Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SANDRA FERREIRA | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO PODERES DE COGNIÇÃO DA RELAÇÃO PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 75, 41º, 28, 27º, 27º-A DO DEC.-LEI 433/82 (RGCO) | ||
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Sumário: | I - Em matéria de recurso de decisões relativas a processos de contraordenação, atendo o disposto no art. 75º/1 do RGCO, o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o seu poder de cognição limitado à matéria de direito, embora sem prejuízo do conhecimento de qualquer dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 41º/1 do RGCO.
II- Tais vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para fundamentar a sua verificação, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. III- Nos termos do artigo 28º, do RGCO a prescrição do procedimento contraordenacional ocorre sempre quando, desde o início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade. IV – Constituem causas de interrupção a notificação ao arguido para exercício do direito de audição e a comunicação da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação de coima, suspendendo-se a prescrição nos termos do artigo 27º -A do mesmo diploma legal, a quando o processo estiver pendente a partir do despacho que proceder ao exame preliminar do recurso, não podendo, no entanto, a suspensão ultrapassar seis meses. V - Assim, estando em causa factos praticados a 28.04.2021, e uma contraordenação punível com coima de 1250.00€ a 3740,00€, o prazo de prescrição é de 3 anos (art. 27º, al. b) do RGCO), pelo que tendo ocorrido causas de interrupção e suspensão da prescrição, e não tendo decorrido desde o seu início, ressalvado o tempo de suspensão (ainda em curso) o prazo de prescrição acrescido de metade, conclui-se não estar o presente procedimento contraordenacional prescrito. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I.1 A recorrente A..., Lda., veio impugnar judicialmente a decisão do Instituto de Mobilidade I.P, que a havia condenado na coima de 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), pela prática da contraordenação de transporte de mercadoria com excesso de carga, no decurso de transporte em regime de carga completa, prevista e punida pelo artigo 31º, nºs 2 e 4 e artigo 2º, al. n) do DL 257/2007, de 16.07. ** Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, em 08.10.2024, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “VII. DECISÃO De todo o exposto, decide este Tribunal julgar totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela recorrente e, em consequência, manter a decisão administrativa em conformidade. * Custas pela recorrente, com 2 UC de taxa de justiça (artigo 8º, nº 7 do RCP e artigo 94º, nº 3 do RGCO). Notifique. Deposite, nos termos do artigo 372º, nº 5 do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41º, nº 1 do RGCO. Comunique à Entidade Administrativa, nos termos do artigo 70º, nº 4 do RGCO.
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Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso A..., Lda., para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: “Conclusões: A. Subsiste um erro notório de apreciação da prova e bem assim o desrespeito pela aplicação do Princípio do in dúbio pro reo. B. A prova disponível nos autos não permitia ao Tribunal convencer-se no sentido em que formou a sua convicção; C. O Tribunal entendeu que o serviço de transporte foi contratado, pela Recorrente, em regime de carga completa, quando a prova documental é omissa e a testemunhal não conhece os autos. D. O legal representante da arguida declarou não ter contratado nesse regime e confessou que não procedeu à pesagem da mercadoria, enquanto expedidor, por não dispor de instrumento de medição e, apesar de ser considerado, pelo douto Tribunal, um depoimento credível, a sentença concluiu em sentido contrário. E. Ainda que o tribunal não conseguisse adquirir a "certeza" sobre os factos, o que se admite, a decisão teria de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição da ora Recorrente. F. A decisão administrativa entende que a Recorrente atuou a título de dolo; G. A Recorrente tem como objeto, entre outros, atividades de organização de transporte; H. Resulta dos factos provados que se desconhecem antecedentes contraordenacionais da Recorrente; I. A Recorrente contratou o serviço de transporte sem ter procedido à pesagem da mercadoria no local de expedição. J. O que indica não só que, a arguida conhece, efetivamente, as limitações legais aplicáveis à sua atividade. K. Mas também que, não tinha como saber que a mercadoria transportada – diversos acessórios para esplanada - excedia os limites legais. L. De facto, violou um dever objetivo de diligência, revelando uma atitude de descuido perante um dever que sobre ela recaía – efetuar a pesagem da mercadoria antes de contratar o transporte. M. Pelo que, sempre se conclui que a sua conduta não integra qualquer uma das formas legais de dolo e nem exprime uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença face às imposições jurídicas constantes da norma violada. N. Antes pelo contrário, o que se verifica é que ao agir da forma descrita nos autos, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada no exercício da sua atividade. O. Não sendo dolosa, a conduta da recorrente deveria ter sido considerada como negligente, sendo, por isso, aplicável o disposto no art. 22º, nº 2, do DL nº 257/2007 de 16/07, ou seja, os limites máximo e mínimo da coima aplicável são reduzidos a metade. P. Tendo em conta o disposto no artigo 27º, alínea c), do RGCO, é de 1 ano o prazo para a prescrição do procedimento contraordenacional, sendo que, esta tem sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade, sendo que o tempo de suspensão não pode ultrapassar seis meses. Q. O prazo de prescrição teve início no dia 28 de abril de 2021 e a decisão administrativa foi notificada em 15-04-2024. R. Interrompendo-se com a notificação para efeitos do artigo 50º, do RGCO - artigo, 28º, nº 1, al. c) do RGCO – em 14 de julho de 2021, e começando a correr novo prazo, verifica-se que os presentes autos encontram-se prescritos desde, pelo menos, 14 de janeiro de 2023 S. Logo, muito antes da data de prolação da decisão da autoridade administrativa. Nestes termos e nos mais que V. Exas., Meritíssimo Juiz e Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, com o que se fará a costumada Justiça!” * Foi admitido o recurso, nos termos do despacho proferido a 04.11.2024 *
Efetuada a legal notificação o Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “IV. CONCLUSÕES Por tudo o exposto, e em conclusão: A. A Recorrente não impugna concretos pontos da matéria de facto dados como provados nem indica qualquer elemento ou meio de prova que “imponha” decisão diversa da recorrida, conforme previsto pelo disposto no artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal. B. O Tribunal a quo, ao considerar que a arguida praticou os factos em causa, não violou o princípio in dúbio pro reo, uma vez que, apreciada a prova, não permanece em aberto uma qualquer hipótese factual alternativa à dada como provada na sentença sub judice. C. No que respeita à questão de saber se o transporte foi efetuado em regime de carga completa, diz-se, inequivocamente, na sentença recorrida que: “se, no auto de contraordenação, apenas é feita a menção a uma guia de transporte (com o nº ...54, cfr. fls. 7), guia essa que corresponde ao serviço que foi contratado pela A..., Lda. e se, no âmbito da fiscalização, é confirmado pela entidade autuante, que a mercadoria transportada no veículo corresponde à que vem descrita nessa guia, mostra-se evidente, perante as regras da experiência, que o veículo em causa transportava apenas a mercadoria expedida pela recorrente – pois se assim não fosse, faria menção a uma outra guia”. D. E também não se afigura que subsista um estado de dúvida no espírito do Tribunal a quo, quando o mesmo assevera que: “Não é a versão do representante da recorrente capaz de infirmar tal conclusão, pois não se mostra plausível que houvesse uma discrepância de informação constante do auto de contraordenação – pois, de acordo com as suas declarações, a carrinha saiu com 930kg de carga útil, conforme constava da guia de transporte”. E. O Tribunal a quo formou a sua convicção, conforme resulta da respetiva motivação, quanto aos factos provados na análise crítica, segundo as regras da experiência comum e juízos de normalidade, do conjunto da prova testemunhal (v.g. declarações da testemunha AA), da prova documental (v.g. auto de contraordenação, guia de transporte, talão de pesagem, aditamento ao auto de notícia, certificado de verificação da balança de pesagem) e das declarações do legal representante da sociedade arguida - BB. F. De acordo com o artigo 31.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de julho, na sua redação atual, a realização de transportes com excesso de carga é punível com coima de € 1.250.00 a € 3.740,00. G. E nos termos do n.º 4 do mencionado artigo, “sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa a infração é imputável ao transportador e ao expedidor em comparticipação”. H. Relativamente ao conceito de “transporte em regime de carga completa”, refere o artigo 2.º, alínea n) do mesmo diploma legal que corresponde aos “transportes por conta de outrem em que o veículo é utilizado no conjunto da sua capacidade de carga por um único expedidor”. I. No âmbito da operação de fiscalização desenvolvida pela GNR – Destacamento de Trânsito ... verificou-se que o veículo em que a sociedade comercial “B... Unipessoal, Lda.” realizava transporte rodoviário de mercadorias (diversos acessórios para esplanada) por conta de outrem, em regime de carga completa, de Paredes para Castelo Branco, acusava um peso total em trânsito de 4.760 kg, correspondendo ao peso total registado de 4.780 kg, deduzido o erro máximo admissível. J. Atendendo a que o veículo tem o peso bruto legal de 3.500 kg, registou-se um excesso de 1.260 kg, correspondente a um excesso de carga de 36%. K. A Recorrente tem como objeto social, entre outros “Atividades de organização do transporte por terra, mar ou ar, interno ou internacional por conta do expedidor ou pelo destinatário, envolvendo nomeadamente atividades no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, receção e circulação de mercadorias (…)”. L. A Recorrente, enquanto expedidora, atento o seu objeto social, e os vários anos de experiência nessa atividade, conhece o tipo de mercadoria carregada e transportada, conhecendo também os limites de carga do veículo em que pretendia efetuar o transporte, uma vez que tal informação consta do respetivo certificado de matrícula. M. Resulta evidente que a Recorrente não agiu com o cuidado que podia, devia e estava obrigada, porquanto não adotou as precauções necessárias, de que tinha conhecimento, para que, ao realizar as operações de expedição das mercadorias e correspondente operação de carregamento, não excedesse a capacidade de carga do veículo, sendo-lhe exigível que adotasse comportamento em conformidade com a lei. N. A Recorrente agiu de modo livre e consciente, tendo o propósito concretizado de realização da expedição das mercadorias nas condições em que o veículo se apresentava, representando como consequência possível da sua conduta, a violação de um comando legal, agindo com dolo, ainda que eventual. O. De acordo o princípio da normalidade social e das regras de experiência, não é concebível que a Recorrente não representasse a violação das regras jurídicas em apreço, uma vez que, face ao seu objeto social, à sua experiência no setor de transportes por conta de outrem, onde se encontra licenciada, e ao valor de excesso de carga de 36% (bastante superior ao limite legal de 25%), a qual seria manifesta, não é concebível que ignorasse tal violação. P. A gravidade da infração não se apresenta como reduzida, uma vez que, face aos 36% de excesso de carga que transportava, tal excesso repercute-se, de modo necessário, nas condições de segurança do próprio veículo, dado que ultrapassa as suas capacidades técnicas e constitui fator gerador de riscos para a segurança e circulação rodoviária e de acidentes. Q. A infração em causa representa também umas das principais causas de desgaste precoce das infraestruturas rodoviárias, podendo elevar os custos de operação e de manutenção dos veículos, agravar o envelhecimento da frota e aumentar a quantidade e a gravidade dos acidentes. R. A Recorrente, ao agir de modo a prever o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo de a empreender, e conformando-se com a produção desse mesmo resultado – violação de um tipo legal de contraordenação – a Recorrente atuou com dolo, ainda que eventual. S. Não se deverá olvidar que a Recorrente é uma sociedade comercial, cujo escopo visa o lucro, procurou tirar proveito económico consubstanciado no valor de 1.260 kg de mercadoria transportada em excesso. T. A Recorrente cometeu a prática da contraordenação que lhe é imputada, na forma dolosa, pois seria inconcebível que a conduta da arguida fosse qualificada como negligente, considerando que se trata de uma sociedade comercial com objeto social consistente em: “Atividades de organização do transporte por terra, mar ou ar, interno ou internacional por conta do expedidor ou pelo destinatário, envolvendo nomeadamente atividades no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, receção e circulação de mercadorias (…)”. U. Atento o seu ano de constituição, é de entender que a Recorrente terá já vários anos de experiência na atividade e no setor de transportes rodoviários, no qual se encontra licenciada, pelo que deveria ter procedido de outro modo, e nomeadamente certificar-se que o peso da mercadoria não excedia os limites legais. V. No caso em apreço, é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 27.º, alínea b) do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, ou seja, o prazo para a prescrição do procedimento contraordenacional é de três anos. W. O prazo de prescrição iniciou a sua contagem no dia 28-04-2021, data da prática dos factos. X. O prazo de prescrição interrompeu-se em 14-07-2021, com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição, nos termos do disposto no artigo, 28.º, n.º 1, alínea c) do RGCO, e tendo a decisão administrativa sido notificada à Recorrente em 15-04-2024, não se verifica a alegada prescrição da contraordenação. Y. A decisão a quo não padece de qualquer vício nem é suscetível de qualquer reparo, pelo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com as devidas consequências legais. Por tudo quanto fica exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmada a decisão recorrida. Porém, Vossas Excelências melhor decidirão, fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!” *
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no seguinte sentido [transcrição]: “1. A arguida/recorrente A..., Lda. impugnou judicialmente a decisão proferida pelo Instituto de Mobilidades e Transportes I.P. (IMT), que a condenou, como autora da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 31º, n.ºs 2 e 4, do Dec. Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho, na coima de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros). 2. Realizada audiência, o tribunal ditou sentença, através da qual decidiu julgar a impugnação judicial totalmente improcedente, mantendo a decisão administrativa impugnada. 3. Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão, focado essencialmente nas seguintes questões: - o tribunal apreciou deficientemente a prova produzida e errou ao dar como provado que a recorrente agiu com dolo; - a conduta da recorrente não integra qualquer uma das formas legais de dolo, devendo ser entendida como uma conduta negligente; - e sendo negligente, os limites máximo e mínimo da coima aplicável são reduzidos a metade, pelo que, tendo em conta o disposto no artigo 27º, alínea c), do RGCO, é de 1 ano o prazo para a prescrição do procedimento contra-ordenacional; - quando foi proferida a decisão da autoridade administrativa já o procedimento contra-ordenacional se encontrava extinto, por efeito da prescrição. 4. O Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida. 5. Analisado os fundamentos do recurso apresentado, constata-se que a recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como provada em ordem a que se altere a decisão do tribunal a quo na parte em que deu como provado o elemento subjectivo do tipo – o dolo. 6. Porém, há que recordar que o tribunal da Relação, em sede de recurso, funciona como tribunal de revista, conhecendo apenas da matéria de direito (artigo 75º, n.º1, do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), pelo que a matéria de facto fixada na decisão recorrida tem de considerar-se inalterável. 7. Nesta conformidade, e uma vez que a matéria de facto fixada na 1ª instância não pode ser alterada, a questão da prescrição do procedimento não se coloca. 8. É, pois, nosso parecer que o recurso deve ser rejeitado. * I.5. Resposta Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer. * I.6. Prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 41º, nº 1 do DL nº 433/82de 27 de outubro, alterado pelos DL nº 385/89 de 17 de outubro, DL 244/95 de 14 de setembro, DL nº 323/2001 de 17 de dezembro e Lei 109/2001 de 24 de dezembro (de ora em diante RGCO) bem como da jurisprudência pacífica e constante, designadamente, do STJ[Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior. Por sua vez, decorre do disposto no art. 75º, nº 1 do RGCO que em sede contraordenacional o Tribunal da Relação apenas conhece de direito, sem prejuízo da eventual alteração da decisão do tribunal recorrido nos termos do nº 2 do citado normativo. Mas, mesmo limitado à matéria de direito o Tribunal de recurso deve conhecer as questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal [Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95]. Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes: * II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]: “III. FACTOS PROVADOS 1. A recorrente tem como objeto social, entre outros, atividades de organização de transporte. 2. No dia 28.04.2021, a recorrente contratou com a empresa B... Unipessoal, Lda. a realização de um transporte de mercadorias (diversos acessórios para esplanada), a efetuar de Paredes para Castelo Branco, por conta de outrem, em regime de carga completa. 3. No âmbito desse serviço, foi emitida a guia de transporte nº ...54. 4. Foi realizado o transporte mencionado em 2., através do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-PJ-.., com o peso bruto de 3.500kg. 5. Nessas circunstâncias, o veículo circulava com um peso total de 4.840 kg, deduzido o valor do erro máximo admissível. 6. A recorrente, enquanto expedidora, conhece o tipo de mercadoria carregada e transportada, conhecendo também os limites de carga do veículo. 7. Era exigível que a recorrente cumprisse os limites de carga dos veículos que utiliza, o que não fez e não evitou, como podia. Mais se provou: 8. A recorrente não possui antecedentes contraordenacionais. * IV. FACTOS NÃO PROVADOS i. Que a recorrente não dispusesse de instrumentos de medição de peso. * Consigna-se expressamente que o Tribunal não transpôs para a presente decisão todas as expressões que se possam considerar como juízos conclusivos, matéria de direito ou simplesmente que sejam meios de prova e que, como tal não devem constar dos factos provados, ou não provados, mas sim da convicção. * V. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal fundou a sua convicção no apuramento dos factos objeto dos presentes autos no conjunto da prova documental, bem como a prova produzida em audiência de julgamento, analisando uma e outra de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum. O facto relativo ao objeto social resulta da pesquisa de 03.09.2024 (refª 37556932). Os factos relativos ao serviço contratado resultam da conjugação das declarações prestadas pelo representante legal da recorrente, BB – que se mostraram concisas e circunstanciadas, e, por essa razão credíveis –, em conjugação com a guia de transporte (fls. 7). Para prova das circunstâncias de tempo e lugar, levou-se em consideração o teor do auto de contraordenação (fls. 6). Além do mais, o auto foi corroborado pelo depoimento da testemunha AA. Os factos relativos às caraterísticas do veículo e do peso da mercadoria que o mesmo transportava resultam do talão de pesagem (fls. 8/v), do aditamento ao auto de notícia (fls. 8) e certificado de verificação da balança de pesagem (fls. 9), em confronto com o auto de contraordenação. A grande questão reside em: saber se este transporte foi efetuado em regime de carga completa? O transporte em regime de carga completa, vem definido no artigo 2º, al. l) do DL 38/99, de 6 de fevereiro, como sendo aquele que é efetuado por conta de outrem em que o veículo é utilizado no conjunto da sua capacidade de carga por um único expedidor para um único destinatário. É certo que, da guia de transporte de fls. 7 não é percetível qualquer indicação quanto ao regime de transporte em questão. Mas, com interesse, resultou do depoimento da AA – coordenador do Núcleo de Condutores e Contraordenações da DRMTC, que se mostrou preciso e isento, e, por conseguinte, redível –, que o apuramento do regime em que é realizado o transporte resulta do auto de notícia e da guia/guias de transporte anexas/associadas. Por outro lado, numa ação de fiscalização, o agente autuante, quando solicita a guia de transporte ao condutor, confirma se a mercadoria que aquele transporta corresponde à guia que lhe é exibida, mormente, através da contagem dos volumes identificados nessa guia – conforme igualmente resultou do depoimento da AA. Desta forma, concluímos que, quando é levantado um auto relativo ao excesso de carga, ele faz sempre menção ao que era transportado, através da associação e junção em anexo de uma ou mais guias de transporte. É o que sucede nos autos. Pese embora o auto de contraordenação seja omisso quanto ao regime de transporte, o mesmo faz menção a uma guia de transporte com o nº ...54 – cfr. auto de contraordenação (em “descrição sumária”, in fine) de fls. 6. Ora, se, no auto de contraordenação, apenas é feita a menção a uma guia de transporte (com o nº ...54, cfr. fls. 7), guia essa que corresponde ao serviço que foi contratado pela A..., Lda. e se, no âmbito da fiscalização, é confirmado pela entidade autuante, que a mercadoria transportada no veículo corresponde à que vem descrita nessa guia, mostra-se evidente, perante as regras da experiência, que o veículo em causa transportava apenas a mercadoria expedida pela recorrente – pois se assim não fosse, faria menção a uma outra guia. Não é a versão do representante da recorrente capaz de infirmar tal conclusão, pois não se mostra plausível que houvesse uma discrepância de informação constante do auto de contraordenação – pois, de acordo com as suas declarações, a carrinha saiu com 930kg de carga útil, conforme constava da guia de transporte. Razões pelas quais se deu como provado o facto relativo ao regime de transporte. O passado contraordenacional da recorrente resulta da informação de 13.08.2024, refª 3680046. O facto não provado resultou da ausência de meios de prova nesse sentido. * II.3.1- Do vicio do erro notório na apreciação da prova e da violação do princípio in dubio pro reo
Na apreciação dos vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido precito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento [Cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.]. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário. Nos termos do disposto no artigo 410.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe, “Fundamentos do recurso”, de onde decorre que: “1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.” Da análise de tal preceito legal decorre, portanto, que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via da invocação dos apontados vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vícios decisórios esses que, conforme se referiu supra, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum. O erro notório na apreciação da prova ocorre quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido [Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, pág. 74]. “Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido” [Acórdão do TRC de 24-04-2018, P. n.º 1086/17.4T9FIG.C1, in www.dgsi.pt]. Em suma, o vício do erro notório na apreciação da prova refere-se às situações de falha grosseira na análise da prova e não resulta da simples discordância quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo tribunal, mas antes tem de resultar de uma falta evidente de lógica entre os factos provados ou não provados, ou da decisão ressaltar uma apreciação evidentemente ilógica ou arbitrária que não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício [A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt]. Importa, porém, não esquecer, quando a este vício – erro notório na apreciação da prova – que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, tal como o dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal. Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova [salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial] e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre sem esquecer que a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável. Ora, a análise efetuada pelo recorrente não se cinge ao teor da decisão recorrida, mormente à motivação da decisão de facto, antes convoca o conteúdo dos meios de prova por si elencados, sobretudo parte da prova produzida oralmente em audiência de julgamento, designadamente o depoimento da testemunha CC e do Legal Representante da sociedade arguida, com a finalidade de contrariar a valoração da prova vertida na decisão recorrida, deste modo extravasando os limites da arguição do convocado vício decisório. Na verdade, da leitura da decisão recorrida não sobressai qualquer erro clamoroso, que tenha resultado provado algum facto que não possa ter acontecido ou que a prova tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados. Do seu texto e da fundamentação não resulta que os factos dados como provados se contradigam entre si ou violem os conhecimentos adquiridos pelas regras da experiência comum. Em sede de recurso cabe apenas “ (…) aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” [Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, p. 253]. Ora a sentença apresenta-se bem estruturada, com indicação e exame crítico das provas proficiente, numa análise concatenada com as regras da experiência comum e de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do CPP. Lendo a decisão recorrida não logramos descortinar que a mesma seja ilógica ou atentatória das regras da experiência comum. O que o recorrente pretende é colocar em crise a convicção que o Tribunal recorrido formou perante as provas produzidas em audiência e substituir essa convicção pela sua própria convicção, o que não consubstancia o invocado vício do erro notório na apreciação da prova. Invoca ainda o recorrente a violação do princípio in dubio pro reo. Este princípio, derivado do princípio da presunção de inocência do arguido, (artigo 32º, n.º 2 da CRP), estabelece um limite ao principio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido. No acórdão do TRL de 10.01.2018 [processo nº 63/07.8TELSB-3, disponível in www.dgsi.pt] escreveu-se: “A certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica. O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.” Para que se imponha ao Tribunal a aplicação deste princípio é necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não na da recorrente alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que há-de ser razoável e insanável. A dúvida relevante para este efeito, não é, portanto, a dúvida que a recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar do acórdão ou que por este é evidenciada. Ora, da análise do texto da motivação de facto, não resulta que o Tribunal a quo tenha ficado com qualquer dúvida insuperável, razoável ou sequer leve, sobre os factos e a responsabilidade contraordenacional da recorrente. A discordância da recorrente prende-se tão só com a interpretação que ela própria fez da prova que foi produzida e que indicou no respetivo recurso. De resto, cumpre salientar que o tribunal a quo não expressou qualquer dúvida razoável e fundada sobre a matéria de facto ora posta em causa, nem da sua fundamentação emerge que a devesse ter, ao abrigo do princípio constitucional do in dubio pro reo. Visto o texto da motivação constata-se que o tribunal a quo expressamente afastou qualquer dúvida quanto ao regime da carga e designadamente tratar-se de “regime de carga completa” explicando de forma proficiente e clara o raciocínio efetuado e os elementos de prova que o sustentam. Não havendo, como não deve haver, qualquer dúvida insanável, séria e fundada sobre a conclusão de facto a que chegou a decisão recorrida, nenhuma censura merece a mesma. Assim sendo, entendemos que não houve qualquer valoração arbitrária da prova, nem violação do princípio do dubio pro reo, previsto no art. 32º da Constituição da República Portuguesa. A negação e/ou diferente interpretação dos factos por parte da recorrente, por si só, não impõe a alteração factual pretendida, mostrando-se plenamente justificada a credibilidade e interpretação conferida a toda a prova produzida e examinada em julgamento, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer. Deste modo, não houve valoração arbitrária ou ilegal da prova e por isso não foi violado o art. 127º do Código de Processo Penal, não ocorreu violação do princípio in dubio pro reo, previsto no art.32º da Constituição da República Portuguesa, não padecendo o texto do acórdão recorrido do vício previsto no art.º 410º, 2, al. c) do CPP, nem, para o que aqui releva, de qualquer outro vício desta norma. * III. Da prática da contraordenação a título doloso. A recorrente argumenta no recurso apresentado que não ocorrendo a sua absolvição por via do princípio in dubio pro reo deveria ser considerada a atuação a nível de negligência, invocando para o efeito não pesou a mercadorias e apenas violou esse dever de cuidado que sobre si impendia de efetuar a pesagem antes do transporte. Como deixamos já expresso, nos termos do disposto no art. 75º nº 1 do RGCO o tribunal da Relação ressalvados os vícios previstos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, no âmbito dos recursos de contraordenação, apenas conhece de direito. Concluímos já que não ocorrem quaisquer vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, pelo que a matéria de facto se encontra estabilizada. Ora, dos factos provados resulta que a recorrente tem como objeto, entre outros, a organização de transporte, tendo contatado uma outra empresa para efetuar o transporte em causa, por conta de outrem, em regime de carga completa; transporte realizado num veículo com o peso bruto de 3500Kg, sendo que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas o veículo circulava com um peso total de 4.840KG, deduzido o valor do erro máximo admissível. E dos autos resultam também os factos configuradores, ao nível do elemento cognitivo, de uma situação típica de dolo, pois que se atribuiu à recorrente enquanto expedidora o conhecimento do tipo de mercadoria carregada e transportada e dos limites de carga do veículo, e ao nível do elemento volitivo, imputa-se-lhe a consciência da exigibilidade de cumprimento dos limites da carga dos veículos que utiliza, o que não fez no caso presente, nem evitou como podia ter feito. Temos pois provado que a consciência e vontade têm como objeto o concreto transporte efetuado com 4,840Kg, carga que a recorrente conhecia, conhecendo também os limites do veículo usado no transporte, e que sendo-lhe exigível que cumprisse os limites de carga do veículos que utiliza, não o fez, e não evitou o referido transporte como podia ter feito. Ou seja, o tribunal imputou os factos subjetivamente à arguida a título de dolo, tal como o havia feito a decisão administrativa, e existe suporte factual para o efeito. A factualidade alegada pela recorrente, em sede de recurso, para fundamentar a sua atuação a título negligente não tem expressão nos factos provados e, consequentemente, terá de improceder nesta parte o recurso interposto. * A invocação da prescrição por parte da recorrente partia da assunção da imputação de uma conduta a titulo negligente que como vimos não resultava já do processo administrativo. São os seguintes os factos relevantes: 1 – À arguida é imputada a prática da contraordenação de transporte de mercadoria com excesso de carga, no decurso de transporte em regime de carga completa, prevista e punida pelo artigo 31º, nºs 2 e 4 e artigo 2º, al. n) do DL 257/2007, de 16.07, com uma coima com coima de (euro) 1250 a (euro) 3740, cujos factos remontam a 28.04.2021. 2 - A 14.07.2021 foi a arguida notificada, nos termos e para efeitos do artigo 50º do DL 433/82 de 27.10. 3 – A decisão que lhe aplicou a coima foi proferida a 10.04.2024, e foi-lhe notificada a 15.04.2024. 4 – A arguida interpôs recurso, que foi admitido a 07.07.2024. Nos termos do disposto no art. 27º, al. b) do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (DL 433/82 de 27.10), o procedimento contraordenacional extingue-se por prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a 2.493,99€ e inferior a 79.879,99€. Nos termos do artigo 28º, daquele Regime, a prescrição do procedimento contraordenacional ocorre sempre quando, desde o início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade e interrompe-se, nomeadamente: b) Com a realização de quaisquer diligências de prova designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa. c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição; d) Com a comunicação da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação de coima. De acordo com o disposto no artigo 27º-A do mesmo diploma legal, a prescrição suspende-se nomeadamente quando o processo estiver pendente a partir do despacho que proceder ao exame preliminar do recurso, não podendo, no entanto, a suspensão ultrapassar seis meses. No caso dos presentes autos o prazo normal de prescrição é de 3 anos, atenta a moldura da coima cima referida – art. 27º, al. b) do Regime Geral das Contraordenações e Coimas - e teve início em 28.04.2021. A prescrição interrompeu-se com a notificação da arguida nos termos do disposto no art. 50º e com a prolação da decisão administrativa e suspendeu-se com a prolação do despacho que admitiu o recurso. Assim, tendo ocorrido, no caso presente, causas de interrupção e suspensão da prescrição, e não tendo decorrido desde o seu início, ressalvado o tempo de suspensão (ainda em curso), o prazo de prescrição acrescido de metade, conclui-se não estar o presente procedimento contraordenacional prescrito. *** III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A... Lda. e, consequentemente, manter a decisão proferida pelo tribunal a quo. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. Notifique.
Coimbra, 8 de janeiro de 2025 [Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]
Os Juízes Desembargadores Sandra Ferreira Alcina da Costa Ribeiro Maria da Conceição Miranda
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