Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/12.4TMCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES.
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 1905.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 1.º, N.º 2 DA LEI N.º 75/98, DE 19 DE NOVEMBRO.
Sumário: Está em condições de beneficiar das prestações do Fundo de Garantia dos Alimentos aquele que, sendo maior, mas com menos de 25 anos de idade, ainda não tenha concluído o seu processo de educação ou formação profissional e só não se encontra matriculado no ensino por não ter conseguido colocação no ensino superior público.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

           


(…)

1.- Relatório

1.1.  Nos presentes autos em que foi requerente AA, divorciada, e requerido BB, divorciado, foi proferida sentença, datada de 18/5/2016, a fixar em € 85, a prestação a pagar ao menor CC, a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

                                                           ***

1.2. - Em 25-05-2017 foi proferido despacho do seguinte teor:

Notifique a mãe da criança para, em dez dias, apresentar neste tribunal o competente requerimento com vista à renovação da prova de que se mantém os pressupostos subjacentes à atribuição da prestação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, sob pena de cessação desta.

                                                                       ***

1.3. - Notificada nada disse.

                                                           ***

1.4. - Em 7-09-2017 o M.P. teve vista dos autos e promove.

“Face ao silêncio da requerente, p. se declare cessada a intervenção do FGDAM”.

                                                           ***

1.5.- Em 18-09-2017 foi proferido despacho do seguinte teor:

Notifique diretamente a progenitora, nos termos e para os efeitos determinados a fls. 159.

 Nada sendo dito ou requerido em dez dias, abra nova conclusão”.

                                                           ***

1.6. - Em 9/10/2017 a requerente AA apresentou requerimento a pedir a renovação da prova de manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos ao menor CC, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

                                                           ***

1.7. – Em 17 de outubro de 2017 foi proferido despacho do seguinte teor:

Requerimento que antecede: Tendo em vista a apreciação dos pressupostos de manutenção da intervenção do Fundo de Garantia de alimentos devidos a Menores, determino:

1.-Que se averigue através das bases de dados do Instituto de Segurança Social se o requerido aí se encontra inscrito, efetua descontos e, em caso de resposta afirmativa, a respetiva entidade patronal.

2. Que se oficie ao Instituto de Segurança Social, Centro Nacional de Pensões e Caixa Geral de Aposentações, solicitando que informem se neste momento estão a ser processadas pensões, subsídios ou quaisquer prestações de cariz social em benefício do requerido e, neste caso, qual o respetivo montante mensal.

3. Que se oficie à competente Repartição de Finanças, solicitando que informe se o requerido está inscrito como titular da propriedade de prédios rústicos e urbanos e, neste caso, se recebe rendas ou quaisquer outros rendimentos.

4. Que se oficie ao Instituto de Segurança Social, solicitando a elaboração do competente relatório sobre o agregado familiar da criança e respetivos rendimentos e despesas, a fim de habilitar o Tribunal a aferir da manutenção dos pressupostos de que depende a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.

Juntos os elementos referidos, abra vista ao Ministério Público.

Após, conclua novamente”.

                                                           ***

1.8. – Em 25-01-2018 o M.P. teve vista dos autos e promoveu:

“Por decisão judicial, foi verificado o incumprimento do requerido, no que tange ao pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho CC e foi determinado que tal pensão fosse suportada pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.

Na sequência de requerimento da progenitora, foram efectuadas diligências com vista à aferição da manutenção dos pressupostos que estiveram na base do accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores, designadamente solicitou-se a realização de relatório actualizado sobre a composição do agregado familiar da menor e respectivos rendimentos e despesas, bem como informação sobre a actual situação laboral/retributiva do devedor.

No caso, permanecendo o devedor de alimentos na situação de incumprimento sem que lhe seja conhecida qualquer actividade profissional por conta de outrem ou o recebimento de qualquer renda, subsídio ou pensão, que habilitem ao recurso ao mecanismo previsto no artigo 48º, número 1, alínea b), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, e atento o teor do relatório junto a estes autos, conclui-se que se mantêm os pressupostos com base nos quais foi determinado que o pagamento da prestação de alimentos devida ao ... fosse suportado pelo Estado, do mesmo resultando que a situação económica do seu agregado familiar se mantém praticamente a mesma, não dispondo de um rendimento líquido de montante superior ao valor do indexante dos apoios sociais, conforme artigo 3º, número 1, alíneas a) e b), do Decreto-lei número 164/99, de 13 de Maio.

Estão, assim, reunidos os pressupostos de que depende a manutenção da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menor, pelo que se promove a manutenção do pagamento da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menor.

Mais se promove se notifique a requerente com a advertência de que lhe compete fazer o pedido de renovação anual da prova de que se mantém os pressupostos subjacentes à atribuição da pensão a cargo do Fundo”.

                                                           ***

1.9. – Em 30/1/2018 foi proferido despacho a decidir manter o pagamento da prestação de alimentos devida a CC a cargo do Estado – Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menor, pelo período de mais um ano, e a ordenar a notificação da requerente com a advertência de que lhe compete fazer o pedido de renovação anual da prova de que se mantém os pressupostos subjacentes à atribuição da pensão a cargo do Fundo.

                                                           ***

1.10. – A requerente em 14/2/2019, apresentou requerimento a renovar a prova de manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos ao menor CC, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

                                                           ***

1.11. – Em 26-02-2019 foi proferida o seguinte despacho:

Tendo em vista apreciar a manutenção da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores determino o seguinte:

- Pesquise nas bases de dados disponíveis se o requerido é titular de bens ou rendimentos, designadamente se tem inscritos em seu nome automóveis e se está inscrito na Segurança Social e qual a respetiva situação.

- Caso esteja inscrito como trabalhador por conta de outrem, averigue da identificação da entidade patronal e notifique-a, solicitando o envio aos autos de cópia do recibo da última remuneração auferida pelo requerido, informando-a de que está obrigada ao dever de colaboração com o Tribunal e advertindo-a de que a recusa da colaboração devida dá lugar a condenação em multa (artigos 417.º do Código de Processo Civil e 21.º, n.º 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).

- Oficie à Segurança Social, ao Centro Nacional de Pensões e à Caixa Geral de Aposentações para que informem se o requerido é beneficiário de alguma prestação social, designadamente subsídio de desemprego ou bolsa de formação, e qual o respetivo montante.

- Oficie à Repartição de Finanças, solicitando que informe se o requerido está inscrito como proprietário de imóveis e se recebe rendas ou quaisquer outros rendimentos.

- Caso não se apure a existência de quaisquer bens ou rendimentos da titularidade do requerido, solicite ao Instituto de Segurança Social a elaboração de relatório sobre o agregado familiar da criança e respetivos rendimentos e despesas, a fim de habilitar o Tribunal a aferir da verificação dos pressupostos de que depende a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores”.

                                                                          ***

1.12. – Em 3/7/2019, após promoção do M.P., foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados, por se manterem os pressupostos de facto e de direito que determinaram a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 3.º, nos 4 e 6, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e nos artigos 3.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, determino a manutenção da obrigação de pagamento da prestação alimentícia mensal devida ao menor CC a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, no valor mensal de € 90,40 (noventa euros e quarenta cêntimos).

Comunique e notifique, informando ainda a mãe do menor das obrigações decorrentes do disposto no artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.

Manter-se-á a prestação social a cargo do Fundo enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor a alimentos está obrigado, devendo a mãe do menor comunicar a este Tribunal Judicial ou à Segurança Social, a cessação ou alteração da sua situação pessoal; do obrigado a alimentos (pai do menor) ou do menor, devendo anualmente renovar a prova de que se mantêm os pressupostos que determinam a intervenção do Fundo (artigos 3.º, n.º 4, e 4.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 9.º, nos 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio).

*

Caso a renovação da prova não seja realizada, cumpra o disposto no artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio

*

Notifique o Ministério Público, os pais do menor e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de Maio).

*

Sem custas, por ter sido já objeto de tributação a fls. 106”.

                                                       ***

1.14. - Em 16/6/2020 o M.P. promoveu:

O jovem CC completou a sua maioridade, pelo que deverá o mesmo, querendo, enquanto beneficiário, requerer a continuação da intervenção do FGADM, comprovando documentalmente, caso seja o caso, que continua a estudar/em formação académica”.

                                                                  ***

            1.15. – Em 22-06-2020 foi proferido o seguinte despacho:

Notifique nos termos promovidos”.

                                                                  ***

            1.16. – Em 14-07-2020 o M.P. teve vista dos autos e promoveu:

Não tendo o beneficiário requerido, nem feito prova dos pressupostos para a intervenção do FGADM, deverá cessar tal intervenção

                                                     ***

1.17. - Em 10/8/2020 a requerente AA apresentou requerimento onde pede a renovação da prova de manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos ao menor CC, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

                                                                       ***

            1.18. Em 14-09-2020 o M.P. teve vista dos autos e promove:

Uma vez que o requerente já atingiu a maioridade o Ministério Público já não tem legitimidade para intervir nos presentes autos”.

                                                           ***

1.19. - Em17-09-2020 foi proferida decisão a referir que para ser informado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que foi feita prova que CC está a estudar, pelo que se deve manter o pagamento da prestação de alimentos pelo FGADM até ordem do Tribunal em sentido contrário e enquanto o jovem não completar 25 anos.

                                                           ***

1.20. – Em 21/10/2020 veio a ser proferida decisão onde se refere no dispositivo:

Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados, por se manterem os pressupostos de facto e de direito que determinaram a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 3.º, nos 4 e 6, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e nos artigos 3.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, determino a manutenção da obrigação de pagamento da prestação alimentícia mensal devida ao jovem CC a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, no valor mensal de € 90,40 (noventa euros e quarenta cêntimos).

                                                           *

Comunique e notifique, informando ainda a mãe das obrigações decorrentes do disposto no artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio.

Manter-se-á a prestação social a cargo do Fundo enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor a alimentos está obrigado, devendo a mãe comunicar a este Tribunal Judicial ou à Segurança Social, a cessação ou alteração da sua situação pessoal; do obrigado a alimentos (pai) ou do jovem, devendo anualmente renovar a prova de que se mantêm os pressupostos que determinam a intervenção do Fundo, incluindo comprovando que o jovem ainda não concluiu o seu processo de educação ou formação profissional e não o interrompeu livremente (artigos 1.º, n.º 2, 3.º, n.º 4, e 4.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 9.º, nos 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio).

*

Caso a renovação da prova não seja realizada, cumpra o disposto no artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio

*

Notifique os pais e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigos 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de maio).

*

Custas e valor fixados na sentença de 3 de dezembro de 2015”.

                                                          ***

1.21. - Em 4/11/2021 foi proferido despacho do seguinte teor:

Em caso de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a regra é a da cessação da intervenção do Fundo quando a criança atinge a maioridade (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro).

A exceção ocorre quando o jovem adulto menor de 25 anos não tenha concluído o seu processo de educação ou formação profissional.

Em ordem a comprovar a verificação da exceção, notifique a requerente para, em 10 dias, juntar comprovativo de que o seu filho não concluiu o seu processo de educação ou formação profissional, designadamente por se encontrar matriculado em estabelecimento de ensino.

                                                          ***

1.22. - Em 18/11/2021 a requerente - AA, apresenta requerimento onde refere:

“1. O seu filho alimentando CC, ainda, não logrou finalizar o seu processo educativo.

2. Na verdade, encontra-se, actualmente, a preparar o seu ingresso no ensino superior, aguardando e expectando a respectiva colocação. (Vide documento n.º 1).

TERMOS EM QUE, Requer a V.Ex.ª se digne considerar, para os devidos efeitos plasmados no artigo 9º, n.º4 do D.L. n.º 164/99, como renovada a prova de manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos ao menor

CC, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”.

                                                           ***

1.23. - Em 23/11/2021 foi proferido o seguinte despacho:

Considerando que o documento junto não comprova que o jovem não tenha concluído o seu processo de educação ou formação profissional, designadamente por se encontrar matriculado em estabelecimento de ensino, renovo o despacho que antecede”.

(despacho referido em 1.21., sublinhado é nosso)

                                                           ***

1.24. - Em 13/12/2021 a requerente apresenta requerimento do seguinte teor:

“(…)

1. A Exponente reitera que o seu filho alimentando CC, ainda, não logrou finalizar o seu processo educativo.

2. O seu filho pretende finalizar o seu percurso formativo no ensino superior.

3. Sucede, que a Exponente não exsuda meios financeiros que suportem o custo duma formação superior num estabelecimento de ensino privado, pelo que, está dependente, bem como, o seu filho, dos numerus clausus no ensino superior público.

4. E neste cenário, o jovem adulto menor de 25 anos, não logrou colocação nesta fase de candidatura, como se alcança pelo documento já junto aos autos.

5. O seu filho prepara nova candidatura, tendo a legítima expectativa de colocação no próximo ciclo de acesso ao ensino superior público.

6. Na presente data o seu filho não se encontra matriculado em qualquer estabelecimento de ensino, aguardando, pois, a respectiva colocação em data ulterior.

Destarte,

Requer a V.Ex.ª se digne considerar, para os devidos efeitos plasmados no artigo 9º, n.º4 do D.L. n.º 164/99, como renovada a prova de manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos ao CC (jovem adulto menor de 25 anos), a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”.

                                                    ***

1.25. – Em 5/1/2022 foi proferida a sentença, recorrida, do seguinte teor:

1. CC está registado como sendo filho de BB e AA e como tendo nascido a .../.../2002.

2. Por sentença de 18 de maio de 2016 foi ordenado que o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores pagasse o valor mensal de € 85.

3. Notificada para, em 10 dias, juntar comprovativo de que o seu filho não concluiu o seu processo de educação ou formação profissional, designadamente por se encontrar matriculado em estabelecimento de ensino, a requerente informou que, na presente data, o seu filho não se encontra matriculado em qualquer estabelecimento de ensino
*

O Tribunal é competente para conhecer a causa, em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território, o processo não enferma de nulidade total, as  partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, não existem nulidades, exceções, dilatórias ou perentórias, ou questões prévias de que cumpra conhecer.
*

II. Questões a resolver
*

Importa apreciar e decidir da manutenção/cessação das prestações de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores
*

III. Fundamentação de facto

O Tribunal considera provados e com interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:

1. CC está registado como sendo filho de BB e AA e como tendo nascido a .../.../2002.

 2. Por sentença de 18 de maio de 2016 foi ordenado que o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores pagasse o valor mensal de € 85.
*

IV. Motivação da decisão de facto
*

Para dar como provados os factos acima descritos, o Tribunal fundou a sua convicção na cópia do assento de nascimento junta ao processo principal e na sentença proferida nestes autos.
*

V. Fundamentação de direito

A matéria respeitante ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores está regulada na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e no Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.

Nos termos do disposto no artigo 1.º da referida Lei, “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.”

Para permitir ao Estado assegurar as tais prestações, foi constituído o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (adiante apenas Fundo), através do acima referido Decreto-Lei, em concreto do seu artigo 2.º, n.º 1.

Depois da maioridade o pagamento das prestações pelo Fundo mantém-se até aos 25 anos desde que o processo de educação ou formação profissional do jovem ainda não esteja concluído e não tenha sido livremente interrompido (artigos 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e 1905.º do Código Civil).

A requerente, informou que na presente data, o seu filho não se encontra matriculado em qualquer estabelecimento de ensino.

Assim, tendo CC atingido a maioridade e não estando comprovado que o seu processo de educação ou formação profissional ainda não está concluído e não foi livremente interrompido, terá de cessar a intervenção do Fundo.

Note-se que, caso CC venha a cumprir os pressupostos para a intervenção do Fundo, poderá requerê-la novamente. Porém, não os cumprindo não poderá dela beneficiar.
*

VI. Dispositivo

Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados, determino a cessação da responsabilidade do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores pelo pagamento dos alimentos a CC.
*

Notifique o Ministério Público, os pais do jovem e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigo 9.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de maio).
*

Custas e valor fixados na sentença de 3 de dezembro de 2015.
*

Providencie pelo arquivamento”.

                                                        ***

1.26. – Inconformada com tal decisão dela recorreu AA, mãe de CC, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1.ª - A escalpelização hermenêutica da sentença, ora, recorrida, descortina, salvo o devido respeito que muito é, equívocos continentais ao nível da subsunção e interpretação jurídicas, tendo a Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo”, equimozado o sentido profundo da coerência, apreensibilidade, operacionalidade e justeza dos meios e das soluções de que a actividade interpretativa se deve servir, para encontrar a justa solução do caso concreto.

2.ª - O Tribunal “a quo” bordou uma motivação para respaldar a sua decisão, numa retórica, manifestamente, insuficiente, que não cumpre os mínimos de consagração constitucional, do universal dever de fundamentação.

3.ª - O Tribunal ”a quo” omitiu a bordadura de qualquer matéria factual sobre a conclusão ou interrupção voluntária do processo educativo do alimentando, pois, só neste estrito caso, despontaria escoramento para fazer cessar a responsabilidade do FGA.

O Tribunal “a quo” não elencou qualquer facto neste sentido, bem como, não logrou fundamentar porque razão considerou que o processo educativo foi, livremente, interrompido.

4.ª - A sentença, ora, posta em crise, padece de nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1, alínea b) do CPC, que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca, e que é de conhecimento oficioso.

5.ª -A Recorrente logrou de forma explícita, expressa e cristalina, demonstrar nos autos, aboletando-se em prova documental, que o seu filho CC não estava, efectivamente, matriculado em qualquer estabelecimento de ensino, não porque, assim, o quisesse, mas porque devido ao sistema de numerus clausus do ensino superior público, não logrou colocação nesta fase de acesso.

6.ª - Perfila-se, vincadamente, que a interrupção do processo escolar do CC não foi livre, antes, imposta pelo sistema dos numerus clausus de acesso ao ensino superior público, pretendendo este recandidatar-se na imediata fase seguinte de acesso ao ensino superior.

Destarte, deveria levar-se ao patamar dos factos provados que o CC não está matriculado em qualquer estabelecimento de ensino, por não ter logrado colocação no acesso ao ensino superior público, pretendendo voltar a recandidatar-se.

7.ª - Estão, pois, reunidos, in totum, os pressupostos legais para manter a responsabilidade do FGA pelo pagamento dos alimentos ao filho da Recorrente.

8.ª -Violou, assim, diz-se com o devido respeito, a sentença recorrida:

- Os artigos 154; 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º, n.º1, alínea b) todos do CPC;

- O artigo 1905.º, n.º 2 do CC.

- O artigo 1.º, n.º 2 da Lei n.º 75/98.

TERMOS EM QUE, deve dar-se provimento ao presente Recurso e ipso facto:
a) Revogar-se a sentença recorrida.

Assim, decidindo, farão, V.Ex.as a costumada e recta J U S T I Ç A”.

                                                          ***

1.27. – Feitas as respetivas notificações não houve resposta.

                                                           ***

1.28. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

a) Conhecimento das invocadas nulidades Considerando o teor da decisão proferida nos autos, designadamente a fundamentação, independentemente da bondade da decisão, entendo que não foi cometida qualquer nulidade na decisão recorrida.

*

b) Admissão de recurso

Por tempestivo, admito o recurso interposto, que é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 32.o e 33.o do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 645.o, n.o 1, al. a), do Código de Processo Civil).

                                                           *

Subam os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra”.      

             ***

            1.29. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                        ***

             2. Fundamentação

O Tribunal considera provados e com interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:

2.1. - CC está registado como sendo filho de BB e AA e como tendo nascido a .../.../2002.

2.2. - Por sentença de 18 de maio de 2016 foi ordenado que o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores pagasse o valor mensal de € 85.

2.3.- O CC não está matriculado em qualquer estabelecimento de ensino.

2.4.-  O referido em 2.3. deve-se ao facto de não ter logrado colocação no acesso ao ensino superior público, apesar de ter concorrido.

 ***

                                    3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir são:

a)- Saber se a sentença é nula por violação da al. b), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

b)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que que mantenha a responsabilidade do FGA pelo pagamento dos alimentos ao filho da Recorrente.

Tendo presente que são duas as questões invocadas pelo recorrente, por uma questão de método, iremos analisar cada uma de per si.

Assim,

a)- Saber se a sentença é nula por violação da al. b), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Segundo a recorrente a sentença recorrida padece de nulidade, por violação da alínea b), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

Para tanto, refere que a mesma abordou a questão, numa retórica, manifestamente, insuficiente, que não cumpre os mínimos de consagração constitucional, do universal dever de fundamentação, o Tribunal ”a quo” omitiu a bordadura de qualquer matéria factual sobre a conclusão ou interrupção voluntária do processo educativo do alimentando, pois, só neste estrito caso, despontaria escoramento para fazer cessar a responsabilidade do FGA, nem elencou qualquer facto neste sentido, bem como, não logrou fundamentar porque razão considerou que o processo educativo foi, livremente, interrompido.

O Tribunal “a quo” pronunciou-se, nos termos do n.º 1, do art.º 617.º, do C.P.C., sobre a nulidade invocada referindo não se verificar a mesma.

Vejamos.

Preceitua o n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C., para o que importa.

a) …

b) - Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

           Por sua vez, o nº4 do art.607º do Código de Processo Civil, que está em causa, impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare:

“Quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

O dever de fundamentação das decisões, na sua vertente endoprocessual e extra-processual, decorre do art. 208º, nº1, da Constituição da República, sendo da maior relevância não só para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como na decisão de direito.

A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.

A exigência de fundamentação das respostas negativas aos quesitos constituiu inovação na revisão do Código de Processo Civil de 1995/96: não era requisito no Código de Processo Civil de 1939 e só passou a sê-lo, quanto aos factos provados no Código de Processo Civil de 1961, mantendo-se até ao DL. 329-A/95, de 12.12, o dever, quanto aos factos julgados provados, de especificar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.

A propósito de tal matéria, escreve, Lebre de Freitas in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil”, 3.ª Edição, pág. 315, escreve:

“No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ” – (destaque e sublinhado nosso).

“A fundamentação passou a exercer, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional” – “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª edição, de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre.

Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento.

A propósito refere, Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, págs. 350/351:

“A estatuição do citado nº4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado). […]. A omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no art.195º, porquanto com manifesta “influência no exame e ou na decisão da causa”, que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos arts.149º, 195º e 199º”.

Rui Pinto, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 2ª edição, pág. 77:

           “No direito anterior à Lei n.°41/2013, de 26 de Junho, em sede de processo ordinário, a decisão sobre a matéria de facto tinha lugar após o encerramento da audiência de julgamento (cf. anterior artigo 653.° n.°2). Na nova versão do Código de Processo Civil, o legislador suprimiu a decisão sobre matéria de facto, no termo da audiência de julgamento. Por isso, bem se pode chegar à sentença sem o proferimento de despacho formal sobre factos assentes. Na realidade, a decisão de fixação de factos assentes passou a ser uma decisão formalmente não autónoma — mas decisão, ainda assim…— no seio da fundamentação da sentença, prejudicial do dispositivo desta.”

Vigorando, actualmente, a possibilidade de recorrer da matéria de facto, cumpridos que sejam os requisitos do art. 640º do Código de Processo Civil, na sentença ao julgador cumpre indicar os factos provados e não provados e analisar criticamente as provas. A fundamentação de que curamos reporta-se à vertente processual: constituem realidades distintas a decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação, e a fundamentação da decisão final que versa sobre matéria de direito.

Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e nessa perspectiva contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.

Pelo que, é crucial a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.

Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processual”, pág. 348, em texto cuja actualidade e pertinência justificam a citação, afirma:

“A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.

A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos.”

No “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, de Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, pág. 717, em comentário ao art.607º lê-se, além do mais:

“A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.

Aplicando tais princípios ao caso em apreço, temos para nós, que referir a nulidade invocada não se verifica.

Por um lado, no que concerne, á fundamentação de facto, resulta da mesma que refere, quais os factos, que em seu entender se encontram provados, referindo onde assenta a sua fundamentação (cfr. decisão transcrita no ponto 1.21).

Por outro lado, na vertente de direito, também refere onde assenta a sua conclusão, ao referir: “A requerente, informou que na presente data, o seu filho não se encontra matriculado em qualquer estabelecimento de ensino.

Assim, tendo CC atingido a maioridade e não estando comprovado que o seu processo de educação ou formação profissional ainda não está concluído e não foi livremente interrompido, terá de cessar a intervenção do Fundo” (cfr. sentença transcrita em 1.21.).

Ou seja, assertiva ou não, a decisão, refere o seu pensamento e fundamenta o mesmo.

Assim, esta sua pretensão não procede.

                                                           *

Antes de entrarmos na análise da segunda questão, cabe referir, que a recorrente embora são seja muito expressa, parece pedir a ampliação da matéria, quando refere na conclusão 6.º “Perfila-se, vincadamente, que a interrupção do processo escolar do CC não foi livre, antes, imposta pelo sistema dos numerus clausus de acesso ao ensino superior público, pretendendo este recandidatar-se na imediata fase seguinte de acesso ao ensino superior.

Destarte, deveria levar-se ao patamar dos factos provados que o CC não está matriculado em qualquer estabelecimento de ensino, por não ter logrado colocação no acesso ao ensino superior público, pretendendo voltar a recandidatar-se”.

Aliás, mesmo a não se entender assim, sempre este Tribunal, oficiosamente, pode ampliar a matéria de facto, se o entender por pertinente, desde que, os autos contenham os elementos para tal (cfr. alínea c), do n.º 2, do art.º 662.º, do C.P.C.).

Compulsados os autos, temos para nós, que os mesmos contêm elementos que nos permitem ampliar a mesma, desde logo, tendo por base o doc. 1, junto pela recorrente, como se refere nos pontos (1.22., voltando a aludir ao mesmo, no seu requerimento datado de 13/12/2021, (cfr. ponto 1.24.)

Compulsado tal documento resulta que efetivamente o CC não se encontra matriculado em qualquer estabelecimento de ensino, por não ter logrado colocação em tal ensino público.

Assim, este Tribunal irá aditar dois pontos á matéria de facto, que colocará no respetivo local a negrito.

Aqui chegados passemos analisar o ponto seguinte.

                                                           *

b)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que que mantenha a responsabilidade do FGA pelo pagamento dos alimentos ao filho da Recorrente.

Segundo a recorrente, demonstrou nos autos, de forma explícita, expressa e cristalina, aboletando-se em prova documental, que o seu filho CC não estava, efectivamente, matriculado em qualquer estabelecimento de ensino, não porque, assim, o quisesse, mas porque devido ao sistema de numerus clausus do ensino superior público, não logrou colocação nesta fase de acesso, pelo que, vincadamente, que a interrupção do processo escolar do CC não foi livre, antes, imposta pelo sistema dos numerus clausus de acesso ao ensino superior público, pretendendo este recandidatar-se na imediata fase seguinte de acesso ao ensino superior, pretendendo voltar a recandidatar-se.

Vejamos.

Antes de entrarmos na análise da questão que temos entre mãos, faremos um breve enquadramento jurídico da situação.

Como se sabe, os pais estão obrigados a contribuir para os alimentos dos filhos (cfr. art. 1878º, nº 1, do C.Civil) e, por isso, cada um dos progenitores tem de contribuir dentro do que lhe for humanamente possível para a alimentação dos filhos e se alguém tiver de fazer sacrifícios ou passar necessidades, tal situação deve onerar, em regra, os progenitores.

Esta oneração colocada a cargo dos progenitores funda-se no facto dos filhos enquanto menores, e logo após a maioridade, serem seres humanos em formação e desenvolvimento e da circunstância do seu futuro depender, em regra, desta formação e deste desenvolvimento; em contrapartida, os progenitores já passaram por essa fase e embora possam melhorar as suas vidas e fazer, eventualmente, hoje o que não fizeram nessas idades, já nada podem fazer para alterar o passado.

Daí que o interesse dos filhos deva prevalecer por ser atual e prioritário em relação ao interesse dos progenitores.

Como é sabido, a Lei nº 122/2015, de 1/9 alterou o paradigma probatório nesta temática.

Na verdade, antes do contributo legislativo aportado por tal diploma legal, «Embora não houvesse dúvidas de que a obrigação de prestação de alimentos fixada a filho menor não se extinguia automaticamente com a maioridade deste (cfr. art. 989.º, n.º 2, do NCPC; arts. 1880.º e 2013.º, do CCiv), na prática, a subsistência dessa obrigação dependia de um impulso processual do filho, já maior, que, em processo especial instaurado contra o progenitor, tinha de demonstrar não ter ainda completado a sua formação profissional e estarem reunidos os demais pressupostos do art. 1880.º do CCiv. Isto porque se considerava que o pedido de alimentos em processo pendente ou formulado na instância renovada de processo findo apenas podia ser apreciado até ao momento da maioridade.

Hoje, o n.º 2 aditado ao art. 1905.º do CCiv dispensa o filho maior de alegar e provar tais pressupostos até que complete 25 anos de idade, competindo ao progenitor, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática. É, pois, ao progenitor obrigado que cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar.» (cfr. J. H. DELGADO DE CARVALHO, “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9 (2)”, a págs. 2-3, in Blog do IPPC, acessível através de https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos_28.html).

Isto é, com a alteração introduzida no art. 1905º do C. Civil, mediante o aditamento do nº 2 pela Lei nº 122/2015, os filhos passaram a ter automaticamente direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos, sendo que esta obrigatoriedade de pagamento da prestação de alimentos só cessa (i) se o filho maior já tiver completado a sua educação ou formação profissional, (ii) no caso de essa educação ou formação ter sido interrompida por livre iniciativa do filho ou se (iii) o obrigado a alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Mais concretamente, estatui-se pela seguinte forma no atualmente vigente art. 1905º do C.Civil, com a epígrafe de “Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”:

«1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.».

A chave da questão em apreço, prende-se, com o que é que se deve entender/interpretar como constituindo a ressalva legal da «formação ter sido interrompida por livre iniciativa do filho»?

A melhor interpretação a dar a tal expressão “interrupção por livre iniciativa” não nos parece que possa ser dissociado duma ação do agente consciente, informada e livre de qualquer constrangimento, quer ao nível económico, quer social.

Pelo que, se o mesmo não tiver condições económico-sociais para prosseguir os estudos no imediato, impondo-se ou sendo incontornável uma suspensão na formação académica por tal motivo, parece-nos que não é caso da ressalva legal de “livre interrupção dos estudos”,  (cfr. acórdão do TRP de 27.04.2017, proferido no proc. nº 395/12...., relatado por Maria Cecília Agante), o que também não será, em nossa opinião, se o agente não conseguir a matrícula, em virtude do numerus clausus no ensino superior público, desde logo, por não se poder afirmar que interrompeu os estudos de forma livre e não se pode, quanto a nós, dissociar a expressão “livre interrupção dos estudos”, de uma ação do agente consciente e livre de qualquer constrangimento (cfr. Ac. desta Relação, proc.º n.º 54/03...., relatado por Luís Cravo).

No Ac. supra citado refere-se “Apurado que a Recorrente descontinuou os seus estudos universitários durante um ano por não dispor de capacidade financeira para se deslocar para G…, em cuja universidade foi colocada, fica enjeitada a conclusão de que interrompeu livremente os estudos».

Os considerandos feitos in supra têm plena aplicação quando o Fundo de Garantia dos Alimentos a Menores, está a contribuir para alimentos do jovem, por impossibilidade financeira de seus pais, desde logo, por o n.º 2, do art.º 1, da Lei 75/98, de 19/11, remeter para o n.º 2, do art.º 1905.º, do C.C., quando preceitua “O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil”.

Aqui chegados, cabe verificar se a situação em apreço, se enquadra na exceção do n.º 2, do art.º 1905.º, do C.C., e por consequência, no n.º 2, do art.º 1.º, da Lei 75/98.

Pensamos que sim.

Na verdade, embora a CC não se encontre matriculado, o certo é que tal não ficou a dever-se, quanto a nós, a qualquer iniciativa sua formada de forma livre e com intenção de interromper a sua formação académica, desde logo, por resultar provado, que muito embora não se encontre matriculado, tal ficou a dever-se a não conseguir colocação no ensino superior público.

Aliás, afigura-se-nos, que a própria sentença recorrida pareça ir nessa direção quando refere no 2.º §, antes do dipositivo “Assim, tendo CC atingido a maioridade e não estando comprovado que o seu processo de educação ou formação profissional ainda não está concluído e não foi livremente interrompido, terá de cessar a intervenção do Fundo”, embora depois “remate” em sentido oposto.

Face ás razões expostas, temos para nós, que a pretensão da recorrente tem de proceder.

                                                           *

                                                  4. Decisão

Assim, em face do exposto acorda-se e decide-se:

a) Julgar procedente o recurso, e por consequência revogar a decisão recorrida, e decidir, por verificados os pressupostos legais, para manter a responsabilidade do FGA pelo pagamento dos alimentos ao filho da Recorrente.

Sem custas.

Coimbra, 5/4/2022

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Mário Silva (adjunto)