Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | INCLUSÃO NA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA DE “JUÍZOS CONCLUSIVOS” PRESUNÇÕES JUDICIAIS CARGA COMPOSTA POR PAINÉIS DE ALUMÍNIO VERIFICANDO-SE A QUEDA DESTES INFRACÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA SOBRE O EMPREGADOR DO LESADO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SOURE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 581.º E 607.º, 4, DO CPC ARTIGO 800.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 18º, 1 E 79.º, 3, DA LEI 98/2009, DE 4/9 ARTIGOS 3.º; 27.º; 33.º, 4 E 35.º, 1, DO DL 50/2005, DE 25/2 ARTIGOS 3.º E 4.º DA PORTARIA 702/80, DE 22/9 | ||
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Sumário: | I - Afirmações como «Os painéis em causa no acidente estavam devidamente acondicionados no porta-paletes, não sendo previsível que os mesmos viessem a cair do mesmo durante o seu trajeto no ar» ou «O acidente que vitimou o trabalhador da Ré não se deveu a qualquer violação das regras de segurança por parte da Ré, mas sim a uma situação inopinada e involuntária por parte da Ré», não podem constar da matéria de facto provada – artigo 607.º, n.º 4 do CPC – porque não correspondem a algo que tenha ocorrido como tal no mundo, tratando-se de juízos de facto complexos, formados a partir de factos mais simples, estes, sim, suscetíveis de serem percecionado e descritos, caso tenham existido, os quais permanecem, porém, desconhecidos.
II - Sabendo-se que os painéis caíram quando se encontravam a ser elevados pela grua e transportados no porta-paletes, a queda dos painéis é um efeito de uma causa ou causas. Assim, conhecendo-se o efeito e sendo certo que este teve uma causa, é possível adquirir uma convicção – artigo 607.º, n.º 4 do CPC –, mesmo quando as testemunhas não viram operar a(s) causa(s), o que ocorre quando o juiz logra obter uma explicação que descreve como esse efeito foi produzido e isso passa por regredir do efeito à causa, seguindo as regras de experiência aplicáveis ao caso. III – Uma carga composta por alguns painéis de alumínio, próprios para cofragem, não imobilizados com o auxílio de correntes ou cordas, transportados pelo ar, por uma grua e num porta-paletes, infringe as regras de segurança no trabalho e, quando culposa, gera, nos termos dos artigos 18.º e 79.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), um direito de regresso da seguradora sobre o empregador quanto às quantias pagas por esta ao trabalhador lesado. IV – Como o devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor – artigo 800.º do Código Civil –, mesmo que a responsabilidade pela organização da carga seja de um trabalhador subordinado da entidade empregadora, o direito de regresso da seguradora é exercitável pela totalidade contra a entidade empregadora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, * Juiz relator……………..Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz adjunto…….….José da Fonte Ramos 2.º Juiz adjunto………..João Manuel Moreira do Carmo * (…) * Recorrente/Recorrida ……………A... - Companhia de Seguros, S.A. Recorrente /Recorrida……………B... – Unipessoal, LDA. * I. Relatório a) Recorrem ambas as partes; a Autora porque não obteve ganho total de causa e a Ré porque entende que deve ser absolvida. A Autora invoca o direito de regresso para obter da Ré, como entidade patronal, a verba que pagou a AA, trabalhador da Ré, no âmbito de um contrato de seguro, mediante o qual a Ré tinha transferido para a autora A... a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, argumentando a Autora que o seu direito de regresso se funda, segundo a lei, no facto do acidente ter ocorrido porque houve violação das regras de segurança no trabalho por parte da Ré, com culpa exclusiva. A Autora pediu a quantia global de €45.590,11 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento. Realizou-se a audiência de julgamento e depois foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de 22.795,05 euros (vinte e dois mil, setecentos e noventa e cinco euros e cinco cêntimos), no mais improcedendo o restante peticionado. Custas a cargo da Autora e da Ré na proporção de metade para cada uma (v. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).» b) As conclusões do recurso interposto pela autora A..., são estas: « 1ª.) A censura recursiva assenta no entendimento vertido na douta sentença recorrida de que, para o acidente de trabalho, concorreram responsabilidades distintas, a saber, 1) da empregadora, aqui recorrida, por violação das regras de segurança, “como sejam o facto de os painéis não terem sido amarrados ao porta-paletes, de modo a garantir a sua manutenção no porta-paletes ao longo do trajeto pelo ar, desde a sua elevação à sua receção no solo, e ainda a Ré não possuir plano específico para a execução dos trabalhos em altura, devidamente aprovado pelo dono da obra, no qual constassem as medidas de segurança e adoptar”, 2) de um trabalhador da Apelada, não identificado por “de modo descuidado, ter disposto as porcas e os parafusos num dos topos dos painéis de cofragem, em vez de ter sido distribuído o peso desse material ao longo dos painéis; e ter empilhado os painéis, colocando em contacto metal com metal” e, por fim, 3) do manobrador da grua, “de forma pouco atenta, ter elevado os painéis quando já era aparente que os mesmos estavam em desequilíbrio e que poderia ocorrer deslizamento, assim como não se assegurou que inexistiam trabalhadores por perto; e, por fim, a falha na instalação e manutenção da grua que, sempre que inicia a rotação para a esquerda ou direita, começa muito rápido, provocando um espécie de esticão, o que origina um tombar das cargas para o lado em que é feita a rotação e, se o operador não tiver cuidado, ao pressionar o comando de rotação, a grua passa da primeira a segunda velocidade, muito rápido”. 2ª.) Cumpre realçar a nossa estranheza quanto ao modo como a douta sentença recorrida imputa responsabilidade aos vários intervenientes em obra, como se fosse possível a coexistência, ao mesmo nível, de responsabilidades do empregador, por um lado, e de trabalhadores deste, por um outro, permitindo a diminuição da responsabilidade deste ou, levado este princípio ao limite, a exoneração deste, afastando a responsabilidade do devedor por atos dos representantes legais ou auxiliares, prevista no artº. 800º do Código Civil. 3ª.) É sempre o empregador que responde, em primeira linha, pelas consequências da violação das regras de segurança no trabalho, quer estas se devam diretamente a ação ou omissão sua ou a ação ou omissão de trabalhadores que tenha ao seu serviço. 4ª.) Não poderá ser tomada em conta a alínea a) dos factos não provados com vista à não responsabilização da Apelada pelas consequências do facto danoso. 5ª.) Têm os Tribunais superiores entendido que a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho recai exclusivamente sobre o empregador do sinistrado, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assista sobre os seus trabalhadores ou terceiros a quem sejam imputáveis factos integradores da violação dos dispositivos respeitantes à segurança no trabalho. 6ª.) A empregadora não pode agir à margem das concretas condições de segurança com que os seus trabalhadores exercem a sua atividade. 7ª.) A empregadora não pode demitir-se de uma atuação concertada e efetiva com vista ao cumprimento no terreno das regras que regulam a segurança no trabalho, não lhe bastando fornecer aos seus funcionários um manual com orientações (v. ponto 28) da matéria de facto). 8ª.) Só após o acidente a carga passou a ser amarrada, não se limitando a ficar equilibrada durante o trajeto aéreo, como acontecia até aí. 9ª.) Verificando-se uma deficiência no funcionamento da grua, os trabalhos prosseguiram, o que era do conhecimento da Apelada, sendo que no dia seguinte ia ser verificado o estado da grua, como também resulta da fundamentação da matéria de facto. 10ª.) Mesmo com um representante da Apelada em obra – o encarregado – a movimentação da carga, de um lado para o outro da obra, foi efetuada sem que fosse salvaguardada a segurança dos trabalhadores que operavam debaixo do seu trajeto, o que revela uma tremenda falta de segurança da qual a recorrida não pode ser desresponsabilizada. 11ª.) Decidindo como decidiu violou o Tribunal recorrido o comando dos artºs. 3º, 27º alínea b) e 33º nºs 3 e 4 do D.L. 50/2005 de 25 de Fevereiro, artºs. 69º nºs 3 e 4 do Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho, 800º do Código Civil e 18º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao recurso e a recorrida condenada no pedido “in totum”. Assim se fazendo JUSTIÇA» c) A Ré recorre de facto e de direito e conclui deste modo: «I. Perante a prova documental e testemunhal carreada para os autos a matéria de facto constante dos pontos 29, 30, 31, 32, 33, 35 e 36 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, deveria ter sido dada como não provada. II. Perante a prova documental e testemunhal carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que “A Ré possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, no qual constassem as medidas de segurança a adotar.” III. Perante a prova documental e testemunhal carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que “os painéis em causa no acidente estavam devidamente acondicionados no porta-paletes, não sendo previsível que os mesmo viessem a cair do mesmo durante o seu trajecto no ar.” IV. Perante a prova documental e testemunhal carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que “O acidente que vitimou o trabalhador da Ré não se deveu a qualquer violação das regras de segurança por parte da Ré, mas sim a uma situação inopinada e involuntária por parte da Ré”. V. Guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo efetuou uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 342.º do C. Civil, desta forma incorrendo na sua violação. VI. Uma vez homologado o acordo em acidente de trabalho, com trânsito em julgado, no qual se fixou a responsabilidade do acidente apenas pelo risco, fica ndo a indemnização a cargo da respetiva seguradora, nenhuma das partes pode, em ação posterior, pretender imputar à entidade empregadora a responsabilidade do acidente pela culpa, nos termos do art. 18.º, n.º 1, da LAT. VII. Estando já decidido por sentença homologatória do acordo, transitada em julgado, não estarmos perante uma situação subsumível ao citado artigo 18.º, não se verificando a violação de quaisquer regras de segurança, sendo a responsabilidade transferida para a Autora e a indemnização por aquela paga ao trabalhador resultante apenas do risco, ou seja, objetiva e não subjectiva. VIII. Desta sorte, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo efetuou uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 18.º e 79.º, n.º 3 da LAT e do artigo 154.º do Código de Processo de Trabalho, assim incorrendo na sua violação. IX. No caso em apreço, não se verificou qualquer inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora nem uma omissão que pudesse ser a causa adequada do acidente que tornassem previsível a eclosão do acidente. X. Não existia qualquer outra conduta para além da adoptada que poderia ter sido imposta à Apelante, uma vez que a mesma ministrou toda a formação e forneceu todas as condições adequadas aos trabalhadores para desempenharem as suas funções. XI. Nada se provou no sentido de concluir que a Apelante tenha violado qualquer norma de segurança que lhe cumprisse observar, nem a douta sentença recorrida identifica qual a norma de seguração alegadamente violada. XII. Não se podendo afirmar qualquer violação das regras de segurança exigíveis no caso por parte da Ré, não poderá a acção ser procedente. XIII. Guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo efetuou uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 18.º e 79.º da LAT. Nestes termos e nos melhores de direito deve a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que julgando a acção totalmente improcedente, absolva totalmente a Apelante do pedido. Só assim se fará Justiça!» d) A Autora respondeu às alegações da Ré no sentido da sua improcedência. II. Objeto do recurso. As questões que o recurso coloca são estas: 1 – A primeira consiste em saber se procede nesta ação o caso julgado formado pela sentença homologatória proferida no Processo n.º 821/20...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Procuradoria do Juízo de Trabalho da Figueira da Foz, transitada em julgado. 2 – Caso a primeira questão seja improcedente, cumpre verificar, num primeiro momento, se devem declarar-se provados os seguintes factos: «A Ré possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, no qual constassem as medidas de segurança a adotar.» «Os painéis em causa no acidente estavam devidamente acondicionados no porta-paletes, não sendo previsível que os mesmos viessem a cair do mesmo durante o seu trajecto no ar.» «O acidente que vitimou o trabalhador da Ré não se deveu a qualquer violação das regras de segurança por parte da Ré, mas sim a uma situação inopinada e involuntária por parte da Ré.» E, num segundo momento, se deve alterar-se a matéria provada constante dos factos provados 29, 30, 31, 32, 33, 35 e 36, declarando-a não provada, pelas razões indicadas pela Ré, que se resumem à ausência ou insuficiência da prova produzida. 3 – Em terceiro lugar, face à matéria de facto resultante da impugnação, verificar se a ação deve ser julgada improcedente com fundamento na falta de culpa da Ré. 4 – Em quarto lugar, se a anterior questão merecer resposta negativa, verificar se, existindo responsabilidade atribuída a vários intervenientes em obra, mas todos subordinados da Ré, poderá coexistir ao mesmo nível, responsabilidade da empregadora, por um lado, e dos trabalhadores desta, por um outro, implicando isso a diminuição da responsabilidade do empregador e, com isso, a diminuição da indemnização a receber pela Autora em sede de direito de regresso, afastando-se, assim, a responsabilidade do devedor por atos dos representantes legais ou auxiliares, prevista no artigo 800.º do Código Civil. III. Fundamentação a) Vejamos se ocorre caso julgado procedente da sentença homologatória do acordo proferida no processo 821/20...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Procuradoria do Juízo de Trabalho da Figueira da Foz, oponível nestes autos à pretensão da Autora. Segundo a Ré, terá ficado estabelecido no processo em questão que o acidente não teve como causa a violação de regras de segurança, nos termos previstos no artigo 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, tendo o acidente resultado do risco inerente à atividade que então era levada a cabo. Não assiste razão à Ré, pelas seguintes razões: (I) Nos termos do artigo 581.º (Requisitos da litispendência e do caso julgado) do Código de Processo Civil, «1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.» Invoca-se uma decisão já tomada numa causa, cuja decisão já transitou em julgado. Estamos, por isso, perante a invocação da exceção de caso julgado que implica, quando procedente, o impedimento de proferir nova decisão de mérito sobre a mesma questão. (II) A Ré entende que é este o caso, mas sem razão, pois no Processo n.º 821/20.... visou-se apenas indemnizar o sinistrado dos danos resultantes do acidente de trabalho, sem se ter procurado saber, submetendo a prova e decisão, se o acidente tinha resultado do risco propriamente dito inerente à atividade então levada a cabo, apesar da observação das regras de segurança ou, ao invés, da violação das respetivas regras de segurança. O que se afirma resulta da própria ata de tentativa de conciliação atinente ao processo n.º 821/20...., junta aos autos com a petição inicial. Como se vê pelo exame desta ata, o Ministério Público declarou o seguinte: «Não obstante a posição da Seguradora, assumida na fase inicial do processo e reafirmada nesta diligência (art.º 18.º da LAT), nesta fase conciliatória, face à inexistência de inquérito crime e informação da ACT – fls. 130 a 132 -, onde constam como causas do acidente “outras” condições, não especificadas, não aplicaremos o agravamento da responsabilidade. De facto, a responsabilidade agravada da entidade empregadora em matéria de acidentes de trabalho exige a demonstração da inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, e que foi essa inobservância a causa adequada do acidente (…). Nesta conformidade, por falta de sustentação fáctica e outras, não aplicaremos o art.º 18.º da Lei 98/2009, de 04/09.» Mais se documenta na ata que «Com base nestes pressupostos de facto e no disposto na legislação em vigor, a Sra. Procuradora da República propôs às partes o seguinte acordo: …», o qual veio a ser homologado pelo juiz. Verifica-se, por conseguinte, que a questão da violação das regras de segurança não foi objeto de controvérsia, instrução, debate e decisão, ainda que implicitamente, como resulta do teor da ata: «Dada a palavra à representante da Seguradora pela mesma foi dito que aceita o exposto e proposto pelo Mº Pº., designadamente no que se refere e decorre da avaliação médica feita pelo perito médico do Tribunal, pelo que aceita a conciliação, nos seus precisos termos. Todavia, nos termos do art.º 18.º da LAT, entende que o acidente resultou de atuação culposa por parte do empregador, nomeadamente, por falta de observação das regras sobre segurança previstas na lei, pelo que irá instaurar a respetiva acção. Dada a palavra à mandatária da entidade empregadora pela mesma foi dito Não assume qualquer actuação culposa, nomeadamente por falta de observação das regras sobre a segurança prevista na Lei. Deste modo, nos termos do artigo 18.º da LAT, não assume a responsabilidade pelo acidente.» Conclui-se, pois, que a questão da violação das regras de segurança não foi objeto da decisão tomada nesses autos. (III) No que respeita ao pedido, verifica-se que não há coincidência, pois o efeito jurídico pretendido em ambos os processos não é o mesmo. No processo que correu no tribunal de trabalho o pedido respeitou às quantias destinadas a indemnizar os danos sofridos pelo trabalhador, resultantes do acidente de trabalho; nos presentes autos o pedido respeita às quantias pagas pela seguradora para reparar esses danos. As quantias são as mesmas, mas pagam dívidas diferentes. E não ocorre também identidade de causa de pedir, dado que a pretensão deduzida no tribunal de trabalho teve como causa de pedir o acidente de trabalho, desligado da eventual culpa da entidade patronal quanto à sua causa e, nestes autos, essa culpa integra a causa de pedir. Não ocorre, pelo e exposto, a exceção de caso julgado, pelo que improcede esta questão recursiva. b) Impugnação da matéria de facto (I) Vejamos se devem declarar-se provados os seguintes factos: «A Ré possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, no qual constassem as medidas de segurança a adotar.», e «Os painéis em causa no acidente estavam devidamente acondicionados no porta-paletes, não sendo previsível que os mesmos viessem a cair do mesmo durante o seu trajecto no ar». «O acidente que vitimou o trabalhador da Ré não se deveu a qualquer violação das regras de segurança por parte da Ré, mas sim a uma situação inopinada e involuntária por parte da Ré». A resposta a esta matéria é negativa, porque estas afirmações correspondem a afirmações factuais complexas, conclusivas, insuscetíveis de serem respondidas pelo tribunal, porque não descrevem factos simples, antes ocultam esses factos simples que lhe servirão, se for o caso, de premissas. Coloque-se, por exemplo, a hipótese do juiz responder «provado» à questão «O veículo A circulava a alta velocidade…» e por isso o condutor B não conseguiu descrever a curva e saiu da estrada». Pergunta-se, a afirmação «O veículo A circulava a alta velocidade…» é uma afirmação factual capaz de desencadear a aplicação da lei? A resposta deve ser negativa, pelas razões já indicadas pelo ora relator noutro sítio, nestes termos: «Em primeiro lugar, tal resposta será o resultado de um processo mental durante o qual o juiz terá ponderado vários factos, os mais básicos e próximos da realidade, mas que não constam da dita afirmação, permanecendo ocultos. Mas terá sido com base nesses factos básicos que concluiu, por exemplo, que a omissão de reduzir a velocidade, face à aproximação da curva, implicou a perda de atrito entre os pneus e o pavimento e isso inviabilizou a atuação da força centrípeta necessária para manter o veículo no interior da via. Verifica-se, por conseguinte, que a questão, tal como se encontra enunciada na dita proposição, não existiu no mundo dos factos, porque se trata de um juízo complexo formado, é certo, a partir de factos básicos e só estes existiram, se existiram. Portanto, uma afirmação contendo um juízo de facto complexo não corresponde a algo que tenha ocorrido como tal no mundo, suscetível de ser percecionado e descrito desse modo, tratando-se apenas do resultado de um certo raciocínio a posteriori que ponderou as consequências a que terão conduzido certos factos (ocultados). Então, nestas circunstâncias, permanecendo desconhecidos os factos, é apropriado duvidar, inclusive, se existiu algum conjunto de factos adequado a preencher aquela afirmação. Isto é, a afirmação factual conclusiva constante da matéria de facto provada não elimina ou dirime a controvérsia sobre a hipótese factual submetida a prova, pois o facto complexo afirmado permite a dúvida sobre aquilo que efetivamente aconteceu na realidade, na medida em que permanecem desconhecidos os factos que lhe deram origem. Em segundo lugar, uma afirmação contendo um juízo de facto complexo não permite à contraparte exercer um contraditório eficaz e quando a afirmação é declarada provada pelo juiz, impossibilita que terceiros, incluindo as partes, conheçam a realidade que lhe serviu de fundamento. Em terceiro lugar, inexiste qualquer justificação para produzir afirmações factuais opacas, opacidade que resulta, como vem sendo dito, do facto da afirmação pressupor um conjunto de factos que permanecem injustificada e inadmissivelmente ocultos e inacessíveis aos restantes sujeitos processuais. Em quarto lugar, uma afirmação de facto complexa quando exarada pelo juiz na matéria de facto provada não pode valer como afirmação de um facto porque não descreve um facto, pelo que não valendo como descrição de um facto não poderá, coerentemente, preencher-se com ela, em regra, a previsão factual de uma norma jurídica, pois a aplicação da lei ao caso concreto pressupõe uma base factual definida. Se se admitirem afirmações factuais complexas na matéria de facto declarada provada, isso permitirá, afinal de contas, aplicar a lei a situações factuais cujos respetivos factos permanecem desconhecidos no processo, o que não pode ser admitido. 3. Verifica-se que esta situação é praticamente idêntica à situação que ocorre quando há afirmações de direito exaradas no setor da sentença onde se indica a matéria de facto provada. Também neste caso os respetivos factos, que a afirmação de direito pressupõe, permanecem desconhecidos no processo (se se discute a propriedade de B e se se afirma apenas que A é proprietário de B, ficamos sem saber que factos sustentam a afirmação do direito de propriedade sobre B). Daí que a solução deva ser a mesma em ambos estes casos, isto é, a desconsideração da afirmação factual complexa, tudo se passando como se ela não existisse», in Processo Civil – Matéria de Facto: conceitos, juízos (factuais simples e complexos, de valor, de direito). Alegação dos factos e prova. Estudos em Comemoração dos 100 Anos do Tribunal da Relação de Coimbra. Almedina, 2018, pág. Verifica-se que a afirmação «A Ré possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, no qual constassem as medidas de segurança a adotar» sendo declarada provada nada nos diria, nada informaria sobre esse plano de segurança. Já assim não seria se estivesse junto aos autos um documento onde constassem essas regras de segurança, pois era fácil lê-las e ficar inteirado delas. De igual modo a afirmação «Os painéis em causa no acidente estavam devidamente acondicionados no porta-paletes, não sendo previsível que os mesmos viessem a cair do mesmo durante o seu trajecto no ar», nada nos diz acerco do modo concreto como estavam colocados os painéis e aquilo que na realidade se pretende dizer como «devidamente acondicionados». Por fim, afirmar-se que «O acidente que vitimou o trabalhador da Ré não se deveu a qualquer violação das regras de segurança por parte da Ré, mas sim a porque não contém qualquer conteúdo factual tal como pode ser percecionado por uma testemunha ou captável por um instrumento técnico. Resumindo, tais afirmações não podem ser declaradas provadas (ou não provadas) porque não contém matéria factual. II- Vejamos se deve alterar-se a matéria provada constante dos seguintes factos provados 29, 30, 31, 32, 33, 35 e 36: «29) As causas do acidente ficaram a dever-se ao facto de os painéis não terem sido amarrados ao porta-paletes, para evitar a deslocação do porta-paletes no início da elevação, sobretudo quando aqueles se encontravam num plano de terreno inclinado.» «30) À distribuição das porcas e dos parafusos, as quais estavam concentradas num dos topos, em vez de ter sido distribuído o peso desse material ao longo dos painéis.» «31) Ao empilhamento dos painéis, já que o contacto metal com metal tem menos aderência do que metal com madeira ou contraplacado marítimo.» «32) Ao descuido na elevação dos painéis quando já era aparente que os mesmos estavam em desequilíbrio e que poderia ocorrer deslizamento, assim como não se assegurando que inexistiam trabalhadores por perto.» «33) E à falha na instalação e manutenção da grua, que sempre que inicia a rotação para a esquerda ou direita, começa muito rápido provocando uma espécie de esticão, o que origina um tombar das cargas para o lado em que é feita a rotação e, se o operador não tiver cuidado ao pressionar o comando de rotação, a grua passa da primeira a segunda velocidade muito rápido.» «35) Os quatro painéis de cofragem não estavam amarrados nem dispunham de qualquer dispositivo que garantisse a sua manutenção no porta-paletes ao longo do trajeto pelo ar, desde a sua elevação à sua receção no solo.» «36) A Ré não possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, devidamente aprovado pelo dono da obra, no qual constassem as medidas de segurança a adotar.» (III) Prosseguindo, cumpre fazer uma breve referência ao conceito de convicção adequado ao ato de julgar a matéria de facto. Como é sabido, o juiz convence-se que que certo facto existiu com base em provas. Mas estas provas, só por si, não formam uma convicção. É necessário coloca-las de modo que façam parte de um argumento; de um juízo. O que forma a convicção, portanto, é a inclusão dessas provas num modelo de raciocínio. Por outro lado, todos temos ideia de que aquilo que acontece não surge do nada, pois, ao nível do macrocosmos não temos conhecimento de algo que tenha surgido do nada. Sabemos também, por experiência, que o mundo não é um aglomerado caótico de coisas, mas sim algo ordenado que existe em dado momento histórico e é fruto de um estado de coisas anterior e que esta realidade obedece a leis que existiram no passado, existem no presente e acreditamos que continuaram a existir no futuro. Sendo assim, não reinando o caos na natureza e assumindo esta uma natureza nomológica (regida por leis), então todo o facto que existiu é suscetível de ser explicado a partir da existência de outros factos, isto é, a partir de um estado de coisas prévio Inversamente, um facto que não existiu não obtém explicação baseada em outros factos efetivamente ocorridos. A tentativa de explicação, neste caso, servir-se-á de afirmações relativas a factos inexistentes ou, tendo existido, serão utilizados numa descrição da realidade que não corresponde àquilo que efetivamente ocorreu. Aceitando isto como certo, então podemos dar este passo: A suscetibilidade de um facto F poder ser explicado a partir de outros factos, A, B, C, D e E, implica que estes segundos factos assumem o estatuto de provas da existência do facto F. Então, uma forma de provar o facto F é mostrar, através de outros factos, A, B, C, …n, que o facto F existiu, precisamente porque existiram os factos A, B, C, …n, e estes, existindo, produziram, necessariamente ou com alta probabilidade, segundo as leis pertinentes, o facto F. Provando A, B, C, ...n, o juiz adquire então a convicção que F existiu. Este modelo da explicação, que pode ser designado por explicação causal, revela a existência de uma simetria entre a explicação e a previsão, a qual se mostra frutuosa quando o juiz procede à valoração dos factos probatórios e forma a convicção. Com efeito, se explicarmos a rotura de um fio (efeito), afirmando como «condições iniciais/causas» que o fio tinha uma resistência à tração de um quilo e que foi pendurado no mesmo um peso de dois quilos (causa), então também poderemos prever que o fio se partirá se suspendermos nele um peso de dois quilos (exemplo retirado de Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica, Editora Cultrix/ São Paulo, 2004, pág. 62). A estrutura da explicação é, por isso, semelhante à estrutura da previsão. Como observou Carl Hempel «…a estrutura lógica de uma previsão científica é a mesma que a de uma explicação científica, (…). Enquanto, no caso de uma explicação, se sabe que o evento final aconteceu e é necessário procurar as suas condições determinantes, no caso de uma previsão a situação inverte-se: aqui, são dadas as condições iniciais e há que determinar o seu “efeito” – que no caso típico ainda não teve lugar.» - «A Função de Leis Gerais em História (1942)». Em Teorias da História de Patrick Gardiner, 6.ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, pág. 422-424. Por conseguinte, se já conhecemos o efeito, deduzi-lo a partir de condições iniciais e de leis servirá para explicá-lo; se não o conhecemos, a dedução servirá para prevê-lo. (Sobre esta matéria conferir, do ora relator: «Prova Indiciária, por que razão um facto é um indício de outro facto ou base de uma presunção?» Revista Julgar, Numero Especial, 2013, pág. 39 e segts. O que fica referido revela-se esclarecedor, no caso dos autos, na parte relativa à explicação para a queda dos painéis. A Ré argumenta que não pode afirmar-se como provado o que consta do facto provado 30, isto é, «À distribuição das porcas e dos parafusos, as quais estavam concentradas num dos topos, em vez de ter sido distribuído o peso desse material ao longo dos painéis», porque a prova sobre esta matéria foi nula, pelo que a resposta deve ser «não provado». Diz que «…nenhuma prova tendo sido feita sobre essa localização, não se poderia partir da hipótese de os mesmos estarem num dos topos e assim terem desequilibrado a carga, para dar esse facto como provado. Isso seria efetuar uma total inversão da prova, começando-se pelo resultado do sucedido, para depois dar como provada uma das hipóteses causais, apenas pela produção desse mesmo resultado e não pela concreta prova dos factos que consubstanciam a alegada causa.» A Ré tem alguma razão nesta afirmação, mas não tem toda a razão. Com efeito, por um lado, o juiz na formação da convicção pode partir dos efeitos para a causa, desde que a causa não tenha outras causas concorrentes e igualmente explicativas e, por outro, a prova não passa só pelas declarações de testemunhas que afirmem, no caso, que viram ou elas mesmas colocaram essas porcas e parafusos num dos topos. Pode não ser necessário que o juiz ouça tais depoimentos para formar a convicção nesse sentido. E até pode ouvir esses depoimentos e formar uma convicção contrária, tudo dependendo do conjunto das provas disponíveis e das regras da experiência aplicáveis ao caso. Vejamos então. Sabemos que os painéis caíram quando se encontravam a ser elevados pela grua e transportados num porta-paletes, sendo o porta-paletes aquele que é mostrado pelas fotografias juntas aos autos, composto por dois segmentos metálicos paralelos (garfo), fixados numa estrutura comum, sobre os quais foram colocados os painéis e as porcas e parafusos que fazem parte do sistema de cofragem, sem qualquer outro procedimento. A queda dos painéis é, um efeito de uma causa ou causas. Assim, como se disse, conhecendo-se o efeito, como este teve uma causa explicativa, cumpre procurar a explicação e isso consiste em regredir do efeito à causa, considerando o contexto factual e seguindo as regras de experiência aplicáveis ao caso. Por conseguinte, é possível adquirir uma convicção e isso sucede frequentemente, mesmo quando as testemunhas não viram operar as causas, o que raramente acontecerá. Como os painéis não caíram logo que se iniciou o levantamento da carga, mas sim quando já estavam a certa altura, isso significa que a carga tinha algum equilíbrio inicial, pois se assim não fosse tinha caído logo que se iniciou o levantamento e isso não ocorreu. Podemos, por isso, encontrar duas causas para o desequilíbrio (efeito). Uma delas consistiu na colocação das porcas e parafusos, não no centro dos garfos do porta-paletes, mas mais para a esquerda ou mais para a direita desse centro, de modo que, desse lado, a carga ficou com mais peso e ocorreu uma deslocação gradual do centro da massa da carga ([1]) para fora da base formada pela estrutura do porta-paletes, caindo nesse momento; ou então, nas mesmas condições, porque uma aceleração ou solavanco fez com que os painéis deslizassem para o lado onde se concentrava maior peso, deslocando o centro da massa da carga para fora da mesma base, caindo então. Por conseguinte, não é pelo facto das testemunhas ouvidas não terem sabido indicar onde estavam exatamente colocadas as porcas e parafusos, que o tribunal fica impedido de formar a convicção sobre as causas da queda. (III) Vejamos melhor. Cumpre referir que os factos decorreram apenas na presença do manobrador da grua, a testemunha BB. De relevante para a compreensão da génese do acidente esta testemunha disse o seguinte: Minuto 18:42 – Que não viu quem colocou os painéis no porta-paletes: «Eu, quando lá cheguei, eles estavam empilhados.» Minuto 03:48 – «eu fui engatar os taipais com o porta-paletes e eles, como estavam um bocado tortos, nunca tal me tinha acontecido com paletes.» Minuto 04:15, aludindo aos taipais/painéis – «Eles como estavam um bocado, o terreno também é inclinado e aquilo tinha peças lá no meio que eu não sei onde é que elas estavam. (…) Não sei explicar o acidente. Essas peças podem estar mais de um lado do que outras e assim que eu puxo o carrinho para trás e a roda, a grua, eles viraram. É inexplicável. É uma coisa inexplicável isso também.» Minuto 05:42 – «Pronto, eu assim que levantei os taipais, puxei o carrinho atrás da grua e rodo a grua para o lado e foi quando eles escorregaram, aquilo eram taipais de alumínio e o porta-paletes aquilo é ferro. Aquilo, as peças, agora é uma incógnita porque as peças que estavam no meio, deviam estar mais de um lado quando eles caíram só quem (…) os taipais é que podem explicar onde é que estavam as peças.» Minuto 48:23 – «Eu levantei a carga e, assim que eu puxo para trás a roda, a grua, foi quando eles viraram.» Sendo-lhe perguntado se aquela carga tinha alguma forma especial para ser acomodada para ser levantada, respondeu ao minuto 08:13 que «Normalmente, ou era com cintas ou com correntes» e que, minuto 08:38, «A grua tinha correntes». Sobre o posicionamento das peças que faziam parte dos painéis/taipais disse ainda: Minuto 49:50 – «Não sei, que eu não as vi. Eu só engatei os taipais e elas vinham no meio dos taipais, não sei onde é que elas estavam». Minuto 50:00 – «Elas tinham que ir lá dentro no meio dos taipais, agora se estavam mais de um lado ou mais do outro, de certeza que estavam mais do lado que a carga caiu, meu senhor». Minuto 13:29 – «No meio, exatamente. Eu não vi onde é que eles estavam. Eles iam no meio dos taipais, entre os taipais, está a perceber? Os taipais, aquilo tem, como é que eu lhe vou explicar? Aquilo são taipais de diâmetro 14 mas depois tem umas cenas no meio que…» e acrescentou, ao minuto 14:20, referindo-se às porcas e parafusos, que «Na minha análise, foi porque elas deviam estar ao centro e elas, neste caso, de certeza que estavam numa ponta. Por isso é que eu, ao rodar a grua, eles viraram» e, ao minuto 15:19, que essas porcas e parafusos, como regra, «Iam no centro do taipal depois levavam outro por cima para não … desequilibrar a carga». Tendo-lhe sido perguntado se estando tais porcas e parafusos entre um taipal e um outro taipal, elas não poderiam fazer oscilar a carga quando fosse no ar, disse ao minuto 17:19 que «Não, porque os taipais têm travessas de 50 em 50 cm». Minuto 54:10 – «O porta-paletes ia ao centro da carga. Estava bem equilibrado. Agora, foi o que eu disse: a única anomalia que eu acho, a meu ver, era as peças que lá estavam, deviam estar mais para o outro lado da carga do que no centro. É só isso que acho que foi a única anomalia que eu encontrei ali.» Podemos concluir destas declarações o seguinte: A testemunha não viu colocar os taipais uns sobre os outros e não viu colocar as porcas e parafusos, sabendo apenas que estavam lá, entre os taipais, mas não viu onde foram colocadas. Ajuizando sobre a causa do acidente, a testemunha disse que certamente as porcas soltas e parafusos não tinham sido colocadas no centro da carga, mas sim mais para o lado que coincidiu com o lado para o qual caíram os taipais e, por isso, ao rodar a grua, caíram. Disse que os taipais têm «umas cenas no meio», ou seja, umas travessas, como se pode ver nas fotografias e que essas «cenas» impediam que as porcas e parafusos deslizassem ao longo dos taipais ou os taipais deslizassem sobre essas peças. Vê-se, de facto, pela fotografia colocada no facto provado n.º 8, que os painéis tinham como que partes compartimentadas, as tais travessas, as quais formavam espaços estanques, de modo que qualquer peça solta que ali fosse colocada não saía dessa seção porque estava balizada ou confinada por essas «travessas». Quer isto dizer que as porcas e parafusos não deslizaram e causaram assim um desequilíbrio, nem os taipais deslizaram sobre essas porcas e parafusos. O deslizamento como causa é excluído. Tendo existido desequilíbrio e isso é um facto certo, isso só foi possível por tais porcas e parafusos não estarem colocadas exatamente no centro da carga ou distribuídos igualitariamente, em termos de peso, pela superfície dos painéis. Mas não é possível saber se essas porcas e parafusos estavam colocadas na extremidade como se diz no facto provado 30. De facto, esta hipótese afigura-se mesmo pouco provável porque qualquer trabalhador da construção civil tem uma ideia instintiva do balanceamento, do equilíbrio, no sentido de que para evitar desequilíbrios e quedas é necessário distribuir o peso das gargas pela base onde a carga é colocada. Daí que se afigure pouco provável que um trabalhador tivesse colocados tais peças na extremidade dos painéis e a convicção não se possa formar nesse sentido. Relativamente ao comportamento da grua a testemunha referiu o seguinte: Ao minuto 20:33 – «Ela mudava da primeira para a segunda muito rápido» (entenda-se velocidade) e que, minuto 20:33, «já tinha dito que a segunda entrava muito rápido» e tinha ideia que – minuto 22:15 – «…os homens lá da empresa das gruas que iam lá no dia a seguir». Quanto ao trabalhador: Minuto 23:58 -- «…eu também não sabia que o homem que estava ali a trabalhar naquele sítio.» Vejamos agora o que disse outra testemunha. A testemunha CC, encarregado da obra não testemunhou o acidente, chegou ao local depois de ter ocorrido. Sendo-lhe perguntado se aqueles painéis eram utilizados pela primeira vez na obra respondeu, ao minuto 20:34 que «Era a primeira que estavam a ser utilizados, sim». E quanto ao peso dos painéis disse, ao minuto 24:34, que «O peso é em alumínio, eu posso dizer que eram quatro painéis, um painel uma pessoa pega-o relativamente fácil. Aquilo deve pesar aí 25 Kg/30 Kg, talvez» e que a distância entre os «garfos» do empilhador seria, minuto 25:16, «Ora, deixe-me aqui pensar um bocadinho. A palete tem, sensivelmente, 1,20 metro de largura, ela encaixa, terão para aí 90 cm, 1 metro, talvez». Referindo-se a testes que depois fizeram, disse que os painéis só caíram depois de fazerem pressão num dos lados: «Não, foi a calcar os painéis numa das partes para baixo para eles entraram em desequilíbrio» - minuto 29:16. A testemunha DD, perito avaliador não presenciou o acidente e, por isso, o que disse não é relevante em matéria de testemunho. Vejamos então o que concluir. (I) Temos um facto certo: os painéis caíram do porta-paletes quando já estavam no ar e quando a grua iniciou o movimento de rotação. Ora, a partir deste facto certo, podemos, como já se deixou referido acima, tendo em consideração as demais circunstâncias, regredir às causas explicativas do acidente. Ao proceder deste modo, estamos a fazer uso dos factos indiciários estabelecidos para chegar a factos desconhecidos, ou seja, a estabelecer as causas explicativas do acidente. Trata-se, por conseguinte, de um modo de formação da convicção que segue as boas regras e é o modo de formação da convicção que o caso concreto pede, pois não há prova direta disponível. Vejamos melhor este aspeto. Voltando à ideia de que o juiz tem de partir do efeito (queda da carga) para a causa desse efeito. As causas explicativas, face aos factos conhecidos, serão duas, como se disse: (1.ª) ou os painéis estavam descentrados e o centro da massa da carga extravasava os limites da área delimitada pela estrutura do porta-paletes, gerando um desequilíbrio ou (2.ª) os painéis estavam centrados e o centro da massa da carga caía dentro da área delimitada pela estrutura do porta-paletes, mas as tais porcas soltas e parafusos estavam colocadas para além do centro do porta-paletes, de modo que uma metade dos painéis tinha mais peso que a outra, gerando um potencial desequilíbrio. Em relação à primeira hipótese a testemunha BB referiu que os painéis estavam centrados (Minuto 54:10 – «O porta-paletes ia ao centro da carga. Estava bem equilibrado»). Esta declaração é convincente porque as regras da experiência a apoiam, ou seja, qualquer trabalhador sabe, como se disse já, que uma carga que vai ser levantada e transportada tem de estar centrada, porque, caso contrário, ocorre desequilíbrio e a carga cai. Isto é do conhecimento comum e qualquer trabalhador da construção civil procede assim mecanicamente, sem ter de refletir sobre o assunto. Por conseguinte, adquire-se a convicção de que é mais provável que os painéis estivessem centrados, que o contrário. Sendo assim, resta a segunda hipótese como causa da queda: as tais porcas soltas e parafusos estavam colocadas para além do centro da massa do porta-paletes, de modo que uma das duas metades dos painéis tinha mais peso que a outra, potenciando o desequilíbrio. Não sendo possível saber em que local concreto estavam colocadas as porcas soltas e parafusos, sabe-se que não se moviam do local onde tinham sido colocadas, como já se disse, mas não é adequado dizer que estavam numa das extremidades, porque não se sabe e não era necessário que estivessem numa das extremidades para causarem desequilíbrio e queda da carga. Mas para a carga ter caído, como caiu, tinham de estar colocados mais sobre uma das metades dos painéis que da outra. Como a carga não caiu logo que foi elevada, isso significa que uma das metades dos painéis tinha mais peso que a outra, mas só potenciava o desequilíbrio se ocorresse um impulso suplementar, fosse ele instantâneo ou progressivo. A testemunha BB disse que «…eu assim que levantei os taipais, puxei o carrinho atrás da grua e rodo a grua para o lado e foi quando eles escorregaram…» - minuto 05:42 (e 48:23). Segundo a testemunha os taipais caíram quando, após os ter içado, inicia a deslocação . Verifica-se, por conseguinte, que a carga estava potencialmente desequilibrada por conter as tais porcas e parafusos descentrados e o movimento de rotação da grua/deslocação lateral após o levantamento na vertical, deu o impulso suficiente para gerar o desequilíbrio. É esta a convicção que se retira do depoimento da testemunha, conjugado com as regras da experiência (mas não é de excluir de todo que o desequilíbrio tenha sido causado pela descentralização dos próprios painéis, facto este rejeitado pela testemunha que disse que – minuto 54:10 – «O porta-paletes ia ao centro da carga. Estava bem equilibrado»). Claro que esta queda teria sido evitada se os painéis estivessem presos, com correntes ou cordas, de tal modo que não fosse possível a sua separação em relação ao porta-paletes, mesmo que o peso destes não estivesse equilibrado em relação à base do porta-paletes. * Passando agora à aplicação desta convicção aos factos impugnados. Facto provado 29 - «As causas do acidente ficaram a dever-se ao facto de os painéis não terem sido amarrados ao porta-paletes, para evitar a deslocação do porta-paletes no início da elevação, sobretudo quando aqueles se encontravam num plano de terreno inclinado.» Saber quais foram as causas do acidente é afirmar um juízo conclusivo que se baseará em outros factos, em premissas factuais que não estão explicitadas. Entende-se, por isso, que não se trata de matéria factual a que tenha de responder-se na sentença em sede de fixação da matéria de facto. Facto provado 30 - «À distribuição das porcas e dos parafusos, as quais estavam descentradas» Não provado «...num dos topos». Pela mesma razão suprime-se no facto provado 11 o segmento «… colocados num dos topos do painel de cima.» e no 12 o segmento «…colocados numa das pontas do painel de cima». A parte «…, em vez de ter sido distribuído o peso desse material ao longo dos painéis» é opinativa, não factual e, por isso, é excluída. Facto provado 31 - A resposta é a seguinte: «Ao empilhamento dos painéis, já que o contacto metal com metal tem menos aderência do que metal com madeira ou contraplacado marítimo.» Deve declarar-se não provado por não se ter feito prova de que a queda se tenha ficado a dever ao próprio empilhamento dos painéis. Facto provado 32 - «Ao descuido na elevação dos painéis quando já era aparente que os mesmos estavam em desequilíbrio e que poderia ocorrer deslizamento, assim como não se assegurando que inexistiam trabalhadores por perto.» Deve declarar-se não provado na parte ««Ao descuido na elevação dos painéis quando já era aparente que os mesmos estavam em desequilíbrio e que poderia ocorrer deslizamento…», por não se ter feito prova que existisse um desequilíbrio visível. Mas manter como provado «não se assegurando que inexistiam trabalhadores por perto», pois essa verificação não foi feita, pois se tivesse sido feita o sinistrado tinha sido detetado. Facto provado 33 - «E à falha na instalação e manutenção da grua, que sempre que inicia a rotação para a esquerda ou direita, começa muito rápido provocando uma espécie de esticão, o que origina um tombar das cargas para o lado em que é feita a rotação e, se o operador não tiver cuidado ao pressionar o comando de rotação, a grua passa da primeira a segunda velocidade muito rápido.» Este facto deve declarar-se não provado por não ter resultado claro se ocorreu este «esticão», pois a testemunha BB não se referiu a ele de modo compreensível, de modo a que se possa formar uma ideia daquilo que efetivamente aconteceu. Esta resposta negativa não é incompatível com o dito acima acerca da queda da carga ter sido contemporânea do movimento de rotação da carga/deslocação lateral, após a sua elevação vertical, por serem realidades distintas. Facto provado 35 - «Os quatro painéis de cofragem não estavam amarrados nem dispunham de qualquer dispositivo que garantisse a sua manutenção no porta-paletes ao longo do trajeto pelo ar, desde a sua elevação à sua receção no solo.» Este facto resulta provado. Facto provado 36 «A Ré não possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, devidamente aprovado pelo dono da obra, no qual constassem as medidas de segurança a adotar.» Este facto resulta provado com base na seguinte convicção: dada a gravidade da situação, se tal plano existisse a Ré tinha-o juntado aos autos, mas com não juntou, tem de se concluir que não o fez porque não existia. c) 1. Matéria de facto – Factos provados 1) A Autora é uma sociedade anónima que se dedica à atividade seguradora. 2) A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria da construção civil. 3) A Ré celebrou com a Autora contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice ...02 na modalidade de prémio fixo, mediante o qual transferiu para esta a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho que o seu trabalhador AA, carpinteiro de 1ª., sofresse ao seu serviço com a remuneração anual à data do acidente que abaixo se descreve de €12.663,00 [€800,00 x 14 (de retribuição) + €133,00 x 11 (de subsídio de refeição)], nos termos das condições gerais e particulares da apólice (v. Docs. nºs. 1 e 2 juntos com a P.I.). 4) No dia 13 de fevereiro de 2019, pelas 12h.30m., o então trabalhador da Ré, AA, com a categoria profissional de carpinteiro de 1ª, nascido em ../../1970, sofreu um grave acidente de trabalho ao serviço da Ré. 5) O acidente ocorreu numa obra de construção civil sita na Rua ..., ..., ... onde a Ré procedia à construção de uma moradia propriedade de EE. 6) Na referida hora e local, o trabalhador da Ré, BB, manobrador de grua, procedia à mudança de quatro painéis de cofragem de um local para outro local da obra (em suspenso). 7) Esses quatro painéis de cofragem de alumínio estavam empilhados num plano de terreno inclinado, como se apresenta na figura abaixo (pág. 17 do Doc. 66, junto com a P.I.): 8) E os painéis de alumínio são os seguintes (pág. 16 do Doc. 66, junto com a P.I.): 9) O sinistrado AA estava num plano inferior da construção, a descofrar uma sapata de um pilar, tal como resulta da fotografia junta na pág. 12 do Doc. 66, junto com a P.I.: 10) Os quatro painéis foram empilhados uns em cima dos outros, metal em contacto com metal, sem qualquer amarração e no painel de cima foram colocadas todas as porcas e parafusos de cada painel, o que foi concretizado por um outro trabalhador. 11) Eram 16 porcas Ø 100 e 16 parafusos de painel, a granel, também eles sem qualquer sistema de fixação que garantisse o transporte em altura sem risco de queda. 12) O manobrador da grua, BB, colocou o porta-paletes por baixo dos 4 painéis de cofragem, com as porcas e parafusos, referidos em 11), sensivelmente a meio dos mesmos, para posteriormente os elevar com o auxílio da grua, tal como resulta das seguintes imagens (v. páginas 11 e 18 do Doc. 66, junto com a P.I.): 13) Assim que o manobrador da grua elevou o porta-paletes que transportava os 4 painéis de cofragem com as porcas e parafusos, cerca de 1 (um) metro de altura, e de seguida puxou e virou para trás, os painéis desequilibraram-se e deslizaram nos garfos do porta-paletes, caindo na vertical no solo, na zona inferior da obra, onde se encontrava o sinistrado. 14) Os painéis caíram ao solo na vertical e tombaram sobre o sinistrado, tendo este sofrido vários ferimentos. 15) O manobrador da grua estava no solo com o comando e não viu o trabalhador AA no local onde este se encontrava. 16) Naquela data, a grua tinha uma deficiência no arranque da 1.ª mudança para a 2.ª mudança, provocando oscilações que destabilizavam as cargas. 17) A queda dos painéis ocorreu no local do sinistro, como ilustra a figura (pág. 13 do Doc. 66, junto com a P.I.):
18) O trabalhador sinistrado foi levado de urgência para o Hospital dos Covões em Coimbra e, de seguida, transportado para o CHUC onde deu entrada no serviço de Urgências pelas 19h.34m. com traumatismo grelha costal, traumatismo da bacia e traumatismo facial produzidos pela queda e choque dos painéis de cofragem sobre o seu corpo (v. doc. nº 3, junto com a .I.). 19) Nesse serviço, foi-lhe diagnosticada fratura de quatro arcos costais com enfisema subcutâneo, fratura dos ossos próprios do nariz e fratura acetabular com luxação da cabeça do fémur. 20) O trabalhador foi submetido a redução da luxação e aplicada tração esquelética à tuberosidade anterior da tíbia, permanecendo internado no Serviço de Ortopedia até 20/03/2019. 21) Foi participado à A. o acidente de trabalho e o trabalhador sinistrado foi assistido nos seus serviços clínicos, no Hospital da Luz, em Coimbra, onde realizou TAC da bacia no dia 15/05/2019, que revelou fratura do acetábulo direito com afastamento dos topos ósseos e desalinhamento da superfície articular e fratura arrancamento na cabeça do fémur com necrose vascular. 22) Foi submetido a artroplastia total da anca direita em 12/08/2019, cumpriu tratamento de Medicina Física e Reabilitação entre 29/05/2019 e 24/06/2019 e teve alta a 12/11/2020, com uma incapacidade permanente parcial fixável em 67,5% (já incluído o fator de bonificação de 1,5 em função da idade), sendo as sequelas sofridas no descrito acidente causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual (v. doc. nº 4 junto com a P.I.). 23) A Autora assumiu a responsabilidade do trabalhador da Ré por força do contrato de seguro de acidentes de trabalho supra alegado. 24) Na tentativa de conciliação que teve lugar no dia 8 de Março de 2022, no âmbito do processo de acidente de trabalho que correu seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Procuradoria do Juízo de Trabalho da Figueira da Foz, sob o nº 821/20.... (Fase Conciliatória), a A. acordou com o trabalhador da Ré, AA, pagar-lhe: 1)- Indemnização, nos termos dos Arts. 23º, al. b), 47º, n.º 1, al. a), 48º, n.º 1 e n.º 3, al. d) e 50º da Lei n.º 98/2009, do período de Incapacidade Temporária Absoluta (638 dias), no montante de €8.864,10, nos primeiros 12 meses, e de €7.103,42, após 12 meses, num total de €15.967,52, deduzida a quantia já paga pela seguradora, o que dá um total de € 41,57 (€15.967,52 - €15.925,95); 2)- Pensão anual e vitalícia, nos termos dos Arts. 23º, al. b), 47º, n.º 1, al. c), 48º, n.º 2 e n.º 3, al. b), 71º e 75º da Lei n.º 98/2009, devida desde 13/11/2020, no valor de € 8.041,01, passando essa pensão a ser de €8.121,42 para o ano de 2022; 3)- Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, nos termos dos arts. 23º, al. b), 47º, n.º 1, al. d), 48º, n.º 2 e 67º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, no valor de € 5.191,21; 4)- O montante gasto em deslocações obrigatórias, nos termos do Art. 39º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 98/2009 – € 15,00 -, para ida ao INML; 5)- Juros de mora à taxa legal, sobre cada uma das prestações devidas, desde o respetivo vencimento e até integral pagamento (v. doc. nº 5, junto com a P.I.). 25) O aludido acordo foi homologado por decisão judicial notificada à A. em 24 de Março de 2022 e transitada em julgado (v. doc. nº 6, junto com a P.I.), sem prejuízo da A. vir a demandar a Ré pela violação das regras de segurança na obra, causa do acidente. 26) Em cumprimento da relação contratual de seguro de acidentes de trabalho estabelecida com a Ré, titulada pela apólice acima mencionada, a A. suportou até à data as seguintes quantias em consequência do acidente de trabalho ocorrido com o trabalhador da Ré, AA: - € 15.967,52 em indemnização por ITA; - €1.144,00 em honorários, consultas e cirurgias; - €6.507,06 em despesas médicas; - €864,94 em elementos auxiliares de diagnóstico; - €2.740,05 em aparelhos e próteses; - €15,00 em transportes; - €276,98 em juros de mora; - €132,60 em despesas de tribunal; - €12.750,75 em pensões; - €5.191,21 em subsídio por elevada incapacidade permanente, num total de €45.590,11 (v. docs. nºs 7 e 64, juntos com a P.I.). 27) O manobrador da grua possuía, à data do acidente, formação adequada para exercer essa função. 28) A Ré forneceu aos seus funcionários um manual com orientações para aplicação de concretamente na parte do relatório de averiguação). 29) (Retirado dos factos provados) 30) As porcas e os parafusos pertencentes aos painéis não estavam no centro do monta-cargas. 31) (Passou para os não provados). 32) Ninguém se assegurou que inexistiam trabalhadores por perto. 33) (Passou para os não provados). 34) O manobrador da grua tinha formação adequada fornecida pela Ré para o transporte de cargas em altura sem risco de queda, tendo conhecimento que devia assegurar-se que essas cargas, nomeadamente, não passavam por cima dos trabalhadores da obra em causa. 35) Os quatro painéis de cofragem não estavam amarrados nem dispunham de qualquer dispositivo que garantisse a sua manutenção no porta-paletes ao longo do trajeto pelo ar, desde a sua elevação à sua receção no solo. 36) A Ré não possuía plano específico para a execução dos trabalhos em altura, devidamente aprovado pelo dono da obra, no qual constassem as medidas de segurança a adotar. 2. Matéria de facto – Factos não provados a) O acidente que vitimou o trabalhador da Ré deveu-se, exclusivamente, à conduta culposa desta. b) Para evitar a deslocação do porta-paletes no início da elevação, sobretudo quando aqueles se encontravam num plano de terreno inclinado - proveniente da redação inicial do facto provado 29. c) «...num dos topos» - proveniente da redação inicial do facto provado 30. d) Ao empilhamento dos painéis, já que o contacto metal com metal tem menos aderência do que metal com madeira ou contraplacado marítimo.» - anterior facto provado 31. e) Ao descuido na elevação dos painéis quando já era aparente que os mesmos estavam em desequilíbrio e que poderia ocorrer deslizamento - proveniente da redação inicial do facto provado 32. f) E à falha na instalação e manutenção da grua, que sempre que inicia a rotação para a esquerda ou direita, começa muito rápido provocando uma espécie de esticão, o que origina um tombar das cargas para o lado em que é feita a rotação e, se o operador não tiver cuidado ao pressionar o comando de rotação, a grua passa da primeira a segunda velocidade muito rápido - anterior facto provado 33. c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso 1 – Vejamos se, face à matéria de facto resultante da impugnação, a ação deve ser julgada improcedente com fundamento na ausência de culpa da Ré no sentido de que não existiu violação das regras de segurança. Não procede esta pretensão, pelas seguintes razões: (a) O artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro ( Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), diz, na parte que aqui interessa, no seu n.º 1, que «Quando o acidente resultar (…) de falta de observação, por aqueles (entenda-se o empregador,…) das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.» E, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, desta lei, «Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.» Cumpre, pelo exposto, verificar se o empregador, neste caso a Ré, infringiu regras sobre segurança no trabalho e se dessa violação resultaram os danos que a seguradora indemnizou. (b) O diploma que regula a segurança no trabalho é o DL n.º 50/2005, de 25 de fevereiro (Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde na Utilização de Equipamentos de Trabalho). No seu artigo 3.º, dispõe que, «Para assegurar a segurança (…) dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização.» E no artigo 27.º, sobre os requisitos complementares dos equipamentos de elevação de cargas, diz que «Os equipamentos de trabalho de elevação de cargas que estejam instalados permanentemente devem», «Ser instalados de modo a reduzir o risco de as cargas caírem ou de se soltarem involuntariamente.» E no artigo 33.º, n.º 4, determina-se que «É proibida a presença de trabalhadores sob cargas suspensas ou a deslocação de cargas suspensas por cima de locais de trabalho não protegidos e habitualmente ocupados por trabalhadores, exceto se a boa execução dos trabalhos não puder ser assegurada de outra forma e se forem adotadas as medidas adequadas de proteção» e, no seu n.º 5, na alínea a), diz que os acessórios de elevação de cargas devem «Ser escolhidos em função das cargas a manipular, dos pontos de preensão, do dispositivo de fixação e das condições atmosféricas.» Por sua vez, artigo 35.º n.º 1, dispõe que «As operações de elevação de cargas devem ser corretamente planificadas, vigiadas de forma adequada e efetuadas de modo a proteger a segurança dos trabalhadores.» Por fim, do Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho (aprovado pela Portaria n.º 53/71 de 3 de Fevereiro, na redação, dada pela Portaria n.º 702/80 de 22 de Setembro), vê-se que «3 - Os recipientes destinados a içar ou arrear ferramentas ou materiais soltos devem ser concebidos de maneira que nenhum dos objetos transportados possa cair» e «4 - A elevação deve ser precedida da verificação da correta fixação dos cabos, lingas ou outras amarras às cargas, do bom equilíbrio destas e da não existência de qualquer perigo para outros trabalhadores.» (c) Retira-se das normas acabadas de citar, com interesse para o caso dos autos, que os maquinismos destinados a elevar cargas devem ser escolhidos em função das cargas a manipular e os recipientes usados devem estar concebidos de maneira a que nenhum dos objetos transportados possa cair. Por outro lado, é proibida a deslocação de cargas suspensas por cima de locais de trabalho não protegidos. Ora, muito embora se tenha alterado a matéria de facto, no que respeita ao facto provado n.º 30, onde inicialmente se dizia que a distribuição das porcas e dos parafusos estava concentrada num dos topos, em vez do peso estar distribuído ao longo dos painéis ou no centro, passando a constar dos factos provados que as «As porcas e os parafusos pertencentes aos painéis não estavam no centro do monta-cargas, a matéria de facto mostra que as regras de segurança foram violadas. Efetivamente provou-se que as porcas e os parafusos pertencentes aos painéis não estavam no centro do monta-cargas – facto provado 30 – e logo que o manobrador da grua elevou o porta-paletes que transportava os 4 painéis de cofragem, com as porcas e parafusos, cerca de 1 (um) metro de altura, e de seguida puxou e virou para trás, os painéis desequilibraram-se e deslizaram nos garfos do porta-paletes, caindo na vertical no solo – facto provado 13. Além disso, naquela data, a grua tinha uma deficiência no arranque da 1.ª mudança para a 2.ª mudança, provocando oscilações que destabilizavam as cargas – facto provado 16. Os quatro painéis de cofragem não estavam amarrados nem dispunham de qualquer dispositivo que garantisse a sua manutenção no porta-paletes ao longo do trajeto pelo ar, desde a sua elevação à sua receção no solo – facto provado 35. Verifica-se que ocorrem quatro circunstâncias que contribuíram para o risco dos painéis caírem e preenchem as normas citadas sobre violação de regras de segurança. Assim: - O facto da carga não ter sido imobilizada com o auxílio de correntes ou cordas violou o disposto no n.º 4 do Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho, sendo certo que caso as peças estivessem presas com correntes ou cordas não teriam caído. - O facto dos painéis e acessórios terem sido transportados num porta-paletes violou o disposto no n.º 3 do mesmo regulamento, o qual diz que os recipientes destinados a içar materiais soltos devem ser concebidos de maneira que nenhum dos objetos transportados possa cair, o que implica que tenham o formato de uma caixa, isto é, tenham paredes laterais. Se tivesse sido esse o caso, os painéis não tinham caído, pois as paredes do recipiente impediam a queda. - O facto das porcas e parafusos não estarem colocadas no centro do porta-paletes ou o seu peso distribuído de modo uniforme pela superfície dos painéis, violou a regra prevista no n.º 4 do Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho, na parte em que prevê o «bom equilíbrio…» da carga, que e consiste em manter a massa dos diversos objetos no interior da área formada pela carga e acessório utilizado para o transporte. - Verifica-se ainda que a falta de uma planificação acerca do deslocamento das cargas, onde se incluiria a que deu origem ao acidente tratado nos autos violou o disposto no artigo 35.º deste decreto-lei, pois se esse planeamento tivesse existido seria altamente provável que o transporte dessa carga teria sido feito de acordo com as normas que vem sendo mencionadas e a carga não teria caído. Por fim, verifica-se que não foi respeitada a proibição da deslocação de cargas suspensas por cima de locais de trabalho não protegidos. É obvio que caso esta regra tivesse sido cumprida o trabalhador não teria sido atingido porque não estaria no local quando a carga foi transportada. Não é claro se o modo de funcionamento da grua ao passar da 1.ª para a 2.ª mudança tenha provocado a destabilização da carga, situação esta que se poderia integrar no disposto no artigo 3.º do DL n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, onde se determina que os equipamentos de trabalho devem ser adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar de modo a garantirem a segurança dos trabalhadores durante a sua utilização. Porem, como se disse, não é claro que a situação descrita no facto provado 13 tenha coincidido com a passagem da 1.ª para a 2.º mudança, isto é, tenha coincidido com a situação «… logo que o manobrador da grua elevou o porta-paletes (…) e de seguida puxou e virou para trás, os painéis desequilibraram-se e deslizaram ...» Se isto ocorreu por causa da oscilação provocada pela passagem da 1.ª para a 2.ª mudança, então houve violação desta regra de segurança, mas não se afirma isso por não se ter a necessária certeza. (d) Resulta do acabado de expor que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança imputáveis à Ré, incluindo aqui toda a sua organização, na qual se incluem s trabalhadores, estando preenchida a previsão do artigo 79.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais): «Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.» Ora, uma carga composta por alguns painéis de alumínio, próprios para cofragem, não imobilizados com o auxílio de correntes ou cordas, transportados pelo ar, por uma grua e num porta-paletes, infringe as regras de segurança no trabalho e, quando culposa, gera, nos termos dos artigos 18.º e 79.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, um direito de regresso da seguradora sobre o empregador quanto às quantias pagas por esta ao trabalhador lesado. Agir com culpa «significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., pág.480. A culpa consistiu, pois, na omissão de comportamentos destinados a não infringir as referidas normas, nos deveres de cuidado que deviam ter sido observados e não foram e que, como se vê, uma vez observados teriam evitado os danos. Procede, pois a pretensão da Autora e, a seguir, ver-se-á em que termos. 2 – Vejamos então se, existindo responsabilidade atribuída a vários intervenientes em obra, mas todos subordinados da Ré, poderá coexistir ao mesmo nível, responsabilidade da empregadora, por um lado, e dos trabalhadores desta, por um outro, implicando isso a diminuição da responsabilidade do empregador e, com isso, a diminuição da indemnização a receber pela Autora em sede de direito de regresso, afastando-se, assim, a responsabilidade do devedor por atos dos representantes legais ou auxiliares, prevista no artigo 800.º do Código Civil. A resposta é negativa. O n.º 1 do artigo 800.º do Código Civil, situada sistematicamente co capítulo sobre o cumprimento e incumprimento das obrigações, determina que «O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.» Sobre a razão de ser ou fundamento desta responsabilidade, Vaz Serra disse o seguinte: «Desde que o devedor se serve de auxiliares para cumprir a obrigação, é razoável que responda pelos actos desses auxiliares como se esses factos fossem seus próprios. Ao credor pode não importar que o devedor utilize tais auxiliares, mas não pode o devedor, valendo-se de terceiros, excluir a sua responsabilidade e deslocar para estes a obrigação de responder pelo não-cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso. O devedor é que está obrigado para com o credor e, portanto, se a este não interessam os meios de que aquele se servirá para cumprir e cuja escolha e direcção lhe cabe a ele devedor, interessa-lhe, no entanto, que o devedor responda pela genuinidade desses meios, tal como responderia se ele próprio cumprisse. O devedor, que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles» - Responsabilidade do Devedor Pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais ou dos Substitutos. Boletim do Ministério da Justiça n.º 72 (Janeiro-1958), pág. 269-270. Verifica-se, por conseguinte, que a lei protege aqui o credor, neste caso a Autora, dispondo que é indiferente quem no âmbito da organização da empresa Ré foi o culpado pelo surgimento dos danos, desde que estes sejam imputáveis à atividade da empresa Ré, Procede, pois o recurso interposto pela Autora e improcede o recurso interposto pela Ré. Assim, a Ré será condenada a pagar à Autora a quantia de €45.590,11 (quarenta e cinco mil, quinhentos e noventa euros e onze cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento. IV. Decisão Considerando o exposto: 1 – Julga-se o recurso interposto pela Ré improcede. 2 – Julga-se o recurso interposto pela Autora procedente e condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €45.590,11 (quarenta e cinco mil, quinhentos e noventa euros e onze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento. Custas pela Ré. * Coimbra, … [1] «Em física, o centro de massa é o ponto hipotético onde toda a massa de um sistema físico está concentrada e que se move como se todas as forças externas estivessem sendo aplicadas nesse ponto» (Wikipédia, em 10-10-2024), o que implica que quando esse centro se desloca para além da base do objeto este fique em situação de desequilíbrio. |