Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
414/24.0T8MBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO
FORMA ESCRITA
INTERPRETAÇÃO DAS DECLARAÇÕES
VONTADE REAL E CONCORDANTE DAS PARTES
«FALSA DEMOSNTRATIAO NON NOCET»
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – MOIMENTA DA BEIRA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 236.º, 238.º E 393.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 130 E 516.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - Tendo as partes elegido a forma escrita como forma das suas declarações contratuais, isso implica que tenha de se concluir que a forma escrita foi escolhida por razões de certeza e segurança, não se podendo extrair do texto contratual, neste caso, um sentido que nele não encontre manifestação, ainda que rudimentar – artigo 238.º, n.º 2 do Código Civil.

II - Neste caso, o tribunal pode decidir acerca do sentido do texto contratual sem inquirir testemunhas; o mesmo ocorrendo se não tiverem sido alegados factos através dos quais se possa concluir por um sentido que não encontra no texto contratual uma manifestação rudimentar


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


*

Juiz relator……………..Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………..José da Fonte Ramos

2.º Juiz adjunto………..Fernando de Jesus Fonseca Monteiro


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Recorrentes…………………..AA e BB, ambos residentes na Rua ..., ..., ... ..., ....

Recorridos……………………A..., Lda., com sede na Av. ..., ... ...;

………………………………….CC;

 …………………………………DD;

………………………………….EE, todos residentes na Av. ..., ..., ... ...;


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto pelos Autores relativamente à decisão que absolveu os Réus de lhes pagarem a quantia de 50.000,00 euros, acrescida de juros de mora, contados desde a citação.

Isto porque, segundo os Autores, celebraram com os Réus, por escrito, um contrato segundo o qual os Réus reconheceram tal dívida e se obrigaram a pagá-la ao longo de durante 5 anos, até 31 de dezembro de 2025, de acordo com a sua disponibilidade, e que estes, até à data, embora ainda não se tenham completado os 5 anos, ainda não procederam a qualquer pagamento.

Os Réus contestaram aceitando o contrato e a existência da dívida, mas alegam a falta de vencimento da dívida e respetiva exigibilidade, bem como a falta de disponibilidade para procederem ao pagamento.

Na fase do despacho saneador o tribunal considerou que estavam reunidas as condições para decidir e proferiu sentença julgando a ação improcedente e absolveu os Réus do pedido, nestes termos:

«Considerando toda a argumentação aduzida julga-se a ação totalmente improcedente e consequentemente:

a) Absolve-se os Réus do pedido.

b) Condena-se os Autores nas custas da ação.»

A absolvição fundou-se na circunstância do pagamento depender das disponibilidades dos Réus, não estando demonstrado que podiam ter pago e não o fizeram e daí a inexigibilidade da dívida.

b) Os Autores recorrem da decisão e terminam as alegações com estas conclusões:

«1. Os ora Recorrentes não podem concordar com o que vem assente na Douta Sentença ora recorrida porquanto padece a mesma de um erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que, ofende o disposto no artigo 236.º do Código Civil a decisão de prescindir da produção de prova do conteúdo do articulado da vontade real das partes e decidir apenas pela interpretação nos termos em que aquela vontade se expressa.

2. O Tribunal fundou a sua convicção com desconsideração pela vontade real das partes que se retira do teor do contrato, acordo de vontades celebrado entre si.

3. A interpretação dos negócios jurídicos rege-se pelas disposições dos arts. 236.º a 238.º do CC, que consagram de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário, pelo que na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante sempre que for conhecida do declaratário.

4. Deve recorrer-se a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as respectivas negociações, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.

5. Constitui matéria de facto, impondo a produção de prova, a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes, de que fala e a que alude o art. 236.º/2 do C. Civil

6. Os ora recorrentes na sua P.i. alegaram pois factos respeitantes à vontade real das partes a art.º 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 9.º, 10.º, 11.º e 15.º. porquanto entendem que foi o acordado e a real vontade das partes que a quantia assumida fosse sendo paga durante os cinco anos, segundo a disponibilidade dos Recorridos pelo que o valor seria, esse sim, variável, tendo, no entanto, de ser integralmente paga até 31 de dezembro de 2025 (prazo limite para não existir qualquer valor em divida).

7. Por seu turno, os Recorridos limitam a questão à disponibilidade que alegam nunca ter tido.

8. Num caso, como o dos autos, em que os AA. alegam que os pagamentos deveriam ocorrer apenas variando o seu valor em função da disponibilidade dos RR. e estes alegam (apenas em sede de contestação) que só deveriam ocorrer face à existência da sua disponibilidade para tal, impõe-se considerar que não estamos, tão só, perante a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos e deste modo impunha-se a produção de prova, a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes.

9. Só não sendo possível apurar a real vontade das partes – que constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – haverá que lançar-se mão da vontade hipotética, apelando para o princípio da impressão do destinatário, ou seja, o sentido que seria apreendido por um destinatário normal.

10. Qualquer erro de interpretação dos factos ou na aplicação do direito constitui erro de julgamento, pois que ao interpretar no sentido que foi o do Tribunal “ a quo”, foram violados os preceitos normativos da interpretação da real vontade das partes, razão por que deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decida pelo valor da vontade real das partes.

Sem prescindir,

11. A Sentença enferma de erros na aplicação da matéria de direito.

12. O artigo 236.º do CC consagra a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido do negócio jurídico é o sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo.

13. Na interpretação do negócio, além do clausulado, e entre outros elementos do “horizonte do destinatário”, desempenha um papel importante o fim do negócio, devendo o sentido apurado ser de molde a que o negócio realize este fim.

14. A regra disposta no artigo 237.º do CC aplica-se, como bem decorre da sua epigrafe, apenas a casos duvidosos, não constituindo recurso nas situações em que dos elementos que compõem o horizonte do destinatário resulta claro o sentido a atribuir, em concreto, ao negócio.

15. A interpretação que Tribunal “a quo” faz na Douta Sentença viola claramente o sentido da vontade das partes que se deve retirar do acordo celebrado, e em concreto destas cláusulas.

16. Do ponto de vista dum declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, é forçoso deduzir da expressão: “durante o   e poderá o segundo exigir o pagamento imediato do que falta pagar.

18. As partes não quiseram, de todo, submeter o cumprimento da obrigação à disponibilidade dos Réus, durante os 5 anos, e determinar que, independentemente dessa disponibilidade, a mesma teria que ser cumprida até 31 de dezembro de 2025.

19. Na verdade, seguindo a lógica de raciocínio da Meritíssima Juiz “a quo”, a cláusula quinta, que foi dada como assente, por confissão e que se refere ao incumprimento das obrigações assumidas, não faria qualquer sentido, pois, só haveria incumprimento se os devedores não pagassem até ao dia 31 de dezembro de 2025.

20. É forçoso retirar que a vontade das partes, seria que ao longo destes cinco anos teriam de ocorrer pagamentos parciais, cujo valor seria esse sim variável, em quantidade, de acordo com a sua disponibilidade financeira, e só assim, faria sentido a vontade real das partes de sujeitar em caso de incumprimento de qualquer obrigação, designadamente o não pagamento da quantia assumida na cláusula segunda, implicaria o vencimento da dívida referida na cláusula primeira e poderá o segundo exigir o pagamento imediato do que falta pagar.

21. Em termos de normalidade e razoabilidade, é este o único sentido útil de tal declaração.

22. É, pois manifesto que do ponto de vista da “impressão do destinatário”, também o alegado pelos Recorrentes deveria ter sido considerado.

23. Na verdade, da petição inicial, foram alegados factos, que importam para esta interpretação, factos do contexto e da história de mais de 10 anos, que, deveriam ter resultado provados, pois que, os RR., não pagaram quaisquer quantias, o que se exigiria serem pagas (ainda que de pequenas ou diminutas quantias), por ter sido essa a vontade real das partes ao exararem tais declarações.

24. As dúvidas que eventualmente vieram a surgir na determinação do conteúdo das declarações de vontade exaradas no acordo junto sob o doc. 1 da P.i. terão que ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos adiantados pelo disposto no artigo 236 n.1 do Código Civil, tendo em atenção que o homem normal e médio que vamos colocar na posição de real declaratário não é um leigo em matéria de direito civil na medida em que esteja representado por advogado.

25. O sentido relevante da declaração apura-se no seu contexto, o que o Tribunal “a quo” não fez, e nem sequer fundamentou ou especificou as razões de o não fazer, não se pronunciando sobre esta questão.

26. A lei não limita, em regra, os elementos ou circunstâncias suscetíveis de serem levados em conta na interpretação. Apenas exige, no caso dos negócios formais, que o resultado interpretativo apurado tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento (artigo 238.º).

27. Não se provando o sentido da vontade real dos declarantes aplica-se o critério normativo objetivo do n.º 1 do artigo 236.º, em princípio, a declaração vale como o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, poderia deduzir do comportamento do declarante; ou, numa formulação próxima, vale com o sentido que o declaratário real lhe daria se fosse uma pessoa razoável, diligente de boa fé.

28. O padrão do declaratário normal é o de um declaratário razoável, que se pauta pelos ditames da boa fé, medianamente experiente e informado, inteligente e diligente, do mesmo tipo do declaratário real.

29. Fazendo apelo ao critério do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, entendemos que as cláusulas já supra referidas não podem ser interpretadas com o sentido de que os Recorridos não teriam de efetuar nenhum pagamento ao longo de cinco anos.

30. No contexto em que o mesmo foi celebrado não é minimamente previsível que as partes (principalmente os AA. que já tinham emprestado a quantia aos RR. em 31 de dezembro de 2014) tivessem querido que a quantia estipulada só lhes fosse devolvida, apenas em 31 de dezembro de 2025, porquanto se até ao momento da celebração do acordo nenhuma quantia havia sido paga, entregue aos credores, os AA, não teriam estes querido aguardar mais um prazo de 5 anos sem receberem qualquer quantia.

Motivo pelo qual acordaram no pagamento de quantias, a serem entregues ao longo desse período, ainda que de valor variável com a disponibilidade financeira dos RR.

Sem prescindir,

31. No domínio do cumprimento das obrigações, a lei dá preferência ao que for convencionado pelas partes e em segundo lugar às disposições especiais da lei.

32. No que se refere à matéria de Direito, a sentença viola, por erro de interpretação, as normas contidas nos artigos 780.º e 781.º do Código Civil.

33. Em regra, nas obrigações cujo cumprimento foi aprazado, o credor só pode exigi-lo após esse prazo ter decorrido.

34. Contudo, no art.º 781º do C. Civil admite-se a possibilidade de o credor exigir o seu pagamento imediato, deixando o devedor de beneficiar do prazo que se encontrava estabelecido para a sua satisfação.

35. O credor deve manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações através da interpelação do devedor para as satisfazer, tal como sucede nas obrigações puras, de acordo com o disposto no art.º 805º, n.º 1, do C. Civil, o que os AA. também fizeram, intentando a ação comum.

36. O Tribunal “a quo” deveria ter condenado os RR. pelo seu incumprimento, no pagamento da quantia de € 50.000,00, acrescida dos juros de mora desde a citação, que constitui, no caso concreto, mais uma interpelação para pagamento.

37. Ao não dar procedência ao pedido dos AA., ora recorrentes, a Douta Sentença recorrida padece do vicio de violação da lei por errada interpretação do acordo firmado entre as partes, pois esse acordo foi incumprido e deveriam ser condenados os RR. ao pagamento da quantia objeto desse acordo, acrescida de juros, por terem sido interpelados extrajudicial e judicialmente.

38. Daí que se entenda haver fundamento para a anulação da decisão proferida na 1.ª instância.

Nestes termos,

Deverão Vossa Excelências decidir revogar a decisão recorrida nos termos sobreditos. E assim se fará Justiça».

c) Os Réus contra-alegaram e concluíram assim:

«1) O recurso a que ora se responde vem interposto da sentença que julgou “a ação totalmente improcedente” e, em consequência, absolveu os RR. dos pedidos contra si formulados pelos AA.

2) Inconformados com tal decisão, os Recorrentes interpuseram recurso de apelação, invocando que a sentença padece de: (i) um erro de julgamento ao considerar que o Tribunal a quo preteriu

produção de prova quanto à vontade real das Partes no Acordo celebrado entre as Partes e (ii) uma incorreta aplicação do Direito aos factos provados nos autos que culminou na absolvição das Recorridas.

3) Ora, a Sentença não merece qualquer reparo, porquanto o Tribunal a quo efetuou uma correta aplicação do Direito, assim como uma correta interpretação da prova produzida por acordo entre as Partes em sede de articulados, sendo patente não assistir qualquer razão aos Recorrentes, motivo pelo qual o presente recurso é manifestamente improcedente.

4) Com efeito, sucede que os Recorrentes não logram em momento algum, indicar que factos foram mal interpretados pelo Tribunal a quo, não cumprindo com o preceituado pelo art. 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC, limitando-se a sinalizar que foi desconsiderada a vontade real das Partes.

5) O despacho saneador-sentença foi proferido em 29.01.2025, pelo que, querendo os Recorrentes alegar a nulidade da Sentença por omissão de um ato ou de uma formalidade, neste caso, a preterição de produção de prova, deveriam tê-lo feito, em momento tempestivo e oportuno cumprindo o prazo dos 10 dias, nunca em 07.03.2025, como resulta da conjugação do prescrito nos arts. 195.º, n.º 1 do CPC, 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1.

6) Ora, à data da interposição do recurso de apelação a que ora se responde (07.03.2025) o prazo para arguição da nulidade do despacho saneador-sentença já tinha sido ultrapassado, pelo que a alegação construída de um “erro de julgamento” (que esconde uma verdadeira arguição de nulidade de Sentença) é manifestamente intempestiva/extemporânea, porquanto a possibilidade de arguição de nulidade da Sentença terminou no dia 18.02.2025.

7) É inequívoco concluir que a admissibilidade do recurso de apelação dos Recorrentes com fundamento em apreço fica prejudicada, uma vez que, à data da apresentação das alegações de recurso, em 07.03.2025, a sua apresentação já era extemporânea, nos termos da interpretação conjugada do disposto nos arts. 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1 do CPC e do disposto no art. 640.º, n.º 1 do CPC.

8) O presente recurso não pode igualmente ser admitido por os Recorrentes extravasarem deliberadamente os limites objetivos do recurso, verificando-se, assim, uma violação do disposto na conjugação dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC.

9) Com efeito, o recorrente, por via das conclusões, define o objeto do recurso, segundo os termos do disposto no 635.º, n.º 4 do CPC.

10) Nestes termos, das conclusões dos Recorrentes retira-se que estes definem o objeto do recurso nos seguintes termos:

a) a questão de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação da matéria de facto ao ter alegadamente preterido de produção de prova quanto à vontade real das Partes na declaração negocial;

b) a questão de saber se o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação do Direito nos presentes autos, nomeadamente, do disposto nos arts. 236.º, n.º 1, 237.º, 780.º e 781.º do Código Civil.

11) Ora, os Recorrentes extravasaram deliberadamente os limites objetivos do recurso, na medida em que pretendem alegar uma suposta vontade real das declarações do Acordo (que, na tese dos Recorrentes – que não corresponde à verdade – seria divergente do conteúdo do Acordo), matéria alheia ao objeto do litígio.

12) Assim, deve o presente recurso ser improcedente por os Recorrentes violarem manifestamente o disposto nos arts. 635.º, 636.º e 639.º do CPC, na medida em que delimitam o objeto do recurso por referência ao conhecimento de matéria de facto e direito não suscitada em sede de articulados, tentando apenas trazer novos factos aos autos, violando os limites objetivos do recurso.

13) Com efeito, não podem agora, sem ter sido levantada qualquer questão pelos Recorrentes em relação à vontade real das declarações do Acordo em sede de 1.ª Instância, vir delimitar o objeto do recurso ao conhecimento desta questão, pelo que, andou bem andou bem o Tribunal a quo ao referir que “… não se verifica nenhuma situação que possa legitimar que os Autores exijam, agora, o pagamento da quantia em dívida, quer porque não alegaram a capacidade dos Réus para cumprirem, quer porque ainda não se verificou o termo estipulado, quer, ainda porque não se verifica qualquer situação que permita o vencimento antecipado da obrigação”.

14) Assim, não pode o presente recurso ser aceite, tendo os Recorrentes violado o disposto nos arts. 635.º, 636.º, e 639.º, do CPC, por delimitarem as conclusões e o corpo das alegações ao conhecimento de matéria de facto e direito não suscitada em sede de articulados!

15) Deve o recurso ser ainda rejeitado por se entender que os Recorrentes não deram cumprimento ao ónus de formulação das conclusões. Ora, resulta claro da exposição que os Recorrentes fazem quanto à incorreta interpretação do Tribunal a quo da matéria de direito que os Recorrentes não cumpriram o ónus que sobre eles recaía de fundamentação.

16) Nestes termos, ao não referirem qual o sentido que deve ser atribuído aos arts. 780.º, e 781.º do CPC, cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretendem com a impugnação e, ao não indicarem as normas que deveriam ter sido aplicadas, o que impossibilita que o Tribunal a quo conheça das suas motivações para a alteração da Sentença, o presente recurso não poderia ter sido admitido, em cumprimento do disposto no art. 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.

Sem prejuízo do exposto,

17) Caso o Tribunal a quo admita o presente recurso, cumpre notar que, dado o patente incumprimento do ónus dos Recorrentes de formular conclusões previsto no art. 639.º do CPC, deverá o Tribunal ad quem rejeitá-lo.

Sem prejuízo do exposto,

18) Se, por absurdo, o recurso interposto pelos Recorrentes for admitido, cumpre notar que, nos termos do disposto no art. 639.º, n.º 2 do CPC, para cumprimento do ónus de formular conclusões, sempre se diga que os Recorrentes não abordaram diretamente os motivos que levaram o Tribunal a quo a decidir pela integral improcedência do seu pedido, e não procuram justificar o motivos pelos quais, no seu ponto de vista, o Tribunal a quo não deveria ter decidido como decidiu.

19) Assim, as conclusões apresentadas pelos Recorrentes são evidentemente obscuras e não permitem aos Recorridos exercer cabalmente o seu direito ao contraditório. Nestes termos, se o Tribunal ad quem, por absurdo, admitir o presente recurso, devem os Recorrentes ser convidados a completá-las, nos termos do disposto no art. 639.º, n.º 3, do CPC, sob pena de não se conhecer do recurso.

20) Não obstante o supra exposto, cumpre notar que, nos presentes autos não existe qualquer erro na apreciação da matéria de facto, tendo sido carreado para o processo todo o acervo factual merecedor de consideração.

21) Nestes termos, dependia dos Recorrentes terem feito uso dos meios processuais idóneos à satisfação dos seus interesses, na medida em que, ultrapassada a fase processual adequada – a fase dos articulados – deixaram os Recorrentes de poder praticar determinados atos, nomeadamente, o carreamento de novos factos ao processo com vista à nova produção de prova.

22) Acresce que, como referido na Sentença ora recorrida (sem que a mesma mereça qualquer reparo), os factos alegados pelas Partes em sede de articulados e assentes por acordo, bem como o vertido no Doc. 1 (único documento) junto pelos Recorrentes aos autos, foram bastantes e suficientes para permitir o Tribunal a quo tirar as suas conclusões em correspondência com as impressões colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito.

23) Perante a matéria alegada nos autos, a prova documental produzida demonstrou ser manifestamente suficiente para dirimir o litígio. E os Recorrentes sabem-no, pois até se verem confrontados com uma sentença desfavorável, nunca tal questão foi suscitada, nem nunca foi alegada qualquer matéria adicional para além do clausulado constante do Acordo. Os próprios Recorrentes limitaram-se a juntar aos autos um (e um só) documento – (apenas e tão-só) o Acordo.

24) A circunstância acima descrita foi inclusivamente realçada (e bem) pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida. O Tribunal a quo andou bem, não merecendo a Sentença recorrida qualquer reparo.

25) Em face do exposto, falecem os argumentos dos Recorrentes quanto à existência de erro de julgamento da matéria de facto, tendo andado bem o Tribunal a quo, devendo, por isso, a Sentença recorrida ser mantida na íntegra e negado provimento ao presente recurso.

26) Os Recorrentes entendem ainda que a Sentença enferma de erros na aplicação do direito no que respeita à interpretação da vontade real das declarações expressas no “Acordo de Reconhecimento e Assunção de Dívida”.

27) Ao abrigo do disposto nos termos do 236.º, n.º 1 do CPC, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, e neste caso mais não poderia ser do que o declarado no Acordo.

28) Acresce que, é certo que um declaratário normal na posição dos Recorrentes se estivesse na expectativa de que fossem efetuados pagamentos antes de 31.12.2025, não redigiria a Cláusula Segunda do Acordo do modo que a mesma foi redigida, porquanto da mesma não resultam quaisquer indícios de que haveria a possibilidade de serem feitos pagamentos parciais.

29) Assim, não deve proceder a artificiosa tentativa dos Recorrentes de criar uma nova versão sobre o que foi acordado em sede de “Acordo de Reconhecimento e Assunção de Dívida” celebrado pelas Partes, alegando a violação dos arts. 236.º (para tanto, socorrendo-se ainda da interpretação dos arts. 237.º e 238.º) do CPC, com o único intuito de se aproveitarem de uma nova interpretação que viesse a antecipar o vencimento da dívida que – por força do Acordo celebrado – ainda não é exigível!

30) Por fim, e sem conceder quanto ao supra exposto, cumpre ainda notar que a obrigação subjacente ao Acordo celebrado pelas Partes não é exigível.

31) Com efeito, vêm ainda os Recorrentes considerar que a Sentença recorrida, ao absolver os RR. ora Recorridos, do pedido, padece de erros na aplicação da matéria de direito quanto à interpretação da vontade real na declaração e de erros na aplicação da matéria de direito quanto à interpretação do conteúdo obrigacional constante do Acordo – o que manifestamente não corresponde à verdade.

32) A verdade é que andou bem a Sentença ao entender que a obrigação contraída no âmbito do Acordo junto aos autos pelos Recorrentes é uma obrigação com prazo certo e, simultaneamente, cum potuerit, significando que apenas poderá ser exigível antes do seu vencimento, se o credor, os ora Recorrentes, alegarem e lograrem demonstrar que os Recorridos têm disponibilidade financeira.

33) Tratando-se esta de uma obrigação cum potuerit e de prazo certo, deveriam ter os Recorrentes demonstrado – ou pelo menos alegado – que em algum momento ao longo dos 5 (cinco) anos, os Recorridos teriam tido disponibilidade financeira para liquidar a dívida contraída. Sucede, no entanto, que tal não foi, em momento algum do processo, alegado pelos AA., ora Recorrentes!

34) Acresce que nenhum elemento do contexto negocial globalmente considerado poderia levar o real declaratário, colocado na posição dos Recorrentes, a interpretar a declaração dos Recorridos de que a aludida obrigação se tratava de uma obrigação liquidável em prestações nos termos do art. 781.º, do CPC.

35) Em face do supra exposto, deverá o presente recurso ser julgado integralmente improcedente, por não provado.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis:

Deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrido nos exatos termos em que foi proferida, Só assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça!»

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca as seguintes questões:

1 -  A primeira consiste em saber se, alegando os Autores que os Réus tinham de fazer obrigatoriamente pagamentos parciais ao longo do período de 5 anos fixado no contrato, variando apenas o valor de cada pagamento em função da disponibilidade deles, e contrapondo os Réus que os pagamentos só seriam feitos se existisse disponibilidade para pagar, a primeira questão colocada consiste em saber se o tribunal podia ter declarado qual destas duas hipóteses correspondia à realidade contratual, sem ter inquirido previamente as testemunhas que deporiam a respeito de qual das duas vontades foi aquela que as partes realmente tiveram quando elaboraram o contrato.

2 -  Em segundo lugar, sendo viável prescindir da inquirição de testemunhas, saber se o texto contratual deve ser interpretado no sentido de que a vontade real das partes foi no sentido de os Réus, ao longo desses cinco anos, serem obrigados a pagar algumas quantias, ainda que quantias diminutas, estando interdita qualquer omissão de pagamento, sob pena de se vencer a totalidade da dívida.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. A 1.ª Ré dedica-se à atividade de agência de viagens.

2. Em 31 de dezembro de 2020, o Autor, a 1.ª Ré, representada pelos 2.ºs Réus e os 2.ºs Réus, por si, subscreveram um documento, denominado «reconhecimento e assunção de dívida».

3. Desse documento constam as seguintes cláusulas:

Primeira - Pelo presente documento, os primeiros outorgantes, representantes da sociedade identificada em a) e na qualidade em que intervêm, e cada um dos identificados em b) dos primeiros outorgantes, declaram que se reconhecem devedores ao segundo outorgante da quantia total de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

Segunda - Os primeiros outorgantes obrigam-se a pagar esta quantia ao segundo outorgante, durante o prazo de 5 (cinco anos), de acordo com a sua disponibilidade, sendo que terá que ser integralmente pago até 31 de dezembro de 2025.

§ O prazo de pagamento integral pode ser prorrogado pelo prazo de 1 ano, desde que todas as partes assim acordem, devendo ficar reduzido a escrito o aditamento desta prorrogação.

Terceira - Em caso de incumprimento por parte dos primeiros outorgantes de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato, designadamente o não pagamento da quantia assumida na cláusula segunda implica o vencimento da dívida referida na cláusula primeira e poderá o segundo exigir o pagamento imediato do que falta pagar.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Não há.

b) Apreciação das questões objeto do recurso

Primeira -  Vejamos se, alegando os Autores que os Réus tinham de fazer obrigatoriamente pagamentos parciais ao longo do período de 5 anos fixado no contrato, variando apenas o valor de cada pagamento em função da disponibilidade deles, e contrapondo os Réus que os pagamentos só seriam feitos se existisse disponibilidade para pagar, tendo de ser tudo pago, no entanto, no termo do prazo, o tribunal podia ter declarado qual destas duas hipóteses correspondia à realidade contratual sem ter inquirido as testemunhas que deporiam a respeito de qual destas duas vontades teriam tido as partes quando elaboraram o contrato.

Como referiram Pires de Lima/Antunes Varela, a respeito deste tipo de cláusula contratual, relativa ao prazo da prestação, «O devedor compromete-se a cumprir somente quando as suas condições o permitirem (…). Normalmente, tratar-se-á da possibilidade económica do devedor; condicionada, por ex., à chegada de peças ou produtos importados, à satisfação prévia de encomendas anteriores, ao pagamento integral de uma dívida mais antiga, etc.; mas, tratando-se sobretudo de prestação de facto (escrever um artigo, compor uma obra, pintar um quadro), pode querer aludir-se antes à possibilidade material ou à                     disponibilidade de tempo» - Código Civil Anotado, 4.ª Edição. Coimbra Editora, 1997, pág. 26.

A resposta a esta questão é negativa, pelas razões que vão ser indicadas.

(a) Esta problemática tem a ver com o disposto no artigo 236.º, do Código Civil, onde se dispõe que «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ela».

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida».

No caso, estando o contrato reduzido a escrito, cumpre ainda ter em consideração o disposto no artigo 238.º do mesmo código, onde se diz que «1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.»

Admite-se, como referiu o Prof. C. A. Mota Pinto, que um sentido não traduzido rudimentarmente sequer no respetivo documento, possa ainda assim valer, «…desde que se verifique um duplo condicionalismo:

1) Corresponder à vontade real e concordante das partes, mesmo no caso de real impropriedade das expressões utilizadas («falsa demosntratiao non nocet»).

2) Não oposição a essa validade das razões determinantes da forma do negócio: assim, por exemplo, parece haver obstáculo insuperável, quando essas razões forem, predominantemente, razões de certeza ou segurança e quando estejam em causa interesses de terceiros.» - Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição. Coimbra Editora, pág. 453.

Ora, no caso dos autos, tendo as partes elegido a forma escrita como forma das suas declarações contratuais, isso implica que tenha de se concluir que a forma escrita foi escolhida por elas por razões de certeza e segurança.

Por conseguinte, neste caso, não pode ser extraído do texto contratual um sentido que não encontra nele manifestação, ainda que rudimentar.

Verifica-se que o sentido dado pelos Autores às cláusulas não encontra manifestação no texto contratual, ainda que rudimentar.

Vejamos.

Os Autores afirmam que resulta do texto, de modo implícito, que os Réus estavam obrigados a fazer pagamentos ao longo dos cinco anos, embora de acordo com as suas possibilidades, isto é, fossem mais ou menos elevados, teriam de existir pagamentos, sob pena de incumprimento do contrato.

Ora, este sentido não resulta do texto contratual, mesmo em modo rudimentar.

Consta da cláusula 2.ª que «Os primeiros outorgantes obrigam-se a pagar esta quantia ao segundo outorgante, durante o prazo de 5 (cinco anos), de acordo com a sua disponibilidade, sendo que terá que ser integralmente pago até 31 de dezembro de 2025» e da cláusula 3.ª que «Em caso de incumprimento por parte dos primeiros outorgantes de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato, designadamente o não pagamento da quantia assumida na cláusula segunda implica o vencimento da dívida referida na cláusula primeira e poderá o segundo exigir o pagamento imediato do que falta pagar».

Este texto não comporta a interpretação feita pelos Autores no sentido de que caso os Réus não fizessem pagamentos parcelares ao longo dos 5 anos estariam a violar o contrato.

Não comporta tal interpretação porque qualquer pagamento foi submetido à cláusula «de acordo com a sua disponibilidade».

A cláusula 3.ª é claramente compreensível se se considerar que a dívida se venceria na totalidade caso os Réus pudessem ter pago alguma quantia ao longo desses 5 anos e não o tivessem feito.

Suponha-se que os Réus, por exemplo, no final do primeiro ano de vigência do contrato, ganharam num concurso um prémio de 50.000,00 euros e não amortizaram qualquer parcela da dívida; ou receberam uma avultada herança e procederam do mesmo modo.

Neste caso, os Autores, provando estes factos (prémio/herança), mostravam ao tribunal que os Réus tiveram possibilidades de pagar alguma coisa e não pagaram e, sendo assim, existiu incumprimento da cláusula 2.ª e vencimento da totalidade da dívida.

[Não se verificaria aqui a proibição de utilizar prova testemunhal face ao disposto no n.º 2, do artigo 393.º do Código civil («Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.»), porquanto o facto em questão, relativo aos pagamentos parciais, não se encontra plenamente provado pelo documento]

Conclui-se, por conseguinte:

- Que o texto do documento não comporta, na sua literalidade, o sentido de que os Réus tinham de efetuar obrigatoriamente pagamentos parciais ao longo do período de 5 anos fixado no contrato, sob pena de se vencer toda a dívida;

- Que as razões de forma se opõem a que o texto escrito valha com um sentido que não encontra nele expressão ainda que rudimentar.

Por conseguinte, face ao disposto no mencionado artigo 238.º do Código Civil, o tribunal podia ter julgado a ação, declarando qual das duas hipóteses correspondia à realidade contratual, sem ter inquirido as testemunhas indicadas pelos Autores, porquanto, mesmo que dos respetivos depoimentos resultasse uma realidade histórica oposta ao teor do texto contratual, sempre e o teor do texto teria de prevalecer.

b) Acresce que, no caso de se concluir o inverso, ou seja, que o texto comporta, ainda que rudimentarmente, o sentido indicado pelos Autores, sempre teria de se concluir pela inviabilidade de inquirir testemunhas, porquanto não existem factos alegados na petição suscetíveis de serem provados e de se extrair deles que a vontade real das partes foi no sentido dos Réus terem de efetuar obrigatoriamente pagamentos parciais ao longo do período de 5 anos fixado no contrato. Poderiam ser, por exemplo (caso tivessem existido, claro está), factos relativos às conversas que antecederam a redação de tais cláusulas e tivessem sido presenciadas por terceiros, se resultasse das mesmas que o sentido das cláusulas tinha sido aquele que é aqui sustentado pelos Autores.

Suponhamos que o autor tinha alegado na petição que antes da redação do contrato, estando as partes contratantes em certo local, o autor referiu aos réus que durante esses cinco anos, pelo menos uma vez em cada ano teriam de pagar alguma quantia, caso contrário não aceitava a confissão da dívida e instauraria de seguida uma ação em tribunal a pedir a condenação deles, aos que os réus responderam ao autor que confiasse neles, que previam ter melhores disponibilidades financeiras e se comprometiam a amortizar todos os anos alguma parcela da dívida, aceitando que isso mesmo ficasse a constar do contrato que iam assinar.

Neste caso, ou noutro com factualidade mais expressiva, existiriam factos alegados sobre os quais as testemunhas poderiam ser inquiridas.

Não existindo factos alegados nestes termos, ou noutros semelhantes, as testemunhas não podiam ser inquiridas sobre se as partes tinham acordado no sentido dos réus se terem comprometido pelo contrato a fazerem, obrigatoriamente, pagamentos parciais aos longo dos 5 anos, uma vez por ano, sob pena da dívida ser exigível na sua totalidade.

Ou seja, as testemunhas estariam a ser inquiridas sobre factos não alegados, o que não pode ocorrer, pois, nos termos do artigo 516.º, n.º 1, do CPC, «A testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova…», isto é, sobre matéria de facto alegada.

Por conseguinte, a inquirição das testemunhas não poderia ocorrer e se ocorresse seria um ato inútil (cfr. artigo 130.º do CPC) porque os respetivos depoimentos não poderiam ser aproveitados.

Segunda - Sendo viável prescindir da inquirição de testemunhas, como se viu, vejamos se o texto contratual deve ser interpretado no sentido de que a vontade real das partes foi no sentido de os Réus, ao longo desses cinco anos, serem obrigados a pagar algumas quantias, ainda que diminutas, estando interdita qualquer omissão de pagamento, sob pena de se vencer a totalidade da dívida.

A resposta é negativa pelas razões já indicadas.

Tal cláusula, com essa clareza, não consta do contrato.

E também não se extrai do contrato fazendo uso de uma interpretação que procure revelar o que se encontra implícito ou subjacente.

O texto que poderia inculcar que teriam de existir pagamentos parciais só pode ancorar-se na cláusula 3.ª, onde se diz que «Em caso de incumprimento por parte dos primeiros outorgantes de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato, designadamente o não pagamento da quantia assumida na cláusula segunda implica o vencimento da dívida referida na cláusula primeira e poderá o segundo exigir o pagamento imediato do que falta pagar».

Já se referiu atrás que o sentido de tal cláusula é claramente compreensível se se considerar que a dívida se venceria na totalidade caso os Réus pudessem ter pago alguma quantia ao longo desses 5 anos e não o tivessem feito.

Não se pode, pelo exposto, concluir que existiu violação do contrato.

Por conseguinte, o recurso improcede.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelos Autores.


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Coimbra, …