Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | DR. JOÃO TRINDADE | ||
Descritores: | CRIME DE AMEAÇAS CONDIÇÃO DEPENDENTE DA VONTADE DO AMEAÇADO | ||
Data do Acordão: | 05/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ÁGUEDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Legislação Nacional: | ART. 153º DO CÓDIGO PENAL | ||
Sumário: | Independentemente de ser condicional ou não, o que é determinante, para que se verifique o crime do artº 153º do CP, é a possibilidade da “mensagem”, do “anúncio” que é transmitido pela ameaça provoque ou seja susceptível de provocar na pessoa a que se dirige receio, medo ou inquietação que afecte ou prejudique a sua liberdade de determinação e acção, nem que seja numa restrita ,como é o caso (fresar determinada terra), ou pequena parte da actividade do visado, mesmo, quando existe um direito em litígio. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal desta Relação:
O Digno Magistrado do Ministério Público e o assistente CC acusou o arguido BB , melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de - um crime de injúrias p. p. pelo art.º 181º do Código Penal (CP) e um crime de ameaças p. e p. pelo artº 153º do mesmo diploma # Requereu, então, o arguido a abertura da instrução nos termos do artº 287º, nº 1 a) do CPP com vista à não pronúncia . # Realizadas as diligências consideradas pertinentes e após o respectivo debate instrutório foi proferido despacho de não pronúncia no que respeita ao crime de ameaças. # Inconformado, recorreu o assistente, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso para tal concluindo: Também o arguido/recorrido veio responder manifestando o entendimento de que o recurso não deve proceder, já que os factos constantes dos autos e dados como provados não integram os elementos objectivos e subjectivos imputados ao recorrido. Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto nos termos das considerações constantes da resposta do Sr. Procurador na comarca conclui pelo insucesso do recurso. Parecer que notificado não mereceu resposta.
# Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir : O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação,bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. O crime de ameaça encontra-se inserido no Capítulo IV, do Título I, da parte especial , sob a epígrafe de Crimes Contra a Liberdade Pessoal – Ameaça, sendo certo que tutela a liberdade individual de decisão e de acção . Com o mesmo pretende-se evitar os comportamentos geradores de sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo, isto é, que afectam a paz individual e, consequentemente, a liberdade de autodeterminação. É seu elemento material a promessa ou anúncio de um mal futuro, que configure um facto ilícito típico contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, em ordem a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, isto é susceptíveis de afectar ou de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, pelo que não é necessário que, em concreto, se provoque medo ou inquietação, ou seja, que o visado tenha ficado afectado ou lesado( - Vide Figueiredo Dias e outros , Comentário Conimbricence do Código penal (1999), I, 340 e segs.) Deste modo, não exigindo a lei a ocorrência de dano(efectiva perturbação da liberdade ou causação de medo ou inquietação no ameaçado) , bastando-se com a simples ameaça , desde que adequada a provocar medo ou inquietação , ou a perturbar a liberdade , temos que a ameaça é um crime de perigo concreto. Quanto ao elemento de índole subjectiva a lei exige o dolo em qualquer das suas modalidades , que aqui se caracteriza pela consciência de que o comportamento assumido é susceptível de causar medo ou inquietação ou de perturbar a liberdade do visado. Neste âmbito, considerando estarem verificados os restantes elementos constitutivos, e estando as partes de acordo quanto a considerar como indiciado que o arguido disse, dirigindo-se ao assistente, que “não voltasse a fresar a terra senão que lhe dava um tiro” a questão que nos é posta à apreciação prende-se com a subsunção jurídica desta factualidade. Considerou o tribunal a quo que ela “não integra um crime de ameaças, dado que a concretização do mal anunciado está dependente da prática de um acto pelo assistente, que é o voltar a fresar o dito terreno. Em função do afirmado pelo arguido se o assistente não voltasse a fresar o terreno nada lhe faria. O mal anunciado ficou, assim , dependente da verificação de uma condição, pelo que seria uma “ameaça condicional” . Deste modo, a efectivação da ameaça ficava dependente de uma acção futura do assistente e se este nada fizesse nada lhe aconteceria.” Não concordamos. Na verdade a tese do despacho recorrido violaria frontalmente o espírito e o bem jurídico que subjaz ao artº 153º, qual seja a tutela penal da liberdade pessoal. Independentemente de ser condicional ou não, o que é determinante é a possibilidade da “mensagem”, do “anúncio” que é transmitido pela ameaça provoque ou seja susceptível de provocar na pessoa a que se dirige receio, medo ou inquietação que afecte ou prejudique a sua liberdade de determinação e acção, nem que seja numa restrita ,como é o caso (fresar determinada terra),pequena parte da actividade do visado, mesmo, quando existe um direito em litígio. Se assim não fosse teríamos de considerar como não violadora da liberdade do visado e como tal não puníveis, as ameaças de que “se sais de casa , dou-te um tiro”, “ ou se vais para o trabalho dou-te um tiro” e outras que tais ,já que a concretização do mal anunciado estaria dependente de um acto do visado, sublinhe-se de um acto normal e legítimo de qualquer cidadão, sair de casa ou ir trabalhar. # Nestes termos se decide: # Sem tributação. # |