Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOSÉ NOGUEIRA | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO ATRAVÉS DA IMPRENSA PROCESSO DISCIPLINAR FUNÇÕES DE DOCÊNCIA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO REALIZAÇÃO DE INTERESSES LEGÍTIMOS | ||
Data do Acordão: | 12/16/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL DE VISEU - SEC. INS. CRIMINAL - J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 180.º, N.ºS 1 E 2, AL. A), DO CP | ||
Sumário: | I - Cabendo ao Estado, como tarefa fundamental - imperativo categórico - assegurar o ensino, promover, através da escola, a educação e, assim, contribuir, entre o mais, para o desenvolvimento da personalidade [artigos 9.º, alínea f) e 73.º da CRP], relatando a notícia jornalística condutas - de cariz sexual, descritas, fundamentalmente, em processo disciplinar -, que teriam sido levadas a efeito - no exercício das funções de docente da escola pública - pelo arguido, visando jovens alunos do estabelecimento de ensino, é manifesto o interesse público da publicação, produzida no exercício da função pública da imprensa e, assim, no âmbito do direito de informação que lhe está cometido. II - O conteúdo da notícia em questão realiza, no preciso contexto assinalado, interesses legítimos. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório 1. No âmbito dos autos n.º 15881/12.7TDPRT da Comarca de Viseu, Viseu – Inst. Central – Sec. Ins. Criminal – J1, requereram os arguidos A...e B..., após acusação pública contra si deduzida, imputando-lhes a prática em autoria material de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 183º, nº 2 e 184º, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l) do Código Penal e ainda aos artigos 31º, nºs 1 e 3.ª parte, da Lei nº 2/99, a abertura da fase de Instrução.
2. Realizadas as diligências instrutórias, teve lugar o debate instrutório, findo o qual foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos.
3. Inconformado com a decisão, recorreu o assistente C... , extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: I. O presente Recurso tem por objeto a decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos enquanto autores da “notícia” publicada no jornal com tiragem e publicação diária “ K... ”, do dia 14 de Junho de 2012, página “22” e com destaque na primeira página, sob o título «PROFESSOR ABUSADOR EXPULSO DA FUNÇÃO PÚBLICA». II. Nos termos do art.º 286º, n.º 1 do CPP: «A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento». III. Em decorrência, e de acordo com o art.º 308º do CPP, dando-se o caso de, até ao encerramento da instrução, terem sido «recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos». IV. Só poderá ser proferido despacho de não pronúncia em duas situações: - Quando os indícios forem insuficientes; - Quando se conheçam e declarem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa. V. In casu, não se conhecem nem foram declaradas nulidades ou outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa. VI. Assim sendo, considerou o tribunal a quo, a douto punho, que os indícios recolhidos são insuficientes. VII. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos terem sido recolhidos indícios [mais do que] suficientes e, concludentemente, que o tribunal errou na aplicação do Direito aos factos provados. VIII. Ex vi do n.º 2 do art. 308º, é correspondentemente aplicável ao despacho de pronúncia ou não pronúncia o disposto no artigo 283º, n.º 2, que considera «suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança». IX. Repare-se que basta a recolha de indícios suficientes, não sendo exigível a existência de fortes indícios, como sucede, por exemplo, a propósito da proibição e imposição de condutas (artigo 204º), da obrigação de permanência na habitação (artigo 201º) ou da imposição de prisão preventiva (artigos 202º e 203º). X. O Prof. Germano Marques da Silva, a respeito da noção de indícios suficientes, escreve o seguinte: «Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa: (…) A referência que o art.º 301º, n.º 3 faz à natureza indiciária da prova para efeitos de pronúncia inculca a ideia de menor exigência, de mero juízo de probabilidade. Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, o arguido seja submetido a julgamento pelos factos da acusação. (…) Não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final». XI. Partindo deste pressuposto, vejamos, então, quer a prova produzida no inquérito, quer aquela que foi produzida na instrução. XII. Desde logo, a “notícia” objeto da queixa apresentada, cujo teor reproduzimos nas passagens que, de facto, aos presentes autos interessam: - «PROFESSOR ABUSADOR EXPULSO DA FUNÇÂO PÚBLICA»; (Título) - «O caso foi descoberto em finais de junho do ano passado quando os pais descobriram fotografias suspeitas no computador da filha.»; - «A jovem alvo de abusos, assim como outras que não formalizaram queixa, relataram que o professor as chamava, individualmente, à sala de desenho e fechava a porta. De seguida, baixava as calças e pedia às menores que o masturbassem.»; - “ALUNAS FRÁGEIS ERAM ALVO DO DOCENTE” (Subtítulo) - “O docente não escolhia alunas ao acaso. Tinha como alvo alunas apresentavam alguma fragilidade ou com problemas de saúde.” - “Estabelecia relações de amizade e confiança, aproximando-se das alunas para depois abusar delas.” - «Enviava mensagens às vítimas, por telemóvel ou internet, e na sala de aulas tinha por hábito perguntar se eram virgens e se usavam soutien.”. XIII. Na verdade, como profusamente se constata da leitura do processo, não transitou em julgado qualquer expulsão do assistente, aguardando o mesmo que o Tribunal se pronuncie sequer em primeira instância sobre o recurso contencioso da pena de expulsão aplicada ao docente. XIV. Pode verificar-se que se encontra pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu tal recurso contencioso cujo n.º de processo é o n.º 605/12.7BEVIS. XV. No entanto este título é todo ele já uma notícia quanto à intenção, quanto à vontade querida, intencional e dolosa, dos arguidos, a saber: condenar o assistente num pelourinho moderno para gaudio das massas ignaras! XVI. A função outrora tão detestada quanto detestável dos antigos “regedores” exerce-a agora uma certa imprensa sensacionalista, persecutória e raivosa! XVII. É absolutamente falso o que é afirmado na “notícia”! XVIII. Nunca, jamais, em tempo ou lugar algum, é mencionado sequer – a não ser nesta “notícia” …- que alguma vez os referidos pais tenham encontrado quaisquer fotografias suspeitas no computador da filha! XIX. Menos ainda, mesmo que remotamente, o assistente tenha o que quer que seja a ver com fotografias “suspeitas” em qualquer computador, seja ele qual for! XX. Esta rematada falsidade, propositadamente inserida numa dita “notícia” com destaque na primeira página de um jornal de circulação nacional, não pode ser mais do que um crime de difamação, bem qualificado de agravado pelo próprio Ministério Público na douta acusação que proferiu. XXI. É absolutamente falso o alegado na “notícia” quando, em parte alguma, jamais, alguém, para al é de uma única pessoa, referiu que o assistente pediu a quem quer que fosse para o masturbar. XXII. Tendo, durante a instrução, ocorrido um fenómeno assaz estranho e que, salvo o devido respeito, perpassa por toda a decisão instrutória, ou seja, mesmo verificando-se a falsidade do que foi escrito na dita peça jornalística, transparece um prejuízo não removido, relativamente ao assistente por força das imputações que, sendo falsas, são de uma gravidade repugnante. XXIII. Em suma, estando a dita peça jornalística eivada de imprecisões e falsidades, tal não relevou para a decisão instrutória de não pronúncia. XXIV. Na verdade, não estamos perante meros indícios da prática do crime de difamação, estamos perante factos notórios, uma vez que se imputam factos falsos ao assistente que atingiram na sua honra e dignidade qualquer cidadão médio. XXV. Não se sabe, nem os arguidos demonstraram que alunas eram essas de cuja suposta “fragilidade” o assistente de “aproveitava”. XXVI. Não indicaram, ao menos, em que se basearam para afirmarem o que afirmaram. XXVII. Não o podiam fazer, pois a factualidade descrita é pura e simplesmente falsa. XXVIII. Sobre a “notícia” e, como fica demonstrado à saciedade, o seu concreto teor, em confronto com a verdade dos factos, salvo o devido respeito, não se pronunciou sequer o douto Tribunal a quo! XXIX. É que a suposta notícia é na sua quase totalidade FALSA! XXX. Na situação vertente e de acordo com a factualidade assente, decorre que os factos noticiados transmitem uma clara ideia de um comportamento moralmente reprovável. XXXI. Não se noticia a indignação e a oposição do assistente, jurídica e materialmente, aos factos pelos quais foi acusado e apenas em sede administrativa condenado, concretamente, o seu recurso aos tribunais para ver a verdade reposta. XXXII. Realçam-se apenas os factos absolutamente sensacionalistas e falsos. XXXIII. Afinal, é o que ressalta é um chorrilho de factos falsos e cuja veracidade não ficou comprovada em sede instrutória. XXXIV. A manifesta amputação de factos, a não descrição de toda a situação conducente às alegações de que praticou atos impróprios, induz claramente o leitor em erro, criando a ideia de que este está irremediavelmente condenado por comportamento imoral e indevido. XXXV. Aliás, como afirma Antunes Varela (4) … pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro – contanto que suscetível, ponderadas as circunstancias do caso, […] de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua atividade. XXXVI. Também a própria lei considera antijurídica a afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva – art. 484º C. Civil, que não é mais que um caso especial de antijuridicidade definido no art. 483º do mesmo diploma. XXXVII. O artigo noticioso em causa atenta contra a dignidade, honestidade e integridade do recorrente, em suma, viola o seu bom nome e reputação, conduta esta ilícita por se traduzir na violação do direito de outrem e, consequentemente, revestir um comportamento antijurídico, reprovador da conduta do agente. XXXVIII. No caso de conflito entre o direito ao bom nome e à reputação de uma pessoa e o direito de informar por parte do jornalista, esse conflito deve ser resolvido mediante um critério de ponderação das circunstâncias concretas de cada caso, e com base em princípios de adequação e proporcionalidade em ordem à salvaguarda de cada um dos direitos. XXXIX. A liberdade de expressão que, como os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto, deve cessar quando ponha em causa intoleravelmente outros direitos fundamentais, designadamente o bom nome e reputação. XL. Ainda que sendo proibida toda a forma de censura, não é lícito atingir gratuitamente aqueles valores fundamentais e, como tal, será possível reprimir os direitos que representem um abuso da liberdade de imprensa. XLI. Na situação em análise, sabe-se que a informação veiculada através do jornal, por omissiva da real e cabal situação conducente à exoneração do assistente da função pública, transmite uma visão distorcida dos factos e subjazem-lhe juízos altamente atentatórios da integridade, coerência e retidão de carácter do assistente, isto é, do seu bom nome e reputação. XLII. Além da divulgação não ter sido feita por forma adequada, não se contém dentro do que seria razoável para dar conhecimento de um assunto referente a uma personalidade com responsabilidades públicas enquanto docente. XLIII. O interesse público da divulgação, e nos concretos termos em que foi feita, não se poderia sobrepor aos direitos violados. XLIV. E não é o facto do ora recorrente estar perante alegações imorais que traz logo associada uma redução dos seus direitos fundamentais e que só o direito à informação (falsa) deve prevalecer. XLV. É, pois, inequívoca a antijuridicidade desta conduta e não há causa que justifique a divulgação da notícia em que foram violados direitos fundamentais do assistente. XLVI. A dita “verdade jornalística” e a liberdade de expressão não pode prevalecer sobre a verdade dos factos, nem sobre o conceito estabilizado de certo e errado. XLVII. Caso contrário o boato e a vozeria tornam-se “notícias” publicáveis e arruínam cidadãos, removendo-lhes de uma penada o direito a ver o seu bom nome e integridade repostos. XLVIII. Ainda que tenham existido “fontes” a dar conta de tais pretensos factos tem de haver um filtro entre o que chega à redação e o que é publicado! XLIX. Ou viveremos num mundo em que a difamação via meio de comunicação social é permitida e está salvaguardada de punição, somente pelo argumento de que existem “fontes” que o afirmaram, fontes cuja certeza da sua existência ou identidade jamais será possível determinar, dado o segredo jornalístico que tudo permite, tudo justifica! L. Igualmente inverosímil se torna a alegação de que O Diretor à época e aqui arguido não tinha conhecimento da notícia nem por ela era responsável. LI. É que estamos perante uma “notícia” que vinha na PRIMEIRA PÁGINA! Do jornal que o próprio dirigia! LII. Não poderia deixar de saber e de se inteirar do conteúdo da “notícia” que ora está em crise. LIII. Mais uma vez estamos no domínio dos factos notórios e que qualquer homem médio absorve como plausível, isto é, que o diretor de um jornal, ao menos, saiba e concorde com as notícias que o mesmo publica na … primeira página!
Termos em que deve revogar-se o Despacho de Não Pronúncia e substituir-se por outro que deverá pronunciar os arguidos pela prática de: - um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do C.P. na forma agravada, p. e p. pelo C.P. Assim se fazendo Justiça!
4. Por despacho de 26.05.2015 foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.
5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: 1. No inquérito instaurado, com os elementos então constantes dos autos forma reunidos indícios entendidos suficientes para deduzir acusação contra os arguidos. 2. As diligências levadas a efeito em sede de instrução trouxeram aos autos novos elementos que infirmaram a matéria coligida e examinada no inquérito. 3. Como consequência concluiu a Sr.ª Juíza a quo ser mais provável a absolvição dos arguidos em sede de julgamento do que a sua condenação. 4. Por tal razão, foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos, como se impunha.
Assim, mantendo-se a douta decisão que não pronunciou os arguidos, farão, Vossas Excelências, como sempre, e mais uma vez, Justiça.
6. Também os arguidos/recorridos A... e B... reagiram ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. A decisão instrutória proferida é justa e correta. B. Cabia ao Assistente demonstrar indícios da culpabilidade do Arguido Diretor, o que não fez, não havendo qualquer indício de prova relativamente a esta matéria. C. Constituindo um elemento objetivo do tipo, a não oposição do Arguido à comissão do crime, podendo fazê-lo, importava que recaía sobre o Assistente o ónus de demonstrar haver indícios de prova suficientes sobre estes factos. D. O Recorrido A... demonstrou que os jornalistas do K... gozam de grande autonomia técnica, que lhes permite escrever artigos, sem que os mesmos estejam submetidos a qualquer tipo de aprovação ou censura a nível superior, como aconteceu com a notícia sub iudice. E. Porque se trata de um jornal diário, ao Diretor é humanamente impossível saber previamente o conteúdo de todas e cada uma das notícias que são publicadas em cada uma das edições do K... , existindo uma longa cadeia hierárquica de editores, sub-editores e editores executivos que tomam efetivo conhecimento do que é publicado. F. Ao Diretor cabem, ainda, outro tipo de funções que lhe tomam grande parte do tempo, como a representação externa do Jornal, e as múltiplas reuniões com a gestão e administração do Jornal, com os diversos sectores de produção, publicidade, marketing, recursos humanos e fotografia, etc. G. O K... é um jornal composto por uma média de 64 páginas/dia, que integram uma média de 300 notícias/dia e as páginas do jornal (o que inclui o on-line) não podem ser (nem são) diariamente sujeitas ao escrutínio do Diretor, sobretudo ao ritmo de elaboração das notícias. H. Verifica-se, assim, e por força do disposto no art. 31.º, nº 3 da Lei de Imprensa, excluída uma eventual responsabilidade do Arguido, porquanto este, desconhecendo a notícia, não se podia por à respetiva publicação.
Por outro lado, I. A notícia é verdadeira, e não diz ou imputa ao Assistente a prática dos factos que foram objeto dos procedimentos criminal e disciplinar. J. O Assistente sabe que os factos narrados são verdadeiros, sabe o que é que lhe disseram os procedimentos disciplinares em curso contra o mesmo, e os processos-crimes que também correram contra o mesmo. K. Aquilo que a Arguida jornalista descreve (e só) são os factos que resultavam da decisão da Inspeção – Geral da Educação e que culminou com a sua expulsão. L. O facto de a decisão se encontrar ainda pendente não torna a notícia menos verdadeira, já que, à data, correspondia à verdade dos factos. M. As fontes contactadas pela jornalista informaram-na efetivamente que os pais da aluna in casu haviam encontrado fotografias (tidas como suspeitas) no computador da filha, o que as testemunhas ouvidas em instrução confirmaram. N. Em todo o caso, face à gravidade da situação relatada nos processos disciplinares de que o assistente foi alvo e na acusação juntas aos autos, a referência não passa de uma mera imprecisão fáctica. O. E ficou provado que o Recorrente enviava mensagens à vítima aluna por telemóvel ou internet, conforme consta do doc. 1 junto com o RAI (cf. pág. 4, al. B), e 6.4 da pág. 27). P. Conforme vem sendo ainda entendido por outra doutrina, «não é de considerar objetivamente violador da honra ou consideração de determinada pessoa a publicação de uma notícia em que determinado facto histórico é narrado com imprecisões fácticas quando essa pessoa, no exercício da sua vida pública, praticou ou foi alvo de facto ou factos similares, idênticos, parecidos ou equivalentes ao noticiado, nas mesmas ou em outras circunstâncias próximas de tempo, modo e lugar.» (…) «Há, na verdade, uma equivalência ou identidade valorativa, apreciada do ponto de vista substancial, entre o «noticiado» e a realidade efetivamente acontecida versada na notícia». Q. No que respeita à alegação do Recorrente em como era falso que o assistente tivesse pedido a quem quer que fosse para o masturbar, esta raia o absurdo, pois que resulta do processo de fls. 129 que “o professor C... passou a retirar-lhe as mamas para fora do sutiã e a chupá-las depois de lhe estar a manipular a zona genital”. R. Alega o Recorrente que os arguidos não indicaram em que se basearam para afirmar de uma “suposta fragilidade” da vítima de que o assistente se aproveitava. S. Ficou documentado na decisão da IGE supra identificada, concretamente na pág. 4, al. C) e 6.3 da pág. 27 do doc. 1 junto ao RAI que “o arguido conhecia as dificuldades de saúde com que se debatia a ofendida” e que “O arguido, apesar de não ser professor da D... nesse ano letivo, tinha conhecimento dos seus problemas. Sabia que a D... tinha muita preocupação com a sua imagem, ou com o facto de se considerar gorda (…)”. T. Resulta ainda do mencionado processo “que a menor tinha acompanhamento psiquiátrico, sofrendo inclusive de ansiedade social.” U. Está lá tudo! V. A jornalista escreveu uma notícia que tem notório interesse público e se funda no estrito direito (dever) de informar. W. Não constitui facto ilícito escrever uma notícia verdadeira, e em que existe fundamento sério para reputar a informação por verdadeira. X. O exercício do direito de informar excluiria a ilicitude, se ilicitude porventura existisse, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 31º do C.P. Y. A notícia teve por base informações verdadeiras, e relativamente às quais a Jornalista dispunha de todo o fundamento para em boa-fé reputar a informação desse modo, não podendo, pois, representar a hipótese de o assistente se sentir atingido no seu nome, muito menos se tendo conformado com essa possibilidade. Z. A punibilidade da sua conduta sempre redundaria excluída, dado que as imputações em causa no artigo, não só estavam ao serviço da realização de interesses legítimos (direito de informar), como também se tratava de imputações verdadeiras, e relativamente às quais (toda a notícia) a jornalista tinha fundamentos objetivos e sérios para, em boa-fé, as reputar como verdadeiras, pois que apenas se relatou aquilo que confirmaram na informação obtida.
Andou bem o Tribunal a quo ao não pronunciar os Recorridos nos termos em que o fez, sendo de todo provável que em julgamento sempre haveria lugar à absolvição dos mesmos. Termos em que não se deve dar provimento ao presente recurso, devendo manter-se a decisão de não pronúncia proferida.
7. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aderindo à resposta do Ministério Público, convocando elementos jurisprudenciais nacionais e não só – mormente, fazendo apelo ao que tem vindo a ser a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP o recorrente não reagiu.
9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que oficiosamente importe conhecer, ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995]. Constituindo estes os parâmetros, importa decidir se foram reunidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena, conducente, portanto, à decisão de pronúncia.
2. A decisão recorrida Ficou a constar da decisão recorrida [transcrição parcial]: «(…) Como referido no RAI invocam os arguidos a ilegitimidade do Ministério Público para acusar. Para tal alegam os arguidos que os factos alegadamente difamantes, não resultam do exercício das funções do arguido ou por causa dela e, como tal, que a acusação deveria ser particular. Cumpre apreciar: De acordo com o artigo 184 do CP as penas do artigo 180 “são elevadas de metade nos seus limites mínimos e máximos se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132, no exercício das suas funções ou por causa delas”. E do teor do artigo 188 extrai-se que no caso do artigo 184 do CP o procedimento criminal não depende de acusação particular. Acontece que o artigo 132, nº 2, al. l) do CP faz referência direta aos funcionários públicos. Na situação concreta a notícia alegadamente difamatória tem como título: “Professor Abusador Expulso da Função Pública”. Só do título parece manifesto que estamos perante uma situação do artigo 184º do CP. De facto, o objeto da notícia é o ora assistente enquanto professor, no exercício das suas funções, sendo precisamente a circunstância dos factos, alegadamente cometidos pelo mesmo, o terem sido no exercício das suas funções que levaram à sua demissão. O artigo em causa é escrito tendo em conta a qualidade de professor do visado e não de cidadão comum, sendo precisamente a relevância da notícia a circunstância dos factos noticiados terem sido cometidos por um professor sobre os alunos. Assim, estamos perante o tipo do artigo 184 do CP, sendo a legitimidade para acusar do Ministério Público e não do assistente. Pelo exposto, indefere-se a arguida nulidade decorrente da legitimidade do Ministério Público para acusar. Notifique. (…)
II- Fundamentação da decisão:
Cabe agora proferir a decisão a que alude o art. 307º do CPP.
* Tal como refere o art. 286º, nº 1 do CPP “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. De acordo como o artigo 308º, nº 1 do mesmo diploma preceitua que: “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Por sua vez o art. 283º, nº 2 refere que: “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Assim, sendo este o entendimento legal em que deve assentar a prolação do despacho de pronúncia ou de não pronúncia, do mesmo resulta que o despacho de pronúncia só deve ser proferido se se formular um juízo de probabilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança. Citando o Professor Figueiredo Dias: “os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” (Direito Processual Penal, vol. 1, 1974, pág. 132-133). E como refere Jorge Noronha e Silveira: “Afirmar a suficiência dos indícios deve pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação. Não logrando atingir essa convicção, o Ministério Público deve arquivar o inquérito e o juiz de instrução deve lavrar despacho de não pronúncia” (O conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação Cientifica de Maria Fernanda Palma, Almedina, p. 171). Assim, deverá ser proferido despacho de pronúncia quando os elementos de prova permitem criar a convicção de que o arguido virá a ser condenado em julgamento. Tal acontece quando a prova reunida em inquérito e instrução criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, o arguido terá sérias probabilidades de vir a ser condenado. No entanto, apesar de não se exigir em sede de instrução o juízo de certeza jurídica imposto em sede de condenação, impõe-se sempre que os elementos colhidos em inquérito e instrução, apontem para uma probabilidade sustentada de condenação.
Do crime em causa: Do crime de abuso de liberdade de imprensa, p.p.p. artigo 180º, nº 1, 183º, nº 2, 30º e 31º da Lei da Imprensa. De acordo com o artigo 31º da já citada lei de imprensa: “1. Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras”. Estipulando o artigo 30º da mesma lei que: “1. A publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos á punida nos termos gerais (…) 2. Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa, são punidos com as penas previstas na respetiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo”. Vejamos agora os dispositivos do CP, com interesse para esta questão: O art.º 180 preceitua: (…) No crime de difamação, o bem jurídico típico é a honra e consideração da vítima. São pressupostos objetivos do crime de difamação: - A imputação de um facto ofensivo, ainda que sob a forma de suspeita; ou - a formulação de um juízo de valor ou; - a reprodução de uma imputação ou de um juízo; - Que tal seja suscetível de ofender a honra de outrem; - Que a imputação do facto ou a formulação do juízo de valor seja feita perante terceiro; Contudo, trata-se de um crime doloso, só sendo afastadas do seu âmbito subjetivo as condutas negligentes. A imputação do tipo em causa pode ser feita em qualquer das modalidades de dolo definidas no artigo 14º do Código Penal. Além disso, o dolo, entendido como elemento subjetivo geral, deve referir-se a todos os elementos objetivos do tipo de ilícito. Pelo que, no crime de difamação o dolo traduz-se na consciência do agente de que a imputação do facto ou o juízo formulado são ofensivos da honra ou da consideração do visado tal como a reprodução da imputação ou do juízo e na vontade de imputar o facto ou formular o juízo, ou de reproduzir a imputação ou juízo, sabendo que a sua conduta é proibida por lei. E o artº 182º refere: (…) Por sua vez o artigo 183º acrescenta: (…) Além do citados normativos com interesse para a decisão ora a proferir temos, ainda, que ter em conta os arts. 25º, 26º, 37º e 38º da CRP. De acordo com o art.º 25º a integridade moral das pessoas é inviolável. Por seu turno o art.º 26º preceitua: (…) Acrescentando o artigo 37º: (…) Finalmente, o art.º 38 garante a liberdade de imprensa. Destes últimos preceitos constitucionais concluímos que o direito à honra e à informação têm igual hierarquia constitucional, devendo os limites ao direito de informação e de crítica serem encontrados no direito penal, como estabelece a própria constituição. Citando os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira: “Consiste o primeiro daqueles direitos no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa. Por seu turno, o direito à expressão consubstancia-se na liberdade de exprimir e divulgar livremente o pensamento; direito de resposta e de retificação” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, pág. 180). Para além das citadas normas, Lei da Imprensa, CP e CRP neste tipo de ilícito igualmente tem de ser tido em conta a CEDH, a qual dispõe no seu artigo 10: (…)
Começa o arguido por suscitar a completa falta de indícios relativamente ao arguido Diretor. Segundo o artigo 30 da Lei da Imprensa (com o título crimes cometidos através da imprensa): (…) E de acordo com o artigo 31º (com o título autoria e comparticipação): (…) Como exige o n.º 3 do citado artigo 31º para a condenação do diretor, diretor-adjunto, subdiretor ou quem concretamente os substitua, é necessário que os mesmos não se oponham, através da ação adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo. Assim, para que o diretor do jornal possa ser responsabilizado criminalmente é necessário que tenha conhecimento do escrito, que tenha possibilidade de se opor à sua publicação e que não se tenha oposto através da ação adequada. Logo, não existindo indícios para se poder concluir pela comparticipação do diretor na publicação da notícia não deve o mesmo ser acusado, o que se compreende sob pena de cairmos em responsabilidade objetiva inadmissível em matérias penal. Na verdade, da citada norma resulta que o legislador consagrou as seguintes responsabilidades: - Em primeiro lugar linha, a responsabilidade (autoria) do crime de ofensa a bens jurídico alheios, através da imprensa, ao autor do texto – quem tiver criado o texto (nº 1 do preceito); - E, no caso de “publicação não consentida” quem tiver dado causa à publicação: quem a tiver promovido; - Finalmente a responsabilidade do diretor do jornal que “não se oponha à publicação, podendo fazê-lo”, o que pressupõe, desde logo o conhecimento da notícia. Na situação concreta da prova de inquérito não existem quaisquer indícios de comparticipação. Por seu turno, em sede de instrução a prova produzida foi exatamente em sentido oposto, ou seja no sentido de que o diretor do K... não teria tido conhecimento da notícia. Na verdade, na situação dos autos, não se encontra indiciada, qualquer comparticipação criminosa entre a autora do escrito e o diretor do jornal. Como se escreve no ac. da RC de 24.4.2013: “Quando se trata de artigo de opinião assinado, publicado num jornal, “só” o autor do texto é responsável pelo crime, o mesmo é dizer, apenas este é o autor do crime que deve ser perseguido como tal. Eximindo o diretor do jornal da função de censor do conteúdo de conteúdos subscritos por outrem devidamente identificado e que com a sua assinatura assume a responsabilidade perante o público leitor e os eventuais visados na notícia/artigo de opinião” (in http://www.dgsi.pt/jtrc). Assim, a absolvição do arguido A... em julgamento é muito superior à da sua condenação, motivo pelo qual, não deve desde logo ser pronunciado por não existirem sequer indícios de que tenha tido conhecimento da notícia em causa.
Alegam ainda os arguidos a veracidade da notícia. Tal alegação está diretamente relacionada com a causa de justificação a que alude o artigo 180º, nº 2 do CP. De acordo com o citado artigo a conduta do nº 1 não é punível quando a imputação for feita para realizar interesse legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação, ou tiver tido fundamento para, em boa-fé, a reputar verdadeira. A causa de justificação prevista no nº 2, do art.º 180º do Código Penal só é aplicável quando está em causa uma imputação de factos, estejam preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de difamação e se verifiquem cumulativamente os requisitos das alíneas a) e b) que são cumulativas. Assim, para analisarmos a mencionada causa temos primeiro que concluir que se encontram verificados os elementos objetivos e subjetivos do tipo. Ora, para tal, temos que analisar a notícia em causa. A mesma tem como título: “Professor Abusador Expulso da Função Pública”. A seguir, lendo-se a noticia da mesma consta que o professor (o ora assistente) abusou de uma aluna de 16 anos, que não restam dúvidas de que o docente abusou sexualmente da estudante, que o caso foi descoberto quando os pais encontraram fotografias suspeitas no computador da filha, que a tocava em várias partes do corpo, que o professor chamava a aluna e outras à sala de desenho, baixava as calças e pedia às menores que o masturbassem. Consta, ainda, da mesma notícia que o Professor em causa já tinha sido alvo de outro processo quando monitor de ténis de mesa por induzir menores a masturbar-se. Ora, tais afirmações sem dúvida que, em abstrato, são suscetíveis de ofender a honra e a consideração de qualquer um. Mas será, que se encontra verificado o elemento subjetivo do tipo: Para tal, cumpre referir que a fls. 129 dos autos se encontra junta cópia do processo disciplinar instaurado ao ora assistente enquanto docente do agrupamento de escolas do Carregal do Sal. Nesse processo foi deduzida acusação contra o ora assistente, constando do mesmo que se apuraram os seguintes factos: “A aluna D... , da turma 1ºA, durante o ano letivo de 2010/2011, manteve uma relação de amizade com o docente C... , que tinha já sido seu professor nos dois anos letivos anteriores (…). Contudo, com o decorrer do tempo, esta amizade deu lugar a um envolvimento de “cariz sexual”; 2.21.2. No dia 19.6.2011 a D... deu a conhecer, ao seu pai, o envolvimento de “cariz sexual” que manteve com o professor C... , depois do pai a ter surpreendido a trocar mensagens, via internet, com o docente (…); (…) 2.21.5. Nestes encontros, o professor começou por pedir autorização à D... para lhe tocar na zona genital, ao que a aluna acedeu, tendo esta, posteriormente, procedido da mesma forma, evoluindo o relacionamento para trocas de beijos na boca e manipulação recíproca de genitais; (…) Além destes, outros factos são mencionados no mencionado processo quando se faz referência aos factos apurados na instrução, inclusive, por referência à menor D... , inclusive: “(…) o professor C... passou a retirar-lhe as mamas para fora do sutiã e a chupá-las depois de lhe estar a manipular a zona genital”. Do mencionado processo também resulta que a menor tinha acompanhamento psiquiátrico, sofrendo inclusive de ansiedade social. Terminou o referido processo com a proposta de demissão do ora assistente, encontrando-se datado de Março de 2012. Da prova documental junta aos autos também resulta que já anteriormente o ora assistente tinha sofrido uma pena de inatividade por um ano, por factos que se entenderam ter natureza sexual (cf. processo disciplinar junto a fls. 247). Aliás, na sequência dos primeiros factos alegadamente cometidos pelo ora assistente foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra o mesmo, por cinco crimes de abuso sexual de criança, p.p.p. artigo 172º, nº 1 do CP onde se escreve, inclusive, que o arguido pedia a alunos para “pôr o coiso em pé”, referindo-se ao pénis, e que observou e apalpou os pénis eretos de alunos, que não tinham mais de 13 anos, dizendo que o fazia para averiguar o desenvolvimento corporal (cf. acusação cuja cópia se encontra junta a fls. 387), terminando os autos por desistência de queixa dos ofendidos. Ora, perante os factos mencionados quer nos processos disciplinares em causa, quer na acusação, todos eles anteriores à notícia da autoria da arguida B... , não nos parece que se possa defender que a mesma ao publicá-la esteja a atuar dolosamente, mesmo não esquecendo que a difamação pode ser cometida através de dolo eventual. Na verdade, não nos parece que a intenção da arguida B... ao publicar a notícia tenha ultrapassado o objetivo de informar e divulgar factos sem dúvida com relevância e interesse, nomeadamente por se tratar de um professor a quem tinha sido proposta a pena de demissão e que, alegadamente, de acordo com o conteúdo dos dois processos disciplinares, praticou factos de natureza sexual com alunos menores, factos esses que, por qualquer cidadão comum, terão de ser classificados de elevadíssima gravidade, ainda mais quando cometidos por um docente, no exercício das suas funções e dentro da instituição de ensino, a quem os pais confiam a educação dos seus filhos. Assim, perante tal não nos parece sequer que se possa defender que a arguida B... tenha tido a consciência que a sua conduta poderia ofender a honra e consideração do assistente, limitando-se a ter como único objetivo noticiar factos que, sem sombra para dúvidas, têm de ser classificados de grande interesse público. E aqui chegados não podemos deixar de citar o ac. da RP de 18.3.2015 (disponível no site já citado): I. “Conforme imperativo constitucional do art. 26º nº 1 da CRP de tutela de «bom nome e reputação», o art. 70º CC consagra a tutela da pessoa contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral e os arts. 180º sgs do Código Penal incriminam a conduta de «difamação» e a de «injúria» - que pode ser qualificável como «calúnia» - para proteção da honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade. II. Além do «bom nome e reputação», a CRP tutela igualmente - e em sede de «Direitos, Liberdades e Garantias pessoais» - genericamente – a «liberdade de imprensa» ex vi art. 38º - dos quais ressuma não se tratar de «direito absoluto» mas de uma «liberdade com responsabilidade» - ex vi art. 37, n.º 3. III. Convoca-se assim a matéria particularmente sensível dos limites e das afetações à «liberdade de expressão» que são categorizáveis como «limites diretos», «limites especiais», «restrições legais» e ainda as «situações de conflitos de direitos» a resolver pela metodologia da ponderação dos bens ou interesses em conflito que é aplicável quando não esteja a hipótese de conflito expressamente regulada na CRP e não seja suficiente o recurso a solução legal harmonizadora de um conflito. IV. Constituindo a CEDH «direito supra ordinário» ex vi art.º 8º da CRP, à delimitação do objeto do crime doloso de difamação por meio de «abuso de liberdade de imprensa» importa a consideração da Jurisprudência do TEDH sobre «liberdade de expressão» como fundamental numa sociedade democrática ut conjugação do princípio geral do art. 10º nº 1 com as exceções dos arts. 10º nº 2 e 17º da CEDH. V. Não consubstancia crime doloso de difamação as expressões linguísticas – insertas em «artigo de opinião» expressivo de «luta-político-partidária-pessoal» - que – pecando pelo exagero que não eleva o nível redatorial – ainda se contém num exercício legítimo do «direito de informar» - com impressividade sem uma ofensividade censurável por desnecessidade ou gratuitidade – para asseverar uma «liberdade de informação» que se quer autêntica e não aparente”. Na situação concreta, como mencionado, a arguida B... atuou num exercício legitimo do direito de informar, consagrado no artigo 10.º, nº 1 da CEDH, não sendo as imprecisões que constam do artigo, tendo em conta a gravidade da situação relatada nos processos disciplinares de que o assistente foi alvo e na acusação juntas aos autos, que excedem esse direito de informar. Na verdade, não vislumbramos de que forma esse direito está ultrapassado quando se escreve na noticia que os pais descobriram fotografias suspeitas no computador da filha, constatando-se, contudo, que do processo disciplinar resulta que não terão sido fotografias que foram descobertas, mas mensagens. Igualmente, não vislumbramos que esse direito esteja ultrapassado quando se diz na notícia “assim como outras que não formalizaram queixa” e que o ora assistente perguntava às alunas “se eram virgens e usavam soutien”, quando do processo disciplinar de 2006 resulta, alegadamente, que os alunos alvo do ora assistente eram mais do que um, inclusive alunas (constatando-se que de facto não apresentaram queixa crime, depois da informação recolhida junto dos serviços do Ministério Público), a quem o assistente perguntava se já tinham a menstruação e já tinham tido relações sexuais e se ainda eram virgens (cf. fls. 258 dos autos). Finalmente também não nos parece que o direito à informação esteja ultrapassado quando se escreve que o docente “não escolhia alunas ao acaso. Tinha como alvo alunas que apresentavam alguma fragilidade (…)”, quando do processo disciplinar resulta que a aluna D... apresentava problemas e que o assistente alegadamente utilizou as suas fragilidades para a prática dos factos (cf. fls. 132 dos autos). Aliás, cumpre dizer que nos processos disciplinares são escritos factos bastante mais graves, suscetíveis de “chocar” qualquer cidadão comum, do que aqueles mencionados na notícia. Pelo exposto, a única conclusão que se impõe é que a arguida não ultrapassou o exercício do direito à informação e mesmo entendendo-se estarem verificados os pressupostos do crime de difamação sempre estaríamos perante a situação a que alude o artigo 180, nº 2 do CP, verificando-se quer os pressupostos da alínea a) e b) do nº 2 do artigo 180º do CP. Estamos convictos que sujeitar a arguida a julgamento apenas serviria para uma futura condenação do estado Português no TEDH, por violação do disposto no artigo 10º, nº 1 da CEDH, bastando para tal consultar a jurisprudência mais recente deste Tribunal a este respeito.
Assim, apenas se encontra suficientemente indiciado nos autos que a arguida B... é a autora da notícia referida na acusação com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Contudo, tendo em conta a prova produzida, nomeadamente os documentos juntos aos autos, inclusive copia dos processos disciplinares e da acusação deduzida contra o ora assistente, não se encontra suficientemente indiciado: - Que o primeiro arguido tenha tido todo o conhecimento do conteúdo da notícia escrita pela segunda arguida; - Que os arguidos soubessem que estavam a noticiar factos falsos; - Que os arguidos quisessem e conseguissem proferir juízos de valor depreciativos da honra e consideração pessoal do ora assistente; - Que tenham atuado de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Pelo exposto, III. Decide-se: - Não pronunciar os arguidos B... e A... , pelos factos e pelo crime de difamação agravada, p.p.p artigos 180º, nº 1, 183º, nº 2 do CP e 30º e 31º, nº 1 da Lei 2/99, de 13 de Janeiro mencionados na acusação pública (…)».
3. Apreciação Dissente o recorrente, assistente nos autos, da decisão instrutória na parte em que decidiu pela não pronúncia dos arguidos, ora recorridos B... e A... , jornalista e diretor do K... , respetivamente, pela prática, como autores materiais, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 2, 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do C. Penal e, bem assim, pelo artigo 31.º, n.º 1 e n.º 3, 2.ª parte, da Lei n.º 2/99, de 13.01 [Lei de Imprensa], crime, esse, que lhes vinha imputado na acusação pública proferida, defendendo – contrariando a decisão recorrida – haverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena, circunstância que deveria ter conduzido à pronúncia [artigo 308.º, do CPP].
Centremo-nos, então, no caso. Em causa a notícia, subscrita pela arguida – jornalista –, publicada no K... – do qual, à data, diretor era o arguido -, edição de 14.06.2012, destacada na 1.ª página com os seguintes dizeres: Professor que abusou de aluna expulso da Função Pública e desenvolvida na página 22, sob o título: PROFESSOR ABUSADOR EXPULSO DA FUNÇÃO PÚBLICA, o subtítulo: Carregal do Sal Inspeção-geral da Educação decide afastar docente de 54 anos que abusou de uma aluna de 16 anos. Agressor molestou várias menores, mas apenas uma fez queixa, prosseguindo A Inspeção-Geral de Educação deu como provado que o professor de 54 anos, do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal, abusou de uma aluna de 16 anos. O docente será expulso da Função Pública. No essencial o artigo evolui dando a conhecer o sentido do despacho do Ministério da Educação e da Ciência, qual seja o de punir com a pena de expulsão da função pública o docente – ora recorrente -, isto na sequência de um processo disciplinar que lhe havia sido instaurado pela Inspeção-geral de Educação, no âmbito do qual estava, há quase um ano, preventivamente suspenso, e que concluiu pelo abuso sexual da estudante de 16 anos, por parte do professor; A origem do procedimento, quando e como foi descoberto, assim o situando: O caso foi descoberto em finais de junho do ano passado, quando os pais da aluna encontraram fotografias suspeitas no computador da filha; O ambiente [escolar] em que ocorreram os abusos; No que se traduziram [… para a tocar em várias partes do corpo], aqui se destacando o segmento – precedido da menção Suspenso por 90 dias - A jovem alvo de abusos sexuais, assim como outras que não formalizaram queixa, relataram que o professor as chamava, individualmente, à sala de desenho e fechava a porta. De seguida, baixava as calças e pedia às menores que o masturbassem, aspeto, também assim, evidenciado: PROFESSOR CHAMAVA VÍTIMAS À SALA E PEDIA ÀS MENORES QUE O MASTURBASSEM; A queixa apresentada pelos pais da aluna em 27.07.2001; A suspensão do professor em Julho de 2001, por 90 dias; A prorrogação, em Outubro de 2001, da suspensão preventiva; O que a Direção Regional de Educação do Centro [DREC], então [lia-se no despacho da altura], invocou quanto ao prejuízo que representaria manter o professor afeto à escola onde lecionava. E numa coluna lateral encabeçada pela frase COMO ATACAVA O AGRESSOR, além do mais, lê-se: ALUNAS FRÁGEIS ERAM O ALVO DO DOCENTE, continuando: O docente não escolhia as alunas ao acaso. Tinha como alvo alunas que apresentavam alguma fragilidade ou com problemas de saúde. Estabelecia relações de amizade e confiança, aproximando-se das alunas para depois abusar delas. Enviava mensagens às vítimas, por telemóvel ou internet, e na sala de aulas tinha por hábito perguntar às alunas se eram virgens e se usavam soutien. Segue-se a referência às penas em que, A confirmarem-se os factos em tribunal [destaque nosso], o professor incorreria pelos crimes de abuso sexual de menores dependentes e/ou de atos sexuais com adolescentes, culminado a noticia com a alusão à pena de um ano de inatividade, cumprida, há quatro anos, pelo docente no âmbito de um processo que lhe foi movido enquanto monitor de ténis de mesa, concretizando: A alunos de 12 e 13 anos, que se iniciavam na modalidade, o docente mandava fazer testes para avaliar a sua maturidade. Na prática, eram induzidos a masturbar-se.
Delineado o panorama geral da notícia, indispensável para identificação do universo de contextualização, vejamos, pois, quais as menções/frases/palavras que suportaram a acusação. Nesta sede ficou a constar: Ao agir como descrito, os arguidos quiseram dar a entender que a aluna tinha fotos suspeitas no computador o que despoletou a apresentação da queixa, transmitindo a ideia de ter sido este (o ora ofendido) quem lhas enviou ou, por alguma forma, ter qualquer coisa a ver com as ditas fotos o que é falso e injurioso; também, ao fazer constar da notícia que “assim como as outras que não formalizaram queixa …” pretenderam os arguidos (a segunda ao escrever e o primeiro ao permitir a publicação da notícia) que, foram várias as alegadas vítimas, facto que jamais foi referido no processo disciplinar instaurado; ao referir-se na notícia que “o docente não escolhia alunas ao acaso. Tinha como alvo alunas que apresentavam alguma fragilidade ou com problemas de saúde” e que “… estabelecia relações de amizade e confiança, aproximando-se das alunas para depois abusar delas”, e que “… enviava mensagens às vítimas, por telemóvel ou internet”, e na sala de aulas, tinha por hábito perguntar “se eram virgens e usavam soutien”, sabiam os arguidos que estava, a noticiar factos falsos, que não são narrados, indiciados, ou sequer subentendidos no processo disciplinar instaurado ao ora ofendido.
De entre as frases/expressões/palavras assim identificadas – as únicas, com respeito pelos princípios da acusação e vinculação temática, atendíveis para o efeito de aferir sobre o acerto da decisão de não pronúncia, revelando-se, por conseguinte, irrelevantes quaisquer outras, em sede de recurso, eleitas – salienta o recorrente os segmentos que se reportam: (i) Ao facto de os pais terem descoberto fotografias suspeitas no computador da filha; (ii) À circunstância de existirem outras [vítimas] que, contudo, não formalizaram queixa; (iii) Ao facto do docente não escolher alunas ao acaso, tendo, antes, como alvo alunas que apresentavam alguma fragilidade ou com problemas de saúde; (iv) À circunstância de estabelecer relações de amizade e confiança com as alunas, das quais se aproximava para depois abusar delas; (v) Ao facto de enviar mensagens às vítimas, por telemóvel ou internet; (vi) À circunstância de na sala de aulas ter por hábito perguntar às alunas se eram virgens e usavam soutien.
Isto dito. Muito se tem escrito sobre os direitos, frequentemente conflituantes, ao bom nome e reputação, por um lado, à liberdade de expressão e de informação, por outro, concretamente a propósito do modo como se relacionam e reciprocamente se limitam, posto que gozam ambos de proteção constitucional – [cf. artigos 26.º, 37.º e 38.º da CRP]. Nos termos do artigo 37.º da CRP: “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. (…) 3. As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”. E no que concerne à forma de veiculação qualificada da liberdade de expressão, que é a liberdade de imprensa, dispõe o artigo 38.º da CRP: “1. É garantida a liberdade de imprensa. 2. A liberdade de imprensa implica: a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores (…)”. Já o artigo 26.º, n.º 1 da Constituição consagra, entre outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação, vertentes individual e social do bem jurídico-constitucional que emerge numa pretensão de respeito, impondo, como tal, uma conduta negativa dos outros. Sobre a convivência entre os dois direitos, no acórdão 407/07, de 11.07.2007, discerniu o Tribunal Constitucional: «O exercício do direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente quando efetuado através da imprensa, tem limites, designadamente quando colide com outros direitos constitucionalmente consagrados, como o direito ao bom nome e reputação (art.º 26, n.º 1, da CRP). Essa limitação encontra-se especificamente prevista no próprio artº 37º, nº 3, da CRP, quando admite que as infrações cometidas no exercício desse direito possam ser sancionadas pelo direito penal. Mas, como o direito à honra (forma comum de denominar o direito ao bom nome e reputação), também ele está sujeito a limitações que tornam justificáveis certas condutas ofensivas da mesma, nomeadamente quando essas condutas ocorrem no exercício do direito de informação, estamos perante dois direitos constitucionais potencialmente em conflito (Vieira de Andrade, em “Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, pág. 220, da reimp. De 1987, da Almedina). Quando este ocorre “há que proceder a uma ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 466 e 574) com recurso a juízos de proporcionalidade, “exigindo-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda de outros” (Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 223). Esta necessidade duma ponderação casuística não impede, contudo, a formulação de critérios de valoração, aplicativos dos princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, a que devem obedecer as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, nos termos dos art.º 18º, nº 2 e 3, da CRP (vide, nesse sentido, FIGUEIREDO DIAS, em “Direito de informação e tutela da honra no direito penal de imprensa português”, na RLJ, Ano 115, pág. 102, e COSTA ANDRADE, na ob. cit., pág. 284-287). Com efeito, no Estudo acima identificado, depois de se reportar à função pública da imprensa, onde inclui toda a sua atividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica, cultural, para concluir que em todo este domínio a imprensa exerce o seu fundamental direito de informação e goza de inteira garantia constitucional, em síntese conclusiva, escreve Figueiredo Dias: 1) Assim, e em primeiro lugar, é indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa á honra cometida se revele como único meio adequado e razoável de cumprimento da função pública da imprensa; ou mais exatamente: de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto. (…); 2) Em segundo lugar parece de exigir que, no exercício da sua atividade, a imprensa tenha atuado com o animus ou a intenção (ao menos «imanente»…) de cumprir a sua função pública e, assim, de exercer o seu direito-dever de informação; ou que ao menos não esteja em concreto excluído ter sido um tal cumprimento o motivo da sua atuação. Deparamos aqui pois com um elemento subjetivo da causa justificativa, que deverá considerar-se inexistente, pelo menos, sempre que se verifique ter presidido à conduta uma intenção de difamar ou de injuriar (…); 3) Por último, importa analisar quais as relações exatas entre a causa justificativa do exercício do direito de informação e a prova da verdade dos factos imputados, sede em que, dando conta das acrescidas dificuldades, prossegue Por nós, cremos o seguinte: tratando-se de ofensa cometida por meio da imprensa, a prova da verdade da imputação só deve desde logo ser admitida no preciso âmbito do direito de informação. O que significa praticamente ser pressuposto da admissibilidade de uma tal prova a resposta à questão de saber se, em caso de verdade das imputações, elas se deveriam considerar como publicadas no exercício da função pública da imprensa e, assim, do direito de informação. A «verdade» é por conseguinte apenas um elemento, a par de outros, determinante da forma do exercício do direito de informação – sendo sempre, em definitivo, este direito e não aquela verdade que conforma a verdadeira causa justificativa. Trata-se de um domínio onde, muito em função do que vem sendo decidido pelo TEDH, se pode constatar uma mudança de paradigma como, entre outros, bem sinaliza o acórdão do STJ de 30.06.2011 [proc. n.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1], enquanto reporta: Com frequência, as ofensas passaram a ter lugar na comunicação social. E surgiu, com acuidade, o conflito entre o direito à honra e o direito de livre expressão e informação inerente a tal modo de comunicação. A questão continuou a ser abordada na perspetiva do direito à honra e suas ressalvas. A regra seria a afirmação daquele direito, que só cederia, em casos justificados, que doutrina e jurisprudência, se encarregaram de ir precisando. Outrossim, nos casos em que a cedência recíproca não resolvesse a questão, havia que dar preferência à honra porque integrante de direito de personalidade. (…) Foram, entretanto, proferidas muitas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a matéria. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tutela, no plano geral, o direito à honra. Não o ignora no artigo 10º, n.º 2, mas a propósito das restrições à liberdade de expressão. Esta construção levou aquele Tribunal a seguir um caminho inverso ao que vinham seguindo, habitualmente, os Tribunais Portugueses. Não partia já da tutela da honra, situando-se, depois, nas suas ressalvas, mas partia antes da liberdade de expressão, situando-se, depois, na apreciação das suas restrições, constantes daquele artigo 10.º, n.º 2. E vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, vem assentando, essencialmente, no seguinte: A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; As exceções constantes deste n.º 2 devem ser interpretadas de modo restrito; Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade; (…) O modo de ver consistente em afirmar a liberdade de expressão como ponto de partida para situar em ressalvas a sua violação, mormente quanto à ofensa à honra, sai reforçada pelo teor da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia …. (…) O conflito entre os dois direitos não encontra, no próprio texto constitucional, solução. Decerto que, tutelando a Constituição ambos, hão-de ser exercidos até onde não interfiram um com o outro. Se interferirem, há-de-se procurar ainda a redução em ordem a cada um deles poder ser exercido de modo mais amplo. Mas se se atingir o patamar da incompatibilidade, não temos elementos para retirar a solução do texto constitucional. Nem o já falado artigo 16º, n.º 2, que impõe uma interpretação conforme à Declaração Universal dos Direitos do Homem, faz luz neste domínio porque, se nesta se tutela a honra, se tutela também em plano de igualdade, a “liberdade de opinião e de expressão”. (…) há que atender aos artigos 8.º e 16.º, n.º 1. Eles conduzem a CEDH a um plano superior ao das normas ordinárias de origem interna (Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Anotação XIII ao primeiro daqueles artigos). No que a lei constitucional deixa por regulamentar, vale, em primeira linha, o texto convencional. Se vale o texto convencional, coloca-se a questão da sua interpretação através das sucessivas decisões do TEDH. Nos termos do artigo 46.º, n.º 1, as Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes (…) no seguimento do qual, admitiu já este STJ – precisamente em casos de violação do artigo 10º da Convenção decretada pelo TEDH – a revisão das sentenças condenatórias proferidas na ordem interna – Acs. 23.4.2009, proc. 5TACTB-A.S1 e de 27.5.2009, proc. 0TBEPS-A.S1. Mas a jurisprudência do TEDH vai mais longe, com o entendimento de que: Os Estados que conservam na sua ordem jurídica normas contrárias à Convenção, tal como consta dos Acórdãos do Tribunal, mesmo que o país em causa nele não seja parte, devem conformar-se com tal jurisprudência sem que tenham de esperar para serem demandados no Tribunal Europeu” – Acórdão Modinos contra Chipre, de 22.4.1993. Como refere Irineu Barreto, em anotação a este artigo, apesar do caso julgado se reportar às partes no processo, “convirá, no entanto, a todas as autoridades, mesmo àquelas que não pertencem ao Estado em causa e entre elas os tribunais, acolher a doutrina que deles deriva para evitar futuras condenações por violação da Convenção.
Retomando, agora, o caso concreto várias são as evidências, a saber: (i) Os factos noticiados prendem-se com a matéria que justificou, por parte da tutela, a instauração de dois processos disciplinares ao assistente - ora recorrente - o último dos quais conduzindo à aplicação da pena de expulsão da função pública; (ii) Ambos tiveram na base factos de idêntica natureza, grosso modo abusos sexuais; (iii) Práticas, essas, que teriam incidido sobre jovens alunos da escola pública, concretamente do estabelecimento de ensino onde o assistente exercia, há vários anos, a função de professor; (iv) Os factos relatados no artigo em questão encontram, no essencial, suporte no acervo probatório carreado nos processos disciplinares em referência [mas também na certidão extraída do PCC n.º 290/06.5TASCD] e, em parte, no respetivo relatório que conduziu à decisão de aplicação das penas de tal natureza. Cabendo ao Estado como tarefa fundamental - imperativo categórico - Assegurar o ensino, promover, através da escola, a educação e, assim, contribuir, entre o mais, para o desenvolvimento da personalidade [artigos 9.º, alínea f) e 73.º da CRP], relatando a noticia condutas que teriam sido levadas a efeito - no exercício das funções de docente da escola pública – pelo recorrente, visando jovens alunos do estabelecimento de ensino, é manifesto o interesse público da publicação, produzida no exercício da função pública da imprensa [na qual, recorde-se, cabe toda a sua atividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, politica, económica, cultural] e, assim, do direito de informação que lhe está cometido. Na verdade – crê-se – não há quem duvide que, estando em causa ações, descritas em processo disciplinar, por parte de um docente, no exercício das suas funções, ações, essas, com reflexos de pendor fortemente negativo nos jovens alunos da escola pública, outra coisa não seria de esperar da imprensa, sob pena de se demitir da sua função, que não o exercício do direito e, sobretudo, do dever de responsavelmente informar num domínio sobremaneira relevante para toda a comunidade e que, por imperativo constitucional, compete ao Estado, em primeira linha, assegurar. O ensino, a escola pública, a qualidade, enquanto servidores públicos, dos que aí lecionam, desde logo no desenvolvimento, que se pretende harmonioso, dos seus alunos, são matérias – acredita-se – insuscetíveis de deixar qualquer um indiferente. Assentemos, pois, que o conteúdo da notícia em questão serve à consecução da função pública da imprensa, realizando, assim, interesses legítimos. Por outro lado – ao invés do que sustenta o recorrente - não impressiona a circunstância de, à data da notícia, a decisão proferida no âmbito do processo disciplinar mais recente, em função do recurso contencioso intentado pelo ali visado, não ter carácter definitivo. De facto, como escreve José de Faria Costa, exigir para a publicação de uma notícia que o jornalista tivesse um grau de certeza equiparável, por exemplo, ao grau de certeza necessário para proferir uma sentença de condenação, seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação – [cf. “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 623]. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do TRL de 02.02.2005 [proc. n.º 661/2005-3], onde se lê: Não se exige aos jornalistas a verdade objetiva dos factos antes de os publicar. Exige-se apenas um esforço objetivo de avaliação sobre a credibilidade dos elementos recolhidos (…) e mais adiante: É que o dever de informação que aqui está em causa não tem que ser exaustivo nem deve ser moldado ou apreciado por outras lógicas bem mais apertadas, nomeadamente, a lógica e o sentido da comprovação judiciária ou sequer a metodologia da investigação histórica. E coisa diferente não decorre do acórdão do STJ de 14.02.2012 [proc. n.º 5817/07.2], enquanto consigna: O dever de comprovação não corresponde ao facto histórico narrado, nem à sua comprovação científica ou sequer à sua comprovação judiciária, antes há-de satisfazer-se com as exigências derivadas das legis artis dos jornalistas, que se não contentarão com um convencimento, meramente subjetivo, mas imporão que aquele repouse numa base objetiva (…). Retornando à notícia, a qual em substância não cria factos, transpondo, antes, a matéria relevante de natureza disciplinar, vertida nos respetivos processos, aos quais – resulta inequívoco – a jornalista [sua subscritora] teve acesso, surgindo estes, enquanto fonte do seu conhecimento, a sustentá-la, não é possível deixar de observar, tendo em conta os segmentos/afirmações contestados na parte em que se antevê alguma imprecisão, que no complexo da publicação seja a mesma [imprecisão] suscetível de produzir maior afetação na reputação do recorrente, isto é acima daquela que os factos com precisão relatados - e que não mereceram [no que lhe era consentido – vd. a relação estabelecida com os factos eleitos na acusação] a sua reação – provocaram, pese embora, ainda, assim, só por via do alargamento do âmbito de conhecimento dos mesmos, potenciador de um maior descrédito já que as investigações de natureza disciplinar que sobre si recaíram e os resultados a que conduziram, surgem eles próprios, desde logo, idóneos a abalar, sobretudo no meio profissional, a sua confiança e credibilidade. Reportamo-nos à passagem já acima identificada de os pais terem descoberto fotografias suspeitas no computador da filha, quando – como realça a decisão recorrida – não terão sido fotografias que foram descobertas, mas mensagens. Que relevância? Pelos motivos acima expostos, obviamente, nenhuma! No que concerne ao universo de vítimas que teriam sido sexualmente importunadas, matéria, na ótica do recorrente por extravasar da aluna que esteve no epicentro do processo disciplinar mais recente, falseada, falece-lhe, igualmente, razão. De facto, como logo de início assinalámos, decorre da notícia constituir sua base de incidência os factos testemunhados, relatados, não apenas num – aquele que conduziu à aplicação da pena de expulsão da função pública – mas em dois processos disciplinares instaurados ao ora recorrente, ambos enquanto professor da mesma escola, constituindo [em qualquer deles] seu objeto atos de cariz sexual, que terão sido praticados, no exercício dessa sua função, contra jovens alunos. Disso mesmo dá conta a decisão em crise, ao assim discernir: Igualmente, não vislumbramos que esse direito esteja ultrapassado quando se diz na notícia “assim como outras que não formalizaram queixa” e que o ora assistente perguntava às alunas “se eram virgens e usavam soutien”, quando do processo disciplinar de 2006 resulta, alegadamente, que os alunos alvo do ora assistente eram mais do que um, inclusive alunas (constatando-se que de facto não apresentaram queixa crime, depois da informação recolhida junto dos serviços do Ministério Público), a quem o assistente perguntava se já tinham a menstruação e já tinham tido relações sexuais e se ainda eram virgens (cf. fls. 258 dos autos), asserções que encontram respaldo nas certidões dos [dois] processos disciplinares – em parte, a requerimento dos arguidos/recorridos - juntos aos autos, os quais, consubstanciando a sua fonte de conhecimento – o que não significa que tivesse sido a única - permitiram a publicação. E a apreciação não diverge quanto à pergunta endereçada às alunas que seria, contudo, antes, no sentido de indagar se já tinham a menstruação; se eram virgens; se já haviam mantido relações sexuais. Sendo este o universo, não será, por certo, a imprecisão na referência ao soutien a determinar a reação do recorrente! Por outro lado, tratando-se de uma peça jornalística – por conseguinte alheia à tecnicidade jurídica – os abusos sexuais não tem de ser lidos à luz do estrito conceito jurídico-penal, antes de forma ampla, incluindo as condutas de importunação sexual, as quais, para a comunidade em geral, não deixam de constituir abusos. Poder-se-ia, porém, questionar, dado o tempo dos factos, se o relatado no processo disciplinar instaurado em 2006, o qual culminou com a aplicação, ao ora recorrente, da pena de inatividade pelo período de um ano, deveria ter sido considerado na notícia. Sobre a questão da atualidade da narração, admitindo, embora, que quanto mais tempo tiver decorrido desde a ocorrência dos factos menor será o interesse na sua divulgação, reconhece José de Faria Costa que a atualidade do interesse não se identifica necessariamente com a atualidade do facto, pois – prossegue - um facto não atual pode muito bem revestir interesse para a coletividade – [cf. ob. cit., pág. 619]. Ora, no caso concreto – reafirma-se – transparece, sem reserva, o interesse para as pessoas que os mesmos [factos] revestiam. E assim é, desde logo, pela transversalidade do tipo de ações – no essencial, lesivas de idênticos bens jurídicos -, pela identidade do visado – conservando, em ambas as ocasiões a função de professor da escola pública -, pelo universo dos que teriam sido sexualmente importunados – jovens alunos -, pelo quadro em que as ações se sucederam, maioritariamente em ambiente escolar, tudo aspetos de relevante interesse para os cidadãos em geral, para os utentes da escola pública, capazes de nos fazer – a todos os que civicamente se empenhem no serviço público - para o qual contribuem - na qualidade das nossas escolas e de quem as serve, no desenvolvimento dos nossos jovens – onde a escola tem uma função relevante – ser, enquanto comunidade, cada vez mais exigentes no seu escrutínio, questionando mesmo a bondade do sistema quando mantém o vínculo à escola pública de quem, ao seu serviço, agindo na qualidade de professor, no confronto com os alunos, tão gravemente já havia prevaricado. No que concerne ao demais narrado, ou seja: Ao facto do ora recorrente não escolher alunas ao acaso, tendo, antes, como alvo as que apresentavam alguma fragilidade ou com problemas de saúde; À circunstância de estabelecer relações de amizade e confiança com as mesmas, das quais se aproximava para depois abusar delas e ao facto de enviar mensagens às vítimas, por telemóvel ou internet, os elementos probatórios carreados nos processos de natureza disciplinar não deixam margem para dúvida de que assim teria sido. Já porque resulta insofismável haver, na ocasião, enfrentado a jovem D... problemas de saúde, fragilidades de natureza psíquica – que inclusivamente determinaram o seu internamento hospitalar; Já porque decorre, com suficiente clareza, dos mesmos os comportamentos que teriam sido adotados pelo recorrente tendentes a criar uma relação de confiança, com manifestações de amizade e mesmo de preocupação com o estado de saúde da aluna, sobressaindo, contudo, um propósito de aproveitamento, com intuitos sexuais, da situação, desígnios, esses, que se teriam vindo a concretizar, tal como indiciado pelo teor das mensagens [precisamente as que o recorrente quis colocar em crise] enviadas à jovem, inclusive por ocasião da sua hospitalização. Significa, pois, que atuando dentro da função pública de formação da opinião pública e visando o seu cumprimento, haver a jornalista agido, no essencial, com respeito pela verdade das imputações, nas quais fundadamente acreditou, cumprindo o dever deontológico de verificação das mesmas, concretizado, desde logo, na análise dos processos disciplinares movidos ao assistente - donde os que as circunstâncias do caso impunham – não se quedando, pois, por uma pura convicção subjetiva, essa, sim, capaz de comprometer a boa-fé a que se reporta o n.º 4 do artigo 180.º do C. Penal. Por outro lado, perante a qualidade [natureza] dos factos [assumindo, no caso, a quantidade uma dimensão secundária] em questão nos ditos processos disciplinares, surge o teor da notícia adequado à prossecução dos interesses legítimos que através dela se exercitaram, inscrevendo-se – repete-se - as imputações no âmbito da função pública – de formação da opinião pública – que se impõe à imprensa. O que vale dizer que a ofensa não se apresenta como gratuita, desproporcionada ou sem correspondência com o interesse geral de informação, não se afigurando haver a jornalista excedido o dever de informar. E ao contrário do que parece defender o recorrente a demonstração da verdade da imputação ou mesmo o fundamento sério para a reputar verdadeira, logo que inquestionável seja a prossecução de interesses legítimos, decorrentes de servir a notícia à consecução da função pública da imprensa não é indiferente, justificando, antes, jurídico-penalmente, a conduta ofensiva da honra. Estão, assim, reunidos os pressupostos que conduzem à exclusão da ilicitude do facto – [cf. artigo 180.º, n.ºs 2, 3 e 4 do C. Penal], mostrando-se, como tal, prejudicada a apreciação da responsabilidade do diretor do jornal, o segundo arguido. Bem andou, pois, o tribunal a quo quando decidiu no sentido de não terem sido recolhidos indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos, aqui recorridos, de uma pena e, logo, pela sua não pronúncia – [cf. artigo 308.º do CPP].
III. Decisão Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso. Condena-se o recorrente em 3 [três] Ucs de taxa de justiça. – [artigos 515º do CPP e 8.º do RCP, com referência à Tabela III].
Coimbra, 16 de Dezembro de 2015 [Processado e revisto pela relatora]
(Maria José Nogueira - relatora)
(Isabel Valongo - adjunta) |