Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO AUTARQUIA LOCAL COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/14/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO: 4.º, N.º 1, AL. E), DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS – LEI N.º 13/2002 DE 19 DE FEVEREIRO ARTIGOS 1.º, 2.º, 7.º, 60.º E 126.º DO DECRETO-LEI N.º 280/2007, DE 7 DE AGOSTO - REGIME JURÍDICO DO PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO PÚBLICO ARTIGOS 4.º, N.º 2, AL. C) DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS – DL N.º 18/2008, DE 29 DE JANEIRO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Quando uma autarquia local arrenda bens do seu domínio privado e estabelece, para o efeito, um procedimento pré-contratual com vista a encontrar o arrendatário, assegurando entre os potenciais interessados uma «concorrência efetiva» através de hasta pública, a competência para decidir sobre questões relativas ao arrendamento pertence aos tribunais administrativos, por força do disposto que na al. e), do n.º 1, do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | *
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, * Juiz relator…………........Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz adjunto………….Fernando de Jesus Fonseca Monteiro 2.º Juiz adjunto……….....Carlos António Paula Moreira * Recorrente …………………..Município ..., Recorrida…………………….Associação Cultural, Desportiva e Recreativa de .... * I. Relatório a) O presente recurso vem interposto da decisão proferida no despacho saneador com o seguinte teor: «VII. Nos termos e fundamentos expostos: - Decide-se conhecer oficiosamente a ocorrência de excepção dilatória, insuprível, de incompetência absoluta em razão da matéria e, em consequência, - Declara-se o presente Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente acção por se entender pertencer tal competência aos Tribunais Administrativos e em consequência, absolve-se a Ré da instância. Sem custas. Registe e notifique.» b) É, pois, desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes: «1) Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença judicial que declarou o juízo local cível do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda incompetente, em razão, da matéria, para preparar e julgar a presente ação por se entender pertencer tal competência aos Tribunais Administrativos. 2) É hoje consensual, quer na doutrina, quer na jurisprudência que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. 3) No caso em apreço uma leitura da causa de pedir/pedido da petição inicial permite constatar, a todas as luzes, que estamos perante uma ação de despejo com pedido de resolução do contrato de arrendamento comercial celebrado segundo o direito civil, com fundamento em falta de pagamento de rendas, não sendo necessário o recurso a quaisquer norma de direito público. 4) A ação em causa traduz uma questão de responsabilidade civil contratual decorrente do incumprimento de um contrato outorgado entre um senhorio e o inquilino quanto ao arrendamento (por falta no cumprimento da prestação renda), – e não se verificam, também, in casu, as notas de administratividade decorrentes do referido artigo 4º, nº1, alíneas e) o) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), quer quanto ao critério substantivo do contrato administrativo, quer quanto ao critério do contrato submetido a regras de contratação pública 5) Com o devido respeito por melhor e mais fundada opinião, o tribunal “ a quo” é competente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente ação e não a jurisdição administrativa e fiscal. 6) A, aliás, douta sentença judicial violou, por deficiente interpretação, o artigo 4º n1 alíneas e) e o) do ETAF; o artigo 117º nº 1, alínea a) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais; os artigos 576, nºs 1 e 2, 577º alínea a); 96º, alínea a); 97 e 99º, nº 1 todos do CPC. Nestes termos e no mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a douta sentença judicial que declarou o tribunal incompetente em razão da matéria sendo substituída por outra decisão jurisdicional que julgue o juízo local cível do Tribunal Judicial da Guarda competente em razão da matéria. COMO É DE JUSTIÇA.» c) Não foram produzidas contra-alegações. II. Objeto do recurso. O recurso coloca a seguinte questão: Saber se o Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda é competente em razão da matéria julgar a ação ou, ao invés, é competente para o efeito o Tribunal Administrativo. III. Fundamentação a) Matéria processual a considerar 1 - O Município ... intentou a presente ação contra a Associação Cultural, Desportiva e Recreativa de ... e deduziu o seguinte pedido: «a) Ser a Ré condenada a reconhecer que o autor é legítimo dono e possuidor do prédio urbano identificada no artigo 1º desta p.i; b) Ser a Ré condenada a reconhecer que assiste ao Autor o direito de resolver o contrato de arrendamento, bem como, a despejar o espaço arrendado identificada no artigo 1º e no prazo que a sentença vier a fixar, deixando-o livre, desocupado de pessoas e bens e no estado de conservação em que o recebeu; c) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor as rendas vencidas até à presente data – data da entrada em juízo desta peça processual - no montante de €uros 18.421,74€ (dezoito mil quatrocentos e vinte um euros e setenta e quatro cêntimos), e ainda as vincendas, acrescidas de juros legais, desde a citação até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido do valor da mora que perfaz o montante de €uros 5.634,92€ (cinco mil seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e dois cêntimos). 2 – Alegou, em síntese, o seguinte: O autor é possuidor do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo nº ...50, do concelho ... e por contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais deu-o de arrendamento à Ré. «Por contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, precedido de escolha do arrendatário por procedimento administrativo de hasta pública, celebrado em 4 de Maio de 2009, entre o autor e a ré, aquele deu de arrendamento a esta, o prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., Município ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo nº ...50, do concelho .... Cfr Docs nºs 3 e 4.» - artigo 3.º da petição. Na sequência de tal hasta pública, o direito ao arrendamento foi formalizado através da celebração de um contrato de arrendamento, contrato elaborado pelos próprios serviços do Município e no qual a Ré figura como arrendatária. O arrendamento foi feito pelo prazo de um ano prorrogável, pela renda mensal de € 275,00, sujeita a atualização anual. A ré deixou de efetuar o pagamento das rendas devidas. b) Apreciação da questão objeto do recurso Vejamos então se o Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda é competente em razão da matéria julgar a ação ou, ao invés, é competente para o efeito o Tribunal Administrativo. 1 - O tribunal recorrido fundamentou a decisão nestes termos: «No caso concreto em apreciação, não há dúvidas que está em causa a apreciação de uma relação jurídica existente entre a Autora, na qualidade de autarquia local (cf. Artigos 235º e 236º, nº 1, da CRP) e a Ré, Associação de natureza privada, sem fins lucrativos, sendo o primeiro um ente público administrativo e a segunda uma entidade de direito privado. Por sua vez, a causa de pedir que o Autor invoca para obter a sua pretensão, ao que se entende, diz respeito a uma relação contratual de natureza administrativa, como se apreciará. Com efeito, no caso concreto, o Autor não se limitou a celebrar com a Ré um simples contrato de arrendamento, mas antes, este contrato de arrendamento foi celebrado após concurso público, consubstanciando apenas a forma legal de arrendamento de um espaço, de alegada propriedade da Ré, sobre o qual se vai estabelecer para futuro uma relação jurídica administrativa. Efectivamente, a própria celebração do contrato de arrendamento do imóvel depende de normas de direito público, tendo sido precedido de escolha do arrendatário por procedimento administrativo de hasta pública, celebrado em 4 de Maio de 2009, entre o autor e a ré, na sequência de concurso lançado pelo Autor naquele ano. Deste modo entende-se - mantendo todo o respeito por entendimento diverso – que ficou estabelecida entre o Autor e a Ré uma relação jurídica de direito administrativo, pois, no domínio das suas competências e dentro das suas atribuições o Autor promoveu o arrendamento à Ré de um espaço de propriedade pública, com o intuito de, por essa via e através do ente privado, concretizar a prossecução de interesse público que lhe é atribuída por lei, tendo essa cedência de espaço (arrendamento) ocorrido, tendo sido precedido de escolha do arrendatário por procedimento administrativo de hasta pública, na sequência de concurso lançado pelo Autor naquele ano. Tendo em conta a causa de pedir correspondente aos pedidos formulados pelo Autor é incontornável a análise da mesma de acordo com as regras e procedimentos emanados pela Autarquia, tratando-se, de acordo com qualquer dos critérios acima apontados, de actos de gestão pública, devendo a sua validade ser apreciada à luz de legislação de natureza administrativa. Com efeito, a celebração de um contrato de arrendamento configura apenas um meio de disposição do direito de propriedade sobre um imóvel, contudo o objecto do litígio reside não só no alegado incumprimento do mesmo por parte da Ré mas igualmente e a montante na própria resolução do contrato celebrado, discutindo-se ainda a propriedade do imóvel, pelo que a análise dos pedidos deduzidos pelo A., face à impugnação da Ré, pressupõe sempre a apreciação de tal contrato, tendo assim que se apreciar a eventual inobservância das normas de direito público vigentes e criadas com o objetivo de cumprir escopos públicos, especificamente normas relativas aos pressupostos legais de validade de tais contratos (nomeadamente a Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro - lei esta que estabelece o REGIME JURÍDICO DAS AUTARQUIAS LOCAIS).» 2 – A competência material do tribunal determina-se face ao pedido e à causa de pedir exarados na petição inicial, acima já mencionados. Vejamos então. (a) O n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19 de fevereiro) dispõe que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais». E no artigo 4.º concretizam-se os casos de competência material, isolando-se agora apenas a sua al. e), por ser aquela que se afigura pertinente para o caso dos autos: «1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (…); e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; …» (b) O Município pede, no confronto com a Associação ré, que se declare «a) Ser a Ré condenada a reconhecer que o autor é legítimo dono e possuidor do prédio urbano identificada no artigo 1º desta p.i.; b) Ser a Ré condenada a reconhecer que assiste ao Autor o direito de resolver o contrato de arrendamento, bem como, a despejar o espaço arrendado identificada no artigo 1º e no prazo que a sentença vier a fixar, deixando-o livre, desocupado de pessoas e bens e no estado de conservação em que o recebeu; c) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor as rendas vencidas até à presente data (…) e ainda as vincendas, acrescidas de juros legais …» O Autor exercita aqui o seu direito de proprietário e de senhorio perante a Ré com vista a obter tutela judicial relativamente a um contrato de arrendamento que celebrou com a Ré. Quanto ao direito de propriedade, verifica-se que o mesmo não resulta de uma relação administrativa, pois não existe qualquer relação administrativa entre as partes na génese da constituição do direito de propriedade. Porém, é invocado como pressuposto lógico da relação de arrendamento e, por conseguinte, não tem autonomia, ou seja, a questão principal é a que respeita ao arrendamento. Quanto ao contrato de arrendamento em si mesmo, verifica-se que é um contrato de arrendamento cujo conteúdo material está previsto no Código Civil (salvo o disposto no artigo 126.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto (Regime Jurídico do Património Imobiliário Público – RJPIP). De salientar que a relação de arrendamento está excluída do âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos (CCP) – DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro –, o qual submete ao regime da contratação pública alguns contratos que, não fora esta previsão legislativa estariam subtraídos a esta jurisdição [Veja-se o caso analisado no Acórdão do S.T.J., uniformizador de jurisprudência, de 26-04-2022, proferido no processo 51012/18.6YIPRT-A.P1.S1-A (relatado pelo Sr. Cons. António Barateiro Martins), nos termos do qual: «Compete à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de contrato de mandato forense celebrado entre um advogado e um contraente público.» Ponderou-se neste aresto que o regime da contratação pública estabelecido na parte II do Código dos Contratos Públicos se aplicava ao contrato de mandato forense celebrado entre um advogado e um contraente público e daí a competência atribuída à jurisdição administrativa] É o que resulta do teor da al. c), do n.º 2, do artigo 4.º do CCP: «(…) 2 - O presente Código não é igualmente aplicável a: (…); c) Contratos de compra e venda, de doação, de permuta e de arrendamento de bens imóveis ou contratos similares;» Esta exclusão respeita ao tipo ou conteúdo material do contrato, deixando incólume a fase pré-contratual. Verifica-se que o contrato de arrendamento aqui em questão foi antecedido de um procedimento administrativo de hasta pública e este procedimento pré-contratual insere o caso na previsão da al. e), do n.º 1, do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: «1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: […]. e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; […]» Continuando. A Lei n.º 73/2013, de 03 de setembro, a qual estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, não contém normas sobre o arrendamento de bens privados das autarquias; outro tanto ocorre com a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, sobre o Regime Jurídico das Autarquias Locais. Porém, o procedimento da hasta pública, adotado no caso dos autos para encontrar o arrendatário, está de acordo com o procedimento de hasta pública previsto no artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto (Regime Jurídico do Património Imobiliário Público – RJPIP), onde se prescreve, relativamente ao «Arrendamento de imóveis do Estado», que «O arrendamento é realizado preferencialmente por hasta pública ou…» É certo que o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, não se refere expressamente ao modo como a gestão dos bens imóveis do domínio privado das autarquias deve ser feita, designadamente em matéria de arrendamento, mas as autarquias terão de respeitar as disposições legais deste diploma sobre a gestão patrimonial imobiliária do Estado, designadamente as estabelecidas nos seus artigos 2.º a 12.º. Com efeito, o n.º 1 do artigo 1.º do RJPIP diz que «O presente decreto-lei estabelece: a) As disposições gerais e comuns sobre a gestão dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais; b) O regime jurídico da gestão dos bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos» (sublinhado nosso). Por sua vez, o artigo 2.º dispõe que «As entidades abrangidas pelo presente decreto-lei devem observar os princípios gerais da atividade administrativa, designadamente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» e o artigo 7.º complementa, determinando que «As entidades abrangidas pelo presente decreto-lei devem, na gestão dos bens imóveis, assegurar aos interessados em contratar ou em os utilizar uma concorrência efetiva.» Por conseguinte, as autarquias quando arrendam bens do seu domínio privado devem fazê-lo nos termos referidos neste artigo 7.º (por força da al. a) do n.º 1, do artigo 1.º), ou seja, assegurando uma «concorrência efetiva», o que foi feito pelo município Autor, através da referida hasta pública prevista no artigo 60.º do RJPIP, acima já referido, para os arrendamentos de imóveis do Estado. Verifica-se, por conseguinte, que o contrato de arredamento objeto destes autos foi precedido de um procedimento pré-contatual de hasta pública regulado por leis de natureza administrativa. É este procedimento pré-contratual que subsume o caso dos autos, como já se disse, na previsão da al. e), do n.º 1, do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («… execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público»). Ora, quando assim é, como sustenta Mário Aroso de Almeida, para efeitos de atribuição de jurisdição, «A previsão da alínea e) do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF possui, contudo, um alcance mais amplo, pois, como foi dito, atribui à jurisdição administrativa a competência para dirimir os litígios emergentes de todos os contratos que a lei submeta a regras de contratação pública, independentemente da questão de saber se a “prestação do co-contraente pode condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público”. O critério não é, aqui, na verdade, o do contrato administrativo, mas o do contrato submetido a regras de contratação pública: desde que um contrato esteja submetido a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo, todas as questões que dele possam vir a emergir devem ser objecto de uma acção a propor perante os tribunais administrativos, e não perante os tribunais judiciais - e isto, independentemente da sua qualificação ou não como contrato administrativo, nos termos do CCP.» - Manual de Processo Administrativo, 3.ª ed., Almedina, 2017, pág. 169. No mesmo sentido Jorge Pação, a respeito da mesma norma do ETAF: «(…) a sujeição a normas de direito público como critério de delimitação da competência material contratual inclui como critério autónomo a submissão a normas pré-contratuais, isto é, bastará que o procedimento pré-contratual seja regulado por normas de direito público para que a competência da jurisdição administrativa deva ser reconhecida, não apenas para a resolução dos litígios sobre a validade dos atos pré-contratuais, mas também quanto aos que incidem sobre a interpretação, validade e execução dos contratos. Importa, tão-somente, a natureza do procedimento pré-contratual, pelo que, quando ela seja pública – por decorrente da submissão “a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo” -, cabe aos tribunais administrativos a apreciação dos litígios, mesmo que relativos a contratos de direito privado da administração. É, pois, esta a interpretação que deve prevalecer da expressão legal “nos termos da legislação sobre contratação pública”, sendo de rejeitar uma visão que a reduza à parte II do Código os Contratos Públicos. Os contratos sobre bens do domínio privado, ainda que não estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do Código os Contratos Públicos (artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do CCP), não deixam de ser celebrados na sequência de procedimentos pré-contratuais regulados por normas de direito administrativo constantes do regime jurídico do património imobiliário público, que visam garantir a prossecução finalidades públicas relevantes, tais como a publicidade e concorrência dessa contratação. Trata-se de uma contratação que não deixa de ser pública, devidamente regulada por normas de direito público, ainda que não abrangida pela principal fonte normativa de regras jurídicas nessa matéria» - Contencioso dos Bens Públicos, in Contencioso Administrativo Especial. AAFDL Editora, 2021, pág. 154. Concluindo, quando uma autarquia local arrenda bens do seu domínio privado e estabelece, para o efeito, um procedimento pré-contratual com vista a encontrar o arrendatário, assegurando entre os potenciais interessados uma «concorrência efetiva» através de hasta pública, a competência para decidir sobre questões relativas ao arrendamento é dos tribunais administrativos, por força do disposto que na al. e), do n.º 1, do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Cumpre, pelo exposto, manter a decisão recorrida. IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. * Coimbra, … |