Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | DESPEJO IMEDIATO FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS VENCIDAS NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO CONTESTAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 14.º, 3 A 5, DO NRAU | ||
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Sumário: | No pedido de despejo imediato formulado pelo Autor, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação, nos termos dos n.º 3, 4 e 5, do artigo 14.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) – Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, estão em causa as rendas vencidas na pendência da ação e não a falta de pagamento de rendas que faz parte da causa de pedir da ação, a respeito das quais foi deduzida contestação, pelo que os fundamentos da contestação não se estendem ao pedido de despejo imediato, o qual apenas pode ser inviabilizado através da prova do pagamento das rendas vencidas na pendência da causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, * Juiz relator………….....Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz adjunto……… José Vítor dos Santos Amaral 2.º Juiz adjunto………. Fernando de Jesus Fonseca Monteiro * (…) * Recorrentes.………AA; e ………………………BB em substituição do falecido Autor, CC. Recorrido………….DD. * I. Relatório a) O presente recurso insere-se numa ação declarativa de condenação instaurada pelo Autor recorrente contra o Réu, com o fim de obter a cessação de um contrato de arrendamento que celebrou com o Réu, restituição do locado e, ainda, pagamento das rendas em dívidas e respetivos juros. Em 31 de maio de 2022, o Autor pediu o despejo imediato do locado, com esta justificação. 2. Esgotado aquele prazo constata-se que o réu nada fez. Termos em que se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14/5 do NRAU, que seja ordenado o despejo imediato do locado.» Este pedido foi indeferido. No essencial, nos termos da decisão recorrida, porquanto «… a conclusão pela procedência da ação declarativa de despejo com fundamento na falta de pagamento das rendas está dependente não somente da demonstração objetiva desse não pagamento, como também das circunstâncias em que tal ocorreu, à luz do que ficou plasmado em sede de identificação dos temas de prova. Por conseguinte, mister se torna concluir que, in casu, apesar de o Réu ter sido interpelado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação atualmente vigente, e que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, face à concreta matéria em discussão nos autos não se afigura a aplicação, aos presentes da consequência prevista no n.º 5 do citado preceito legal. Vide, neste sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 17 de maio de 2007, processo n.º 1657/2007-2, citado por GEMAS, Laurinda, et alia, in Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª Edição Revista e Atualizada, Quid Juris Sociedade Editora, pág. 65, em anotação ao artigo 14.º do citado diploma legal. Aí escreve-se que «(…) VII – Não pode decretar-se o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção de despejo, quando nesta está ainda em discussão saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas indicadas pelo autor ao fundamentar a causa. VIII – O exposto em III e VII continua a ser válido à luz do NRAU (cfr. n.ºs 3 e 4 do NRAU).». Destarte, pelos expostos fundamentos, indefere-se o requerido, devendo os autos aguardar a realização de audiência final, já agendada nos presentes. Notifique.» b) É, pois, desta decisão que vem interposto o presente recurso, cujas conclusões são as seguintes: «I) Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal “a quo” que indeferiu o pedido de despejo imediato, por considerar que a procedência da ação “está dependente não somente da demonstração objetiva desse não pagamento, como também das circunstâncias em que tal ocorreu”. II) É certo que o decretamento do despejo imediato não se basta com a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação, sendo ainda necessário que não seja discutida a obrigação de pagamento das rendas por parte do inquilino. III) Todavia, a controvérsia em torno da obrigação de pagamento das rendas vencidas tem que ser séria, o que é dizer que não pode ser uma amálgama de considerações infundadas, sem cabimento legal e com um intuito meramente dilatório. VEJAMOS: IV) Na contestação do R., arrendatário, o mesmo aceita a existência do contrato de arrendamento e não impugna que está em dívida pelo montante de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros) de renda - correspondentes a 4 (quatro) meses de mora. V) Todavia, invoca a seu favor na contestação que o arrendatário tinha que ser previamente interpelado - que não sucedeu; que ficou desempregado e tentou alcançar acordo de pagamento; que informou o senhorio da possibilidade de o mesmo requerer apoio junto da segurança social e que o locado não tem condições de habitualidade condignas, obrigando-o a realizar obras. VI) ACONTECE QUE, não decorre da lei qualquer exigência no sentido da necessidade de interpelação do arrendatário antes da propositura da ação de despejo ao abrigo do art.14.º do NRAU (motivada pela situação de mora no pagamento de três meses de renda); por outro lado, sendo verídica a sua situação de desemprego (o que não se sabe), a verdade é que não se logrou qualquer acordo; além disso, sendo a carência económica do arrendatário, era o próprio quem detinha interesse e legitimidade em pedir apoio para o pagamento das rendas ao abrigo do disposto no art.3.º, n.º1, alíneas a) e b) da Lei 4-C/2020, de 6 de abril (pelo que é risível o “argumento” de que este informou o A. da existência de apoios para senhorios junto da segurança social – ou que daqui queira retirar alguma consequência jurídica); por ultimo: a não realização de obras no locado (o que o arrendatário nem se dignou provar) não exime o arrendatário do pagamento da renda. VII) Como se vê, nenhum dos argumentos da contestação é apto a colocar em crise a obrigação de pagamento das rendas, pelo que não poderia a defesa do Réu ser um obstáculo à procedência do incidente do desejo imediato – ao contrário do que entendeu a Mmª Juiz “a quo”. VIII) E assim, estão reunidos todos os pressupostos de que depende o decretamento do incidente do despejo imediato. IX) Com efeito, a existência e validade do contato de arrendamento é reconhecida e aceite por ambas as partes; o não pagamento das rendas peticionadas na ação principal é um facto admitido por acordo; o não pagamento das rendas vencidas na pendência da ação e inclusive após a notificação efetuada nos termos do art.14.º/4 do NRAU resulta da mera análise dos autos onde não consta qualquer comprovativo de pagamento ou depósito; da contestação não resultam argumentos com aptidão de colocar em crise a exigibilidade das rendas vencidas na pendência da ação, sendo que a ação de despejo continua pendente. X) Ao não ter entendido assim, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.14.º, números 3, 4 e 5 do NRAU. Nestes termos, E nos melhores de direito que V.Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que determine o despejo imediato do locado, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!» c) Não foram produzidas contra-alegações. II. Objeto do recurso. O recurso coloca apenas uma questão que é a seguinte: Saber se o tribunal devia ter decretado o despejo imediato do Réu com fundamento em não ter provado nos autos haver pago as rendas vencidas na pendência da ação. III. Fundamentação a) Matéria de facto – Factos provados 1 – A presente ação foi instaurada em 15 de setembro de 2021. 2 – O Autor alegou na petição inicial, no artigo 7.º, que «Desde então nada mais pagou o Réu arrendatário, pelo que o mesmo permanece em incumprimento no pagamento das rendas desde maio do presente ano civil, ou seja, há 4 meses consecutivos», sendo o «presente ano civil» o ano de 2021. Como a renda é de 350,00 mensais o Autor referiu que estavam em dívida 1.400,00 euros. 3 – O Réu contestou, na parte que agora interessa, nos seguintes termos: «Acontece que, 7.º O senhorio, ora Autor, não interpelou o arrendatário, ora Réu, após a mora igual ou superior a 3 (três) meses no pagamento da renda; 8.º O senhorio apenas alertou o arrendatário, numa interpelação ameaçadora por parte daquele, para proceder ao pagamento de duas rendas que estavam em atraso; Id est, 9.º O Autor comunicou ao Réu a sua intenção de proceder ao despejo sem qualquer fundamento legal que o habilitasse a tal; 10.º O Autor ponderou o despejo numa altura em que o mesmo não era legalmente admissível; 11.º Não tendo posteriormente o Autor interpelado o Réu aquando da mora no pagamento de rendas igual ou superior a 3 (três) meses, conforme legalmente previsto; Assim, 12.º Não pôde o Réu exercer a faculdade que lhe assiste nos termos e para os efeitos do n.º 3 do Art. 1084.º CC de pôr fim à mora no prazo de um mês; Ademais, 13.º Note-se que o Réu, devido à crise económica provocada pela pandemia de Covid-19 ficou desempregado, ficando a receber um subsídio de € 160,00; Sendo que, 14.º De imediato comunicou essa situação ao Autor de forma a alcançarem um acordo de pagamento; Do mesmo modo, 15.º O Réu informou o Autor que este poderia requerer um apoio à Segurança Social criado para proteção dos Senhorios; Sendo que, 16.º Respondeu o Autor para ser o Réu a tratar do referido apoio, mesmo após ter o Réu informado que teria de ser o proprietário do imóvel a requerer a ajuda; 17.º De notar também que já por diversas vezes comunicou o Réu ao Autor que o locado não tem as condições de habitação condignas; Sendo que, 18.º Teve o Réu de realizar obras no locado as quais cabem ao Senhorio realizar; 19.º Incumprindo também assim o Autor os seus deveres ao abrigo do contrato de arrendamento; Assim, nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exa., deve a presente defesa ser julgada procedente por provada e, em consequência ser o réu absolvido da instância, com as legais consequências.» 4 – No dia 2 de maio de 2022 foi proferido o seguinte despacho: «Foi requerido pelo Autor, sob referência 2730427 de 03/12/2021, a notificação do Réu para proceder em 10 dias ao pagamento ou depósito das rendas vencidas durante a pendência da ação, acrescidos da indemnização devida em termos do art.º 14º n.º 4 do RAU. Considerando o determinado na citada disposição legal determina-se a notificação do Réu em conformidade, mais devendo o mesmo juntar aos autos a respetiva prova. Notifique.» 5 – O réu foi notificado e nada disse. 6 – O autor fez o seguinte requerimento: «1. Por douto despacho constante do Despacho Saneador, o Réu foi notificado nos termos do disposto no artigo 14/4 do NRAU para, em 10 dias, fazer prova do pagamento das rendas na pendência da ação. 2. Esgotado aquele prazo constata-se que o réu nada fez. Termos em que se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14/5 do NRAU, que seja ordenado o despejo imediato do locado.» 7 – Sobre este requerimento recaiu a decisão recorrida. b) Apreciação da questão objeto do recurso Vejamos então se o tribunal devia ter decretado o despejo imediato do Réu porquanto este não provou ter pago as rendas vencidas na pendência da ação. A resposta é afirmativa, pelas seguintes razões: 1 - Nos termos prescritos nos n.º 3, 4 e 5, do artigo 14.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) – Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro –, «3 - Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais. 4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final. 5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, devendo, em caso de deferimento do requerimento, o juiz pronunciar-se sobre a autorização de entrada no domicílio, independentemente de ter sido requerida, aplicando-se com as necessárias adaptações os artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M.» Vejamos então. Com alguns intervalos temporais de exceção, este procedimento tem largas décadas de vigência, estando já presente no artigo 979.º do Código de Processo Civil de 1961. Nessa época, João de Matos apresentava a seguinte justificação para este procedimento judicial: «A razão de ser do artigo 979.º do novo Código de Processo Civil encontramo-la nas seguintes afirmações do Dr. Diogo Correia (Depósito de Rendas, pág. 122 e sgts): “No decurso dos trâmites processuais desde a 1.ª instância ao Supremo, poderia acontecer que o arrendatário, ou porque pressentisse comprometida a sua situação no processo ou por qualquer outro motivo, deixasse de pagar a renda, continuando a habitar a casa até decisão definitiva do pleito. Poderia mesmo dar-se o caso do arrendatário recorrer a expedientes dilatórios com o intento de se aproveitar dessa abusiva situação. Entendeu-se, por isso, dever conceder-se ao senhorio a faculdade reconhecida pelo artigo 979.º, exigindo-se ao arrendatário que prove, por documento, ter efetuado o depósito das rendas vencidas e não pagas na pendência da acção, sob pena de despejo imediato. É que neste caso especial poderão sem esforço admitir-se as razões que sugerem convencimento de que, pelos motivos acima expostos, não seria real e séria a alegação, por parte do arrendatário, de que não havia efectuado o pagamento por verificar algum dos casos mencionados no artigo 759.º do Código Civil, não se lhe permitindo, portanto, o oferecimento dos meios de prova duma tal alegação, que bem poderiam ser … meios dilatórios. Demais seriam incalculáveis as perturbações e anomalias que traria ao processo a permissão de o arrendatário produzir tal prova, e que ocorrem obvias se se atentarem em que o incidente resultante da falta de pagamento de rendas pode vir a suscitar-se enquanto a acção se encontre pendente nos tribunais de recurso Além do mais, explica-se que numa relação contratual de arrendamento que verosimilmente se encontra viciada, porventura até condenada, sobre a qual pende um litígio, explica-se que em tal emergência a lei consigne uma providência anómala, exigindo-se ao arrendatário que prove, por documento, ter feito a depósito da renda, sem que seja admitido a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento» - Acção de Despejo (e outros meios de cessação do arrendamento), Porto: Livraria Fernando Machado, 1963, pág. 245/246. Mais recentemente, Aragão Seia reafirmou a mesma ideia, isto é, este procedimento tem por finalidade proteger o senhorio contra a morosidade da ação, porquanto, caso o despejo imediato não existisse, o arrendatário incumpridor da obrigação de pagar a renda teria interesse em manter o incumprimento enquanto durasse a ação («…compelir o arrendatário a não se aproveitar da morosidade anormal do processo, deixando de pagar as rendas que se forem vencendo» - Arrendamento Urbano (Anotado e Comentado), 2.ª Edição. Almedina, 1996, pág. 266. Claro que esta norma sobre despejo imediato pressupõe um contrato de arrendamento válido, isto é, que ao demandante assiste o direito de receber do réu a renda, pelo que o despejo imediato é um modo de restabelecer prontamente a ordem jurídica ofendida pela falta de pagamento da renda. Resulta do exposto, que o legislador, desde há décadas, pretende evitar que o arrendatário, no decurso da ação de despejo, por variadas razões, deixe de pagar a renda e se mantenha no gozo do local arrendado sem pagar a renda, enquanto o processo se mantém pendente sem decisão definitiva, durante meses ou até anos e durante tal tempo se assista, as partes e terceiros, passivamente a uma situação de ilicitude contratual. Resulta também do exposto que o procedimento do «despejo imediato» por falta de pagamento de rendas se reveste de simplicidade. Com efeito, como se dispõe nos n.º 4 e 5 do artigo 14.º do NRAU, se as rendas não forem pagas ou depositadas, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sob pena do senhorio poder requerer o despejo imediato. Por conseguinte, sendo este um formalismo singelo, então não se pode admitir uma impugnação do pedido de despejo imediato que exija uma instrução demorada, por outras palavras, uma instrução que vá além da produção de prova documental. Isto que se afirma resulta do facto de se inviabilizar a razão de ser do incidente, caso tal tipo de oposição fosse admitida. Seria este o resultado lógico, caso se admitisse a possibilidade do arrendatário poder contestar amplamente o pedido de despejo imediato, para além da demonstração do pagamento ou depósito das rendas. 2 - Face ao exposto, verifica-se que a situação dos autos implica a procedência do pedido de despejo imediato formulado pelo Autor. Na decisão recorrida entendeu-se que não, que não se pode decretar o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação, porquanto está em discussão nos autos saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas indicadas pelo Autor ao fundamentar a causa. Cumpre referir que aquilo que está agora em causa não são as rendas que fazem parte da causa de pedir da ação e respetiva justificação para o não pagamento. No pedido de despejo imediato formulado pelo Autor, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação, estão em causa as rendas vencidas na pendência da ação, pelo que os fundamentos da contestação não se estendem a este novo pedido. Este novo pedido, como resulta da lei, só admite, para o inviabilizar, prova do pagamento das rendas. Se bastasse alegar na contestação ao pedido de despejo imediato que as rendas não são devidas, por esta ou aquela razão, estava encontrado um caminho simples e fácil de reduzir a zero a eficácia do pedido de despejo imediato. O arrendatário manter-se-ia no imóvel sem pagar a renda durante um largo tempo. Aliás, até se pode imaginar um caso certamente inverosímil, mas possível, em que um arrendatário passa uma vida sem pagar rendas, saltando de arrendado em arrendado sem pagar, alegando na ação de despejo que as rendas não eram devidas, por esta ou aquela razão, que valeria também para o pedido de despejo imediato. Ora, no caso dos autos, as razões invocadas na contestação não se podem estender às rendas vencidas na pendência da causa, como a falta de interpelação do réu para pagar as rendas; a existência da situação sanitária emergente da pandemia Covid19 ou a alegação de que o locado não tem as condições de habitação condignas. Quanto a este último aspeto, cumpre dizer que a afirmação «o locado não tem as condições de habitação condignas» não pode ser considerada porque não contém factos, isto é, não se sabe a que realidade factual o Réu se está a referir. Por outro lado, como se disse acima, o presente incidente não pode comportar uma tal alegação porque demandaria uma instrução incompatível com a celeridade própria do incidente. Além disso, se o arrendatário continua a ocupar o prédio é porque as condições de habitação embora não sejam condignas, do seu ponto de vista, ainda assim, tais condições deficitárias levam-no a não entregar o locado, pelo que não se pode eximir ao pagamento da renda. Quando muito, poderia obter uma redução no valor da renda, mas não no incidente do despejo imediato. Não procedem, pois, as razões invocadas na decisão recorrida. Continuando. Verifica-se que o Réu não nega, na petição inicial, a existência do contrato de arrendamento e que resulta do mesmo a obrigação de pagar a renda. O Autor alegou que o Réu não paga as rendas vencidas durante o decurso da ação. O tribunal notificou o Réu para mostrar que realizou o pagamento das rendas. O réu nada disse. Estão, por isso, preenchidos os requisitos para o despejo imediato, cumprindo revogar a decisão recorrida e decretar o despejo. IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e: 1 – Revoga-se o despacho recorrido; 2 – Decreta-se o despejo imediato do local arrendado devendo ser entregue ao Autor livre de pessoas e bens. 3 – Autoriza-se a entrada no local arrendado para efeitos de execução do despejo – artigo 15.º- J do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). 4 – Custas pelo Réu. * Coimbra, … |