Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
656/23.6T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA
INCERTEZA DA OBRIGAÇÃO FIXADA
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 714.º A 716.º, DO CPC
Sumário: I - Constitui título executivo não apenas a decisão proferida em ação condenatória, mas também qualquer sentença judicial que imponha uma ordem de prestação ou comando de atuação ao réu de maneira incondicional.

II - A sentença homologatória de partilha constitui título executivo para efeitos de assegurar a efetivação dos direitos dos respetivos intervenientes, dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventário.

III - Padece de incerteza da obrigação, contra a executada, não suprível na fase introdutória da execução, a homologação de adjudicações de saldo bancário, relativo a conta conjunta, com referência à data do pedido de divórcio, sem que tenha sido decidido, de facto, que desde a data da instauração do divórcio e até ao encerramento da sobredita conta bancária, os fundos que aí se encontravam depositados foram movimentados pela Executada, que os fez exclusivamente seus.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            AA, executada nos autos de execução a que estes se encontram apensos, veio deduzir embargos de executado contra BB, alegando, em síntese, que o exequente não dispõe de título executivo que possibilite a execução pretendida, uma vez que o mesmo não contém qualquer obrigação para a executada ou condenação desta a pagar ao exequente qualquer quantia, limitando-se a referir que determinado montante, existente na conta bancária, na data do divórcio, pertence ao exequente, sem mencionar que o mesmo esteja na posse da executada. Acresce que o exequente já recebeu as quantias que lhe foram adjudicadas.

O exequente contestou, pugnando pela validade do título executivo, dizendo que os demais factos alegados pela executada são anteriores à sentença, pelo que não podem ser invocados e conhecidos nesta sede.

No saneamento do processo, o Tribunal decidiu:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, por provados, e, em consequência determinar a extinção da execução à qual estes autos se encontram apensos quanto a todos os bens cuja entrega é peticionada, à exceção da cómoda em madeira com 4 gavetas, faqueiro Cutipol completo e serviço Spal e sofá de três lugares em pele de cor azul, relativamente aos quais a execução prossegue.


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            Inconformado, o Exequente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A) A sentença homologatória da partilha é título executivo nos termos da alínea a) do artigo 703.º do Código de Processo Civil – neste sentido, (…)

B) Sem prescindir, a sentença homologatória da partilha é título executivo nos termos da alínea d) do artigo 703.º do CPC ex vi alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 20.º do RJPI, conquanto as certidões das peças processuais aí mencionadas constituem “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.

C) Assim, a sentença homologatória de partilha é título executivo, pelo que se os bens que couberam ao interessado não lhe forem satisfeitos, pode este coercivamente, nas palavras de João António Lopes Cardoso, in «Partilhas Judiciais», “realizar o direito que a sentença de partilhas definiu”, sem necessidade de “provocar nova a actividade judiciária”, devendo reconhecer-se força executiva ao título dado à execução quanto ao pagamento da quantia de € 106.880,62, juros e demais montantes previstos na lei e, consequentemente, alterar-se o teor da matéria de facto constante do ponto 1 dos factos provados para o seguinte teor: “1 – Nos autos principais, o exequente pede: a) o pagamento coercivo pela executada da quantia de € 106.880,62, correspondente a parte do saldo bancário e aplicações financeiras associadas a conta bancária de que ambas as partes eram titulares, que lhe foi adjudicado no inventário, acrescido de juros de mora no valor de € 928,89; b) a entrega de vários bens móveis que lhe foram adjudicados no inventário.”

D) Sustenta a decisão recorrida que não resulta da sentença lançada à execução a menção a que a quantia monetária se encontre na posse da executada ou que por esta deva ser entregue ao exequente, questão suscitada na sentença recorrida por transcrição do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.02.2019.

E) Dir-se-á que, quanto à administração dos bens, em sentido amplo e em regra geral, estarão na posse e sob a administração do cabeça de casal (cfr estipula o artigo 2079.º do Código Civil, por aplicação analógica), pelo que o aqui Apelante, embargado e cabeça de casal, logo cuidou de mencionar no requerimento executivo – artigos 5.º e 6.º do requerimento executivo – que os ditos fundos “depositados foram movimentados pela Executada, que os fez exclusivamente seus.”.

F) Cumpria então à Executada/Apelada fazer prova que não se encontrava em posse dos ditos valores pecuniários, outrora depositados na conta do extinto casal, em ordem à procedência dos seus embargos – neste sentido, com a devida adaptação, sumaria o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.04.2008, proc. n.º 0831846, disponível em www.dgsi.pt, que “Se a execução for movida contra o cabeça de casal e os bens não se encontrarem na posse deste, mas sim na de outro herdeiro, não pode o cabeça de casal deixar de ser admitido a alegar e provar tal facto, em sede de oposição à execução.”

G) O que não pode é a Apelada simplesmente negar – para além de que o faz ao arrepio da verdade e o que merece a mais severa censura – que não fez seu tal saldo bancário para, assim e bastando-se, ver os seus embargos julgados procedentes, sem sequer carecer de provar o que alega, designadamente dispensando-se de alegar e de demonstrar qual o destino de tal saldo bancário que existia depositado à data da instauração do divórcio na conta do casal, indicando concretamente para quem tais valores foram transferidos e na posse de quem se encontram – neste sentido, sumaria o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.03.2010, proc. n.º 545/03.0TMPRT-P.P2, disponível em www.dgsi.pt: “II – O cabeça-de-casal, mesmo que durante o processo de inventário não tenha referido, em nenhum momento, que alguns dos bens que fazem parte da herança não estão na sua posse, por se encontrarem em poder de uma outra pessoa, não está impedido de em sede de oposição à execução que contra si foi proposta vir alegar que esta situação não se verifica; III – Não poderá, porém, limitar-se a alegar que a sentença homologatória da partilha não comprova que tais bens se encontrem na sua posse, tomando-se imprescindível que alegue que os mesmo estão na posse da pessoa X ou T.”.

H) Deve assim, em conformidade, a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgue os embargos manifestamente improcedentes, nos termos a alínea c) do n.º 1 do artigo 732.º do CPC.

I) Sem prescindir, a sentença recorrida ignorou de todo em todo a defesa do Apelante – artigos 5.º e 6.º do requerimento executivo e artigos 15 a 24.º e 46.º a 60.º da contestação dos embargos – bem como a extensa e pertinente documentação apresentada nos autos, a qual comprova, designadamente, que o mencionado saldo se encontrava arrolado, bem como as sucessivas ordens da Apelada na movimentação daquele após o arrolamento, comprovadas e documentadas nos autos de arrolamento que correram por apenso aos principais de divórcio – vide, designadamente, documentos 1 a 4 juntos com a contestação e certidão das peças processuais a que correspondem os documentos 5 a 8 juntos com o requerimento de 04.10.2023.

J) Assim, mal andou a sentença recorrida ao olvidar toda a defesa apresentada pelo Apelante, designadamente os mencionados factos que assumem premente pertinência para a decisão final segundo as várias soluções de direito, pelo que se impunha selecionar e aditar ao rol de factos «provados» a factualidade seguinte: 5 - No dia 7 de Janeiro de 2016, data da instauração do divórcio, existia depositada na conta n.º ...17 junto do Banco 1..., a importância de EUR 141.159,63, sendo EUR 1.159,63 em depósito à ordem e EUR 140.000,00 na aplicação “Conta Rendimento Mensal” sob o n.º ...54; 6 - No dia 17.08.2016, a Embargante deu ordem unilateral de transferência da quantia de EUR 135.000,00 daquela conta para crédito na conta n.º ...08 junto daquela mesma instituição bancária (Banco 1...), titulada por CC; 7 - Na data de 22.08.2016 a Embargante deu nova ordem de transferência da importância de EUR 135.000,00, desta feita sobre a dita conta n.º ...08 de que é titular CC, ora a favor da conta n.º ...04 de que a Embargante é igualmente titular junto do Banco 1.... 8 – Na sequência do descrito em 6, no dia 17.08.2016 a conta bancária que constitui a Verba Um da relação de Bens ficou com o saldo de EUR 305,72.

K) Sem conceder, e só para a mera hipótese de assim não se entender, o que apenas por mero zelo de patrocínio se alvitra, tomando-se tal factualidade por controvertida, deverá então o Tribunal a quo selecionar os factos 5.º e 6.º do requerimento executivo bem como os factos 15.º a 24.º e 46.º a 60.º da contestação dos embargos, mediante formulação do(s) respectivo(s) tema(s) da prova.

L) Sendo que, assente ou controvertida, a determinação de quem se encontra em poder do saldo bancário que constitui a Verba n.º 1 da Relação de Bens, adjudicado em parte (EUR 106.880,62) a favor do Apelante, assume manifesta relevância para a decisão da questão de direito, tanto que aí se ancora a legitimidade passiva da Apelada para figurar na lide, na qualidade de executada, em execução instaurada para pagamento da quantia depositada e adjudicada ao exequente.

M) Apelando à extensa jurisprudência supra citada, cumpriria à Apelada Embargante alegar e demonstrar que o saldo bancário não se encontra em seu poder, por se encontrar, concretamente, na posse do Apelante ou de terceiro X ou Y, ónus alegatório que não satisfez e que determinaria a improcedência dos embargos.

N) Sem prescindir, e o que apenas por mero zelo de patrocínio se alvitra, ainda que se entenda que tal ónus alegatório e probatório recaia sobre o Apelante, aquele (alegatório) o mesmo satisfez quer no requerimento executivo quer na contestação dos embargos, e este (probatório), para além da documentação junta, o Embargado produzirá prova complementar mediante certidão da extensa documentação bancária que se encontra junta aos autos de arrolamento que correram por apenso aos principais de divórcio.

O) Rematando ainda que, uma vez demonstrada a factualidade que se pugna dever aditar ao rol dos factos provados, a Apelada faltou conscientemente à verdade – designadamente, em 46.º e 62.º a 68.º dos embargos – ao negar que tenha ordenado a transferência do saldo bancário a seu favor, assim o fazendo exclusivamente seu, o que traduz a negação de factos que lhe são próprios e pessoais, cuja veracidade dos mesmos a Apelada não ignora, e o que merece a mais forte e severa censura que o direito adjetivo sanciona mediante o instituto da litigância de má-fé, assim devendo a Recorrida ser condenada, em multa ao Tribunal e em indemnização ao Recorrente, incluindo honorários de mandatário.

P) A sentença recorrida violou, por incorreta interpretação e aplicação do direito, designadamente o n.º 5 do artigo 10.º, alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 703.º, e alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 732.º do CPC; alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 20.º do RJPI; e artigo 2079.º do Código Civil.


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            A Executada contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

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A questão a decidir é a de saber se a sentença em causa é passível de execução, no que respeita à adjudicação de parte de saldo bancário.

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            Os factos a considerar são os seguintes e os que resultam das considerações infra exaradas:

1 – O exequente pede o pagamento coercivo pela executada da quantia de € 106.880,62, correspondente a parte do saldo bancário e aplicações financeiras associadas a conta bancária de que ambas as partes eram titulares, que lhe foi adjudicado no inventário, acrescido de juros de mora no valor de € 928,89.

2 – A execução referida em 1) foi intentada com base na sentença homologatória da partilha proferida no processo n.º 1497/22.... do Juízo de Família e Menores ... – Juiz ... e transitada em julgado em 31-10-2022, sendo que do mapa da partilha constam apenas as verbas que são adjudicadas a cada parte (cfr. certidão de fls. 3v dos autos de execução, que aqui dou por integralmente reproduzida).

Sem interesse para o recurso:

3 – No âmbito do procedimento cautelar n.º 38/16.... que correu termos no Juízo de Família e Menores ... – Juiz ..., foram objeto de arrolamento em 26 de setembro de 2016 os seguintes bens, dos quais a executada ficou fiel depositária: - uma cómoda em madeira com 4 gavetas; - faqueiro Cutipol completo e serviço Spal; - sofá de três lugares em pele de cor azul.

4 – O arrolamento referido em 3) foi levantado por decisão proferida em 27-03-203 e transitada em julgado em 19-04-2023, na sequência de requerimento efetuado pela executada em 18-03-2023, no qual requereu o levantamento do arrolamento decretado por inutilidade superveniente, face ao trânsito em julgado da sentença referida em 2).


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No inventário em questão, foi adjudicado ao Exequente, nomeadamente, parte da Verba Um, correspondente a parte do saldo bancário e aplicações financeiras associadas à conta bancária n.º ...17 de que Exequente e Executada eram contitulares junto do Banco 1..., no montante de EUR 105.951,73.

Esta adjudicação decorre de anterior decisão (4.3.2020) que, certificando o saldo à data de 7.1.2016, mandou corrigir o valor da verba 1 para 141.159,63€.

Esta decisão preocupou-se apenas com a definição do valor à data do pedido de divórcio, não julgando factos anteriores ou posteriores relativos a movimentos da conta e à motivação de tais movimentos.

No inventário, não consta, em parte alguma, que a quantia monetária objeto da execução se encontre na posse da executada.

Declarou-se ainda naquele que não havia tornas a pagar ou a receber.

A conta titulada por ambos está agora encerrada.

Depositário era o Banco 1....

Neste contexto, alega o Exequente, no seu requerimento executivo:

“5.º - De facto, desde a data da instauração do divórcio e até ao encerramento da sobredita conta bancária, os fundos que aí se encontravam depositados foram movimentados pela Executada, que os fez exclusivamente seus.”

O inventário não discutiu ou decidiu sobre isso.

O ónus da afirmação é do Exequente, mas não poderá prová-la na fase introdutória da execução (ultrapassada), que não está preparada para esse efeito (arts.714 a 716 do Código de Processo Civil).

A certificação da afirmação, definindo a responsabilidade da Executada, tinha de estar já feita na sentença em execução.

Sendo certo que a sentença homologatória de partilha poderá constituir título executivo para efeitos de assegurar a efetivação dos direitos dos respetivos intervenientes, sê-lo-á apenas dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventário.

Não estando obtidos os factos pertinentes, não é possível ajuizar sobre o pedido de má fé (conclusão O).


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            Decisão.

           Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente, vencido.

            2024-10-08


(Fernando Monteiro)

(Vítor Amaral)

(Carlos Moreira)