1300º –, a posse boa para usucapião tem de ser pacífica e pública. Ser coisa sujeita a registo (e se o registo no emitente das ações é de equiparar ao registo que se reportam os artigos 1289º e 1299º), ser a posse ou não titulada e ser ou não de boa-fé, é algo que apenas influenciará no prazo necessário ao completar da usucapião, sendo que, ser a posse ou não titulada e ser ou não de boa-fé, são caraterísticas permanentes e fixam-se em definitivo no momento da aquisição, salvo um outro relevo de alterações sobrevindas quanto à boa-fé)[14]. Tendo a autora, nos seus articulados, sustentado integrarem-se as ações (tituladas nominativas) na categoria de “bens móveis não sujeitos a registo”, invocando a seu favor os prazos de três e seis anos a que se reporta o artigo 1299ºCC (cfr., arts. 122º a 124º da petição inicial), constata-se que, no entanto, que a Apelante, nas suas alegações de recurso: - a título principal, conforma-se com a apreciação que a tal respeito é feita na decisão recorrida, no sentido de se tratar de um bem móvel sujeito a registo, caindo na previsão do artigo 1298º do CC, mas apenas para a hipótese de se considerarem aplicáveis os prazos abreviados de dois e quatro anos, previstos na al. a) da citada norma; - apenas a título subsidiário, caso se considere que as ações não são bens sujeitos a registo, remetendo para a argumentação a tal respeito por si apresentada no requerimento de 01.09.2021, então, a norma aplicável seria a constante do artigo 1299º do CC[15]. Ou seja, afirmando a decisão recorrida que o prazo prescricional aplicável seria o de 10 anos previsto na al. b) do artigo 1298º CC, a Apelante pugna, a título principal, pela aplicação dos prazos de 2 ou 4 anos, previstos na al. a) do artigo 1298º, ou, a título subsidiário, os prazos de 3 ou 6 anos do artigo 1299º do CC, sendo que o prazo máximo de posse invocado pela apelante relativamente às ações controvertidas e cuja titularidade lhe foi negada na decisão recorrida é de seis anos e três meses. Assim, nas suas 60ª a 83ª conclusões do recurso, a Apelante pugna pela existência de registo das ações a seu favor, alegando que a decisão proferida na identificada ação nº 894/11.... não teria qualquer influência na análise sobre a (in)existência de registo da transmissão das ações controvertidas para a autora, porquanto, a validade ou invalidade do registo da aquisição para efeitos de usucapião é perfeitamente irrelevante, e, nas 82ª a 93ª conclusões de recurso, pela existência de título, pelo que, lhe seriam aplicáveis os prazos de dois ou quatro anos. i.a. existência de registo Segundo a Apelante, a distinção entre os prazos da usucapião com base na existência ou inexistência do registo prende-se com a publicidade acrescida relativamente ao facto registado (e neste caso à putativa propriedade do bem) e com a respetiva segurança jurídica que tal publicidade gera: ora, essa publicidade existe e seria assegurada a partir do momento em que o registo é efetuado e independentemente da validade de tal registo; a lei – nomeadamente os artigos 1295º e 1298º do CC – refere-se ao registo do título, sem fazer qualquer menção à validade do registo (ou à invalidade do título). Como tal, caso se entenda que as ações controvertidas são bens sujeitos a registo, não pode senão concluir-se que, para efeitos de usucapião, a posse da recorrente se tem de ter por registada, pelo que a norma aplicável seria a constante do artigo 1298º, al. a), do CC. A considerar que o “registo” das ações nominativas tituladas junto do emitente –, a que se reportam os arts. 59º e ss. do Código de Valores Mobiliários – corresponde ao “registo do título de aquisição” que serve de base à diferenciação de prazos para usucapir constantes dos artigos 1298º e 1299º do CC, teríamos de dar razão à Apelante, quando afirma que a declaração de nulidade de registo de aquisição a favor do CC (efetuado a 10 de janeiro de 2011), que vem a ser declarada no âmbito do identificado processo nº 894/11...., e embora com efeitos retroativos, não poderia ter por efeito impedir a posterior adquirente, CCM..., S.A., de invocar o registo das ações efetuado a seu favor a 18 de abril de 2011, para efeitos de qualificação da sua posse. Não tendo em tal ação sido apreciada a validade do registo das posteriores transmissões, tais ações encontram-se ainda hoje, ou à data da propositura da presente ação, quando a autora vem invocar o decurso do prazo prescricional, registadas a favor da autora junto da emitente. A nulidade do posterior registo a favor da transmitente, poderia aqui ser apreciada e declarada, e ainda que com efeitos retroativos, mas tal declaração não poderia afetar as caraterísticas desta posse caso se houvesse já, entretanto, completado o prazo prescricional. Concluindo, a declaração de nulidade do registo das ações a favor da autora, ainda que viesse aqui a ser declarada, não afetaria a posse prescricional da autora, caso o prazo se houvesse por completado – tal declaração não teria a poder de transmutar tal posse de titulada em não titulada. 1.b. existência de título de aquisição A Apelante afasta-se, ainda, da apreciação contida na decisão recorrida, sustentando ter identificado individualizadamente a causa de aquisição de todas as ações cuja propriedade pede o reconhecimento: a) no que toca às ações do Lote A, conforme resulta dos artigos 17.º a 19.º da p.i., do Doc. n.º 6 junto com a mesma e do Doc. n.º 3 junto com o Articulado de Aperfeiçoamento, estas ações constituíram a entrada em espécie oferecida pelo Réu CC, aquando de um aumento de capital da Recorrente; e b) no que toca às ações do Lote B, nos artigos 14 a 17 do Articulado de Aperfeiçoamento, a apelante detalhou todos os contratos celebrados desde a aquisição pelo recorrido CC até à transmissão para a recorrente das ações contidas em tal lote, entre as quais se encontram um contrato de permuta, dois contratos promessa de permuta e quatro contratos promessa de compra e venda; por outro lado, ainda segundo a apelante, o endosso, acompanhado do respetivo registo, vale como “modo legítimo de adquirir”, nos termos do CVM, sendo que, de qualquer modo, os negócios causais à transmissão da propriedade foram devidamente alegados e individualizados. Pela nossa parte, consideramos que as ações tituladas nominativas não são um bem sujeito a registo, no sentido que lhe é atribuído pelos artigos 1298º e 1299º – são obrigatoriamente sujeitas a registo no emitente, mas este não é o registo público a que se reportam tais normas[16]. A opção entre o artigo 1298º e o artigo 1299º, dependerá da conclusão a que se chegue quanto à publicidade do registo a que está sujeita aquisição e oneração das participações sociais. “Não haverá dúvidas para o registo das partes e das quotas – o registo, com maiores ou menores deficiências, é público e cumpre as funções que justificam as reduções dos prazos da usucapião. Já para as ações a questão será mais complexa, pois que o registo das sociedades anónimas não é publico, apesar dos defeitos que dele decorrem, quando integradas em sistema centralizado[17]”. De qualquer modo, vejamos se, a considerarmos as participações sociais em causa um “bem móvel sujeito a registo”, poderíamos acompanhar a posição da Apelante, de que a respetiva posse se pode ter por registada e titulada, para efeitos da al. a) do artigo 1298º do CC. O recurso aos prazos da al. a), do artigo 1298º, pressupõe, desde logo e antes de mais, a existência simultânea de título de aquisição e registo deste. O “justo título” para efeitos dos prazos abreviados para a usucapião, seja para bens móveis ou imóveis, “não é o ato concretamente idóneo para fazer adquirir o direito, o que seria contraditório com a própria ideia de prescrição, mas antes o acto que pertence a uma das categorias jurídicas que, em abstrato, são idóneas para provocar a sua aquisição: v.g., doação, troca, compra e venda, etc.. O justo título é todo o facto jurídico que, embora não seja considerado em concreto, apto para fazer adquirir o direito de que se trata, se enquadra em alguma daquelas categorias abstratas ou tipos de factos a que a lei concede idoneidade para aquisição do direito possuído. (…) o que é “justo” não é o ato concreto mas a categoria, o modo de adquirir. (…) A posse é pois titulada quando a sua investidura tem por fundamento um facto que, embora concretamente destituído de valor jurídico para fazer adquirir o respetivo direito pertence a uma categoria de factos que, abstratamente considerada, é idónea para a sua aquisição[18]”. Ou seja, pressupõe um título realmente existente, mas que, embora inválido, seja abstratamente aquisitivo. As ações tituladas nominativas não integradas em sistema centralizado sujeitas ao regime do artigo 102º do CVM transmitem-se, nos termos do nº1, por declaração de transmissão escrita no título a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente. Contudo, isso não significa que seja dispensável a existência, validade e procedência de uma justa causa de atribuição, válida e procedente[19]. Como afirma Carlos Ferreira de Almeida[20], se o registo é modo imprescindível de aquisição de valores mobiliárias, a consolidação definitiva desta pode depender de um título, que é o negócio causal subjacente. Nas palavras de Coutinho de Abreu[21], se o registo é aqui constitutivo – sem ele não é transferida a titularidade das ações, aqui não basta o registo (modo), exigindo a transmissão que ele se apoio num título válido, num negócio jurídico ou na sucessão legal mortis causa. Ora, nos registos de titularidade de valores mobiliários, o que é objeto de registo não é o título, enquanto negócio causal de aquisição, mas a inscrição do direito – dele consta a descrição do valor imobiliário, a identificação do titular e a data da inscrição e os instrumentos que lhe se serviram de base. Como tal, no caso em apreço, ainda que considerássemos que o registo das ações a favor da autora (um registo efetuado junto do emitente) não se veria afetado, para efeitos de prazo prescricional, pela sua posterior declaração de nulidade, ainda que com efeitos retroativos, sempre teríamos que tal registo não é um registo do título, para efeitos da distinção que a tal respeito é feita nos artigos 1298º e 1299º, mas, tão só, da inscrição do direito de propriedade a favor daquele a quem as ações foram endossadas. No caso em apreço, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, reconhecemos que nos articulados da ação (petição inicial e articulado de aperfeiçoamento), a autora alegou a causa de aquisição relativamente a cada um dos lotes de ações controvertidas: - quanto aos 14.18 títulos representativos das ações do Lote A, alega terem sido entregues e endossados pelo CC à aqui Autora, por entrada em espécie para aumento de capital da CCM..., S.A., deliberado em Assembleia Geral de 18 de abril de 2011 – resultando do doc. ... junto com o Articulado de Aperfeiçoamento, que estas ações foram transmitidas à aqui autora, “para realização de 1.735.000 de novas ações por si subscritas no capital social da sociedade CCM..., S.A.”; - assim como, nos pontos 13 a 16 do articulado superveniente, alegou igualmente a causa aquisitiva das ações a que se reporta o Lote B, desde o CC, consistentes em contratos de mutuo e de compra e venda para cada uma das identificadas empresas e destas para a autora. Aceitamos, assim, que a autora alegou a existência dos títulos de aquisição a partir do CC como transmitente, até si: - relativamente ao Lote A, que tais ações foram transmitidas pelo CC à aqui autora CCM..., S.A., “para realização de 1.735.000 de novas ações por si subscritas no capital social da sociedade CCM..., S.A., o que foi deliberado a 18 de abril de 2011; - relativamente ao Lote B, que a 7 de dezembro de 2012, transmitiu uma série de ações à F... e à M..., e à ADM..., S.A., por contratos de permuta, tendo a ADM..., S.A. retransmitido estas ações à aqui autora por contrato de compra e venda, e a 13 de setembro foram as demais retransmitidas à autora a 18 de setembro de 2013, por contrato de compra e venda. A sociedade Apelante – provavelmente face à circunstância de que, desde o primeiro momento em que as ações que lhe foram transmitidas por endosso (e até antes do registo das ações a favor da autor), sempre os 1ºe 2º Réus, AA e BB, manifestaram o seu não reconhecimento da autora como titular de tais ações, por, em seu entender, as mesmas pertencerem à herança por óbito de sua mãe, EE, alegando tratar-se de uma aquisição a non domino – optou por omitir o trajeto de tais ações e das sucessivas transmissões, desde a sua emissão até ao momento em que o Réu CC lhas transmitiu por endosso. Ou seja, a autora invoca uma posse titulada quanto ao lote A, embora unicamente desde 18 de abril de 2011 e, relativamente às ações do Lote B que se mostram controvertidas unicamente a partir de 12 de dezembro de 2012, sem que possa somar à sua posse a posse do CC, porquanto, a autora não alega nunca qual o negócio aquisitivo que esteve na base do registo das ações a favor deste. Pretendendo socorrer-se de uma posse titulada, só poderia somar à sua a(s) posse(s) anteriores que se mostrem tituladas e a autora nos seus articulados é completamente omissa quanto ao título (entendido como negócio que esteve na origem da aquisição da posse) de aquisição da posse do CC. Como tal, a autora poderia invocar uma posse titulada, mas apenas de seis anos e 8 dias relativamente às ações do Lote A e de 4 anos, 4 meses e 14 dias, relativamente às ações do Lote B que se mostram controvertidas. * Voltemos à invocada existência de registo, que a decisão recorrida e a Apelante reportam ao registo das ações junto da entidade emitente, ADM..., S.A.. Como já referimos, concordamos com a alegação da Apelante, de que a decisão proferida no âmbito do processo 894/11...., que declarou anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da requerida de 19 de março de 2011, por violação do quórum constitutivo e deliberativo – por se ter aí considerado que o registo da transmissão a favor do CC, tendo como negócios subjacentes, uma partilha que não existiu e uma doação de ações nula, por não pertencer ao doador o bem doado, devem ser considerados inválidos desde o seu inicio com efeitos retroativos –, não poderia ter por consequência a alteração das caraterísticas da posse da autora, de registada para não registada, caso a mesma tenha já a duração necessária à prescrição aquisitiva. A impossibilidade de a autora invocar a existência de registo, colocar-se-á, antes, a outro nível. Em nosso entender, o registo a que a transmissão de ações (valores mobiliários titulados nominativos) se encontra sujeita e a que se reporta o artigo 102º do Código dos Valores Mobiliários, não pode corresponder à exigência de registo do título de aquisição, a que se reporta o artigo 1298º do CC. Segundo o artigo 102º, nº1 do CVM, “os valores mobiliários titulados transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o representa”. A transmissão das ações, não segue, a regra geral de que opera por mero efeito do contrato, operando os seus efeitos típicos unicamente a partir da data de apresentação do requerimento de registo à sociedade emitente (art. 102º, nº5, CVM). A transmissão de ações encontra-se dependente de atos complementares (também designados por formalidades essenciais ou com natureza constitutiva) causais, constitutivos de uma nova posição jurídica que teve origem no negócio jurídico subjacente à transmissão[22]. O registo de valores mobiliários é constitutivo porquanto, sem ele, o direito a registar, em si e em relação às faculdades que lhe são inerentes, não pude ser invocado nem perante terceiros nem perante a entidade emitente nem sequer entre as partes intervenientes no negócio subjacente (artigo 73º CVM). Este registo no emitente, não só, é essencial para que se opere a transmissão do direito, mas também, para o exercício do direito, ou seja, para a própria posse. A posse das ações sociais, ou o comportamento dos seus titulares, correspondente ao direito de propriedade sobre as mesmas, é exercida mediante a participação em assembleias, votar, eleger e ser eleito, cobrar dividendos, subscrevendo aumentos de capital, etc.[23]. “Sem registo, as pessoas indicadas em negócios de subscrição ou de compra como adquirentes de valores mobiliários registáveis não podem exercer nenhuma das faculdades que lhes são inerentes (cfr., art. 55º, nº3): nem votar, nem receber dividendos, juros ou outros rendimentos, nem exercer direitos, juros ou outros rendimentos, nem exercer direitos de subscrição ou de aquisição. Não podem, pois, ser qualificadas como titulares desses valores, porque não faz sentido ser titular de um direito vazio de conteúdo.[24]” E, se não pode haver posse sem registo junto do emitente, não faria sentido a distinção para efeitos de prazo de prescricional, entre aqueles que procederam ao registo das ações a seu favor junto do emitente e aqueles que não o fizeram. Margarida Costa Andrade, reconhecendo a suscetibilidade de as participações sociais poderem constitui objeto de um poder possessório, chama atenção para que, relativamente às ações nominativas, “as coisas podem ser mais complicadas, na medida em que é necessário provar, pela inscrição no título, a transmissão por parte do anterior proprietário (tendo esta transmissão de ser registada junto da entidade emitente para que lhe possa ser oponível)[25]”. Concluindo, não só, se vem entendendo que este registo é constitutivo da transmissão, como, sem aquele registo, o acionista se encontra impedido de exercer os seus direitos. Ou seja, sem tal registo nem sequer pode haver posse. Por outro lado, como já acima referimos, os artigos 1298º e 1299º baseiam a distinção de regimes na existência, ou não, de registo do título de aquisição, enquanto que no registo das ações junto emitente o que temos é uma inscrição de direitos – a aquisição a favor do transmitente, sem que dele se faça constar o respetivo título, entendido enquanto causa de aquisição (compra, venda, permuta). Como tal, não lhe reconheceríamos a existência de registo do título para efeitos de se aproveitar dos prazos encurtados da al. a), do artigo 1289º do CC – pelo que, os prazos para a usucapião das ações controvertidas seriam os previstos no artigo 1299º – improcedendo, nesta parte as suas alegações de recurso. ii.c. existência de boa-fé De qualquer modo, ainda que que lhe reconhecêssemos as caraterísticas de posse titulada e registada, a existência de má-fé por parte da autora na aquisição da posse de tais ações sempre seria manifesta, face aos seguintes factos que hão de ter-se por assentes: - a totalidade das ações controvertidas pertenciam à herança indivisa por óbito de EE, falecida em .../.../2007, da qual o CC era um dos herdeiros (juntamente com os 1º e 2º RR., AA e DD, e o viúvo e cabeça de casal, DD); - a 18 de janeiro de 2011, o 3º Réu CC regista a seu favor 1.418.000 daquelas ações, junto da emitente, ADM..., S.A.; - apresentando-se o CC, na Assembleia Geral de 19 de março de 2011, da ADM..., S.A., como titular de 1.778.000 ações do capital social desta, o acionista AA e aqui 1º Réu, desde logo, logo aí assumiu aí a posição de que “do conhecimento do acionista, ainda são apenas a herança indivisa por morte da sua mãe, o seu pai e irmãos (…)”; - o 1º R., AA, logo a 18 de abril de 2011, intentou a tal ação de anulação de deliberações sociais contra a ADM..., S.A. do qual o CC era o Presidente, em que um dos fundamentos assenta na invocação da nulidade dos negócios de transmissão das ações da herança para o R. CC; - nesse mesmo dia, 18 de abril de 2011, tem então lugar a Assembleia Geral da autora, CCM..., S.A., pela qual é deliberado o aumento do capital social da autora por entrada em espécie das referidas ações do Lote A, ações que foram transmitidas à autora pelo CC[26], que reunia em si igualmente a qualidade de Presidente do Conselho de Administração e acionista maioritário da aqui autora; - nesse mesmo dia, são tais ações registadas a favor da autora junto da emitente ADM..., S.A.; - desde então, em todas as Assembleias Gerais da ADM..., S.A., (que tiveram lugar em 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, cujas atas foram juntas aos autos pela autora) e em que a autora se fez representar, enquanto titular das ações controvertidas, pelo 3º R., CC, em todas elas, é feita constar da respetiva ata, a oposição dos 1º e 2º Réu à alegada titularidade das ações por parte da aqui autora. Segundo o nº1 do artigo 1260º do CC, “a posse diz-se de boa-fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem”. Trata-se de um puro conceito psicológico e, puramente fático de boa-fé, residindo esta na pura ignorância, ou ignorância efetiva, de que se lesam direitos alheios[27]. E, embora a posse titulada se presuma de boa-fé (nº2 do art. 1260º), tal presunção é ilidível. A tal respeito, escreve-se na sentença recorrida: “No que seria agora absurdo pretender que a Autora CCM..., S.A. poderia já ostentar uma inversa boa fé em matéria de desconhecimento de falta de legitimidade substancial do próprio Réu CC. A quem a Autora CCM..., S.A. vai buscar o seu nome, apresentando-se como seu accionista maioritário [dado que se retira, desde logo, do aumento de capital de € 8.675.000,00 para € 23.675.000,00 e que, tal como documentado na Ap. ...19, foi concretizado com as acções da ADM..., S.A. “pertencentes ao accionista CC” 62] e que figurava [e continua a figurar] como Presidente do seu Conselho de Administração [Ap. ...12, Ap. ...05 e Ap. ...18]. Então logrando, sozinho, representar/vincular a Autora CCM..., S.A. [Ap. ...12]. E, sobretudo, a figurar como o transmitente das participações sociais controvertidas à Autora CCM..., S.A.. Não podia, obviamente, o Réu CC, como Jano, ostentar duas faces. Uma que, na sua veste singular, tinha clara percepção que DD, quando lhe doou as acções, não era o efectivo titular daquelas participações sociais – em virtude da inexistência de partilha ao ponto de, também ele, CC, não o ser. E outra que, na qualidade de presidente do órgão responsável pela gestão e administração da Autora CCM..., S.A. e, como que numa epifania invertida ou amnésia selectiva, desmemoriava aquela falta de legitimidade que o tolhia a ele próprio, enquanto transmitente, para afirmar a boa fé da ulterior adquirente por si administrada. Temos, para tanto, que a sua má fé subjectiva [que se acha constatada no processo n.º 894/11....] não pode deixar de contaminar todo o processo deliberativo externo do Conselho de Administração quanto à sobredita transmissão. Até porque, repete-se, a Autora CCM..., S.A. se podia então vincular/representar com acto singular do Réu CC. Afirmando-se o caso sub judice quase como um exemplo escolástico de inexistência de boa fé por parte do terceiro beneficiário da transmissão de um valor mobiliário quanto à falta de legitimidade do alienante.” Tendo o CC sido interveniente no alegado (inexistente) negócio verbal de partilha das ações integrantes da herança e de doação das ações a si próprio, e tendo sido ele quem, no momento seguinte, transmite as ações para a CCM..., S.A., da qual é Presidente e acionista quase único[28], não há como negar o conhecimento de toda essa situação por parte da sociedade. As sociedades comerciais, sendo pessoas coletivas, atuam através dos respetivos órgãos, sendo que nas sociedades anónimas os poderes de representação são atribuídos em exclusivo ao conselho de administração (artigos 405º, nº2, e artigo 431º, nº2, CSC). E, como tal, é pelo conhecimento que os seus dirigentes têm de determinada situação que se afere o conhecimento por parte da sociedade. No caso em apreço, a aqui autora podia-se obrigar unicamente pela assinatura do seu Presidente do Conselho de Administração, CC (ou pela assinatura conjunta dos seus dois vogais)[29]. Concluindo, quer por ter como Presidente do Conselho de Administração o referido CC – que na transmissão das ações para a autora surge na dupla qualidade de transmitente e de representante da adquirente – quer pela oposição reiterada dos acionistas AA e DD aqui réus, nas assembleias onde a autora se fazia representar, sempre a autora teve conhecimento de que, com a sua posse ofendida o direito de outrem. Aliás, quanto à existência de má-fé, a Apelante nada diz, pelo que, e ainda que fosse aplicável o disposto na al. a) do artigo 1289º, CC (o que se não reconhece), para completar o prazo prescricional seriam necessários pelo menos, quatro anos de posse e, a ser aplicável o disposto no artigo 1299º, teria de ter completado seis anos de posse. * iii) contagem do prazo para usucapir De qualquer modo, a discussão sobre a aplicabilidade dos prazos do artigo 1289º ou dos prazos do artigo 1299º, do CC, encontrar-se-á prejudicada pela apreciação que é feita na decisão recorrida quanto à impossibilidade de contagem ou aproveitamento de tal tempo de posse para efeitos de aquisição por usucapião – a existência do processo de inventário, e dos processos de anulação de deliberações sociais, teria um efeito interruptivo da prescrição nos termos do art. 323º do CC, constituindo a propositura da presente ação um evidente abuso de direito porquanto “a mesma sabe claramente que não está perante uma qualquer apatia ou inatividade dos Réus AA e BB.”: “Atente-se que o incidente de reclamação à relação de bens que foi introduzido no Inventário que correu termos com o n.º 326/12.... descrito em g) teve como questão central a aferição se aquelas participações sociais se achavam integradas no acervo hereditário de EE. Reclamação que, em face do vertido em l) o Réu AA deu entrada em juízo em 4 de Dezembro de 2012 logo com o questionamento do paradeiro das mesmas acções. E que evoluiu, em 26 de Janeiro de 2013 e com os esclarecimentos prestados por DD, para a sindicância da ocorrência de uma partilha extrajudicial das sobreditas participações sociais. Pois que aquele, tal como constante de k), pôs em causa a inclusão destes títulos no acervo hereditário. Em termos que foram impugnados pelos Réus BB e AA à luz do exposto em l) e o), a reclamarem a integração dessas mesmas acções na herança com vista à partilha judicial. Discussão na qual, sublinha-se e à luz do exposto em n), o Réu CC [sendo, à data, Presidente do Conselho de Administração da Autora CCM..., S.A. com poderes para, de per se, a vincular/representar] interveio por requerimento de 21 de Fevereiro de 2013 [pois que para isso foi necessariamente notificado] com vista a pugnar pela exclusão das participações sociais da relação de bens. Isto sendo que este incidente, entre vários requerimentos, esteve pendente até 15 de Janeiro de 2014 enquanto ocasião em que foi proferido o despacho descrito em o) a determinar a remessa do “conhecimento da questão relativa às verbas n.º 5 e 6 da relação de bens inicial para os meios comuns”. Também o processo n.º 894/11.... teve como temática fundamental a definição da propriedade das acções tituladas nominativas aqui em discussão. Enquanto problemática da qual estava dependente a afirmação do quórum constitutivo e deliberativo na Assembleia Geral de 19 de Março de 2011. Atente-se que tal litígio se iniciou em 18 de Abril de 2011 entre o Réu AA e a DD. Pois que aquele defendia que as referenciadas acções se mantinham no acervo hereditário de EE ao ponto de o exercício dos correspondentes direitos sociais pelo Réu CC carecer de legitimidade substantiva. Tendo essa lide perdurado até ao trânsito em julgado do acórdão descrito em r) e, por conseguinte, até 22 de Junho de 2016. Isto sendo que igual discussão se iniciou no processo n.º 869/11.... tal como impulsionado pelo Réu BB e só findou com a constatação, em 18 de Outubro de 2016, da eficácia de caso julgado daquele primeiro processo decorrente do artigo 61.º do Código das Sociedades Comerciais tal como vertido em t). Acresce, por último, que o Réu AA mobilizou, em 10 de Março de 2017, a acção que correu termos sob o n.º 1295/17.... [descrita em u)] contra a DD. Onde, uma vez mais, retoma, como questão essencial, a titularidade das acções cuja usucapião é desejada pela Autora CCM..., S.A.. Significa o exposto que, desde 18 de Abril de 2011, a titularidade das acções em causa nos autos apenas não esteve em discussão entre 18 de Outubro de 2016 e 10 de Março de 2017. Pois que, na restante janela temporal, os Réus AA e BB pugnaram, pelas mais diversas vias, pela alocação das participações sociais e correspondentes direitos sociais ao património hereditário de EE. Isto quando a pretensão da Autora CCM..., S.A. de usucapir as acções deu entrada em juízo em 26 de Abril de 2017. É, aliás, nessas acções de anulação de deliberações sociais que a Autora CCM..., S.A. firma, no artigo 10.º da p.i., a pertinência e necessidade da presente lide. Com isso bem evidenciando uma clara percepção da sua existência e termos da discussão e decisão aí desenvolvidas.” Após tal exposição, a decisão recorrida sustenta que tais ações tiveram o efeito de interromper a prescrição aquisitiva, nos termos do nº1 do artigo 323º do Código Civil, efeito interruptivo que persiste até ao trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo [artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil] e que tem como efeito a inutilização do tempo anteriormente decorrido (normas aplicáveis por força do 1292.º do Código Civil). Aí se escrevendo ainda: “A usucapião dá-se, assim, em atenção à apatia do titular do direito real. No desenvolvimento de um paradigma segundo o qual se deverá privilegiar a atribuição da propriedade a quem se interessa verdadeiramente pela coisa. Também num ideário de sancionamento daquela inércia ou inacção do titular… E que perde, naturalmente, razão de ser quando este exprime, judicialmente, a intenção de exercer o seu direito real O que os Réus AA e BB inequivocamente fizeram nos processos n.º 326/12...., 894/11...., 869/11.... e 1295/17..... Aí reclamando invariavelmente pela pertença das acções ao património hereditário da sua progenitora e negando, ademais, a legitimidade de outrem para o desenvolvimento dos inerentes direitos sociais. É certo que os Réus AA e BB não expressaram tal intenção perante a própria Autora CCM..., S.A.. Até porque, mesmo por referência ao processo n.º 894/11...., se constata que o registo [nulo] da maioria das acções a favor da Autora CCM..., S.A. foi, coincidentemente, materializado na própria data da correspondente propositura [isto sendo que a circunstância de as acções terem mudado por três vezes de mãos entre Janeiro e Abril de 2011 – ou seja, em apenas 4 meses – sempre dificultaria a cabal definição do titular das participações sociais por ocasião da entrada daquela p.i. em juízo]. Sendo, não obstante, inequívoco que o artigo 323.º do Código Civil, na remissão operada pelo artigo 1292.º do mesmo diploma legal, obriga à citação ou notificação judicial do próprio possuidor cuja usucapião se deseja obstar. Sucede que as exigidas citação e notificação se deram já nas pessoas do próprio Réu CC [é certo que na sua veste singular e não na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Autora CCM..., S.A.] e da ADM..., S.A.. O que conduz, quanto ao primeiro, à imediata constatação que a Autora CCM..., S.A. nunca poderá aceder à correspondente posse. Na verdade, o Réu CC interveio na discussão que se iniciou no processo n.º 326/12.... por reporte à reclamação desenvolvida pelos Réus AA e BB referente à pertença das participações ao acervo hereditário de EE. Aí tendo sido notificado da perspectiva daqueles interessados e defendendo a alocação da titularidade à sua pessoa. Com o que dúvidas não subsistem que o prazo para usucapir, a manter aquele a posse, se interromperia necessariamente por reporte ao mesmo Réu CC. Com a inutilização do prazo anteriormente decorrido e apenas podendo recomeçar a correspondente contagem em 15 de Janeiro de 2014 enquanto data em que findou o incidente de reclamação à relação de bens. Desta forma, se a posse do Réu CC estaria inutilizada a desejar este invocar a usucapião, não poderá a mesma, naturalmente, ser mobilizada para reforçar a posse propalada pela Autora CCM..., S.A.. Seguidamente, afirma-se em tal decisão que a circunstância de a autora não ter sido aí citada ou notificada em nenhum dos sobreditos processos judiciais, “tal não significa que a circunstância de os Réus AA e CC aí terem estado a exercer os seus direitos sobre as indicadas participações sociais seja irrelevante, indiferente ou inoponível à Autora CCM..., S.A..” Tal conclusão surgiria como necessária e imposta por diversas figuras ou construções. Fosse em função dos efeitos do caso julgado do artigo 61.º do Código das Sociedades Comerciais, da existência de influência dominante do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais exercida pela Autora CCM..., S.A. sobre a DD ou da desconsideração da personalidade jurídica da Autora CCM..., S.A. em face do Réu CC. Os quais sempre poderiam intervir no sentido de uma extensão subjectiva dos artigos 323.º do Código Civil tendo em consideração o já anteriormente explanado na audiência prévia realizada em 6 de Julho de 2021. Tinha, assim, a Autora CCM..., S.A. necessário conhecimento da propositura e pendência do processo n.º 894/11..... Nele podendo ter intervindo pelo menos na qualidade de assistente [Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Setembro de 2011] e se defendido em igualdade de circunstâncias com a Ré BB. Pois que, assumindo a qualidade concedida pelo artigo 328.º do Código de Processo Civil, teria os mesmos poderes que aquele último sujeito processual quando o sentido da defesa por este oferecida foi, identicamente, dirigida à alocação da titularidade das acções ao Réu CC. Temos, por outra via, que, não obstante a errónea configuração materializada no anterior despacho [no sentido de “existência de relação de domínio que conduz à formação de grupo societário”], é inegável que a participação que a Autora CC reivindica no capital social da BB se enquadra no disposto no artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais. Na afirmação de uma influência dominante que deriva da verificação de qualquer uma alíneas do n.º 2 de tal preceito, o qual dispõe que Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente: a) Detém uma participação maioritária no capital; b) Dispõe de mais de metade dos votos; c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização. Note-se, aliás e por reporte à alínea c) transcrita, que, como se retira das actas de assembleia geral que a Autora CCM..., S.A. anexa à p.i., a totalidade dos membros dos órgãos sociais da ADM..., S.A. foi designada, desde 2011 [e, nomeadamente, à data da apresentação da contestação no processo n.º 894/11....], apenas com os votos favoráveis do Réu CC e, após, da Autora CCM..., S.A.. Ou seja, os corpos sociais da ADM..., S.A. foram exclusivamente eleitos pela sócia maioritária [ou, pelo menos, assim reputada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral não obstante o decidido no processo n.º 894/11....] CCM..., S.A.. No que a defesa assumida pela BB no processo n.º 894/11.... teve obviamente em consideração os melhores interesses da Autora CCM..., S.A.. Que logrou, por intermédio da sua participada, exercer o contraditório que divisou como ajustado e pertinente. (…) Constatação que se alcança sem se achar sequer necessário mobilizar a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. E que se poderia revelar justificada à luz da sobredita participação e interpenetração dos corpos sociais entre a Autora CCM..., S.A. e a ADM..., S.A.. Conduzindo, a ser afirmada, à própria conclusão que a defesa materializada no processo n.º 894/11.... pela ADM..., S.A. foi, ao fim e ao cabo, exercida pela própria Autora CCM..., S.A.. Note-se que o domínio qualificado de uma sociedade sobre outra resultante do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais figura, como refere COUTINHO DE ABREU[30], como uma das categorias doutrinárias passíveis de conduzir ao levantamento da personalidade colectiva. (…)” Insurge-se a Apelante contra o decidido com os seguintes fundamentos: i) segundo a sentença recorrida, o facto de o AA ter exteriorizado a sua intenção de se opor ao direito da recorrente sobre as ações controvertidas, não poderia ter efeito interruptivo uma vez que tal intenção não foi expressa perante a Apelante enquanto possuidora e putativa proprietárias das ações; apesar de não ter ocorrido a citação da aqui autora, a interrupção justificar-se-ia porque a CCM..., S.A., tinha necessário conhecimento da propositura e pendencia do processo, sendo que, na visão do tribunal, tal conhecimento resultaria: i) dos efeitos do caso julgado resultantes do artigo 61º do CSC; ii) da influência dominante exercida pela recorrente sobre a ADM..., S.A.; ii) do levantamento da personalidade coletiva da recorrente em face do recorrido CC; a norma do artigo 323º do CC não é uma “norma de conhecimento”, sendo a sua tónica não apenas o conhecimento da intenção de exercer o direito, mas também o meio pelo qual tal intenção é dada a conhecer àquele contra quem o direito pode ser exercido; para que se opere a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323º do CC, a intenção de exercer o direito tem de ser expressa pelo próprio titular do direito, diretamente contra aquele que se arroga titular de um direito contrário, sendo que, no caso em apreço, o próprio putativo titular do direito, a herança de sua mãe, EE, não figura em nenhum dos processos judiciais invocados pelo tribunal a quo, assim como, nelas não figura a aqui autora; a entender-se, como o fez o tribunal a quo, que o titular das ações controvertidas era a herança de EE, sempre teria de ser esta herança, enquanto titular do direito, a manifestar a intenção de exercer tal direito de propriedade, o que nunca sucedeu; b) a impossibilidade de “extensão subjetiva” da norma constante do artigo 323º do CC determina a inutilidade de recorrer aos mecanismos que o tribunal ensaiou para imputar o conhecimento dos processos interruptivos e as citações e notificações judiciais, à recorrente: (i) Da inaptidão da norma do artigo 61.º do CSC para justificar a imputação à Recorrente da citação judicial da ADM..., S.A. e como meio de imputação do conhecimento; (ii) Da irrelevância da influência dominante exercida pela Recorrente sobre a ADM..., S.A. como fundamento de imputação da citação judicial e de imputação de conhecimento; (iii) Da inaplicabilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica ao presente caso; c) inexistência e abuso de direito: a conclusão pela existência do abuso de direito apenas pode resultar de uma má compreensão do instituto da usucapião, esquecendo, nomeadamente, que a lei permite que o adquirente por usucapião atue de má-fé, isto é, tendo conhecimento de que existem terceiros que se arrogam um direito incompatível com o seu ou de se encontra a lesar direitos desses terceiros, apenas sancionando essa má-fé com prazos mais largos para que se opere a aquisição por usucapião; a lei prevê formas concretas de tutelar o direito desses terceiros, nomeadamente através da aplicação à usucapião das regras da suspensão e interrupção da prescrição, bastando para o efeito que os terceiros comuniquem judicialmente a quem invoca a usucapião a sua intenção, ainda que indiretamente, de exercer o seu direito contra esses terceiros, o que os recorridos e a herança de EE nunca fizeram; de qualquer modo, o tribunal faz uma remissão genérica para o artigo 334º do CC, sendo que a atuação da recorrente não se enquadra em nenhuma das situações aí previstas. Não se partilha da censura exercida pela Apelante sobre a decisão recorrida, no sentido de que esta assenta sobre uma má interpretação do artigo 232º CC, porquanto, segundo a Apelante, com o mesmo se pretende que o conhecimento da intenção de exercer um direito apenas releve nas situações em que tal situação chegue ao devedor, diretamente por via judicial, sendo irrelevante o conhecimento obtido por outra forma. Ciente da necessidade de tal conhecimento ser dado por via de ação judicial, a decisão recorrida retira o efeito interruptivo da propositura das seguintes ações: - processo de inventário nº ...2..., respeitante à herança por óbito de EE, onde as ações controvertidas foram relacionadas pelo cabeça de casal por requerimento de 12 de novembro de 2012, e que deu lugar a um incidente de reclamação de bens, e que culminou com a remessa partes para os meios comuns; - processo nº 894/11...., “que teve como temática fundamental a definição da propriedade das ações tituladas nominativas aqui em discussão”; - processo nº 869/11...., que “teve por temática igual discussão”; - processo nº 1295/17...., onde, uma vez mais, “retoma como questão essencial, a titularidade das ações cuja usucapião é desejada pela autora. Ou seja, o que é apreciado e valorado pela decisão recorrida, para efeitos de interrupção da prescrição, é precisamente o conhecimento que à autora possa ter advindo da instauração e pendência de tais ações. Já quanto ao meio através do qual é dado o conhecimento, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e inda que o tribunal seja competente” (artigo 323º). Segundo a apelante, verificar-se-ia uma impossibilidade de “extensão subjetiva” da norma constante do artigo 323º do CC: - atribuindo a decisão recorrida a titularidade das ações controvertidas à herança de EE e não aos aqui recorridos, para efeitos do artigo 323º do CC, sempre teria de ser herança, enquanto titular do direito, a manifestar tal direito de propriedade o que nunca sucedeu; - mesmo que se considerasse que os recorridos podiam isoladamente, atuar em representação da herança – o que se não concede – para que existisse uma atuação suscetível de interromper a prescrição, necessário era que os recorridos atuassem nessa qualidade tendo em vista o exercício do direito de propriedade sobre as ações controvertidas; sendo que, os mesmos atuaram sempre como acionistas; - ainda que eles pudessem reivindicar, isoladamente e em nome próprio a propriedade das ações controvertidas para a herança, o que não se concebe, sempre teria de ser exercida contra a autora o que nunca aconteceu. Analisemos tal argumentação. O ato interruptivo deve, em princípio, provir do titular do direito, visto que se trata de ato de exercício do direito[31]. Como tal, em princípio, para se ter por interrompida aquela posse – a interrupção implicaria que aquele a quem é imputada a titularidade das ações, a herança Indivisa por óbito de EE tivesse interpelado a CCM..., S.A., reclamando-se a verdadeira titular das mesmas. Esquece, contudo, a apelante, que a herança se encontrava, ela própria e enquanto tal, impedida de exercer tal direito, face aos interesses conflituantes entre, por um lado, o cabeça de casal, DD e o herdeiro CC, enquanto intervenientes na alegada (e inexistente) partilha verbal das ações da titularidade da herança e posterior doação das ações controvertidas ao CC, e a própria herança por óbito da EE. Segundo o artigo 2091º, do Código Civil (CC), “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros”, o que significa que, quanto à legitimidade processual para ações que digam respeito a bens da herança, devem os herdeiros demandar ou ser demandados conjuntamente, em litisconsórcio necessário[32]. É certo que o artigo 2078º, CC, reconhece a qualquer um dos herdeiros o poder de reivindicar do terceiro, sem necessidade de chamar os restantes herdeiros, a totalidade dos bens em poder daquele, mas, tal legitimidade não lhe assiste quando a titularidade dos bens a reivindicar é controvertida entre os próprios herdeiros. No caso em apreço, tal como salienta a decisão recorrida, “o incidente de reclamação à relação de bens que foi introduzido no Inventário que correu termos com o n.º 326/12.... descrito em g) teve como questão central a aferição se aquelas participações sociais se achavam integradas no acervo hereditário de EE”. Tratando-se de questão controvertida entre os próprios herdeiros[33], pelo menos, até 14 de janeiro de 2014, a herança por óbito de EE encontrava-se, enquanto tal, impedida de exercer o seu direito contra a autora, por ausência de acordo entre os herdeiros quanto à titularidade das mesmas, uma vez que dois dos herdeiros da herança por óbito de EE, o cabeça de casal e o filho CC invocaram a existência de uma “partilha verbal” de tais ações, alegadamente ocorrida a 10-01.2011, para sustentar o “endosso” deste 1º lote de 1.134.500 ações para o R. CC, a 18 de janeiro de 2011, e endossadas por este à autora, a 20-01-2021, sendo que tal partilha verbal sempre foi negada pelos demais herdeiros, AA e BB. A herança por óbito de EE, em cujo inventário as ações controvertidas começaram por ser relacionadas, nunca exprimiu, ela própria, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o seu direito perante a autora, desde logo, porque, tendo sido o próprio CC e o cabeça de casal que invocaram este negócio de partilha verbal para excluir tais ações da herança, a titularidade de tais ações encontrava-se controvertida dentro da própria herança: sendo quatro os herdeiros por óbito da EE, dois deles foram intervenientes nos “negócios” que levaram o CC a passar as ações da herança, primeiro para seu nome (aquisição já declarada a non domino no processo nº 894/11....), e deste para a titularidade da aqui autora. Ou seja, a sustentar-se o defendido pela Apelante, de que só a manifestação da intenção do exercício do seu direito pela herança indivisa por óbito da EE, representada por todos os seus direitos, poderia ter por efeito a interrupção da prescrição, então, sendo a titularidade de tais ações objeto de litígio dentro da própria herança, impedindo-a de agir judicialmente, encontrar-nos-íamos perante uma causa suspensiva da prescrição. As causas de suspensão da prescrição fundam-se em que se considera justo que, se o titular do direito não pode exercê-lo ou só pode exercê-lo com grande dificuldade, a prescrição não deve correr[34]. É certo que a lei não estabelece a regra de que toda a causa que impeça o titular de exercer o seu direito é uma causa suspensiva de prescrição, limitando-se a indicar certas causas suspensivas de prescrição[35]. E é reconhecendo que o elenco legal das causas suspensivas da prescrição (previstas nos artigos 318º a 320º e 322º) é incompleto, visto que outras situações, tão ou mais, merecedoras de proteção que as indicadas na lei como suspensivas da prescrição, seguindo a sugestão de Adriano Vaz Serra, é aditada a norma do artigo 321ºCC: 1. A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo. 2. Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o disposto no número anterior. Por outro lado, chamamos ainda a atenção para a causa suspensiva do artigo 322º do CC, segundo a qual, “a prescrição de direitos da herança ou contra ela não se completa antes de decorridos seis meses depois de haver pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.” É certo que, no caso em apreço os herdeiros da herança se encontram identificados, mas a aceitar-se a tese de que a reivindicação das ações por parte da herança teria de ser efetuada por todos os herdeiros, a propositura de uma ação por parte da herança, enquanto tal, era inviável, dada a incompatibilidade ou conflito de interesses entre um dos herdeiros (o CC) e a própria herança. Ora, esta incompatibilidade ou conflito de interesses perdurou, pelo menos, até à propositura da presente ação (nesta data o herdeiro CC era ainda Presidente do Conselho de Administração da aqui autora), como que paralisando a ação da herança, pelo que, a suspensão do prazo prescricional sempre seria impeditiva de contabilização da totalidade do prazo prescricional decorrido a favor da aqui autora. Para se interromper a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo onde se procura exercer o direito, bastando que o ato do titular direito por essa via exprima, direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito. E o que se discute na presente ação, não é quem teria legitimidade para propor uma ação de reivindicação ou de defesa da posse em nome da herança, mas, em determinar se a posição assumida pelos restantes herdeiros, AA e BB, quer no processo de inventário, quer interpondo as ações anulação de deliberações sociais (a 15 e 18 de abril de 2011), contra a ADM..., S.A., – deixando em tais processos absolutamente clara a sua posição de que, inexistindo qualquer partilha verbal de tais ações, a doação que se lhes seguiu ao CC sempre seria nula, consideravam tais ações como bens da herança –, poderia ter efeito interruptivo da posse que, relativamente a tais ações, vinha sendo exercida pela aqui autora. Ora, ao contrário do sustentado pela Apelante, quanto à questão de saber, uma vez exercido o ato interruptivo, a quem prejudica ou beneficia, entende-se ser ainda possível a extensão subjetiva do artigo 323º do CC[36], nos casos excecionais respeitantes aos atos exercidos pelos compossuidores ou pelos herdeiros do possuidor ou proprietário (artigos 1286º e 2075º do CC). Se a regra geral reside em que a interrupção civil apenas beneficia ou prejudica, os autores e destinatários dos atos que lhe dão origem, certos casos há em que a interrupção prescricional se comunica a pessoas diversas dos autores ou destinatários dos respetivos atos interruptivos[37]. Quando a posse dirige a sua eficácia destrutiva contra um direito pertencente a vários usucapidos (ou pertencente a uma herança), e quanto à questão de saber se o ato interruptivo de que um só deles é autor (interrupção judicial) ou destinatário (reconhecimento), estende a eficácia a todos os demais, ou a circunscreve a ele próprio – ou é privada de efeitos por falta de legitimidade (ativa ou passiva) do titular que do ato foi autor ou destinatário –, J. Dias Marques sustentava que, no plano da usucapião, os atos interruptivos que beneficiam algum dos contitulares do direito afetado pela posse deverão beneficiar os demais, “sabido que qualquer dos consortes usucapidos pode, nos termos dos arts. 2179º e 1270º, nº1 do CC e único do Código de Processo Civil praticar sozinho os atos destinados a impedir a extinção prescricional da totalidade dos direitos de que é contitular[38]”. Concluindo, a manifestação clara em tais processos judiciais, por parte de dois dos herdeiros da herança indivisa por óbito de EE, de que consideravam as ações controvertidas titularidade da herança, são idóneos a produzir efeitos interruptivos da posse que relativamente às mesmas vinha sendo exercida pela autora. * Passemos agora, à questão levantada pela Apelante de que, tais manifestações de vontade, ainda que exercidas pela via judicial, não seriam suscetíveis de interromper o prazo prescricional, pelo facto de aí não ter havido qualquer citação ou notificação da aqui autora. Quanto à necessidade de citação ou notificação judicial do devedor para a interrupção do prazo prescricional, conducente a aquisição por usucapião, sustenta a decisão recorrida de que tal citação e notificação ocorreram nas pessoas de: a) CC, que, à data da propositura dos processos de anulação de deliberações sociais, ns. 894/94.... e 869/11...., era, então o possuidor das ações controvertidas, e Presidente do Conselho de Administração da Autora, CCM..., S.A. (apesar de não ter sido citado nesta qualidade); b) ADM..., S.A., na qual a aqui autora exercia a posse de ações representativas de cerca de, pelo menos 70% do capital social., sendo tal posição assumida em ato judicial foi manifestada perante o CC, que foi o alegado possuidor pelo menos até à assembleia de abril de 2011, que não só, era interessado no processo de inventário e direto interveniente no incidente de reclamação de bens, como reunia, ainda, simultaneamente as qualidades de: - administrador da ADM..., S.A., juntamente com o seu pai, contra quem forma intentadas as duas identificadas ações; - Presidente do Conselho de administração da CCM..., S.A., de quem era, além do mais, acionista quase único – com a transmissão de ações da ADM..., S.A., do CC para a CCM..., S.A. na Assembleia Geral de 18 de abril de 2011, que o CC usou para proceder ao aumento de capital desta, passou, então a deter 4.736,600 de ações da CCM..., S.A., de um total de 4.737.000 ações (só as restantes 400 ações de tal sociedade não lhe pertenciam, encontrando-se na titularidade dos seus 4 filhos). Ou seja, o CC passou a ser titular de 99,991% do capital social da CCM..., S.A., sendo este quem controla ou domina de forma duradoura esta sociedade, de modo a que o CC e a sociedade quase se confundam. Afirma-se na decisão recorrida que a notificação judicial e a citação operadas na pessoa do CC (referidas nas ações de anulação de deliberações sociais e no incidente de relacionação de bens no inventário) – embora formalmente notificado na sua pessoa e citado enquanto representante da ADM..., S.A. podem ter o valor de notificação judicial da autora CCM..., S.A., quer por esta ser detida quase na íntegra pelo CC, quer por a autora ser acionista maioritária da, aí ré, ADM..., S.A.. Relativamente a tal questão, alega a apelante: - o artigo 61º do CSC é inepto para justificar a imputação à recorrente da citação judicial da ADM..., S.A., porquanto, tal norma limita-se a determinar o âmbito de produção de efeitos na declaração de nulidade ou anulação de uma deliberação social por sentença transitado em julgado, mas não a de imputar a citação judicial no âmbito de tal processo ou sequer o conhecimento da invalidade da deliberação dos sócios; - não se compreende como é que a mera existência de uma relação de domínio entre a autora e a ADM..., S.A. permita que o tribunal conclua, não só, pela imputação à recorrente da citação judicial da ADM..., S.A. para o processo de anulação de deliberação social, como, também, que “a defesa assumida pelo BB no processo nº 894/11.... teve obviamente os melhores interesses da autora CCM..., S.A.. Que logrou, por intermedio da sua participada, exercer o contraditório que divisou como ajustado e pertinente”, sendo que nas relações de domínio, as sociedades mantêm a sua personalidade jurídica autónoma, não tendo a sociedade dominante qualquer poder de gerência nas decisões da administração da sociedade dominada; - quanto ao recurso do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, a situação em apreço não se integra em qualquer um dos dois grupos de casos, em que tal instituto se encontra sistematicamente bipartido: i) levantamento de imputação, em que determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade ou vice-versa; ou ii) levantamento da limitação da responsabilidade, correspondente aos casos nos quais cede a regra das personalidade limitada dos sócios, que são chamados a responder com o seu património perante os credores sociais; ainda segundo o Apelante, não basta para fazer operar a desconsideração da personalidade jurídica que exista uma “interpenetração dos corpos sociais entre a Autora CCM..., S.A. e a ADM..., S.A.” ou um “o domínio qualificado de uma sociedade sobre outra resultante do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais”, sendo antes necessária a existência de uma grosseira violação da boa-fé que justifique a aplicação da desconsideração da personalidade. Não é de dar razão à Apelante. Se tenderíamos a concordar com a autora, na parte em sustenta que o mecanismo do artigo 61º do CSC – estendendo a oponibilidade da sentença que declara a nulidade ou a anulação de deliberação social a todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham intervindo na ação –, aplicável à aqui autora, enquanto acionista da Ré em tal ação, ADM..., S.A., se mostra insuficiente para afirmarmos que os efeitos da citação da A..., em tal ação – na qual foi colocada e discutida a pretensão da herança à titularidade das ações –, se repercutem, sem mais na aqui autora, CCM..., S.A., já o mesmo não podemos afirmar se tivermos em consideração as relações de domínio existentes entre as duas sociedades – e a Apelante não nega essas relações de domínio – e, sobretudo, o papel nelas desempenhado pelo CC, e o instituto da desconsideração ou ainda o de abuso da personalidade jurídica coletiva. Diversas soluções jurídicas vêm sendo ensaiadas para as situações em que se verifique um abuso da personalidade jurídica coletiva: o princípio da separação de personalidades necessita de ser relativizado sempre que a sua invocação se faça em termos ilegítimos, não podendo ser invocada para legitimar atitudes do dominus scietatis que estejam em conflito, quer com a vontade contratual ou expressa das partes, quer com os princípios da boa-fé ou do abuso de direito[39]. “(S)e é em verdade uma pessoa que está a agir utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário à lei, ao contrato ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência[40]”. Um das vias que vem sendo desenvolvida apela à “desconsideração” (“levantamento ou superação) da personalidade jurídica das sociedades, entendida como “a derrogação ou não da autonomia jurídico-subjetiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios, a legitimar-se por recurso a operadores jurídicos como, nomeadamente, a interpretação teleológica de disposições legais e o abuso de direito[41]. Outros preferem falar em abuso da personalidade jurídica, reportado a “uma utilização do instituto da pessoa coletiva fora e/ou para além dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico e reconhecidos, enquanto tal, como legítimos[42]. Contudo, esta nova categoria de abuso não se identifica nem pode assentar no artigo 334º do CC, uma vez que não nos encontramos perante um abuso de direito individual, sendo a disfuncionalidade relativa a um instituto jurídico – a personalidade jurídica coletiva – que se utiliza para além das finalidades e coordenadas legais[43]. “Encarada a personalidade jurídica coletiva como um expediente técnico-jurídico de criação de um centro autónomo de imputação de direitos e de deveres que visa a prossecução de interesses reputados como legítimos à luz das valorações jurídicas, todo e qualquer comportamento atentatório das finalidades e da teologia imanente ao direito das pessoas coletivas e, em especial ao direito societário, deverá ser impedido, sancionado[44]”. As relações de domínio entre sociedades não interferem, em princípio, com a sua independência jurídica. A personalidade das sociedades significa que estas constituem um ente jurídico diverso dos seus membros e tal diversidade deve ser, em principio respeitada, nas suas lógicas implicações e consequências, pelo que, só em casos particulares e absolutamente excecionais, se poderá desconhecer essa distinção, abstraindo da personalidade das sociedades e raciocinando como se estivessem em causa os sócios ou algum ou alguns deles, singularmente considerados[45]. No caso em apreço, deparamo-nos com uma situação, no mínimo, inusitada, em que, tendo os 1º e 2º réus ( acionistas da ADM..., S.A. e herdeiros da herança de EE) pugnado, “pelas mais diversas vias, pela alocação das participações sociais e correspondentes direitos sociais ao património hereditário da EE”, nomeadamente através de interposição de ações judiciais contra a ADM..., S.A. desde 18 de abril de 2011 (data em que a autora procedeu ao registo das ações em seu nome junto da emitente, BB) e até à data da propositura da ação, 26 de abril de 2017 (a titularidade das ações só não esteve em discussão judicial entre 18 de outubro de 2016 e 10 de março de 2017), a autora vem aqui invocar a ausência de oposição ao exercício da sua posse, alegando que a herança nunca manifestou perante si a sua intenção de exercer a titularidade de tais ações, refugiando-se na autonomia derivada da sua qualidade de distinta pessoa coletiva. A invocação pela autora de que nunca lhe foi dado conhecimento pessoal/judicial da pretensão da herança à titularidade de tais ações, quando, nos diversos processos judiciais que estiveram pendentes entre 15 de janeiro de 2011 e 18 de outubro de 2016, foram intervenientes: i) o CC, que detinha 99,99 % das ações da aqui autora CCM..., S.A., (os restantes 0,01% pertenceriam aos seus filhos); e ADM..., S.A. que era detida maioritariamente pela CCM..., S.A., (detinha, pelo menos, 71,2 % das participações sociais, tendo os seus corpos sociais sido eleitos unicamente com o seu voto), surge como contrariando manifestamente os princípios gerais da boa-fé. O papel representado por CC em tais sociedades, funcionando como uma espécie de matrioska – o CC detém a quase totalidade o capital social da CCM..., S.A., que, por sua vez, detém mais de 70% do capital social da ADM..., S.A. –, e o uso que a CC pretende dar à autonomia decorrente do seu estatuto de pessoa coletiva, reúne os vetores usualmente apontados para a desconsideração da personalidade jurídica[46]: -inexistência de outro instituo que resolva o problema; - existência de uma confusão, mais ou menos intensa entre esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios, especialmente ao nível da personalidade; - reprovação da conduta do agente, quer na criação da situação, quer no aproveitamento dela, envolvendo a desconsideração um juízo de censura; - existência de ilicitude ou abuso de conduta, através de uma utilização contrária a normas ou princípios gerais; a desconsideração da personalidade aparece como consequência da inobservância da função que deveria ser desempenhada, naqueles casos em que o exercício do direito subjetivo conduta a um resultado clamorosamente divergente do fim para que a lei o concedeu e dos interesses jurídica e socialmente relevantes. A desconsideração supõe em regra que a sociedade é dominada inteiramente por um ou mais sócios, com quem praticamente se identifica, tornando-se necessário que proporcione de facto a consecução de um resultado ilegítimo. Caso em que, as atuações, relações ou regimes jurídicos imputados formalmente à sociedade deviam imputar-se ao sócio ou sócios que a dominam e controlam[47]. E um dos grupos de casos em que se vem concretizando a desconsideração da personalidade jurídica, a par dos casos de responsabilidade, é o da imputação – determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos dos sócios são referidos ou imputados à sociedade ou vice-versa[48]. No caso em apreço, podemos falar aqui numa identificação ou confusão entre a pessoa coletiva, CCM..., S.A., e o seu quase único acionista e Presidente do Conselho de Administração, com poderes para, sozinho, obrigar a sociedade[49], e que é usada por este para controlar a ADM..., S.A., de quem esta é acionista maioritária, apoderando-se das ações de que a herança por óbito da sua mãe, EE, era titular. Quanto ao poder de influência da autora sobre a DD, mostra-se devidamente descrito na decisão recorrida:“(…) como se retira das actas de assembleia geral que a Autora CCM..., S.A. anexa à p.i., a totalidade dos membros dos órgãos sociais da ADM..., S.A. foi designada, desde 2011 [e, nomeadamente, à data da apresentação da contestação no processo n.º 894/11....], apenas com os votos favoráveis do Réu CC e, após, da Autora CCM..., S.A.. Ou seja, os corpos sociais da ADM..., S.A. foram exclusivamente eleitos pela sócia maioritária [ou, pelo menos, assim reputada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral não obstante o decidido no processo n.º 894/11....] CC. E teremos de considerar que a invocação das ações por usucapião por parte da aqui autora visariam um resultado ilegítimo: permitir-se-ia, que, por um lado, o CC que, em primeiro lugar, de modo ilícito, se apropriou das ações da titularidade da herança por óbito de EE – apoiando-se numa alegada partilha verbal de tais ações e posterior doação do seu pai para si, para a seguir as transmitir para a CCM..., S.A., de quem era acionista quase único – viesse, depois, enquanto herdeiro da herança por óbito da EE, a obstaculizar o exercício do direito à titularidade de tais ações por parte da herança, com a qual mantinha um conflito de interesses; e por outro, refugiando-se na separação de personalidades jurídicas, a aqui autora CCM..., S.A., pretende que a discussão judicial da titularidade das ações controvertidas não lhe é oponível, por ela própria não ter sido aí citada ou notificada enquanto tal – quando o CC (então seu presidente e acionista quase único) foi direto interveniente no processo de inventário e a ADM..., S.A. (também em situação de domínio pela autora), surge como ré nas demais ações. Nestas circunstâncias, a invocação da aquisição por usucapião das ações controvertidas, por parte da CCM..., S.A., só se mostraria possível com o recurso ao estatuto da separação de personalidades e para contornar o facto de a titularidade de tais ações ter sido sujeita a discussão judicial, desde o início da posse de tais ações por parte da autora, em 18 de abril de 2011, até 26 de abril de 2017, data da propositura da presente ação (com exceção de uns meses, como é assinalado na decisão recorrida), se mostra perfeitamente abusivo e atentatório dos ditames da boa-fé. Como tal, improcedem as conclusões da apelante, na parte que nega a possibilidade de imputação à autora dos efeitos da citação ou notificação judicial feitas na pessoa de CC e da ADM..., S.A., nos identificados processos judiciais. Concluindo, negando-se aqui que a autora se possa socorrer do tempo de posse que exerceu sobre as ações aqui controvertidas, quer se opte pela via da suspensão, quer pela via da interrupção do prazo prescricional, sempre a pretensão à aquisição das ações controvertidas seria de improceder. A apelação é de improceder. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas da Apelação a suportar pela Apelante. Notifique. Coimbra, 25 de outubro de 2022
V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC. (…) [1] Cfr., entre outros, Rui Pinto, “Manual do Recurso Civil”, Vol. I, AAFDL, p.85. [2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 634. [3] José Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 168. Como exemplos do primeiro caso, é dado, entre outros, o seguinte – o autor denuncia o contrato de arrendamento e pede o despejo do réu, com fundamento na necessidade que tem da casa arrendada para a sua habitação, mas omite alegar que não teve no último ano casa própria ou arrendada no concelho (art. 1102-1-d.); como exemplo do segundo caso, fornece, entre outros o seguinte, o autor pede o divórcio com fundamento num ato de adultério e, em vez de alegar factos de onde decorra a gravidade desse ato, limita-se a dizer, conclusivamente, que o ato é grave e compromete a vida em comum; o autor diz que o réu conduzia com excesso de velocidade mas não alega qual a velocidade que foi excedida – cfr., notas 7 e 8, pp. 168-169. [4] Excluída está a utilização do despacho de aperfeiçoamento para suscitar a invocação pela parte, de nova ou distinta causa de pedir ou de nova ou diferente exceção. O despacho de aperfeiçoamento e o subsequente articulado da parte devem conter-se dentro do âmbito da causa de pedir ou exceção invocada” – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, p. 634. [5] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, p. 679. [6] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, p. 680. [7] Cfr. cópia das Atas de tais assembleias juntas pela autora com a petição inicial. [8] Manuel Salvador, “Suplemento aos Elementos da Reivindicação”, Lisboa 1962, pp. 11-12. [9] Manuel Salvador, obra citada, p. 135. [10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol., 3ª ed., Almedina, p. 737. [11] Rui Pinto, “Manual do Recurso Civil”, Vol. I, AAFDL Editora, p. 85. [12] Ac. TCAS de 15-05-2014, relatado por Joaquim Codesso, citado por Rui Pinto, in “Manual do Recurso Civil”, p.85. [13] Cfr., a tal respeito, Rui Pinto, obra citada, pp. 81-82. [14] Orlando de Carvalho, “Direito das Coisas”, Coimbra Editora, 2012, p. 276. [15] Com efeito, afirmando (p.77 do corpo das alegações) que, caso se considere que as ações controvertidas não são bens sujeitos a registo, então a norma a aplicar seria a constante do artigo 1299º CC, sendo que, qual seja o prazo que se aplique, o de três ou o de seis anos, sempre se teria por completo (cfr. 151ª a 157ª conclusões de recurso). [16] No sentido de que o registo de valores mobiliários, é um ato jurídico privado, e não sendo de acesso público, não conferem qualquer espécie de publicidade, cfr., Carlos Ferreira de Almeida, “Registo dos Valores Mobiliários”, in Estudos em Memória do Prof. Dr. António Marques dos Santos, Vol. I, pp. 921-922 e 940; Rui Pinto Duarte, “Publicidade das Participações nas Sociedades Comerciais”, Separata Estudos em Homenagem ao fr. Dr. Carlos Ferreira de Almeida, Almedina – 2011, pp. 116-117, Paula Costa e Silva, “Efeitos do Registo e Valores Mobiliários A Proteção conferida ao terceiro adquirente”, pp. 862-865 e 871, disponível in https://portal.oa.pt/upl/%7Bfcde0b61-e865-4203-aded-9f7878fb47af%7D.pdf. [17] Margarida Costa Andrade, local citado, p.379, nota 10. [18] J. Dias Marques, “Prescrição Aquisitiva”, Vol. I, Lisboa 1960, pp. 318-320. [19] Alexandre Soveral Martins, “Os Títulos de Crédito e Valores Mobiliários”, Parte II – Valores Mobiliários, Vol. I – As ações, Almedina, pp. 77-79. [20] “Registo de Valores Mobiliários”, in “Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos”, Vol. I, Almedina, p. 926. [21] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Curso de Direito Comercial”, Vol. II, Das Sociedades, 2ª ed., Almedina, p. 377. [22] Maria João Mimoso e Ricardo Alexandre Cardoso Rodrigues, “Reconfiguração do Consensualismo Contratual: As ações tituladas Nominativas e os Limites à Transmissão, pp.50-51. [23] Cfr., João Carlos Gralheiro, a propósito das quotas sociais, “Da Usucapibilidade das Quotas Sociais”, disponível in http://www.oa.pt/upl/%7Bcd526995-1233-44df-bbc6-0eb1ea52370d%7D.pdf, p. 1147. [24] Carlos Ferreira de Almeida, “Registo dos Valores Mobiliários”, p. 925. [25] “Código das Sociedades Comerciais Em Comentário”, Coord. Coutinho de Abreu, Vol. I (Artigos 1º a 84º), Almedina, pp.377-378. [26] CC que, sendo já titular de 2.999.600 ações, sendo cada um dos quatro restantes acionistas, supõe-se que seus filhos, titulares de 100 ações cada um, por essa via passa a ser titular de mais 1.735.000 novas ações no capital da CCM..., S.A. [27] Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, p. 282. [28] Com a transmissão das ações da ADM..., S.A. para a aqui autora, que usou para proceder ao aumento do capital social desta, passou a deter 4.736.600 ações da CCM..., S.A., de um total de 4.737.000 ações (apenas 400 ações de tal sociedade não lhe pertenciam, encontrando-se na titularidade dos seus 4 filhos). [29] Só a 05.012.2013 vem a ser alterada tal forma de obrigar a sociedade, como resulta da ... do registo comercial da Autora. [30] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Vol. II (Das Sociedades) Almedina, Coimbra, 2ª ed., 2007, ágina 183. [31] Adriano Vaz Serra, “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº106, p.213. [32] Isabel Menéres Campos, “Código Civil Anotado, Livro V – Direito das Sucessões”, Coord. Cristina Araújo Dias, Almedina, p. 116. [33] É pacífico nos autos e foi dado como provado que, tendo DD e EE sido casados no regime de comunhão geral, e que falecida a EE em .../.../2007, da herança faziam parte: 1.134.500 ações do valor nominal de € 5,00, em nome de EE, no capital social da soc. ADM..., S.A. pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., ..., no valor de ………………….. € 5.672.500,00; 1.134.500 ações do valor nominal de € 5,00, em nome de DD, no capital social da soc. ADM..., S.A. pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., ..., no valor de …………………. € 5.672.500,00. Será indiscutível que, sendo o casal sido casado sob o regime de comunhão geral, todas aquelas ações (seja as em nome do DD, seja as em nome de EE) constituíam um bem comum do casal. Falecida a EE, deixou como herdeiros, o ex-marido, DD, e os seus três filhos, CC (3º réu), AA (1º R.) e BB (2º R.). A 18 de janeiro de 2011 (numa altura em que não havia sido ainda intentado inventário judicial), o Réu CC, endossa à aqui autora o 1º lote (denominado pela autora de Lote A) dessas ações, cuja aquisição é levada ao registo da emitente ADM..., S.A., a 18 de abril de 2011. Na Assembleia que teve lugar a 19 de março de 2011, o CC assume-se como titular de tais ações, no que teve a oposição do acionista AA. Logo a 15 de abril e a 18 de abril foram propostas duas ações, uma pelo acionista (e herdeiro) BB e outra pelo AA, (também acionista e herdeiro) contra a sociedade ADM..., S.A., pedindo a declaração de nulidade, anulabilidade ou inexistência das deliberações tomadas nessa assembleia geral de 19 de março de 2011, sendo que um dos fundamentos de tais vícios assentava na invocação da inexistência da alegada partilha verbal das ações e na consequente nulidade da posterior doação das mesmas ao CC. A primeira assembleia em que a aqui autora se arroga titular deste 1º lote de ações foi na Assembleia Geral de 2 de março de 2012, onde se encontra refletida em ata a oposição do Réu/acionista AA à aquisição de tais ações pelo R. CC, posição que este e o 2ª réu reiteram nas Assembleias Gerais que lhe seguiram até à propositura da presente ação. Instaurado, entretanto, inventário por óbito da herança indivisa por óbito da EE, o cabeça de casal, o viúvo DD, na relação de bens que apresenta, em 12 de novembro de 2012, vem, ainda, relacionar as tais 1.134.500 ações da titularidade da EE e mais as 1.134.500 ações da titularidade de DD. Da reclamação aí então apresentada pelo herdeiro AA, ficamos a saber que até um procedimento cautelar de arrolamento terá sido instaurado, por apenso a tal inventário, na sequência da transferência de tais ações, para o nome do réu CC. E, depois de, num primeiro momento, ter insistido que tais ações faziam ainda parte da herança, vem então o cabeça de casal, DD, por requerimento de 26 de janeiro de 2913, corrigir a relação de bens, eliminando-as da relação de bens com fundamento em lapso da sua parte. No processo de inventário, passam, então, a ser assumidas duas posições distintas: a) uma, pelo o viúvo e cabeça de casal, DD e pelo CC, alegando a ocorrência de uma partilha verbal das ações em 10.01.2011, e que lhe teriam cabido, como herdeiro, 283.625 ações, para além das 1.134.500, que lhe pertenciam, e que foram “doadas”/“vendidas” ao filho CC, negando que a herança seja titular de quaisquer ações; b) e um outro grupo, formado pelos herdeiros e aqui 1ºe 2º Réus, BB e AA, que negam ter conhecimento de qualquer partilha verbal ou venda de ações, pugnando pela relacionação das ações como bens da herança. A 14 de janeiro de 2014, é proferido despacho a remeter as partes para os meios comuns. [34] Adriano Vaz Serra, “Prescrição Extintiva (…), BMJ Ano 106, p. 143. [35] Adriano Vaz Serra, “prescrição Extintiva (…), BMJ Ano 106, p. 143. [36] Apesar de relativamente aos credores e devedores solidários, os atuais arts. 521º e 530º do CC estatuírem a regra da eficácia pessoal quer da prescrição, quer das causas de suspensão (ao contrario do que a tal respeito dispunha o CC de 1967). [37] J. Dias Marques, “Prescrição Aquisitiva”, Vol. II, Lisboa 1960, pp. 171-172. Vaz Serra reconhecia outros casos em que se pode verificar a extensão subjetiva do efeito interruptivo, nomeadamente o de haver uma estreita ligação entre o direito do titular e o de um terceiro, sendo que a interrupção feita pelo proprietário de raiz aproveita ao usufrutuário e a feita pelo proprietário da raiz aproveita ao usufrutuário e a feita por este aproveita àquele, a feita pelo herdeiro aparente aproveita ao herdeiro real, a feita pelo credor penhoratício em defesa do penhor aproveita ao respetivo proprietário – “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ Ano 106, p. 264. [38] J. Dias Marques, “Prescrição Aquisitiva”, Vol. II, p. 176. [39] Ferrer Correia, “Sociedades Fictícias e Unipessoais”, pp.324-325, Livraria Atlântida, 1948. [40]Lamartine Corrêa de Oliveira, “A Dupla Crise da Pessoa Jurídica”, Saraiva, São Paulo,1979, p. 613. [41] J.M. Coutinho de Abreu, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. I, IDET Almedina, p. 100. [42] Ana Filipa Morais Antunes, “O Abuso da Personalidade Jurídica no Direito das Sociedades Comerciais”, in “Novas Tendências da Responsabilidade Civil”, Almedina, p. 61. [43] Ana Filipa Morais Antunes, artigo e obra citados, pp.30, [44] Ana FilipA Morais Antunes, artigo e local citados, p. 68. [45] Inocêncio Galvão Telles, “Venda a Descendentes e o Problema da superação da Personalidade jurídica das Sociedades”, pp. 531-532, https://portal.oa.pt/upl/%7Baf781549-ef5c-4449-b158-392c4389af99%7D.pdf. [46] Cfr., neste sentido, Armando Manuel Triunfante e Luís de Lemos Triunfante, “Desconsideração da Personalidade Jurídica – Sinopse Doutrinária e Jurisprudencial”, Julgar nº9 – 2009, pp. 141-143. [47] Inocêncio Galvão Telles, “Venda a Descendentes e o Problema da superação da Personalidade jurídica das Sociedades”, pp. 533, https://portal.oa.pt/upl/%7Baf781549-ef5c-4449-b158-392c4389af99%7D.pdf [48] J. Coutinho de Abreu, “Código das Sociedades Comerciais”, Vol. I (artigos 1º a 84º), Almedina, p. 100. [49] Situação que se manteve até 05.12.2013, altura em que a forma de obrigar a sociedade passou a ser pela intervenção de três administradores ou de um ou mais administradores com poderes delegados (cfr. certidão de registo comercial da autora). |