Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/23.9GBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: CONVERSAS INFORMAIS
CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL
FISCALIZAÇÃO
ALCOOLÍMETRO
CONTROLO METROLÓGICO DE MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE MEDIÇÃO
VERIFICAÇÕES METROLÓGICAS
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
PRAZO DE VALIDADE DA VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
Data do Acordão: 06/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 153.º E 158.º DO CÓDIGO DA ESTRADA
ARTIGOS 1.º, 2.º, 5.º, 8.º E 9.º DO DECRETO-LEI N.º 29/2022, DE 7 DE ABRIL/ REGIME GERAL DO CONTROLO METROLÓGICO LEGAL DOS MÉTODOS E DOS INSTRUMENTOS DE MEDIÇÃO
ARTIGOS 1.º, 2.º, N.º 1, E 14º DA LEI N.º 18/2007, DE 17 DE MAIO/ REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS
ARTIGOS 5.º, 6.º, N.º 3, E 7.º DA PORTARIA Nº 1556/2007, DE 10 DE DEZEMBRO/ REGULAMENTO DO CONTROLO METROLÓGICO DOS ALCOOLÍMETROS/RCMA
Sumário: I – Os militares da GNR não estão impedidos de relatar, em julgamento, as diligências levadas a cabo no local para apurarem da existência ou não de crime, no âmbito das quais o arguido, à data suspeito, lhes disse que era o condutor da viatura, e o tribunal não está impedido de valorar tais depoimentos.

II – Nos termos do artigo 9.º, n.º 3 e 4, do D.L. n.º 29/2022, de 7 de Abril, que revogou o D.L. n.º 291/90, de 20 de Setembro, e 7.º, n.º 2, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo, e deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico.

III – A jurisprudência já se pronunciou abundantemente sobre o termo anual, no sentido de que a expressão verificação periódica anual significa que tem de haver uma verificação em cada ano civil e não que ela tem que ter lugar no prazo de um ano a contar da data da verificação imediatamente anterior.

IV – Daqui resulta que o prazo de validade de cada inspecção periódica prolonga-se por todo o ano seguinte ao da sua realização e a nova inspecção periódica deve ser requerida, no limite, até 30 dias antes do termo do ano civil.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        A – Relatório

1. … foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido

AA,

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 6.2.2023, decidindo-se:

a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art.º 292º n.º1 do C.P. na pena de 85 dias de multa, procedendo-se ao desconto de 1 dia de detenção sofrido nos termos do disposto no art.º 80º do C.P., fixa-se a pena em 84 dias de multa, à taxa diária de 8,00€ o que perfaz um total de 672€ (seiscentos e setenta euros);

b) Condenar o arguido AA na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor na pena de 6 meses nos termos do disposto no artigo 69º, nº1 do C.P.;

…”.

3. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

                “1.º

In casu, foram, incorrectamente, julgados, pelo Tribunal a quo, com o consequente “erro de julgamento”, os 3.º (parte), 9.º (parte), 13.º e 14.º factos dados, como provados, na “Sentença” em crise (numeração nossa).

                5.º

O Tribunal a quo decidiu contra o arguido, ora Recorrente, não obstante, clara, manifesta, notória e inequivocamente, devessem ter subsistido dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito, tudo em clara violação do Princípio do in dubiu pro reu, e/ou, pelo menos, em violação do disposto no art.º 127.º, do C.P.P.;

                6.º

A solução pela qual o Tribunal a quo optou, de entre as várias possíveis, é, face às “regras da experiência comum”, arbitrária, ilógica e inadmissível, verificando-se, clara, manifesta, notória e inequivocamente, um atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum;

                9.º

As “provas directas”, consubstanciadas nas declarações prestadas, em sede de Audiência de Julgamento, quer pela testemunha BB, quer pela testemunha CC, onde, os mesmos, de resto, relatam as chamadas meras “conversas informais” entre eles mantidas com o arguido, ora Recorrente (quando, este, antes, mesmo, de ser constituído arguido, e mesmo, antes, de ser aberto, formalmente, um Inquérito, era, já, todavia, não um eventual “suspeito”, mas sim – note-se -, claramente, um credível, sério, verdadeiro e necessário suspeito), devem ser consideradas totalmente desprovidas de qualquer valor probatório, …

                11.º

Não pode ser atribuído qualquer valor provatório ao resultado obtido através do exame de pesquisa de álcool no ar expirado a que o arguido, ora Recorrente, foi submetido, em virtude de o, respectivo, alcoolímetro, utilizado para tais efeitos, ter sido utilizado fora do seu, respectivo, prazo de validade, sendo o resultado obtido, através do mesmo, por conseguinte, total e objectivamente, inválido, não lhe podendo ser atribuído, de forma alguma, qualquer valor provatório, não servindo, de forma alguma, como prova incriminatória.

”.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência …

5. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido do não provimento do mesmo …

6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido respondido ao douto parecer, reafirmando a posição vertida na peça recursória.

                 *

        

B - Fundamentação

 

1. …

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

- se a sentença recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova;

- se foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados, os seguintes factos:

▪ o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., como referido no ponto 1;

▪ apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l;

▪ o arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas; e

▪ agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal;

- para o efeito, se os depoimentos das testemunhas BB e CC, na parte em que relatam as conversas informais tidas com o arguido, não podem ser valoradas; e

- se não pode ser atribuído qualquer valor provatório ao resultado obtido através do exame de pesquisa de álcool no ar expirado a que o arguido foi submetido, uma vez que o alcoolímetro foi utilizado fora do seu prazo de validade;

- se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 127º do Código Penal, bem como o princípio in dubio pro reo;

- se o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1º, alínea a), do Código de Processo Penal e 292º, nº 1, do Código Penal.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, esta Relação ouviu a sentença proferida oralmente em sede de audiência de julgamento.

Vejamos então a factualidade e motivação da decisão de facto da sentença recorrida.

 

O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 21.1.2023, cerca das 2h40m, na ..., Rotunda ..., ..., o arguido foi interveniente em acidente de viação, quando conduzia o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l.

2. O arguido foi submetido ao teste de álcool através do alcoolímetro Drager, modelo Alcotest 7510 PT, com o nº ARPL-0500, aprovado pelo ANSR através do Despacho nº 9378/2021 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de Modelo nº 701.51.21.03.74 (Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro), verificado pelo IPQ em 18.1.2022 (1ª verificação). O arguido não requereu contra-prova.

3. O arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas.

4. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal.

5. À data de 23.1.2023 nada constava do certificado de registo criminal do arguido.

6. O arguido trabalha no ramo de hotelaria, aufere mensalmente quantia não inferior a 750,00 euros, vive com a mulher e uma filha com 10 anos de idade, o agregado vive em casa própria, pagando a prestação de 250,00 euros e tem o 9º ano de escolaridade.

                *

Inexistem factos não provados de relevo.

                *

Motivação da decisão de facto:

A primeira questão que aqui se coloca diz respeito à contestação que é apresentada pelo arguido e à versão que aqui apresenta em audiência de julgamento, no sentido de que não era ele o condutor do veículo.

Todavia esta questão quanto a nós não pode merecer acolhimento.

E não pode merecer acolhimento por uma razão muito simples. O arguido, em momento que, sublinhe-se, não era suspeito, não era arguido, era um mero cidadão que se encontrava na via pública, é abordado pela GNR porque vê o veículo capotado e portanto sabendo que ocorreu um acidente grave e imediatamente antes de ser sequer suspeito do que quer que seja assume-se como condutor do veículo.

Não são conversas informais, não são declaração de arguido e, portanto, não são qualquer declaração que a lei proíba que seja valorada como meio de prova.

São simplesmente declarações de um cidadão quando é abordado pelos elementos policiais, elementos policias estes que afirmam não vimos quem ia a conduzir, vimos o veículo acidentado, vimos um indivíduo na via pública e perguntamos-lhe se ele sabia alguma coisa, nomeadamente se ele sabia quem estava a conduzir e ele assume-se como condutor.

Portanto, quanto a nós, estas declarações dos militares da GNR, BB e CC, têm naturalmente que ser aqui valoradas como meio de prova.

Agora importa verificar o teste de alcoolemia.

O arguido apenas foi fiscalizado, apenas lhe foi feito um teste porque ele se assumiu como condutor.

O arguido esteve presente quando foi feito o teste e nomeadamente foi-lhe dada a possibilidade de fazer contra prova, o arguido negou. Recusou efetuar contraprova, disse que não queria que fosse feita contraprova.

Ora, nesta circunstância não pode agora o arguido vir arguir que o aparelho não estava válido porque tinha caducado a certificação há 2 dias.

Isso quando muito seria uma mera irregularidade que teria que ser arguida no próprio acto que o arguido esteve presente. O arguido não arguiu essa irregularidade. O arguido conformou-se com o resultado do teste. Mais, o arguido recusou a possibilidade de fazer uma contraprova.

Ao recusar a possibilidade de fazer uma contra- prova ele aceita a validade do teste que lhe é feito e, portanto, quanto a nós, também não existem dúvidas quanto à regularidade do teste que foi efetuado e quanto à taxa, porque aliás, refira-se, a ausência de certificação ou a ausência de validade em termos temporais da certificação não determina que o teste detete álcool quando ele não existe, apenas determinada que pode haver uma margem de erro que seja diferente daquela que a própria portaria estabelece, e a portaria já estabelece uma margem de erro de 20%, de 20%.

Ora, ainda que nós admitíssemos que a taxa de erro pudesse ir mais do que os 20% ou estar nos 20%, estávamos no limite da validade da certificação, ainda assim o arguido continuava a ser portador de uma taxa de alcoolemia que consubstancia uma taxa crime, e, portanto, não existem dúvidas também quanto à circunstância do mesmo ser portador de uma taxa crime.

”.

                *

               *

4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A primeira questão a apreciar é a de saber se a sentença recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova.

Vejamos em que consiste o alegado vício.

Nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

A letra da lei revela, desde logo, que tais vícios têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, para o seu conhecimento, como se disse, não é admissível o recurso a elementos externos à decisão como declarações, depoimentos ou documentos constantes do processo – cfr. neste sentido o Ac. da RG de 12.7.2006, in www.jusnet.pt.

Revertendo ao caso concreto, pela análise da peça recursória e natureza da alegação do recorrente, facilmente se conclui que nada foi alegado que pudesse fundamentar o mencionado vício.

As questões colocadas não resultam do texto da sentença recorrida, mas sim do confronto desta com a prova produzida.

A pretensão do recorrente é impugnar amplamente determinada matéria de facto, não argumentando de forma a fundamentar o vício de erro notório na apreciação da prova. O recorrente mais não fez do que manifestar a sua discordância pela forma como foi julgada determinada factualidade com a prova produzida.

O que resulta claro da alegação de que as provas produzidas, que discrimina, impõem decisão diversa da recorrida.

Acresce que, da análise da sentença recorrida, não se vislumbra qualquer erro notório na apreciação da prova, que sempre seria de conhecimento oficioso, independentemente da correcta ou incorreta alegação do arguido. Isto é, da leitura da decisão, não se vislumbra a existência de qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas, nem mesmo qualquer erro evidente. Não se vê que exista qualquer falha grosseira e ostensiva na análise da prova, que o julgador tenha retirado conclusões ilógicas, arbitrárias, contraditórias ou inaceitáveis ou violado as regras da experiência.

Em suma, pelo que fica dito, facilmente se conclui pela inexistência do alegado vício de erro notório na apreciação da prova.

                 *

A pretensão do recorrente enquadra-se no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, o que nos conduz à próxima questão de saber se foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados, os seguintes factos:

▪ o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., como referido no ponto 1;

▪ apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l;

▪ o arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas; e

▪ agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal.

Alega o recorrente que as provas directas, … impõem decisão diversa da recorrida, devendo os factos impugnados serem dados como não provados.

Também a prova indirecta impõe decisão diversa da recorrida.

Mais alega que as testemunhas BB e CC relataram conversas informais mantidas entre eles e o ora arguido, na altura sendo este um verdadeiro e necessário suspeito. Por isso devem ser totalmente desprovidas de valor probatório.

Acresce que, relativamente à TAS, tendo a 1.ª verificação do alcoolímetro através do qual o arguido foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, ocorrido a 18/01/2022, e tendo tal exame sido efectuado a 21/03/2023, à partida poderia admitir-se que, de facto, na senda, aliás, de maioritária jurisprudência, tal exame teria sido realizado dentro do prazo de validade de tal alcoolímetro, sendo por conseguinte, o resultado obtido através do mesmo, válido.

Todavia, in casu, tal não se verifica!

Termos em que, salvo melhor entendimento, sempre se dirá que, tendo a “1.ª verificação” do alcoolímetro através do qual o arguido foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, ocorrido a 18/01/2022, e encontrando-se, tal alcoolímetro, ex vi do supra citado art.º 7.º, n.º 1, do R.C.M.A., dispensado de ser sujeito à “verificação periódica”, somente, nesse ano de 2022, resulta claro que o prazo de validade da sua “1.ª verificação” não se estendia até ao final do ano seguinte à data dessa 1ª verificação.

O que o recorrente agora pretende é discutir a matéria de facto supra identificada, por entender que foi incorretamente julgada pelo tribunal a quo, que foi cometido um erro de julgamento por errónea apreciação da prova e por valoração de prova proibida.

Estamos, assim, no domínio dos artigos 412º, nº 3, e 431º, ambos do Código de Processo Penal.

No caso concreto, por se verificarem todos os pressupostos, esta Relação deve averiguar se, relativamente aos factos impugnados pelo recorrente, o Tribunal de 1ª instância julgou bem.

Para o efeito, face às questões suscitadas, aos argumentos invocados quanto aos meios de prova e ainda à convicção formada pelo julgador vertida na motivação da decisão de facto, este Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no nº6 do artigo 412º do Código de Processo Penal, ouviu integralmente as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF.

Analisou ainda os documentos indicados na peça recursória - Auto de Notícia, Talão de Teste, Certificado de Verificação junto aos autos, Participação de Acidente de Viação, Croqui de Participação de Acidente de Viação.

No mais, levou-se em conta a restante prova considerada pelo tribunal a quo, tal como foi indicada e examinada na sentença recorrida.

Passa-se agora à análise dos factos impugnados que, relembrando, apresentam a seguinte redacção:

▪ o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., como referido no ponto 1;

▪ apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l;

▪ o arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas; e

▪ agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal.

A questão fulcral é a de saber se o arguido conduziu ou não o referido veículo, com a indicada TAS.

 

Vejamos então.

O arguido negou que tivesse conduzido o veículo. Afirmou que quem o conduziu foi o seu cunhado. …

Mais disse que quando foi abordado pela GNR, perguntaram-lhe se era ele que ia a conduzir, deve ter dito que sim, não sabe, mas não era ele que ia a conduzir.

Por sua vez, a testemunha BB, militar da GNR, afirmou que viu a viatura despistada, não se encontrava ninguém no veículo e decidiram abordar um indivíduo que tinham visto a andar na estrada. Este tinha as calças e as botas sujas de terra e o carro despistado encontrava-se num sítio com terra.

O referido indivíduo, o ora arguido, de imediato, identificou-se como sendo o condutor da viatura despistada. Por essa razão, fizeram-lhe o teste de álcool no sangue. Ele colaborou, disse que ia sozinho e, de facto, não viram mais ninguém. O ora arguido não estava muito longe da viatura e não tinha chamado qualquer ajuda.

A testemunha CC, militar da GNR, prestou depoimento no mesmo sentido. Disse que viram uma viatura despistada, fora da estada, num campo de cultivo de bacelo. Foram junto dela averiguar se lá se encontrava alguém, constatando que não.  Apenas tinham visto uma pessoa a caminhar pela estrada.

Entretanto, os bombeiros das ..., que se tinham deslocado a ... para ocorrerem a uma situação, no regresso, pararam e informaram que uma viatura tinha embatido numa outra na ..., fornecendo a matrícula do carro que tinha embatido. Constataram que era a mesma do carro despistado.

Então, foram junto da pessoa que tinham visto a pé, o ora arguido, tendo este confirmado ter sido o condutor da viatura, e que se tinha despistado. Ele estava a cerca de 300, 400 metros e tinha terra nas calças e no calçado. Não viram mais ninguém na rua.

O arguido tinha as chaves do carro e disse sempre que ia sozinho e que era o condutor.

Contudo, defende o arguido que as testemunhas BB e CC relataram conversas informais mantidas entre eles e o ora arguido, na altura sendo este um verdadeiro e necessário suspeito. Por isso devem ser totalmente desprovidas de valor probatório.

Vejamos, se assim é.

Nos termos do artigo 356º, nº 7, do Código de Processo Penal, “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas”.

Ora, a letra da lei aponta, desde logo, para uma recolha formal de declarações ao mencionar cuja leitura não for permitida. Caso inexista essa recolha formal, no âmbito de um acto processual, de forma a ficarem reduzidas a escrito, naturalmente que inexistem declarações que possam ser lidas.

Como refere Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, 2014, pág. 1120, em anotação ao artigo 356º do Código de Processo Penal, “este preceito indica os actos processuais cuja leitura, visualização e audição na audiência é permitida, ou seja, enumera as provas recolhidas em fases anteriores do processo que o legislador entendeu susceptíveis de valoração em julgamento, dando corpo à excepção estabelecida no artigo anterior à regra geral de proibição de valoração das provas não produzidas em audiência, razão pela qual a indicação é taxativa”.

Também Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed. actualizada, pág. 918, em anotação ao mesmo artigo, menciona que é permitida a leitura, visualização ou audição de prova contida em acto processual anterior à audiência de julgamento, nos casos que depois passa a discriminar.

No caso concreto, inexiste qualquer acto processual de recolha de declarações ao arguido, por parte dos militares da GNR, BB e CC.

A situação não se enquadra de forma alguma no âmbito da referida norma legal.

Os referidos militares da GNR em sede de julgamento relataram as diligências levadas a cabo no caso concreto, ainda no local, para apurarem da existência ou não de crime. Nesse relato afirmaram que o ora arguido lhes disse que era o condutor da viatura e por essa razão sujeitaram-no ao teste de álcool. Não estavam os militares da GNR impedidos de narrar o que narraram e o tribunal não estava impedido de valorar os seus depoimentos.

Neste sentido veja-se o Ac. da RG de 6.2.2017, in www.dgsi.pt, onde se lê que “com a norma do art. 356º, nº 7 do CPP, o legislador impede que, indirectamente, através de depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, se façam valer em audiência declarações cuja leitura não seria permitida, não podendo os mesmos ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo de tais declarações.

Todavia, é actualmente consensual o entendimento de que constitui depoimento válido e eficaz o relato de agentes de investigação (OPC´s) sobre recolha de informações ou outros dados e contribuições de que tomaram conhecimento no campo dos actos de investigação e outros meios de obtenção de prova, portanto, fora do âmbito de diligências processuais formais – como sucede com os interrogatórios ou tomadas de declarações – desde que essa recolha não devesse ter sido submetida a tal formalismo. Tal depoimento nada tem a ver com o que, vulgarmente, se tem designado por testemunho de “ouvir dizer” (art. 129º, nº 1 do CPP) ou como um relato de “conversas informais”, ou seja, conversas que não foram formalmente reduzidas a auto, devendo sê-lo, traduzindo a reprodução de uma conversa informal, que pudesse defraudar o direito do arguido ao silêncio.

Assim, os OPC´s não estão impedidos de depor em audiência de julgamento sobre factos que detectaram e constataram durante a fase investigatória …”.

Também o Ac. da RP de 24.1.2012, in www.dgsi.pt, afirma que “ao abrigo do disposto nos arts. 55, nº2, 249º e 250º do C.P.P., os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;

Nada impede que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio, desde que essas conversas não visem contornar ou iludir a proibição contida no nº7 do art.356, do C.P.P. e que seja respeitado o comando do art. 59, do mesmo diploma legal.

O OPC que, no exercício das suas funções, encontra a vítima de um crime, não está impedido de, em audiência, relatar a conversa que nesse momento teve com a mesma, não cabendo essas declarações na previsão daquele art.356, nº7”.

O que fica dito revela-se suficiente para se concluir que os depoimentos das testemunhas BB e CC não traduzem prova proibida. As testemunhas podiam narrar o que narraram e os seus depoimentos serem valorados pelo julgador.

Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao dar como provado que o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., como referido no ponto 1 da factualidade provada.

No que respeita à TAS (2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l) cumpre apreciar a questão de saber se não pode ser atribuído qualquer valor provatório ao resultado obtido através do exame de pesquisa de álcool no ar expirado a que o arguido foi submetido, uma vez que o alcoolímetro foi utilizado fora do seu prazo de validade.

A questão prende-se essencialmente com a revogação do Decreto-Lei nº 291/90, de 20.9, pelo Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril, que entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2022.

Pois bem.

O artigo 153º do CE, sob a epígrafe Fiscalização da condução sob influência de álcool, no seu nº1, dispõe que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.

Nos termos do artigo 158º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal, é fixado em regulamento o tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas.

Tal regulamento, designado por Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, dispõe no seu artigo 1º que:

1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

Por sua vez, e quanto ao método de fiscalização, estipula o artigo 2º, nº 1, que “quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos”.

No que respeita à aprovação dos equipamentos, dispõe o artigo 14º, do mesmo diploma legal que:

1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

O que nos remete agora para outro diploma, em concreto, para o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro.

Estipula o artigo 5º deste Regulamento que “o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ e compreende as seguintes operações:

a) Aprovação de modelo;

b) Primeira verificação;

c) Verificação periódica;

d) Verificação extraordinária.

Por sua vez, nos termos do artigo 6º, nº 3, deste mesmo Regulamento “A aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo”.

No que respeita às verificações metrológicas, dispõe o artigo 7º do mesmo diploma que:

1 - A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano.

2 - A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.

3 - A verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade.

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 291/90 de 20.9 (revogado pelo Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril) estabelecia o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição.

Consta do respectivo preâmbulo que “o presente diploma tem como objectivo fundamental a completa harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição a entrada nos mercados da Comunidade Económica Europeia em igualdade de circunstâncias com os fabricantes dos demais Estados membros, o que pressupõe a atribuição das marcas CEE de aprovação de modelo e de primeira verificação a que as competentes entidades portuguesas poderão passar a proceder”.

Assim, o que estava em causa era o fabrico e a introdução no mercado de determinados modelos, que tinham que ser aprovados para o efeito.

Como resulta do seu artigo 1º, o diploma trata do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos pelo artigo 6.º.

Isto é, não abrange apenas os alcoolímetros.

Dispunha o artigo 4º, nº 5, do referido diploma que “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.

Como se disse, este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril, que aprovou o novo Regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição.

Nos termos do seu artigo 1º, o diploma  estabelece o regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição.

Dispõe o artigo 2º que “o controlo metrológico legal aplica-se:

a) Aos instrumentos de medição, utilizados em transações comerciais, em operações fiscais ou salariais, na segurança, na saúde, na energia e no ambiente;

b) Às quantidades dos produtos pré-embalados;

c) Às garrafas recipientes de medida”.

Não é um diploma que verse exclusivamente sobre os alcoolímetros.

Estipula o artigo 5º, com a epígrafe Operações de controlo metrológico legal, que:

1 - O controlo metrológico legal dos instrumentos de medição compreende as seguintes operações:

a) Aprovação de modelo;

b) Primeira verificação;

c) Verificação periódica;

d) Verificação extraordinária.

2 - As operações de controlo metrológico legal realizadas nos termos legalmente previstos são válidas em todo o território nacional.

No que respeita à primeira verificação, dispõe o artigo 8º que:

1 - A primeira verificação compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou mandatário, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados.

2 - Nos instrumentos de medição cuja qualidade metrológica esteja dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao respetivo modelo, a marca de primeira verificação é aposta no ato da operação.

3 - A primeira verificação é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável.

Relativamente à verificação periódica, estabelece o artigo 9º que:

1 - A verificação periódica compreende o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao modelo respetivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.

2 - Nos instrumentos de medição cuja qualidade metrológica esteja dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao respetivo modelo, a marca de verificação periódica é aposta no ato da operação.

3 - A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável.

4 - A verificação periódica deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico.

As referidas normas remetem-nos expressamente para a legislação especifica aplicável, isto é, para o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro.

Como se disse, dispõe o artigo 7º, nºs 1 e 2, da referida Portaria que:

1 - A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano.

2 - A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.

No que respeita à definição do termo anual já a jurisprudência se pronunciou abundantemente, no sentido de que a expressão verificação periódica anual apenas significa que tem de haver uma verificação em cada ano civil, e não que a verificação tenha que ter lugar no prazo de um ano, contado dia após dia, da data da verificação imediatamente anterior – cfr. Ac. da RG de 12.10.2020, in www.dgsi.pt.

Como bem esclarece o Ac. da RC de 8.5.2013, in www.dgsi.pt, “a Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, no seu artigo 7º, nº 2, dispõe que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.

O RCMA, como aliás, seria expectável, estabeleceu a frequência temporal da verificação periódica para os únicos aparelhos abrangidos pelo seu campo de aplicação, os analisadores quantitativos (art. 7°, nº 2). …

Quando no art. 7º, nº 2, do RCMA se lê que a verificação periódica é anual, o sentido a extrair da frase, tendo em conta a presunção do art. 9°, n° 3, do C. Civil, é o de que a verificação periódica tem lugar todos os anos ou seja, que os alcoolímetros a ela têm que ser submetidos, pelo menos uma vez, em cada ano civil. Com efeito, pretender ler na norma, como faz a defesa, que entre as sucessivas verificações periódicas do mesmo alcoolímetro não pode decorrer mais de um ano ou seja, não podem decorrer mais de 365 dias contados dia a dia, é dar-lhe, ressalvado sempre o devido respeito, interpretação que ela, manifestamente, não comporta pois não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

Desta forma, no que aos alcoolímetros quantitativos respeita, podemos fixar as seguintes regras:

- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7º, n° 2, do RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro)”.

Da conjugação do referido artigo 7º, nº 2, do RCMA com o artigo 9º, nº 4, do Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril, resulta que a verificação periódica tem que ter lugar todos os anos (ou seja, pelo menos, uma vez em cada ano civil) e deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico.

Assim, o prazo de validade de cada inspecção periódica prolonga-se por todo o ano seguinte ao da sua realização e a nova inspecção periódica deve ser requerida, no limite, até 30 dias antes do termo do ano civil.

Voltando ao caso concreto, provou-se que o arguido, a 21.1.2023, apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l e que foi submetido ao teste de álcool através do alcoolímetro Drager, modelo Alcotest 7510 PT, com o nº ARPL-0500, aprovado pelo ANSR através do Despacho nº 9378/2021 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de Modelo nº 701.51.21.03.74 (Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro), verificado pelo IPQ em 18.1.2022 (1ª verificação). O arguido não requereu contra-prova.

À data da prática dos factos, já vigorava o Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de Abril.

Uma vez que o alcoolímetro em questão foi sujeito a uma primeira verificação em 18.1.2022, nesse ano ficou dispensado da verificação periódica.

Tem que efectuar a verificação periódica durante o ano de 2023.

Aqui chegados, conclui-se que o alcoolímetro utilizado no exame efectuado ao arguido cumpria os requisitos legais relativamente às verificações, isto é, encontrava-se dentro do prazo de validade.

Assim, o resultado obtido é perfeitamente válido, nada obstando a que o tribunal a quo, com base nele, considerasse como demonstrada a taxa de álcool no sangue que resultou provada, não correspondendo à verdade que tenha valorado meio de prova proibido.

Improcede esta questão colocada pelo arguido, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida neste particular.

No que respeita aos elementos subjectivos do ilícito, também impugnados, o recorrente não apresenta qualquer alegação específica, vindo a sua impugnação na sequência da impugnação dos elementos objectivos.

Assim, nada mais há a apreciar.

Aqui chegados, relativamente à impugnação ampla da matéria de facto, conclui-se que, do conjunto da prova produzida, a que foi analisada por esta Relação e a restante apreciada pelo tribunal a quo, tal como consta da motivação da decisão de facto, entende-se que bem andou o julgador ao dar como provada a factualidade impugnada.

O julgador deixou bem claro porque razão se convenceu que o arguido conduziu o veículo em questão, com a TAS que resultou provada, explicando racional e logicamente o seu raciocínio.

A prova indicada pelo recorrente não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.

*

Acresce que, relativamente à fixação da matéria de facto, o tribunal a quo foi quem beneficiou da imediação e oralidade na recolha da prova, sempre valiosas na formação da convicção do julgador.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova”.

Por sua vez, o Ac. da RC de 28.1.2015, in www.dgsi.pt, refere que “o julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido”.

Também o Ac. da RE de 19.5.2015, in www.dgsi.pt, afirma que “o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância. Se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela”.

Ora, não se verifica que tenha sido cometido qualquer erro de julgamento na primeira instância, muito menos qualquer erro clamoroso, evidente e/ou óbvio, na apreciação dos factos impugnados.

Pelo contrário, a conclusão probatória a que o tribunal a quo chegou encontra-se correcta.

Pelo exposto e no que respeita à impugnação ampla da matéria de facto, improcede a pretensão do recorrente, devendo manter-se como provados os factos impugnados (o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., como referido no ponto 1; apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l; o arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas; agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal).

               *

Passa-se agora a apreciar se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 127º do Código Penal, bem como o princípio in dubio pro reo.

Alega o recorrente que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, bem como o princípio in dubio pro reo.

Vejamos.

Relacionado com o princípio in dubio pro reo, estipula o artigo 32º, nºs 1 e 2, da CRP que:

1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

É a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência que se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.

Por sua vez, o princípio in dubio pro reo é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos – cfr. neste sentido o Ac. da RC de 12.8.2018, in www.dgsi.pt.

Assim, “o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa” – cfr. Ac. do STJ de 12.3.2009, in dgsi.pt.

No mesmo sentido o Ac. da RL de 14.2.2010, in www.dgsi.pt, segundo o qual “o princípio in dubio pro reo não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável”.

Continua o mesmo aresto dizendo que “um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade. O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata, porém, de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dubio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto”.

Revertendo ao caso concreto, consta da motivação da decisão de facto da sentença recorrida, depois do tribunal explanar o raciocínio que o conduziu à factualidade provada, mormente, que:

“Ora bem, portanto, quanto a nós não se nos suscitam dúvidas quanto à circunstância de ser o arguido que estava a conduzir.

Ora, fora a testemunha FF que nada sabia sobre os factos e sobre a qual já nos referimos, as testemunhas DD e EE, quanto a nós, evidentemente estavam concertadas com o arguido para numa estratégia de tentar eximir-se à responsabilidade pelos factos que cometeu.

Aliás, tanto é assim que o arguido tenta todas as estratégias, dispara em todos os sentidos para tentar eximir-se às suas responsabilidades, ora dizendo que não era ele o condutor, ora dizendo que o que disse à GNR não pode ser validado, ora dizendo que o aparelho em que foi feito o teste não estava válido, tudo, quanto a nós, conforme já referimos, improcedente, e por esta razão o Tribunal entende que todos os factos constantes da acusação têm de ser dados como provados.

O arguido esteve presente quando foi feito o teste e nomeadamente foi-lhe dada a possibilidade de fazer contra prova, o arguido negou. Recusou efetuar contraprova, disse que não queria que fosse feita contraprova.

Ora, nesta circunstância não pode agora o arguido vir arguir que o aparelho não estava válido porque tinha caducado a certificação há 2 dias”.

Assim, da motivação da decisão de facto da sentença recorrida, cujas passagens que antecedem são exemplo, perpassa que o julgador convenceu-se firmemente da factualidade que deu como provada.

A dúvida relevante é a dúvida do julgador após produção da prova e não a dúvida do recorrente ou mesmo a dúvida que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido.

Da análise da sentença recorrida, conclui-se que o julgador ficou firmemente convencido da matéria que deu como provada, não lhe restando qualquer dúvida sobre a mesma. Resulta da sentença recorrida um estado de certeza e não de incerteza.

Acresce que não se vislumbra que o julgador não tivesse demonstrado dúvidas porque não quis ou porque não as quis considerar relevantes. Simplesmente, convenceu-se firmemente da matéria que deu como provada.

Assim sendo, não existe fundamento para o pretendido recurso ao princípio “in dubio pro reo”, ficando afastada a sua violação pelo tribunal recorrido.

Neste particular não assiste razão ao recorrente.

                *

Com a epígrafe Livre apreciação da prova, dispõe o artigo 127º do Código de Processo Penal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Voltando ao caso concreto, da análise da motivação da decisão de facto da sentença recorrida, retira-se, sem dúvida, que o julgador fundamentou devidamente a sua convicção.

Convenceu-se da factualidade que deu como provada e explicou claramente porque razão se convenceu nesse sentido, o que fez de forma perceptível para qualquer pessoa.

Explanou o raciocínio lógico que o levou a tal convicção e fê-lo de uma forma que não merece censura, não violando quaisquer regras da experiência.

Conclui-se, pois, que não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, improcedendo, igualmente, esta pretensão do recorrente.

                 *

Aqui chegados e face ao supra exposto, facilmente se conclui que não foi violado o disposto nos artigos 1º, alínea a), do Código de Processo Penal (definição legal de crime) e 292º, nº 1, do Código Penal (Condução de veículo em estado de embriaguez).

                *

Improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo arguido, deve ser negado provimento ao recurso.

                              *

           

                         C – Decisão

 Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida.

               *

            Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

                               *

                    Notifique.

                               *

                           Coimbra, 21 de Junho de 2023.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

                  Rosa Pinto – Relatora

                  Luís Teixeira – 1º Adjunto

                 Vasques Osório – 2º adjunto