Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CRISTINA NEVES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL PRINCÍPIO DO BOA-FÉ PROTEÇÃO DA CONFIANÇA INDEMNIZAÇÃO INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 227.º DO CÓDIGO CIVIL, 6.º, N.º 7, E 9.º, N.º 4, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS | ||
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Sumário: | I – Quem negoceia com outrem para conclusão de um negócio deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte (artº 227 do C.C.).
II – Incorre em responsabilidade pré-contratual por culpa in contrahendo quem, encetadas negociações com vista à celebração de um determinado contrato viola culposamente um dever de conduta genérico consistente no olvidar de um estado de confiança criado na contraparte, rompendo as negociações e vendendo o terreno, objecto de negociação, a um terceiro. III – Constituindo o facto danoso a violação da confiança e não a recusa na celebração de contrato, cujas clausulas essenciais foram já acordadas, faltando apenas a sua formalização, a parte lesada só pode ser indemnizada pelo interesse contratual negativo e não também pelo interesse contratual positivo. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | *** Sumário elaborado e da responsabilidade do Relator (artº 663 nº7 do C.P.C.) (…).
*** Proc. Nº 3370/21.3T8STR.C1 - Apelação Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-J. Central Cível de Leiria-J1 Recorrentes: A..., Lda., B... e C..., S.A. Recorrido: D..., S.A. Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Falcão de Magalhães António Domingos Pires Robalo
* ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: RELATÓRIO A..., Lda., B..., e C..., S.A., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra D..., S.A. e AA, pedindo, a título principal, a condenação solidária dos réus a pagarem: a) À primeira autora o montante de € 48.597,30, acrescido de juros vincendos desde a data da apresentação da acção e até integral pagamento; b) À segunda autora o montante de € 498.710,00, acrescido de juros vincendos desde a data da apresentação da acção e até integral pagamento; c) À terceira autora o montante de € 568.126,36, acrescido de juros vincendos desde a data da apresentação da acção e até integral pagamento. A título subsidiário, na eventualidade de se entender que o 2º R. não é parte legítima na acção, ou sendo-o, não é responsável pelos danos causados às autoras, a condenação da primeira ré nos pedidos formulados. Para tanto, alegaram, em síntese, que a 1ª e 2ª AA. são duas sociedades imobiliárias do agrupamento “E...”, detidas pelas sociedades principais do mesmo agrupamento, sendo este promovido e representado em Portugal pela 3ª A. A sociedade R., por sua vez, tem como objecto social a construção civil, reparação e comercialização de edifícios, compra e venda de propriedades e tudo o mais relacionado, sendo o 2º R. o seu presidente do Conselho de Administração, desde Abril de 2019, apesar de nas negociações havidas com as AA., muitas vezes, ter agido a título pessoal. Fundam os pedidos formulados contra estes RR. no facto de o 2º R. ter apresentado um terreno à A. B..., bem como à sociedade F..., tendo estas após visitas ao local, constatado que se tratava de um terreno com a área de 12.363 m2, onde seria possível implantar uma unidade comercial com posto de combustíveis, situado em frente ao G..., sendo a sociedade F... informada pelo R. que o referido terreno estava inserido num loteamento a que correspondiam os lotes 14 a 23 destinado a habitação. Reportada tal informação, a A. B... manteve interesse na sua aquisição, desde que os proprietários alterassem o uso para comércio e serviços, o que foi aceite pelos RR. que, em 27.11.2020, apresentaram na Câmara Municipal ... um pedido de informação genérico sobre a viabilidade da alteração do uso, o qual mereceu parecer favorável da edilidade em 18.12.2020, o que o 2º R. deu a conhecer à B... que, em 27.01.2021, iniciou os trabalhos relacionados com o projecto de implantação. Mais alega que em 23.02.2021, em reunião havida com os proprietários ficou acordado que o preço da venda seria de € 950.000,00 acrescido das taxas de compensação e que, previamente à compra do terreno, teriam estes de obter a unificação dos lotes 14 a 23 num só lote, com a área total de 12.363m2, sob promoção da B..., o que aqueles aceitaram, tendo também ficado cientes de que o interesse do grupo “E...” na realização do negócio tinha como pressuposto essencial a possibilidade de, no terreno em causa, poder a B... edificar e implantar uma unidade comercial de supermercado, com data estimada de abertura ao público em 31.03.2022. Após apresentação de várias minutas do contrato-promessa e de várias diligências encetadas pelas AA., com vista ao desenvolvimento do projecto de implantação do edifício e das necessárias alterações ao loteamento, no dia 06.07.2021, os serviços das AA. A... e B... enviaram à sociedade R. nova minuta, em conformidade com o acordado. Perante a mesma, o 2º R, em 08.07.2021, sugeriu alterações relacionadas com a prestação de sinal e correspondente entrega de garantia bancária, bem como a remoção do direito de denúncia e a alteração do prazo para formalização da escritura para 8 dias a contar da comunicação da sociedade R., desde que verificadas todas as condições acordadas na cláusula terceira. Depois de novas conversações, os RR. aceitaram manter no contrato promessa o direito de denúncia da A..., tendo esta aceite as demais propostas dos RR., com a especificação de que a escritura objeto da promessa seria formalizada em 30 dias após a verificação das referidas condições, pelo que é apresentada nova minuta em 12.07.2021. Após esta data, as AA. continuaram a desenvolver diligências relacionadas com o loteamento e implantação da unidade comercial a ser erigida no terreno em causa, mas em 10.08.2021, quando aguardavam a formalização do contrato promessa com as alterações acordadas, receberam carta do R. informando que sobre o loteamento em causa incidia ónus judicial que inviabilizava a realização da escritura. Mais alegam que procuraram agendar reuniões para perceber o que efectivamente estava em causa, o que não foi aceite pelos RR., vindo ao seu conhecimento que em 30.07.2021, a sociedade R. havia vendido o terreno à sociedade H... SA pertencente ao grupo I..., directa concorrente da autora C... e do grupo “E...”, que assim aproveitou todo o trabalho de alteração do loteamento desenvolvido pelas AA. Alegam, por último, que em face desta actuação dos RR., tiveram os prejuízos que descrevem e cuja indemnização peticionam a final. * Regularmente citados para contestar, vieram os RR., por excepção, invocar a ilegitimidade activa das AA. B... e C... e ilegitimidade passiva do R., assim como a excepção de incompetência territorial do Tribunal e por impugnação, alegar que nunca acordaram no teor final da minuta de contrato promessa. * Realizada a audiência prévia foi proferido o despacho a julgar procedente a excepção de incompetência territorial e remetidos os autos a este Juízo Central Cível. Foi proferido despacho saneador em 06.01.2023, decidindo-se que as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, sendo que a ilegitimidade suscitada se prende com a legitimidade substantiva, a ser apreciada em momento ulterior. Foi consignado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, que não foram objecto de reclamações. * Após, realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, nessa medida proferiu a seguinte decisão: “a) Absolvo o réu AA dos pedidos formulados; b) Condeno a ré D... SA a pagar à autora A... Ldª a quantia de € 28.425,30 (vinte e oito mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, no mais a absolvendo dos pedidos formulados.” *
Posteriormente, veio o tribunal recorrido proferir o seguinte despacho: “Por requerimento apresentado em 15.12.2023 a autora veio requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artº 6º nº 7 do RCP alegando que o mesmo se afigura manifestamente desproporcional atendendo à conduta processual das partes que não merece qualquer censura, não tendo ocorrido qualquer expediente dilatório, articulado ou incidente anómalo ou requerimento avulso com especial complexidade. Na promoção que antecede, o Exmº Sr. Procurador da República é de parecer que tal deve ser só parcialmente deferido, apenas se dispensando as partes do pagamento de metade do remanescente devido. É consabido que a Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro veio introduzir um conjunto de alterações ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), introduzindo o nº 7 ao artº 6º, o qual dispõe que nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Esta disposição legal permite que, quando o valor da causa for superior a € 275.000,00, a parte só pague inicialmente a taxa de justiça correspondente àquele valor de base tributária, correspondente, portanto, a 16 Ucs ou, tratando-se de grandes litigantes 24 Ucs. Deste modo, o remanescente da taxa será apenas considerado na conta final, havendo um único responsável pelas custas e quando o responsável pelo impulso processual não for condenado a final, deve o mesmo, nos termos do artº 14º nº 9 do RCP ser notificado para efectuar o seu pagamento, no prazo de 10 dias, após a notificação da decisão que ponha termo ao processo, podendo, naturalmente exigir o seu reembolso através de custas de parte, nos termos conjugados dos artº 25º e 26º do RCP e 31º da Portaria 419-A/2009. Só assim não será, quando nos termos da citada disposição legal, o juiz dispensar esse pagamento, com fundamento em dois requisitos cumulativos: a relativa complexidade da causa e a conduta processual das partes, importando sublinhar que a faculdade conferida pelo artº 6º nº 7 é sempre excepcional e não a regra. Quando à complexidade da causa determina o artº 530º nº 7 que deverão considerar-se de especial complexidade as acções que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas. Analisados os articulados apresentados pelas partes, verificamos que se prendem com factualidade relevante à apreciação da causa e que as considerações não factuais tecidas se limitam a contextualizar e enquadrar os factos alegados. Quanto ao mais, se é certo que os autos, em termos de decisão da matéria de direito, não se revelaram de especial complexidade, em termos de matéria de facto, implicaram eles a análise a conjugação do depoimento de 12 testemunhas com abundante documentação existente nos autos dotada de pormenores que implicaram análise cuidada. Por outro lado, a audiência de julgamento decorreu em duas sessões, como dissemos com audição de 12 testemunhas e declarações de parte do representante legal da ré, as quais, atento uma vez mais o carácter minucioso da matéria de facto em causa, implicou prestação de depoimentos demorados. No que se refere à conduta processual das partes salvaguardando a elevação e correcção das mesmas e que não pomos sequer em questão, não vislumbramos que tenham, de alguma forma, contribuído para uma solução consensual do litígio. Por último, e quanto ao valor da causa, o mesmo está também dependente de critérios legais que não nos cabe sindicar, visto ser essa uma opção legislativa, como o é o valor das custas processuais, assim como o carácter excepcional da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Em face do exposto, considero não estarem reunidos os pressupostos para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do disposto no artº 6º nº 7º do RCP, pelo que indefiro a mesma.”
*** Não conformadas com estas decisões, impetraram as AA. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: (…).
* Pelos RR. foram interpostas contra-alegações, delas constando as seguintes alegações: (…). *** QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar se: a) a matéria de facto fixada na primeira instância carece de ser alterada; b) se deve ser alterado o montante em que a R. D... foi condenada, incluindo-se ainda uma indemnização pelo interesse contratual positivo; c) se deve ser deferida a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
* Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir. * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto: “1- A autora A... tem como objecto social a compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, bem assim como a administração de imóveis e de todas as actividades relacionadas com o aludido objecto. 2- A autora B... tem por objecto social a compra, venda, revenda, locação e administração de imóveis, gestão de centros comerciais e todas as atividades económicas e comerciais relacionadas com o aludido objecto. 3- A autora C... tem como objecto social, entre o mais, a realização de estudos, pesquisas e acções no domínio da assistência, da informação, da formação e do aconselhamento de pessoas individuais e coletivas que exerçam a sua atividade no sector da distribuição de produtos, designadamente dos membros do agrupamento “E...”, em todos os domínios e mais particularmente, em matéria de organização, de gestão financeira, de comunicação, de marketing, de publicidade e de actividade comercial, gerir, promover e dinamizar as diversas insígnias do grupo E..., através do recrutamento de aderentes, pela procura de lugares de implantação e pela assistência à criação de postos de vendas independentes explorados sob as suas insígnias. 4- O agrupamento “E...”, é representado em Portugal pela C..., a qual é titular: a) da marca internacional “J...”, registada sob o nº. ...64, para o tipo de sinal “MISTO”, concedida em 22/06/1993. b) da marca nacional “E...”, registada sob o nº. ...67, para o tipo de sinal “MISTO”, concedida em 07/09/2009. 5- A marca internacional J..., é atribuída a um vasto conjunto de produtos e serviços concretizando-se também na identificação individual dos estabelecimentos comerciais e do grupo da distribuição onde os mesmos se inserem, surgindo em cada ponto de venda / unidade comercial, como insígnia, sinal distintivo inerente e decorrente dessa mesma marca. 6- A utilização da marca J... pelas sociedades de exploração franqueadas, fundamenta-se em contratos de insígnia/franquia que visam regular as relações comerciais, direitos e deveres a àquela inerentes, entre a C... e aquelas sociedades. 7- Para que seja possível à C... a formalização do mencionado contrato de insígnia, assinado aquando da abertura ao público da unidade comercial a que o mesmo respeita, é necessário que previamente tenha sido promovido e desenvolvido o respectivo projecto de implantação dessa unidade comercial, o qual passa por diversas fases como a prospecção do terreno, a sua negociação, o levantamento topográfico do terreno, a formalização do contrato-promessa de compra e venda, a promoção e tramitação de todo o processo de licenciamento à construção da unidade comercial na Câmara Municipal e nas demais entidades administrativas competentes, incluindo o projeto de arquitectura e especialidades, a obtenção da licença de construção, a escritura de compra e venda do terreno e a obtenção do alvará de licença de utilização. 8- Após obtenção do alvará de licença de utilização é então constituída a sociedade de exploração, é assinado o contrato de insígnia e é promovido o necessário à abertura da unidade comercial. 9- Na promoção de um projeto de implantação de uma unidade comercial a explorar sob qualquer das insígnias do grupo “E...”, todo o trabalho de prospeção do terreno, licenciamento e construção do edifício comercial, obtenção do alvará de utilização para a área comercial, é da responsabilidade da autora B.... 10- À autora A... cabe a formalização da compra do terreno, bem assim a responsabilização pelos custos inerentes, e pagamento dos licenciamentos, com o intuito de o revender à autora B... para os efeitos referidos em 9, e que após a obtenção do alvará de licença de utilização da unidade comercial, o arrenda à sociedade de exploração à qual o projecto venha a ser afetado pela autora C... e a qual será franqueada da referida insígnia. 11- A sociedade F..., S.A., é uma sociedade igualmente integrada no agrupamento “E...”, desenvolve a sua actividade de prestação de serviços para as autoras A... e B..., designadamente, na prospecção de imóveis para a instalação de uma unidade comercial, no âmbito do licenciamento à localização, instalação e utilização de unidade comerciais do mesmo grupo, estudos preliminares, coordenação de projetos de construção, coordenação de operações de construção de imóveis e promoção dos respetivos licenciamentos. 12- A ré tem como objecto social a construção civil e obras públicas, a reparação e comercialização de edifícios, a compra e venda de propriedades e tudo o mais relacionado com tal actividade, sendo o réu o Presidente do Conselho de Administração desde Abril de 2019. 13- O réu, na qualidade referida em 12, desenvolveu todas as negociações com as autoras A... e B..., com vista à aquisição de um terreno no ... e prévia formalização do respectivo contrato promessa de compra e venda. 14- Desde há largos anos que o grupo “E...” quer abrir ao público, na localidade do ..., uma unidade comercial alimentar, sob a insígnia J..., onde já tem aberta ao público uma unidade comercial explorada sob a insígnia G.... 15- Em Outubro de 2020, o réu apresentou aos serviços da F... um terreno situado na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho .... 16- Realizadas algumas visitas ao local pelos serviços da F..., verificou-se que o terreno, com a área total de 12.363,m2, era adequado à edificação e implantação de uma unidade comercial sob a insígnia J..., com posto de abastecimento de combustíveis, tanto mais que se localizava em frente de uma outra unidade comercial explorada sob a insígnia G.... 17- Todas as conversas iniciais com vista à aquisição do terreno decorreram entre os serviços da F..., no interesse das autoras A... e B..., e o réu, na qualidade de administrador da ré. 18- Posteriormente, o réu informou que o terreno se inseria num loteamento, com o alvará ...06, de 13.12.2006, emitido pela Câmara Municipal ..., o qual integrava os lotes com os números 14 a 23, destinados a habitação. 19- As autoras A... e B... mantiveram interesse na compra do terreno desde que fosse possível a alteração do uso dos indicados lotes de habitação, para comércio e serviços, do que deram conhecimento aos réus, bem como da pretensão de abrir a unidade comercial até ao final do ano de 2021. 20- Em 27.11.2020, a ré apresentou na Câmara Municipal ... um pedido de informação de carácter genérico sobre a viabilidade de alteração do uso dos indicados lotes, de habitação para comércio e serviços. 21- Em 18.12.2020 a Divisão de Gestão Urbanística e Obras da Câmara Municipal ... informou a ré existir parecer favorável à proposta apresentada neste pedido de informação de carácter genérico, sem prejuízo de apreciação mais detalhada em futura análise do procedimento de alteração ao alvará de loteamento, ficando sujeito aos seguintes condicionamentos: - A eliminação das áreas verdes e do parque infantil existente e já executadas, que seriam integradas no lote a constituir, estará sujeita a uma compensação (monetária ou em moldes a definir) por este equipamento e área envolvente. - O acesso de veículos à área comercial deverá ser feito a partir da Rua .... 22- Na mesma data, o réu deu conhecimento à prospectora da F..., responsável pelo projecto, da informação referida em 21. 23- Em 27.01.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, dá conhecimento da mesma informação ao gabinete de arquitectura, requerendo que iniciasse os trabalhos do projecto de implantação, para o terreno em questão. 24- Em 23.02.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, enviou email à sua superior hierárquica, entre o mais do seguinte teor: “ ficou hoje fechada a negociação do terreno do ..., em reunião na presença dos proprietários, do BB, do Sr. CC e minha. O valor final é de 950.000,00€, sendo que as taxas de compensação ficarão a nosso encargo”. 25- Por email datado de 03.03.2021, a mesma prospectora enviou à ré email, no qual, em nome da autora A..., formaliza a proposta da compra do terreno, entre o mais nos seguintes termos: (…) pelo montante de € 950.000,00 o qual será pago da seguinte forma: - 10% do valor total do terreno, a título de sinal e de princípio de pagamento, contra a apresentação de GB on first demand, na datada assinatura deste contrato-promessa; - O remanescente do preço de compra será pago na data da outorga da escritura pública; A presente proposta fica condicionada à validação final por parte do Conselho de Administração Internacional. 26- Em 27.04.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, remeteu à ré uma minuta de contrato promessa para análise. 27- No dia 28.04.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, requereu ao gabinete de arquitectura que avançasse com o processo de alteração do loteamento do terreno do ..., lotes 14 a 23, juntando para o efeito certidão de matrícula da autora A..., alvará de loteamento ...06 e respectivas plantas. 28- Em 17.05.2021, o referido gabinete de arquitectura, apresentou o requerimento, em nome da ré e assinado pelo réu, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ... solicitando o licenciamento relativo à alteração do loteamento do alvará de loteamento ...06, correspondente à junção dos lotes 14 a 23 e alteração do uso para comércio e serviços. 29- Após, os serviços da F... iniciaram as diligências necessárias com os seus serviços técnicos para a elaboração da implantação da unidade comercial no terreno em causa. 30- No dia 01.06.2021, o Chefe da Divisão de Gestão Urbanística e Obras da Câmara Municipal ..., enviou email a funcionário da F..., que prestava apoio à prospectora responsável pelo projecto, transmitindo informações sobre a proposta de implantação informal rectificada. 31- Em 16.06.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, apresentou requerimento à Câmara Municipal ..., em nome da ré e assinado pelo réu, requerendo o pedido de licenciamento relativo à alteração do Loteamento, do Alvará de Loteamento nº....06. 32- Na mesma data, o funcionário da F... que prestava apoio à prospectora, responsável pelo projecto, deu conhecimento ao Presidente da Câmara Municipal ... do envio do projecto de alterações do loteamento. 33- Em 05.07.2021, o funcionário da F..., que prestava apoio à prospectora responsável pelo projecto, remeteu email a todos os técnicos e prestadores de serviços envolvidos no projecto de implantação da unidade comercial do ..., do seguinte teor: Estimados, boa tarde! Venho por este meio e de acordo com o combinado, solicitar que concluam os projetos de especialidades do loteamento e a comunicação prévia da Loja e PAC. Solicito ao K... que partilhe os elementos com a L.... Acabei de falar com o Presidente tendo-me informado que foi hoje aprovado alteração do loteamento e que daqui a 15 dias deveremos dar entrada dos restantes projetos de especialidades. Solicito a todos o vosso melhor empenho e colaboração, visto ser uma loja para abrir até ao fim do ano. 34- No dia 06.07.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, enviou a vários técnicos email, solicitando a documentação necessária para entrada de comunicação prévia da edificação da unidade comercial a ser instalada no ..., sendo dono de obra a autora A.... 35- Ainda nesse dia 06.07.2021, a prospectora da F... responsável pelo projecto enviou à ré uma minuta do contrato promessa, prevendo a sua outorga entre a autora A... e a ré, tendo por objecto o lote que resultar da junção dos lotes 14 a 23, pelo preço de € 950.000,00, a ser pago mediante entrega de sinal no valor de € 95.000,00 na data da assinatura do contrato promessa e € 855.000,00, mediante cheque bancário na data da outorga da escritura pública. 36- Na minuta referida em 35 mais vinha estabelecido que o montante previsto a título de sinal e princípio de pagamento seria pago mediante entrega à autora A... de uma garantia bancária à primeira solicitação em benefício da mesma para efeitos de garantia do pontual e rigoroso cumprimento pela ré da sua obrigação de devolução da mesma quantia, caso o contrato fosse por aquela denunciado. 37- Na minuta referida em 35 mais vinha estabelecido que a obrigação de a autora A... adquirir o lote ficaria condicionada à verificação, previamente à data da outorga da escritura de compra e venda, mas em prazo não superior a 24 meses, a contar da data da assinatura do contrato promessa, entre o mais da condição de: a) A Câmara Municipal ... aprovar a alteração do Loteamento nos termos da implantação pretendida e com a adequação do uso e utilização do Lote para “comércio e serviços”; b) Se mostrar autonomizado o Lote, com a área total de 12.363m2; c) Ser concedida a autorização conjunta da Câmara Municipal ... e da CCDR para a instalação da Área Comercial, se se mostrasse exigível; d) A Câmara Municipal ... conceder viabilidade para a área comercial e nos termos da implantação junta em anexo; e) O lote se mostrar registado em nome da vendedora, na Conservatória do Registo Predial e repartição de Finanças competentes e mostrarem-se coincidentes as suas áreas, confrontações, descrições nas matrizes cadastrais e prediais; f) O lote se encontrar devoluto de pessoas e bens, e livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades; g) Até à data da admissão da comunicação prévia pela Câmara Municipal ..., ou da emissão da licença de construção, não se mostrarem exigíveis custos adicionais e ora não previstos, sejam relativos ao solo ou suas condicionantes, sejam decorrentes de obras de urbanização relacionadas com a edificação e implantação da área comercial no lote e por imposição de qualquer entidade administrativa; h) Ser emitida pela Câmara Municipal ... a licença de construção relativamente à área comercial ou de ter sido aceite pela mesma Edilidade a respetiva Comunicação Prévia, e consoante o procedimento a seguir. 38- Nos termos da referida minuta, o não preenchimento de quaisquer das condições previstas em 37, conferia o direito à autora A... o direito de denunciar com efeitos imediatos o contrato promessa e até ao termo do prazo inicial de 24 meses. 39- Mais se estabelecia na referida minuta o prazo de 25 meses desde a data da assinatura do contrato promessa para a outorga da escritura pública ou nos 30 dias imediatamente seguintes ao termo da última prorrogação a que aludia o ponto 2 da cláusula terceira. 40- Em 08.07.2021, o réu enviou à a prospectora da F..., responsável pelo projecto, a seguinte comunicação: “Boa tarde DD, Após análise por parte do nosso advogado em anexo envio o contrato com as alterações”, 41- As alterações propostas pela ré eliminavam a prestação de sinal, o direito de denúncia previsto na cláusula terceira e consignavam o prazo de 8 dias para a realização da escritura pública e desde que verificadas as condições previstas na cláusula terceira. 42- Em 12.07.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto enviaram à ré nova minuta, da qual eliminaram a cláusula referente ao sinal, mantiveram o direito de denúncia da autora A..., estabelecendo o prazo de um mês para a outorga da escritura pública, após o preenchimento de todas as condições previstas na cláusula terceira, salvo se o contrato tivesse sido, entretanto, denunciado. 43- Em 14.07.2021, os técnicos contratados pela F... reuniram-se no terreno para analisarem e discutirem os projectos que estavam a desenvolver e com vista à edificação da área comercial. 44- Em 16.07.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, em nome da autora B..., requereu uma reunião com carácter de urgência ao Presidente da Câmara Municipal ..., para analisar todas as especialidades do loteamento, vindo as mesmas a ter lugar em 22.07.2021 e 28.07.2021. 45- Em 03.08.2021, o funcionário da F... que prestava apoio à prospectora da F... responsável pelo projecto, requereram aos seus serviços contratados de arquitectura alterações ao projeto, como sugerido pelo Município. 46- No dia 04.08.2021, o gabinete de arquitectura remeteu para os responsáveis do projecto os respectivos trabalhos, com as alterações incluídas, informando aguardarem pela correspondente alteração ao loteamento. 47- Em 05.08.2021, a prospectora da F..., responsável pelo projecto, remeteu novos elementos requeridos pelo gabinete de engenharia. 48- Em 07.08.2021 e em 10.08.2021, os técnicos da área de engenharia contratados para o desenvolvimento das especialidades enviaram os requerimentos e declarações necessárias a serem apresentadas a várias entidades para o licenciamento do posto de abastecimento de combustíveis. 49- No dia 10.08.2021, o réu enviou email à prospectora da F..., responsável pelo projecto, entre o mais, do seguinte teor: Em virtude da reunião com o Dr. EE administrador da ... e com o Eng FF, no decorrer da mesma foi por mim dito que a M... nos contactou no sentido de que após terem conhecimento público da alteração ao loteamento que iriam intentar contra nós uma acção judicial. Após várias reuniões entre o nosso advogado e a advogada da M... não foi possível chegar a um consenso. Como tal venho por este meio informar de que já não dispomos de condições para realizar o negócio convosco visto que o loteamento já se encontra com um ónus judicial. Como imagina isso inviabiliza a escritura. (…) 50- Em meados de Julho de 2021, em reunião havida com o representante da F..., o réu comunicou urgência na realização da escritura pública porque o grupo I... havia manifestado oposição à alteração do loteamento e intenção de instaurar providência cautelar. 51- Na ocasião referida em 50, o representante da F... manifestou a posição de que não comprariam um terreno com “ónus”. 52- A ré recebeu uma carta registada, datada de 14 de Julho de 2021, enviada pela M..., S.A. pela qual a referida entidade comunicava à ré oposição ao projeto de alteração do loteamento. 53- Na sequência do email referido em 49, a prospectora da F... responsável pelo projecto sugeriu uma reunião a fim de perceber de que ónus se estava a tratar. 54- Na descrição predial de cada um dos lotes não se encontra registado qualquer ónus. 55- Por escritura pública outorgada no dia 30.07.2021, a ré, representada pelo réu, declarou vender à sociedade N... SA, Sociedade pertencente ao grupo da distribuição alimentar I..., pelo preço de 1 milhão e cinquenta mil euros, os lotes 14 a 23, sob condição resolutiva: - De não existir qualquer procedimento urbanístico em curso que tenha por objecto os prédios objecto da presente escritura que seja constitutivo de direito para qualquer terceiro, para além da sociedade vendedora; - Da conclusão do procedimento de alteração do alvará de loteamento em curso, seja por que motivo for, nos exatos termos da deliberação a lavrada na ata nº. 15/2021 da reunião da Câmara Municipal ... de cinco de julho de dois mil e vinte e um (…); -Da assunção pela ora vendedora até final de todas as diligências e execução de todos os atos que se mostrem necessários praticar junto da Câmara Municipal ... ou perante outras entidades, com vista à conclusão do procedimento de alteração do alvará de loteamento em curso até final. 56- O réu efectuou muitos telefonemas para acelerar a elaboração dos desenhos e chegou a deslocar-se pessoalmente ao gabinete dos técnicos, em ..., para recolher documentação. 57- A autora A... pela realização de serviços relacionados com a alteração do loteamento pagou ao gabinete de Arquitectura que realizou tais serviços, o montante de € 15.498,00. 58- A autora A... pela realização de serviços relacionados com o processo de licenciamento e especialidades do posto de combustíveis, a ser instalado na unidade comercial do J... do ..., despendeu, pelo menos, a quantia de € 5.547,30. 59- A autora A... pela realização de serviços relacionados com os projectos de licenciamento das especialidades do SCIE, electricidade e ITED, bem como projectos de alterações do loteamento das especialidades e serviço público ITUR, rede de gás referente à unidade comercial do J... do ... despendeu a quantia de € 7.380,00 60- A autora B..., em contrapartida do arrendamento referido em 10, cobra às sociedades arrendatárias uma remuneração anual correspondente a 6% do investimento realizado com a implantação da respectiva unidade comercial. 61- Em consequência do facto referido em 17, a autora B... pelos serviços prestados no âmbito do desenvolvimento do projeto da unidade comercial do J... do ... tem obrigação de pagar à sociedade F... €33,00 por metro quadrado da área de venda projetada para a unidade comercial, e. pelos serviços prestados no âmbito da criação do mesmo projeto: €20,00 por metro quadro da área de construção do edifício. 62- Em consequência do facto referido em 6, as sociedades de exploração franqueadas obrigam-se a pagar à autora C..., desde a data de abertura da respectiva unidade comercial, uma retribuição mensal (royaltie) igual a 0,50% do volume de negócios total incluindo impostos realizado pela mesma sociedade de exploração durante o mês imediatamente anterior, com exceção do volume de vendas de combustível, que dará lugar ao pagamento de uma retribuição mensal de 0,10%. 63- Por carta datada de 24.08.2021, as autoras A... e B... interpelaram a ré para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento de € 62.900,00 referente às despesas tidas com estudo de potencial, estudo prévio de implantação – lay out, pedido e informação no âmbito da Lei 60/2007, levantamento topográfico, projecto de licenciamento à execução, elaboração e envio do CPCV e apresentação dos projectos de alteração do alvará de loteamento já deferido, e a quantia de € 465.000,00 por terem deixado de auferir a rentabilidade do investimento calculado na média dos 3 anos seguintes. * Para além de factos irrelevantes, manifestamente conclusivos, contrários aos dados como provados, prejudicados por outros, ou que contenham matéria de direito não se provou que: a) No âmbito das negociações referidas em 13, e durante um período de tempo significativo das negociações, o réu conduziu as mesmas a título pessoal, como se fosse o efectivo proprietário do prédio e não na qualidade de administrador da ré. b) Na data referida em 25, era pretensão das autoras abrir a unidade comercial do ... até 31.03.2022, facto que era do conhecimento dos réus. c) Após a ocasião referida em 25, a autora A... requereu aos réus que lhe facultassem os elementos necessários à elaboração do contrato-promessa de compra e venda, os quais foram entregues pelo réu aos serviços da F... em mão. d) A minuta referida em 35 foi elaborada em conformidade com o que foi negociado e acordado entre as autoras e os réus; e) Posteriormente à ocasião referida em 40, os réus aceitaram manter no contrato promessa o direito de denúncia da autora A... mencionado na minuta referida em 42; f) Os réus não aceitaram a reunião referida em 53; g) Em setembro de 2020, a ré encetou negociações e em dezembro de 2020 prometeu comprar à O..., Unipessoal, Lda, os 10 lotes de terreno referidos no parágrafo 47.º da petição inicial; h) A escritura pública respectiva foi outorgada no Cartório Notarial ... de GG em 17 de Maio de 2021. i) Logo que acordou com a O..., Unipessoal, Lda as condições do negócio, a 1.ª ré começou a diligenciar junto da Câmara Municipal ... pela rentabilização do investimento. j) Por se tratar de um meio pequeno, onde toda a gente se conhece, logo se tornou um facto conhecido de quase toda a gente de que a ré havia negociado aqueles lotes de terreno com o O...; l) Na 1ª quinzena de Dezembro de 2020, o réu foi abordado por um funcionário da ré, que lhe manifestou o interesse da mesma na aquisição dos lotes de terreno em questão; m) Antes da ocasião referida em 40, sempre tinha havido discordância entre as partes relacionadas com o sinal e com o prazo para outorga da escritura; n) Logo no início da negociação, a autora A... prontificou-se a tratar dos projectos, que ficariam a seu cargo se o negócio se concretizasse e que, de outra forma, seriam pagos pela 1.ª ré; o) A 1ª ré dispunha de um orçamento para a realização de todos os projectos que orçava em € 22.750,00, acrescidos IVA à taxa legal em vigor, que exibiu à autora A...; p) A autora A... recusou porque dispunha de toda uma entourage preparada para elaborar e aprovar os projetos necessários em tempo recorde e que, por se tratar de um custo irrisório, atentos os montantes envolvidos no negócio, se propunha assumir tais custos; q) A ré deixou sempre bem claro que a escritura pública teria de ser outorgada até 30 de Junho de 2021, prazo que era mais do que suficiente para obter todas as aprovações necessárias por parte da Câmara Municipal ...; r) A ré também deixou sempre bem claro que não aceitava um sinal pouco mais do que simbólico, ainda por cima a receber contra a entrega de uma garantia bancária à primeira solicitação; s) A ré rejeitou a minuta do contrato promessa enviada em 27 de Abril de 2021, porque na mesma vinha previsto um prazo de 25 meses para a realização da escritura e o acordado era até Junho; t) Nas ocasiões referidas em 56, o réu chegou a exigir a elaboração de algumas peças e aguardar enquanto as mesmas eram terminadas e de seguida ia à Câmara Municipal ... entregar tais documentos em mão; u) Na data referida em 35, a ré tinha outros interessados na compra do terreno, facto de que havia dado conhecimento à autora A...; v) O facto referido em 56 ocorreu depois de o réu ter tomado conhecimento de que os projectos de especialidades não tinham sido ainda apresentados na Câmara Municipal ...; x) Os representantes da F..., a prospectora da F... responsável pelo projecto e o marido sabiam, desde data anterior a 20 de Julho que o negócio se frustrara; z) Na reunião referida em 50, o réu referiu que já tinha propostas da M..., por preço superior e que, de uma forma ou de outra, teria que vender os terrenos até ao final daquele mês; aa) Para além das quantias referidas de 57 a 59, a autora F... despendeu, por serviços relacionados com o projecto da unidade comercial do J... do ..., € 984,00 com o levantamento topográfico, € 2829,00 com o estudo de implantação, € 307,00 com a avaliação imobiliária, € 1722,00 de honorários, € 10.332,00 com a alteração do loteamento e € 3.997,50 com a arquitectura. bb) O investimento da autora B... na implantação da unidade comercial do J... do ... corresponderia a €1.063.413,42, respeitante ao preço da compra dos lotes, acrescido das despesas conexas, nomeadamente, IMT, juros, emolumentos notariais e registrais, honorários e despesas de portagem, €1.509.616,03, respeitantes ao valor da construção do edifício comercial, e c. €3.967,78, respeitante ao seguro de obra. cc) No prazo de 3 anos, a autora B... não conseguirá realizar o investimento referido em bb); dd) A projecção do volume de negócios, calculado para uma média anual dos primeiros três anos de actividade da sociedade de exploração da unidade comercial J... do ..., é de € 7.654.000,00 (sem combustíveis) e a facturação média de venda de combustíveis é de € 3.979.744,00. ee) O abastecimento da unidade comercial do ... na base do grupo corresponderia a 85% das suas compras.
* DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Insurgem-se as recorrentes contra a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, impetrando a alteração das alíneas de facto consideradas como não provadas sob as alíneas aa) a dd), as quais, no entendimento das apelantes deveriam ter sido julgados assentes, por provadas, e não o foram. Indica para o efeito os depoimentos das testemunhas HH, II, EE, JJ e os docs. juntos com a p.i. nºs 20, 22, 52 a 61. Requer que seja: -a alínea aa) julgada provada com a seguinte redacção: “Para além das quantias referidas de 57 a 59, a autora A... despendeu, por serviços relacionados com o projecto da unidade comercial do J... do ..., €984,00 com o levantamento topográfico, €2.829,00 com o estudo de implantação, €307,50 com a avaliação imobiliária, €1.722,00 de honorários, €10.332,00 com a alteração do loteamento e €3.997,50 com a arquitectura”; -a alínea bb) julgada provada com a seguinte redacção: “O investimento da autora B... na implantação da unidade comercial do J... do ... corresponderia a €2.000.000,00, respeitante ao preço da compra dos lotes, acrescido das despesas conexas, nomeadamente, IMT, juros, emolumentos notariais e registrais, honorários e despesas de portagem, valor da construção do edifício comercial e ao seguro de obra.”; -a alínea cc) julgada provada com a seguinte redacção: “No prazo de dois anos e meio a 3 anos, a autora B... não conseguirá realizar o investimento referido em 55;” - alínea dd) julgada provada com a seguinte redacção: “A projecção do volume de negócios, calculado para uma média anual dos primeiros três anos de actividade da sociedade de exploração da unidade comercial J... do ..., é de €6.800.000,00 (sem combustíveis) e a facturação média de venda de combustíveis é de €4.000.000,00.” Requer ainda que seja aditada à matéria de facto, um facto alegado no artº 139 da p.i. e provado pelo depoimento da testemunha HH e pelo doc. 22, com a seguinte redacção: “a área de construção projetada para o edifício comercial J... do ... era de 3.300m2, e a área a venda projetada era de 1.990m2”.
Cumpre-nos apreciar esta impugnação, começando por decidir
d) Se se verificam os requisitos para a alteração da matéria de facto e se esta deve ser alterada no sentido propugnado pelas recorrentes;
Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados (…) tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [3] Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC. A saber: - A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados; - A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa; - E a decisão alternativa que é pretendida.”[4] Por outro lado, não basta fazer uma impugnação genérica da matéria de facto, com remissão para meios de prova igualmente genéricos e sem os delimitar em relação a cada facto. As exigências contidas neste preceito impõem que “esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.[5] Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, garantindo-se um efectivo duplo grau de jurisdição de forma a que este tribunal em sede de recurso, forme a sua própria convicção, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil e com os princípios da oralidade e da mediação de que beneficiou o tribunal de primeira instância. Como salienta Ana Luísa Geraldes[6] “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”, de que este tribunal já não beneficia. Cumprindo as apelantes todos os ónus principais e secundários exigidos para a impugnação da matéria de facto, para a sua apreciação este tribunal procedeu à audição integral da prova gravada e à análise dos elementos documentais constantes dos autos, bem como dos articulados e requerimentos das partes. Volvendo à alínea aa) que as AA. pretendem seja considerado provado, o tribunal de primeira instância fundamentou da seguinte forma a sua convicção: “não se deram por provadas as despesas elencadas na alínea aa) da factualidade não provada, já que, não obstante os documentos 52, 53, 58 e 59 corresponderem a facturas emitidas pela Sociedade K... Ldª, certo é que na demais documentação junta, não se descortina qualquer comprovativo de pagamento destas quantias efectuado por qualquer das autoras. Quanto às demais despesas constantes daquela alínea (€ 307,00 e € 1.722,00) não se descortina qualquer documento alusivo às mesmas. É certo que a testemunha HH referiu terem sido pagas todas as facturas apresentadas. Porém, tal depoimento, na ausência de qualquer outra prova que o alicerce, facilmente obtida e junta pelas autoras, não é para nós suficiente para considerar que foram pagas e por quem.” A este respeito, as AA. pretendem que o depoimento das testemunhas HH e II, sócio da sociedade K... Lda. e os referidos docs. comprovam a realização e pagamento destas despesas. Com razão, refira-se desde já. A testemunha II confirmou o pagamento das facturas emitidas. A prova do pagamento pode ser feita por testemunhas, não existindo qualquer exigência legal de outro meio de prova (prova vinculada). Acresce que a testemunha HH, explicou o momento temporal em que foram facturadas estas despesas, referindo que, quando souberam que o terreno tinha sido vendido, pediu “a todos os prestadores de serviços que facturassem”, explicando os serviços prestados. Acresce que em relação ao valor de: €984,00 (doc. 52), mostra-se junto aos autos o comprovativo de pagamento (doc. 61); de €2.829,00 (doc. 523) mostra-se junto aos autos o comprovativo de pagamento (doc. 62); de €10.332,00 (doc. 58) e de €3.997,50 (doc. 59), mostra-se junto aos autos o comprovativo de pagamento (dosc. 67); de €307,50 (€250,00 + IVA) (doc. 54), mostra-se junto aos autos o comprovativo de pagamento (doc. 63); €5.166,00 –apenas relevando o valor de €1.400,00 + IVA = €1.722,00, mostra-se junto aos autos comprovativo de pagamento (doc. 65). Nestes termos, não contrariado, por qualquer forma, estes documentos, nem os aludidos depoimentos que os confirmaram, nem a sua força probatória, dá-se provimento a esta impugnação, devendo estes factos constantes da alínea aa) serem dados como provados, conforme requerido. No que se reporta à alínea bb) invocam as apelantes os depoimentos de HH e de EE para prova de que a A. B... planeava um investimento de cerca de “€2.000.000,00, respeitante ao preço da compra dos lotes, acrescido das despesas conexas, nomeadamente, IMT, juros, emolumentos notariais e registrais, honorários e despesas de portagem, valor da construção do edifício comercial e ao seguro de obra.”, Este investimento e este montante não resultam dos docs. nºs 20 e 22 juntos aos autos, nem, com algum nível de segurança e certeza, do depoimento das testemunhas acima mencionadas, que se revelou vago e genérico, referindo a testemunha EE que desconhecia valores, adiantando após insistência do Ilustre Mandatário das AA., valores na ordem dos 2 ou 3,5 milhões de euros, sem qualquer certeza ou especificação concreta. Assim, conforme refere o tribunal recorrido “não existe qualquer prova documental alusiva à mesma, sendo certo que os depoimentos que sobre a mesma incidiram, HH, JJ e EE, não foram a este propósito concludentes.” Mantêm-se assim, como não provados os factos constantes da alínea bb) e, nesta medida também os factos dados como não provados na alínea cc). No que se reporta à alínea dd), alegam as apelantes que o depoimento da testemunha JJ impunha decisão diversa. Vejamos: a aludida testemunha, questionada pelo Ilustre Mandatário das AA. sobre o volume de negócios projectado para este novo J..., referiu que o estudo de mercado, realizado pela F..., apontava para cerca de 6,8 milhões de euros, mais 4 milhões de euros para os combustíveis, caso viesse a ter combustíveis. No entanto, este estudo de mercado não se mostra junto aos autos, de forma a poder ser analisado e sobre ele poder ser exercido o contraditório. Mais uma vez, pretende-se fazer prova de factos alegadamente relevantes, com recurso a depoimentos vagos e genéricos sem qualquer elemento concreto que suporte o alegado volume de negócios, o valor do investimento a realizar, etc. E é pouco credível que se planeasse a aquisição de um tereno para construção de um J..., sem se ter já um estudo do impacto do investimento, dos custos, do volume de negócios esperado, enfim um estado de mercado que justificasse este investimento e que pudesse ser objecto de contraditório pela parte contrária e de cabal apreciação pelo Tribunal. Indefere-se, assim, a impugnação quanto aos factos constantes da alínea dd). Requerem, ainda, que seja aditado à matéria de facto, um facto alegado no artº 139 da p.i. e provado pelo depoimento da testemunha HH e pelo doc. 22, com a seguinte redacção: “a área de construção projetada para o edifício comercial J... do ... era de 3.300m2, e a área a venda projetada era de 1.990m2”. Não indicam as apelantes de que ponto do doc. 22 se retira a área projectada para o edifício comercial ou a área de venda, sendo certo que o depoimento da testemunha HH, a este respeito foi igualmente vago e genérico. Ora, cabe ao apelante indicar concretamente os meios de prova que justificam o pretendido e justificar a sua pertinência, impugnado que foi este facto, e não remeter genericamente para plantas e projectos. Nesta medida, improcede também o aditamento ora pretendido. Dá-se, assim, parcial provimento à impugnação, considerando como provados os factos constantes da alínea aa), e aditando um nº 64 à matéria de facto, com a seguinte redacção: “Para além das quantias referidas de 57 a 59, a autora A... despendeu, por serviços relacionados com o projecto da unidade comercial do J... do ..., €984,00 com o levantamento topográfico, €2.829,00 com o estudo de implantação, €307,50 com a avaliação imobiliária, €1.722,00 de honorários, €10.332,00 com a alteração do loteamento e €3.997,50 com a arquitectura” *** FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Vêm as ora recorrentes requerer a alteração da sentença proferida em primeira instância, devendo ser considerado que em consequência do comportamento da sociedade Apelada, a primeira Apelante teve um prejuízo de €48.597,00(…); a sociedade segunda Apelante, B..., teve um prejuízo de €132.000,00 (…) e que, também em decorrência do comportamento da sociedade Apelada, a segunda e a terceira Apelantes, e com manifesta probabilidade, perderam a oportunidade de realizar, nos próximos 28 meses e contados de janeiro de 2022 (…) a segunda Apelante. o montante de €280.000,00 decorrente das rendas / remunerações mensais que deixou de receber; e - a terceira Apelante, o valor total de €88.618,67, respeitante aos royalties que deixou de realizar, (…) O que configura, em relação às segunda e terceira Apelantes uma clara situação de perda de chance, suscetível de ser ressarcida.” No que se reporta à apelante A..., tem esta inteira razão, pois que as despesas que suportou na perspectiva da aquisição do mesmo terreno, ascendem ao montante de €48.597,30, decorrente da alteração da matéria de facto considerada como provada no ponto 64. Quanto à apelante B..., pretende a apelante que a “obrigação” que considera resultar provada no ponto 61, já se encontra vencida, pelo que se trata de um prejuízo que se insere no interesse contratual negativo, tendo a apelante de ser ressarcida deste prejuízo, bem como dos que resultaram dos factos que intentou ver dados como provados e referidos nas alíneas bb), cc) e dd). Ora, conforme refere a decisão sob recurso, em causa está a violação de um dever de conduta e de boa fé, consistente na confiança criada na contraparte, confiança que decorre dos factos constantes dos pontos 15 a 42, de que seriam mantidas e eventualmente concluídas as negociações tendentes à aquisição de um imóvel para edificação de um J.... Se é certo que como se refere no Ac. do STJ de 22/11/18[7], “a liberdade contratual, princípio basilar do nosso direito, não impõe às partes o “dever pré-contratual de celebrar o contrato final” a verdade é que o mesmo sistema legal afirma que aquele que negoceia o deve fazer observando o dever de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Efectivamente, de acordo com o art. 227 do CCivil, que se reporta à culpa na formação dos contratos, culpa in contrahendo ou culpa pré-contratual, quem negoceia com outrem para conclusão de um negócio deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. Esta boa fé, na definição apresentada por Ana Prata[8] “constitui um princípio normativo de conduta, com um significado objetivo, que nenhuma relação tem com o estado de espírito ou o animus dos sujeitos a ela submetidos, pelo que não é legítimo considerar a sua violação sinónima de má fé ou necessariamente ligada a qualquer intenção de prejudicar. Trata-se da boa fé dita objectiva, há muito distinguida pela doutrina da chamada boa fé subjectiva, em termos que dispensam pelo seu carácter consolidado e adquirido, qualquer detenção no problema”. Com efeito, o instituto da responsabilidade pré-contratual encontra o seu fundamento na tutela da confiança do sujeito de uma relação negocial, na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporte a uma conduta juridicamente relevante e seja causal dos prejuízos verificados. Conforme refere o Prof. Menezes Cordeiro[9], "a culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contra-parte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam. Por esta via, a culpa in contrahendo permite controlar o conteúdo do contrato, face a inutilidades, desequilíbrios e injustiças". [10] A conclusão de um contrato é precedida em regra de uma fase negociatória, mais ou menos prolongada, mais ou menos complexa, de preparação, discussão, acordos parcelares. Nesta fase gozam as partes de total liberdade, podendo alterar os seus pontos de vista, reformular os seus projectos e propostas contratuais, sem prejuízo de ambas as partes se encontrarem nesta fase, vinculadas à observância de um conjunto de deveres decorrentes da boa fé, que impõe uma lisura de comportamentos na fase negocial e de formação do contrato. Esta fase vai sendo limitada à medida que com o seu comportamento, cada uma das partes cria na sua contraparte a convicção da iminência da celebração do contrato. Esta limitação decorre dos aludidos pontos da matéria de facto 15 a 42. A primeira instância considerou que a violação da R. consistiu na quebra de confiança criada na contraparte ao longo destas negociações e dos actos já praticados com vista à alteração do loteamento e de aprovação dos projectos de edificação do estabelecimento, pela ruptura abrupta do negócio perpetrada pela ré ao vender o terreno em causa a uma terceira entidade, concorrente directa da 1ª A. Não se mostra impugnada esta parte da decisão, ou seja, que o facto danoso consistiu na violação da confiança e não a recusa na celebração do contrato, decisão acertada refira-se, sendo certo que as partes ainda não tinham ultimado todas as clausulas deste contrato, conforme decorre dos factos provados nºs 35 a 42. E, neste caso, em que o facto danoso consistiu na violação do princípio da confiança, é indiscutível que a parte lesada tem direito a ser indemnizada pelo interesse contratual negativo, ou seja, pelas despesas tidas na convicção de que o contrato se celebraria, mas já não pelo interesse contratual positivo. Na realidade, entendemos que, excepcionalmente, se a conduta culposa do lesante consistir na violação do próprio dever de conclusão do negócio (cujas clausulas já estão acordadas, faltando apenas a sua formalização), pode ser responsável pelo pagamento de uma indemnização pelo interesse contratual positivo (ou de cumprimento)[11], que visa colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato fosse cumprido, ou seja, no caso concreto se o contrato tivesse sido formalizado, nas condições acordadas entre as partes. Não tendo o facto danoso consistido na violação do dever de formalização do contrato, consideramos, em concordância com a decisão recorrida que “constituindo o facto danoso a violação da confiança e não a recusa na celebração do contrato, a parte lesada só pode ser indemnizada pelo interesse contratual negativo, isto é, o lesado deve ser colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado negociações pelo que tem direito a haver aquilo que prestou na expectativa da consumação das negociações. Se assim é, os prejuízos alegados pela autora B... e C..., e referidos nos factos 60 a 62, não são indemnizáveis nesta sede, porquanto apenas relacionados com os benefícios e oportunidades deixadas de auferir pela não conclusão do negócio.” Assim é de facto e não se convertem estes alegados “prejuízos” em despesas suportadas na expectativa da conclusão das negociações e por causa delas, por via de uma suposta obrigação já vencida e que - ao contrário do que alega a apelante, beneficiando da redacção infeliz do ponto 61 - não decorre deste ponto. Este ponto, reporta-se aos montantes que esta A. teria de pagar se o empreendimento tivesse sido concluído e dele não resulta qualquer efectiva despesa suportada. Já o montante de € 280.000 insere-se no interesse contratual positivo e este não é indemnizável, nem resultou, em qualquer caso, da matéria assente, tendo em conta a improcedência da impugnação da matéria de facto relativa às demais alíneas impugnadas. No que se reporta à terceira apelante, os royalties que esta alega no montante de €88.618,68, para além de não resultarem da matéria de facto, também não são ressarcíveis, pois que, ainda que provado este valor, integrariam igualmente o interesse contratual positivo. Mais alega a A. que há lugar à cumulação da indemnização decorrente dessa responsabilidade pré-contratual com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo”, citando a seu favor um Ac. do STJ que se reporta a situação totalmente distinta, consistindo no incumprimento culposo do dever de celebrar o contrato prometido, dever que decorria de contrato promessa já celebrado. Mais uma vez se refere que não consideramos indemnizável o interesse contratual positivo quando a violação cometida consistir na violação do princípio da confiança, tendo em conta o estado avançado das negociações e a sua ruptura injustificada e não o próprio dever de conclusão de um contrato (promessa), cujas clausulas já estavam acordadas. Neste caso, as partes ainda não tinham acordado em todas as clausulas essenciais ao contrato definitivo. Não havia uma minuta final do contrato e nessa medida, não se pode considerar, como na situação relatada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.01.2006 (processo n.º 05B4063), citado pela recorrente que “Quando, porém, com o encontro de proposta e aceitação, já conseguido acordo, tendo a própria fase decisória da negociação chegado já a bom termo e faltando apenas formalizar o contrato, só não formalmente concluído e só nessa medida imperfeito, é de considerar já existente autêntico dever de conclusão, e dever, por isso, ser indemnizado o interesse contratual positivo ou interesse do cumprimento.” As AA. não podem invocar este interesse contratual positivo, porque as negociações ainda não tinham chegado ao seu termo, não faltando apenas formalizar o negócio, mas faltando antes a conclusão destas negociações, quanto a clausulas do contrato, como o direito de denúncia da 1ª A. , a prestação de sinal (contrato promessa) ou celebração de escritura em prazo curto, sujeito a condição resolutiva. E, nessa medida, a quebra destas negociações e a venda do terreno a uma concorrente da A., conferem-lhes o direito a obterem o que despenderam por causa e na convicção de que as negociações chegariam a bom porto e não aquilo que deixaram de obter pela violação da formalização de um negócio já devidamente acordado em todas as suas clausulas essenciais. Pelo exposto, improcede nesta parte a apelação das AA.
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Resta a última questão colocada pelas apelantes: se deveria ter sido dispensado o remanescente da taxa de justiça. A primeira instância indeferiu o requerido considerando que “se é certo que os autos, em termos de decisão da matéria de direito, não se revelaram de especial complexidade, em termos de matéria de facto, implicaram eles a análise a conjugação do depoimento de 12 testemunhas com abundante documentação existente nos autos dotada de pormenores que implicaram análise cuidada. Por outro lado, a audiência de julgamento decorreu em duas sessões, como dissemos com audição de 12 testemunhas e declarações de parte do representante legal da ré, as quais, atento uma vez mais o carácter minucioso da matéria de facto em causa, implicou prestação de depoimentos demorados. No que se refere à conduta processual das partes salvaguardando a elevação e correcção das mesmas e que não pomos sequer em questão, não vislumbramos que tenham, de alguma forma, contribuído para uma solução consensual do litígio. Por último, e quanto ao valor da causa, o mesmo está também dependente de critérios legais que não nos cabe sindicar, visto ser essa uma opção legislativa, como o é o valor das custas processuais, assim como o carácter excepcional da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.” É jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal de Justiça que a apreciação da dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça devida, cabe ao último grau de jurisdição que aprecie a causa e, nesse caso, abrangendo toda a tramitação seguida quer em recurso, quer na primeira instância.[12] Constitui também jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº1/2022 (publicado no DR 1ª Série de 3/1/2022) que “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”. Por último há que considerar que de acordo com o artº 9, nº4 do RCP (na redacção introduzida pela Lei 27/2019 de 28/03, “o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”. Decorre deste preceito que a parte vencedora na acção, ao contrário do que ocorria na anterior redacção deste preceito, não está já obrigada a proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, porque dele está dispensada ope legis[13]. O que significa que, atento o parcial vencimento das AA., o remanescente da taxa não incide sobre a quantia de €48.597,30, mas sobre a quantia de €1.066.836,36. A taxa devida na primeira instância e no recurso cifra-se em cerca de € 16.000 (11.400+5.700). Ora, decorre do disposto no artº 6, nº7 do RCP que o juiz deve dispensar ou reduzir a taxa de justiça quando a complexidade da causa e a conduta processual das partes o justificar. Sobre este preceito, incidiu já o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15.07.2013 (publicado no Diário da República II Série, n.º 200, de 16.10.2013), no sentido de “julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabelaI-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.” Conforme é referido neste Acórdão o novo Regulamento das Custas Judiciais, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, ao fixar para o último escalão de valor das ações (€250.000,00 a €275.000,00), estipula no regime geral (tabela I-A), uma taxa de justiça de valor fixo (16UC) que progressivamente se agrava, sem qualquer limite máximo, na proporção direta do aumento do valor da ação (em acréscimos de 3 UC, a fixar a final, por cada 25.000,00 ou fração). Decorre desta tabela que este “sistema de taxa de justiça (…) se baseia no critério exclusivo do valor da ação, presumindo-se que a complexidade da ação, e a utilidade que as partes dela retiram, aumenta na proporção direta do respetivo valor.” Mas nem sempre é assim e, conforme exposto no preâmbulo deste diploma, o aumento das taxas de justiça e a própria ratio do artº 6, visa a adequação do valor das taxas de justiça à complexidade do processo, segundo a óptica de que processos de maior valor serão por inerência processos mais complexos, pelo que deveriam pagar taxas de justiça correspondentes a esta complexidade. No entanto, nem sempre assim é, razão para a possibilidade conferida pelo legislador no artº 6, nº7, de redução ou dispensa da taxa. O princípio a considerar nesta sede é sempre o da proporcionalidade entre a actividade processual e a complexidade da acção e, o valor final pago pela parte responsável pelas custas. Na ponderação deste princípio da proporcionalidade, conforme defendido no Ac. do STJ de 20/12/21 (já citado), devem ser atendidos como critérios relevantes não só a complexidade da causa ou a conduta das partes, mas também outros critérios que podem ser “relevantes para o efeito (…), designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.” Ora, a presente acção, em primeira instância, envolveu a decisão de um incidente de incompetência territorial, decisão sobre excepções de ilegitimidade substantiva e processual e a decisão sobre os pedidos formulados pelos autores que, se não revestem especial complexidade jurídica, ainda assim não se podem considerar questões simples e de muito fácil apreciação. Consistem em questões jurídicas mediamente complexas e algumas controvertidas (como a indemnização do interesse contratual positivo quando em causa a culpa in contrahendo). Por outro lado, em sede de primeira instância, demandou a análise de vasto acervo documental e a audição de 12 testemunhas e de declarações de parte do 2º R. para apreciação de um vasto número de factos alegados nos articulados, em especial no articulado das AA., constituído por 211 artigos. A fixação da matéria de facto e a análise da prova afigura-se, assim, como complexa. Acresce que ambas as AA. são sociedades comerciais de grande dimensão, em especial a A. C... (cfr. resulta das certidões permanentes juntas com a p.i. como docs. 1, 2 e 3), sendo o valor desta acção, na parte que excede os € 250.000,00, constituído pelo somatório de pedidos formulados sem cabimento jurídico (independentemente do acervo fáctico), pelo não ressarcimento do interesse contratual positivo neste tipo de acções em que a violação cometida pela R. consiste na violação dos deveres de boa fé na fase negocial e na violação do princípio da confiança criado na contraparte. Ou seja, as AA. deveriam saber e prever que os pedidos formulados com base neste interesse contratual positivo, não teriam procedência. Quer isto dizer que o valor pago afinal pela taxa de justiça deve reflectir também esta realidade, não sendo lícito às partes formular pedidos sem cabimento jurídico e, após, peticionar a dispensa da taxa remanescente. Nestes termos, atendendo à actividade desenvolvida em primeira instância, a conduta processual das partes e o valor das taxas devidas naquela instância, concorda-se com a decisão proferida no sentido da não dispensa da taxa nessa sede. Já em relação a esta instância, as questões revidendas não revestiram especial complexidade, quer na análise da prova, quer na análise do direito aplicável, justificando-se a redução da taxa devida em 50%.
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DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e nessa medida, condenam a R. “D... S.A.”. a pagar à A.: a) a quantia de € €48.597,30, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa legal em vigor, actualmente de 4%; b) no demais mantêm a sentença recorrida. * Custas pelo apelante e apelados, na proporção do decaimento (artº 527 do C.P.C.), reduzindo o remanescente da taxa de justiça devida nesta instância de recurso, em 50% e mantendo a integralidade do remanescente da taxa em primeira instância. Coimbra 18/06/24 [1] ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85. [2] ABRANTES GERALDES, Op. Cit., p. 87. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [3] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07, disponível in www.dgsi.pt. [4] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, disponível in www.dgsi.pt. [5] Ac. do STJ de 05/09/18, relator Gonçalves Rocha, proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2; no mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 27/09/18, relator Sousa Lameira, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt. [6] Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609. [7] Ac. do STJ de 22/11/18, proc. nº 1156/12.5TVLSB.L1.S1, relator Sousa Lameira. [8] PRATA, Ana, Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, Almedina, 2002, pág 37 (nota 89) [9] CORDEIRO, António Menezes, Tratado de Direito Civil Português, Vol. II, págs. 795 e 796. [10] Vide ainda o Ac. proferido no proc. nº 826/07.4TVLSB.L1-1, do Tribunal da Relação de Lisboa, em 09/06/09, relator Rui Vouga; ainda em sentido idêntico o Ac. da Relação de Lisboa proferido em 08/07/08, no âmbito do proc. nº 1536/2008-L1, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol.I, 4ª Edição, pag.216 e citado Ac. do STJ de 31/03/2011. [12] Neste sentido vide Acórdãos do STJ de 29/03/2022, proferido no proc. nº 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, de que foi relator Jorge Arcanjo; de 12/04/2023, proferido no proc. nº 18932/16.2T8LSB.L3.S1, de que foi relator Jorge Dias; de 12/03/2024, proferido no porc. nº 8585/20.9T8PRT.P1.S1, de que foi relator Nelson Borges Carneiro e de 20/12/21, proferido no proc. nº 2104/12.8TBALM.L1.S1, de que foi relator Abrantes Geraldes, todos disponíveis em www.dgsi.pt. |