Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2714/19.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
CULPA DO INTERMEDIÁRIO
OBRIGAÇÃO DE REEMBOLSO DO VALOR INVESTIDO
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 227.º, N.º 1, 563.º, 762.º, 798.º, 799.º, 800º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 76.º DO RGICSF, E ARTIGOS 7.º, N.º 1, 312.º E 314.º, N.º 2, TODOS DO CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Sumário: I - A omissão de informações por parte do Banco acerca da natureza, características e riscos dos produtos que comercializa com os clientes, viola os deveres impostos ao Banco pelo artigo 227º do Código Civil, pelo artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) e pelos artigos 7º, nº1 e 312º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (D L n.º 486/99, de 13 de Novembro). 

II - Decisivamente assim porque tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização da Obrigação ajuizada [S... 2004], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].

III - Decorre do nº2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

IV - Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito  intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter “capital garantido” responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, aquele veicular a garantia de restituição dos juros e do capital [o funcionário bancário “assegurou” que se tratava de um produto com “capital garantido”], compromisso esse que na circunstância se mostra violado (foi executado o contrato com violação dos deveres de boa fé - art. 762º do C.Civil).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... ..., intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “L....” [ora L...”], que tem a sua sede social na Avenida ..., ..., ... ..., pedindo a condenação desta:

«a) Proceder ao reembolso/pagamento/ressarcimento à A. do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos juros moratórios vencidos e vincendos desde 25.10.2014 à taxa legal dos juros comerciais em vigor, condenando-se ainda o R. a pagar ao A. a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) por danos morais por esta sofridos, igualmente acrescidos de juros moratórios à taxa legal desde a citação até ao efetivo pagamento;

Subsidiariamente, por cautela de patrocínio, caso assim não se entenda:

b) Deverá ser declarado [nulo] o contrato/negócio jurídico por força do qual o banco R. vendeu ao aqui A. a “Obrigação Subordinada Rendimento Mais S... 2004”, com todas as legais consequências, e indemnizada a A. pelos danos sofridos, danos estes a liquidar em execução de sentença, e que quantitativamente corresponderão, no mínimo, ao custo de imobilização do capital desde a data da subscrição do produto até ao momento da restituição deste, montantes este ao qual haverá que descontar o rendimento, entretanto percebido pela A. (…)».

Para alicerçar as suas pretensões, a autora alegou, em síntese:

- que sendo clientes, ela e o marido, do extinto B.... (B..., instituição bancária então tida como sólida e bem administrada, na qual depositavam toda a confiança, nomeadamente no seu gestor de conta, Sr. BB, este contatou o seu marido em data não superior a uma semana antes de 25.10.2004, no sentido de aplicarem o seu dinheiro num produto financeiro novo muito bom, com boa taxa de rentabilidade, superior à dos depósitos a prazo (“uma espécie de depósito a prazo, mas de maior rentabilidade”), com «rentabilidade assegurada, com o capital 100% assegurado quanto ao seu reembolso, e sem risco de perda deste», tendo sido por estas condições terem sido garantidas que ela A. anuiu aplicar a quantia de € 50.000 que detinha em DP nesta aplicação, mas sem que então lhe tivessem sido explicadas a natureza e características da proposta aplicação financeira, nomeadamente o que eram “Obrigações” (e concretamente as ditas “Obrigações S... Rendimento Mais 2004”), nem o que eram “Obrigações Subordinadas”, acrescendo que não lhe foi entregue nem explicada (antes do ato de subscrição) qualquer Prospeto Informativo ou Ficha Técnica que não fosse o “Boletim de Adesão”, nem lhe foi prestada qualquer informação sobre quem era a entidade emissora das mesmas (a “S...”, doravante “S...”), sendo certo que o dito “Boletim de Adesão” é composto por uma série de “cláusulas de adesão integral”;

- que ela A. e o seu marido jamais teriam aceitado investir as suas poupanças de uma vida na aquisição desta “Obrigação” se tivesse sido devidamente informados, tanto mais que eram aforradores sem qualquer cultura financeira ou bancária e sem conhecimentos específicos sobre o mercado de capitais, nunca tendo pretendido investir todas suas poupanças numa aplicação financeira de risco;

- que também não lhes foi explicado que o banco não passava de um mero intermediário financeira da S..., e que a responsabilidade última pelo pagamento dos juros e do reembolso do capital na maturidade do produto era apenas desta S... e não do próprio B...;

- que, na sequência, o pagamento dos juros decorrentes da aplicação ocorreu até Outubro de 2014, o que sempre foi contribuindo e reforçando a convicção da A. de que o seu capital investido sempre iria acabar por lhe ser entregue, estando a A. igualmente convicta de que a entidade que desembolsava o dinheiro para pagamento dos juros era o próprio B... ( e mais tarde o L... ) e não a S... (mais tarde G...), convicção que manteve durante anos;

- que a atual instituição de crédito aqui R. (L...”) resultou da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do “L....” no “B....”, assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo;

- que em 10.03.2017 a A. interpelou o L... para proceder ao depósito na sua conta dos € 50.000 investidos, reembolso que lhe foi negado por resposta datada de 25.10.2017;

Em sede de fundamentação de direito, muito em síntese, referiu que a operação bancária efetuada entre a autora e a ré corresponde a uma atividade de intermediação financeira e chamou à colação as normas do Código dos Valores Mobiliários, para defender a responsabilidade contratual da ré, por violação do dever de informação a que estava obrigada, acrescendo que o contrato é nulo por violação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais, donde lhe assistir o direito à devolução/pagamento a título indemnizatório do dito montante de € 50.000, bem como nos juros moratórios vencidos e vincendos desde a data em que o capital deveria ter sido pago (Outubro de 2014),  bem como na indemnização por danos morais de montante não inferior a € 2.500, e subsidiariamente, que tem o direito de ver decretada a nulidade do negócio jurídico, com as legais consequências.

*

A ré foi regularmente citada e apresentou contestação.

Começou por arguir a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pela autora, da subscrição do produto em apreço, e bem assim de que se verifica uma situação de venire contra factum proprium por parte da A., na medida em que ao longo de 5 anos esta sempre se comportou de forma a aceitar a subscrição por si efetuada, auferindo as correspondentes vantagens (maxime os juros “principescos”), pelo que violou as expetativas geradas só agora vindo exigir responsabilidades.

Em sede de defesa por impugnação motivada, alegou, em síntese, que:

- As Obrigações S... 2004 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S...., sociedade que era titular de 100% do capital social do B..., participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008.

- Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, com garantia de capital, no sentido de que o seu valor de reembolso não sofre variações de natureza especulativa ou sequer que resultem de qualquer tipo de negociação – ao contrário da grande maioria dos restantes instrumentos financeiros -, e cujo único risco é o risco geral do incumprimento, existente em todos os contratos.

- A esta segurança acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.

- Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro ou conservador como a subscrição daquelas obrigações; o risco de um DP seria, por isso e apenas nessa medida, semelhante a uma tal subscrição por o risco da S... ser indexado ao risco do próprio Banco, sendo o produto dado à subscrição da autora” efetivamente seguro”, acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas.

-À data de subscrição, mesmo uma situação de insolvência da S... implicaria necessariamente uma prévia insolvência do próprio Banco por ser um seu ativo, pelo que também por aqui o risco da aplicação era efetivamente semelhante ao de um DP no próprio banco.

Concluiu que nunca foi transmitida qualquer informação falsa à autora, nem omitida informação essencial quanto a natureza do produto, que se “encaixava na perfeição no seu perfil de investidor - conservador”.

Defendeu, seguida e motivadamente, que não foi violado qualquer dever legal de informação.

Pugnou, a ré, a final, pela improcedência da ação.

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 A autora exerceu o contraditório acerca da matéria de defesa por exceção, tendo pugnado pela respetiva improcedência.

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Seguidamente, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se afirmaram todos os pressupostos de validade e de regularidade da instância.

Nele foi relegada para final a apreciação da exceção perentória da prescrição e do abuso do direito, e, no demais, foi consignado o objeto do litígio e foram elencados os temas da prova, dos quais não houve reclamações.

*

Prosseguindo os autos, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, como se alcança das respetivas Atas.

                                                           *

Na sentença, desde logo se assentou que tendo o Banco Réu atuado como intermediário financeiro, tal não invalida que a responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado, sucedendo que, face aos factos provados in casu, se entendia que o Réu prestou à Autora (ou seu representante), as informações relativas às características essenciais do produto financeiro e que correspondiam à verdade (montante do capital, prazo, taxa de juro e possibilidade de reembolso antecipado), pelo que não praticou quaisquer factos ilícitos, de acordo com os princípios da adequação e proporcionalidade, tendo em conta o concreto produto financeiro (“obrigações”) e as características da Autora enquanto investidora, sempre ao abrigo do princípio geral da boa-fé, por isso, não se verificavam os necessários pressupostos da responsabilidade civil contratual, pré-contratual, ou extracontratual, impondo-se a absolvição do Réu do pedido formulado pela Autora, face ao que se encontrava prejudicada a apreciação da invocada prescrição e do invocado abuso do direito, termos em que se formulou o seguinte concreto “dispositivo”:

«III. DISPOSITIVO

Nos termos e fundamentos expostos,

1. Julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência,

2. Absolvo o Réu L...., de todos os pedidos formulados pela Autora AA.

3. As custas são a cargo da Autora.

4. Registe e notifique.»

                                                           *

            Inconformada com essa sentença, apresentou a A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1) Em sede de impugnação da decisão de facto no ponto 7 dos factos provados a discordância da apelante no que respeita à redação dada a este ponto da matéria de facto prende-se apenas com a utilização do advérbio “praticamente” mais concretamente inserido na frase “…praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado…”, existindo manifesto lapso do Tribunal na perceção/audição desta precisa parte do depoimento da testemunha, BB, ex-empregado bancário, funcionário que procedeu à comercialização do produto “Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004” à apelante, tendo esta testemunha referido que se tratava de Produto financeiro “basicamente sem risco ” (e não praticamente sem risco), depoimento este que foi, aliás, corroborado pelo depoimento da testemunha CC que confirma que o produto foi comercializado como sendo um produto “de capital garantido pelo próprio banco” “o banco garante-lhe o capital”, “o e “o banco garante-lhe o crédito em conta do capital”;

2) Também vai impugnada a redação do Ponto 9 da matéria de facto provada porquanto a parte destacada no texto destas alegações a vermelho “Obrigações” efetivamente não consta no cabeçalho do Boletim de Subscrição, fonte probatória usada pelo Tribunal para considerar provada esta redação, constando apenas:

“S... RENDIMENTO MAIS 2004

Boletim de subscrição”

Pelo que deverá ser retirada a expressão em causa ficando a seguinte redação:

“B...”

“S... RENDIMENTO MAIS 2004”

“EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS”

(...)

mantendo-se o demais restante.

3) Vai igualmente impugnado o ponto 24 dos factos provados porquanto a construção do raciocínio do julgador neste concreto ponto parte duma premissa inexistente: A de que resulta admitido pela testemunha CC que a apelante já detinha Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, tendo a testemunha BB referido que então, a verificar-se esse caso “já não eram uns investidores quaisquer”; ao contrário do que considerou o Tribunal, a testemunha CC em momento algum do seu depoimento admitiu que a esposa (ou ele) tivessem adquirido Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário; esta testemunha referiu que “Não tinha a certeza se alguma vez tinha adquirido Fundos, mas se alguma vez os adquiriu não teria sido no B..., onde só tinha depósitos a prazo”, não tendo nunca sequer não efetuado qualquer referência à natureza mobiliária ou imobiliária de tais pretensos Fundos; por outro lado, jamais o banco R. articulou na sua contestação esta matéria, sendo certo que a mesma integraria matéria de exceção perentória pelo que o Tribunal não poderia, sem extrapolar os seus poderes (cfr. art. 5º nº 1 do CPC) considerar provada matéria essencial não alegada pelo banco R., não resultando sequer a existência de tais pretensos Fundos de Investimento – fossem eles quais fossem – do extrato bancário que o banco juntou com a sua contestação, pelo que o Tribunal acabou por considerar provada matéria de exceção não alegada, sem qualquer suporte documental que a demonstrasse, e que nem sequer traduz o que foi referido a tal respeito pela testemunha CC;

4) Vai igualmente impugnado o ponto 28 da matéria de facto provada porquanto não obstante o Tribunal ter procurado descrever o teor da “Nota Interna” do B... e sem prejuízo de ter mencionado a expressão “entre o mais” no ponto 28 dos factos provados, assim dando menção que não estava a ser exaustivo, o certo é que indicou expressamente pontos menos importantes nos pontos 28 a 31 faltando-lhe indicar uma das principais referências que da mesma Nota Interna consta, referência esta que foi também ela certificada pela testemunha BB, o empregado do B... que procedeu à comercialização deste produto, referência em falta essa que é precisamente a que na 2ª página dessa Nota Interna consta sob o título “caraterísticas da emissão”: “Capital garantido: 100% do capital investido”, estando portanto a mesma demonstrada pelo documento, e, ainda pelos depoimentos da testemunha BB que, quando lhe foi exibida esta “Nota Interna”, confirmou que se tratava de documento interno do banco B... e que se tratava de documento que o banco costumava enviar aquando da comercialização de produtos financeiros;

5) Vai igualmente impugnado o ponto 32 da decisão de facto porquanto desde logo não existiu qualquer admissão por acordo respeitante a esta matéria de facto, sendo certo que o próprio Tribunal não esclarece no seu exame crítico da prova de onde foi retirar ou extrair tal dito “acordo”; nunca a apelante admitiu (por acordo) que dado a entidade emitente das Obrigações ser a “sociedade mãe ” detentora do capital social do próprio B... o risco das Obrigações era idêntico ao risco de um qualquer depósito a prazo; o que a apelante sempre articulou na sua p.i. foi que o produto lhe foi vendido como sendo um produto em tudo semelhante a um depósito a prazo (nº 7 da p.i.), e com o capital 100% assegurado quanto ao respetivo reembolso e sem risco de perda deste; tão pouco a testemunha BB, funcionário que comercializou este produto à apelante também, referiu que vendeu este produto à apelante com tal explicação, isto é que o risco das Obrigações era idêntico ao de um depósito a prazo por causa de a entidade emitente ser a sociedade detentora do capital social do banco; esta testemunha referiu que 95% dos clientes do banco “não sabiam que estavam a emprestar dinheiro à S...” e que apenas uma muito reduzida percentagem tinha conhecimento desse pormenor, e que “a equiparação aos DP era feita porque os DP eram um produto “antigo”, “de todos conhecido”, referindo ainda (quando lhe foi exibido a “Nota Interna” junta com a p.i. que “era assegurado o recebimento pelo cliente das Obrigações de 100% do capital investido”, sendo certo que tal afirmação/associação para efeitos de risco do investimento não era sequer verdadeira na medida em que ao subscrever a aquisição de Obrigações Subordinadas o/a adquirente era induzido a crer que sempre beneficiaria – em caso de insolvência da entidade emitente - da garantia de reembolso (à época) no montante de pelo menos 25.000,00 € conforme previam os artigos 164º e 166º do DL 298/92 de 3/12, o que não se passava obviamente com as Obrigações emitidas pela S..., pelo que o Tribunal ao dar como provada esta matéria – crê-se que de natureza conclusiva – não só não teve substrato documental ou testemunhal, ou por acordo, como, ainda, colocou em sede de factos provados matéria que atenta contra o regime jurídico disposto nos artigos 164º e 166º do DL 298/92 de 3/12, o que não pode ser;

6) Impugna-se também o ponto 33 da matéria de facto provada, discordância esta que todavia se limita a que se entende que ao mesmo deve ser adicionado que o produto foi vendido pelo banco com a indicação de que tinha capital garantido, e que, com isso queria significar que o banco garantia que cliente receberia sempre o seu dinheiro na maturidade do produto; Com efeito, é isso que resulta da prova documental (em especial da “Nota Informativa” junta com a p.i. sob doc. 3), na qual constam as indicações e instruções dadas pelo banco para os seus balcões respeitantes à forma como o produto devia ser publicitado e comercializado junto dos clientes, e onde sob o título “Caraterísticas da Emissão” consta a seguinte indicação “Capital Garantido”:100% do Capital Investido”, e é igualmente isso que resulta do depoimento da testemunha BB, testemunha que explicou que tinha um padrão standard de comercialização deste produto (Obrigações S... 2004) para todos os clientes do banco, no qual estavam inclusas as seguintes informações, que lhes transmitia: Produto financeiro “basicamente sem risco ”; As Obrigações eram “eram quase tão seguras como um depósito a prazo ou eram praticamente como se fossem um depósito a prazo”; “O dinheiro dos clientes estava seguro neste tipo de Obrigações”, transmitindo aos clientes que “o seu capital estava garantido” e que “não havia problemas com o dinheiro investido”, e sobre o significado da expressão “capital garantido” respondeu que “se as pessoas investissem 10 teriam lá sempre os 10, no final do prazo do produto”, asseverando ainda que “a garantia do recebimento do capital era dada pelo próprio banco.”

7) Relativamente aos factos dados como não provados a apelante impugna a alínea b) dos mesmos não estando correto o juízo de que a testemunha BB não confirmou os factos; esta testemunha, Sr. BB, referiu que se tratava de uma aplicação segura, uma espécie de depósito a prazo; efetivamente não disse no seu depoimento “100% segura”, mas disse “que o dinheiro dos clientes estava seguro neste tipo de Obrigações”, não podendo esta afirmação ser desvalorizada, nem tratada como se não tivesse sido proferida, e tendo igualmente asseverado que se tratava de um produto financeiro “basicamente sem risco ”, e, ainda, que “as Obrigações eram “eram quase tão seguras como um depósito a prazo ou eram praticamente como se fossem um depósito a prazo”, e que “o dinheiro dos clientes estava seguro neste tipo de Obrigações”, transmitindo aos clientes que “o seu capital estava garantido” e que “não havia problemas com o dinheiro investido”, depoimento este confirmado por CC, que no seu depoimento referiu que “fui ludibriado, foi-me dito que “o banco respondia por aquilo com capital garantido” “nunca arrisquei” “nunca fiz outra coisa que não depósitos a prazo”, referindo que o produto lhe foi anunciado pelo funcionário Sr. BB “com garantia de juros e de capital”, e que “o banco garantiu-lhe o crédito em conta do capital no final do prazo”; Existiu, assim, um equívoco por parte do Tribunal a quo na sua perceção da produção da prova, equívoco esse que, por sua vez, inquinou o seu exame crítico, pelo que a redação que esta matéria deverá passar a constar dos factos provados, será a seguinte: “Que o referido funcionário informou então o marido da Autora que se tratava de uma aplicação segura, uma espécie de depósito a prazo.”;

8) Vai igualmente impugnada a alínea d) dos factos não provados, por se tratar de matéria que deveria constar dos factos provados; o Tribunal desvalorizou à cabeça esta matéria e a sua apreciação por força de a considerar “especulativa”, veiculando a ideia de que se trata de matéria sem tradução prática efetiva, simples conjetura sem possibilidade de fundamento em factos concretos; ora, a matéria constante desta alínea d) não só não é “especulativa”, podendo portanto traduzir-se em factos demonstráveis em juízo, como é relevante para a prova da existência do nexo de causalidade entre a prática do facto ilícito (violação do dever de informação) e a verificação do dano (não entrega do capital na data da maturidade do produto), existindo efetivamente prova documental e testemunhal que demonstram que esta matéria deveria ter sido valorada e considerada provada; os depoimentos das testemunhas CC, BB e DD, economista na CMVM, conjugados com os documentos “Nota Interna”, “Boletim de Subscrição”, e a “Nota Informativa”, permitem concluir que o B..., através do Sr. BB comercializou estas Obrigações sem informar as caraterísticas que pudessem levar a que apelante descartasse liminarmente a hipótese da sua aquisição, informando outras que manifestamente o produto em causa não tinha, tudo com o único propósito de criar a convicção na apelante de que se tratava de um produto com capital seguro, que lhe seria restituído no final do prazo, portanto um produto à partida irrecusável, sendo certo que foi o banco que tomou esta iniciativa junto da apelante – nº 5 dos factos provados - incentivando-a a adquirir este produto financeiro, fazendo com que os 50.000,00 € que se encontravam num depósito a prazo no B... fossem canalizados para um produto cuja segurança nada tinha de comparável a um depósito a prazo; o facto de o dinheiro “desmobilizado” se encontrar num DP evidencia o grau de conservadorismo que a apelante tinha nas suas relações com o banco, e que este não ignorava – cfr. nºs10, 11, 17, 21 e 24 dos factos provados -, bem como não ignorava tratar-se de uma investidora não institucional, aos olhos do CVM; para criar essa convicção e esconjurar a hipótese de a apelante recusar liminarmente a aquisição das Obrigações, o banco omitiu informações acerca deste produto (cfr. nº 17 a 21 dos factos provados) e acrescentou outras que não retratavam as verdadeiras caraterísticas do produto, como a equiparação aos depósitos a prazo e a “estória” do “capital garantido”, ou seja, que na maturidade a apelante tinha sempre garantido o retorno do capital investido (cfr. nºs 7, 10, 11 e 28 dos factos provados); a conjugação destes elementos probatórios permite concluir poder dar-se como provado que se a A., na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, jamais teria aceitado investir no referido produto;

9) O Tribunal, na análise jurídica que efetivou quanto ao caso sub judice concluiu pela inexistência de qualquer facto ilícito imputável ao banco, mas partiu de premissas que ou não se verificam ou não são corretas, o que inquinou a decisão constante da douta sentença; a 1ª premissa foi a de que o produto financeiro em causa foi apresentado ao marido da Autora como um produto seguro, com capital garantido, mas este sabia que se tratava de “obrigações” – tratando-se (na perspetiva do Tribunal) de informações corretas; ora, o produto financeiro aqui em causa não foi apenas vendido como um “produto seguro”; foi vendido como sendo um produto seguro idêntico a um depósito a prazo (cfr. ponto 33 dos factos provados), o que está muito longe de corresponder à realidade, atendendo a que são profundas as diferenças entre as Obrigações Subordinadas e os depósitos a prazo, informação enganosa esta destinada a tranquilizar a A. quanto ao risco do seu investimento; informação enganosa porque as Obrigações Subordinadas não podem ser equiparadas a depósitos a prazo porquanto à data da subscrição/aquisição desta Obrigação pela A. o Fundo de Garantia de Depósitos garantia 25.000,00 € apenas para os DP e não para as Obrigações; depois porque em caso de insolvência os titulares de depósitos a prazo sempre têm direito a ser pagos no que respeita à parte restante do capital não abrangido pelo Fundo de Garantia (no caso da apelante 25.000,00 €) como credores comuns, o que consabidamente não se verifica quanto às Obrigações Subordinadas, e, por último, porque a mobilização do capital num DP pode ser efetuada a qualquer momento, da mesma decorrendo apenas a eventual perda de juros em caso de ser movimentado antes da respetiva maturidade, o mesmo não se passando com as Obrigações Subordinadas Rendimento Mais S... 2004; por outro lado, está provado que “o marido da apelante sabia o que eram “Obrigações”, mas não está provado que teve consciência e conhecimento in casu que estava a comprar “Obrigações S...” conforme se constata do ponto 23 dos factos provados, não tendo sido dado como provado que a A. sabia o que eram Obrigações, nem tão pouco que a apelante e o seu marido tivessem ficado informados e cientes que o produto financeiro adquirido eram Obrigações S..., e muito menos “Obrigações Subordinadas S...”;

10) A douta sentença assume ainda que o facto de a apelante saber que se tratava de “Obrigações” é informação suficiente, o que não está correto desde logo porque não ficou provado que a apelante soubesse o que eram “Obrigações”, atendendo a que a matéria provada apenas refere – cfr. nº 23 – que “à data CC (marido da Autora) sabia o que eram “Obrigações”, mas não sabia o que eram “Obrigações Subordinadas”, pelo que não poderia o Tribunal extrapolar tal conhecimento do marido da apelante para a pessoa da apelante, como fez; depois porque a Obrigação que foi vendida à apelante é uma “Obrigação Subordinada”, e não uma simples “Obrigação”, sendo certo que as Obrigações Subordinadas constituem um produto financeiro com caraterísticas bem diversas das simples “Obrigações” não estando demonstrado que a apelante ou o seu marido soubessem o que eram “Obrigações Subordinadas”, e estando até demonstrado exatamente o oposto conforme se constata dos pontos 17, 21 e 23 dos factos provados, pelo que a única conclusão que se pode extrair daqui é que o banco procedeu à venda deste produto financeiro não só prestando informação enganosa ao equipar este produto a um depósito a prazo, como também sem ter explicado uma das caraterísticas do mesmo, e que está diretamente relacionada com a menor possibilidade de recebimento do capital em caso de insolvência da entidade emitente, ou seja com o risco do investimento;

11) Também não está correta a premissa segundo a qual o facto de se afirmar que o capital era garantido não é prestar informação não verdadeira, pois neste tipo de produtos financeiros não é exigível e até seria contraproducente explicar aprofundadamente o produto em causa, bastando explicar as suas características essenciais: capital de subscrição, prazo e taxa de juro – o que sucedeu no caso concreto; com efeito, a venda das Obrigações Subordinadas como sendo produto de capital garantido corresponde a uma prática de misselling, vocábulo este que no jargão técnico da autoridade de supervisão corresponde à venda de produto financeiro sem o aconselhamento adequado ao produto e/ou ao cliente porquanto a indicação dada à aqui apelante de que o capital do produto é garantido induz a que se fixe na convicção desta a ideia que o risco do seu investimento é nulo, atendendo a que fica convicta que na maturidade do produto receberá na íntegra o capital investido, sendo certo que esta expressão não tem outro significado para o cidadão médio que não seja o de se tratar de um investimento em que pelo menos a componente respeitante ao capital está segura, e será sempre recebida na maturidade do produto; tendo o Tribunal ajuizado como sendo outro o significado da expressão capital garantido então deveria fundamentar, concretizando com a indicação expressa da fonte probatória que entendeu privilegiar a este respeito, o que não fez; ademais, se outro fosse o entendimento por parte do banco então, no cumprimento do seu dever de informação, deveria ter informado a sua cliente e aqui apelante qual o significado que, afinal, dava à expressão “capital garantido”; a Ficha Informativa deste produto jamais menciona no seu texto a expressão “capital garantido”, o que revela total discrepância quando se procede ao seu cotejo com a “Nota Interna” (doc. 2 junto com a p.i.), i.e. o argumentário de marketing do produto distribuído às agências do B... no qual se pode constatar a enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar as suas poupanças na aquisição destas Obrigações, e onde pode ler-se que este produto constitui “uma excelente oportunidade de negócio uma vez que garante 100% do capital investido”, e com “remuneração acima do mercado”, (cfr. pontos 27 e 28 dos factos provados); por outro lado não era suficiente que o banco explicasse/informasse apenas o capital de subscrição, o prazo e a taxa de juro das Obrigações Subordinadas; sendo a A. uma investidora não institucional deveria o banco ter explicado que o produto em causa não era nem idêntico nem equiparável aos depósitos a prazo, que o capital investido não era garantido na maturidade, e deveria ainda ter explicado o que eram Obrigações Subordinadas, sobretudo o que as distingue das demais Obrigações em termos de risco do investimento, bem como deveria ter explicado corretamente quem é que estava obrigado a proceder ao retorno do capital na maturidade do produto, atendendo a que a apelante estava convicta que era o banco, bem como da especial ligação que a S... tinha com o banco; a informação a prestar pelo banco deve ser adequada ao destinatário/a da mesma em função da natureza do produto e das especificidades do/a adquirente, constituindo uma obrigação de resultado, o que significa que o cliente tem de perceber informação que lhe está a ser prestada, o que infelizmente não sucedeu in casu;

12) Na sua 4ª premissa a douta sentença considerou que a expressão capital garantido diz respeito à devolução do capital sem flutuações de capital no final do prazo de 10 anos; este entendimento não foi sequer alegado pelo banco R. em sede da contestação, o que sempre implicaria violação do disposto no princípio do dispositivo, constante do art. 5º nº 1 do CPC, como também não tem qualquer respaldo probatório na prova produzida, conforme tivemos oportunidade de demonstrar por força do depoimento da testemunha DD, da CMVM, que afirmou que a expressão capital garantido não podia ter tal significado; aliás, a douta sentença nem sequer conseguiu explicar o que significa para o Tribunal a expressão “devolução de capital sem flutuações de capital”, o que não deixa de ser bizarro, inexistindo factos provados por onde se constate que a expressão capital garantido tinha tal significado, não concretizando a sentença em que concretos elementos probatórios produzidos neste processo foi encontrar alicerces e aconchego para tal conclusão quanto a este significado, que no entanto entendeu adotar por bom; Conforme já acima se referiu a utilização da expressão “capital garantido” na comercialização de um produto financeiro, como já acima se afirmou, constitui informação enganosa, que cria na convicção do cliente bancário que está garantido o recebimento da totalidade do capital investido na maturidade do produto, e, quando o produto financeiro é, como foi, equiparado em termos de risco, aos depósitos a prazo o efeito obtido é a construção na convicção do cliente de uma imagem do produto que não corresponde à realidade, nem em termos de caraterísticas do produto nem em termos do risco deste, sobretudo tratando-se, como se tratava, de uma cliente não institucional, na terminologia do CVM da época;

13) Na sua 5ª premissa o Tribunal assumiu que do ponto de vista do objeto mediato, o produto financeiro adquirido pela Autora (“obrigações”) é o mais tradicional e aquele que menos risco oferece, bem como, aquele produto de que o investidor mais básico compreende; ora, o que resulta dos factos provados é que as explicações que o funcionário bancário deu eram enganadoras e desvirtuadoras daquilo que verdadeiramente era o produto e o seu risco, conforme se constata dos pontos nºs 11, 21, 23, 25 e 33 dos factos provados, o que teve como consequência que a informação transmitida nem sequer foi corretamente entendida pela respetiva destinatária; se esta tivesse sido corretamente transmitida a A. não estaria convicta que quem lhe iria pagar os juros e restituir o capital seria o B... (e não a S...); acresce que afirmar que as Obrigações Subordinadas constituem o produto mais tradicional e aquele que menos risco oferece não tem qualquer respaldo nem nos factos provados nem na própria realidade financeira, existindo aplicações e produtos como as Obrigações do Tesouro, os Certificados de Aforro, os próprios Depósitos a Prazo, ou os Fundos de Tesouraria, que são muito mais seguros em termos de risco; por último, argumentar que as Obrigações Subordinadas são o produto financeiro que o investidor mais básico compreende face à matéria provada nos pontos 11, 21, 23, 25 e 33 acima transcrita apenas evidencia o inverso do que a douta sentença pretendeu: Se o produto é assim de perceção tão fácil então como explicar que tenha sido possível ficar provado o que nestes pontos ficou provado?

14) Na sua 6ª premissa o Tribunal considerou que do ponto de vista do investidor, ficou provado que a A. e seu marido, apesar de perfil conservador, possuíam outros produtos de investimento, como Fundos de Investimento; conforme se salientou em sede de impugnação da decisão de facto só por puro equívoco pôde o Tribunal a quo dar esta matéria como provada; todavia, sem embargo, mesmo que a decisão de facto fosse de manter, sempre esta premissa estaria errada; com efeito, o Tribunal a quo deu de barato à cabeça que a putativa anterior subscrição de “Fundos de Investimento” por parte da apelante era razão suficiente para amenizar a exigência quanto ao dever de informar do banco intermediário financeiro, e assim considerar que era suficiente explicar à apelante apenas o capital de subscrição, o prazo e a taxa de juro, o que é inaceitável, desde logo porque existem em Portugal mais de 1000 “Fundos de Investimento” com as mais díspares caraterísticas quanto aos ativos que os compõem, desde muito arriscados a muito conservadores, sendo certo que o Tribunal desconhece inteiramente que tipo de “Fundos de Investimento” foram putativamente adquiridos pela A. e qual o grau de risco que tinham as suas diversas componentes, desconhecendo igualmente o Tribunal se foi ou não foi cumprido pelo banco o dever de informação relativamente à apelante quando putativamente lhe vendeu esses tais “Fundos de Investimento”, ou seja, se a apelante adquiriu esses produtos tendo conhecimento esclarecido dos riscos do seu investimento;

15) Na sua 7ª premissa o Tribunal entendeu que os funcionários do R. não estavam obrigados a prever que poderia vir a existir alguma crise financeira mundial, pelo que não lhes era exigível prestarem informações abstratas e genéricas sobre ocorrências futuras; ora, falar na “crise financeira mundial” para aí encontrar uma razão que exima a responsabilidade, a culpa ou até o nexo de causalidade na responsabilidade do banco como intermediário financeiro é atribuir relevância a uma causa distante e que ninguém, no seu são juízo, pode pensar quando negoceia ou investe; não são esses os riscos que o legislador tem em mente quando exige das instituições financeiras o cumprimento de certos deveres de informação; o que preocupa o Estado enquanto regulador do mercado financeiro não é advertir os investidores de que mais tarde ou mais cedo haverá uma crise económica, mas sim adverti-los do risco próprio do investimento que está a ser feito com intervenção de um intermediário financeiro; buscar na “crise financeira mundial” uma justificação para negar a responsabilização do intermediário financeiro que viola deveres de informação e assim condiciona a tomada de decisão do cliente é dar por assente uma causalidade sem verificação do respetivo processo interno, e é aceitar a fácil e cómoda desresponsabilização de um sector de atividade que se quer altamente profissional; aliás, não resultou provado que tivesse sido a “crise económica mundial” a causadora da queda do B... e do grupo económico em que este se inseria e a causadora da não entrega do capital devido na data da maturidade do produto, sendo que os factos de todos conhecidos até desmentem esta tese porquanto a crise foi para todos e, todavia, muitos bancos houve que não faliram nem tiveram de ser nacionalizados, nem deixaram de honrar os seus compromissos o que evidencia que as causas da queda do B... e da sua holding S... são de outra natureza, com a sua má gestão à cabeça; acresce que se o banco pretendia invocar como causa de exclusão da sua responsabilidade a “crise económica mundial” então cabia-lhe o ónus de alegar e de demonstrar que não pagou o capital respeitante à Obrigação por causa dessa crise, o que não fez;

16) Na sua 8ª premissa o Tribunal considerou que o que é realmente exigido (quanto ao dever de informação) é a definição dos elementos básicos do produto em causa, a saber a taxa, o prazo, e o capital de subscrição, considerando ainda que a A. não alegou que colocou alguma dúvida ou que pediu alguma explicação ou informação que tivesse sido recusada, ou seja, como não resultou provado que a A. tivesse apresentado dúvidas concluiu o Tribunal que foi cumprido o dever de informação, decidindo-se portanto, pela inexistência de ilicitude; a apelante já acima impugnou que estes denominados “elementos básicos” são insuficientes para o cumprimento do dever de informação, e quanto à questão da falta de pedidos de esclarecimento pela apelante trata-se de um argumento absolutamente inaceitável, por colocar sobre as costas dos consumidores/clientes o ónus da iniciativa de inquirir o intermediário financeiro sobre as caraterísticas do produto, bem como sobre o seu grau de risco, o que inverte os dados do problema, retirando ao intermediário financeiro o ónus da iniciativa do dever de informar, e isto sem qualquer base legal em que tal juízo se possa alicerçar; constituindo o dever de informação uma obrigação de resultado, e se é sobre o banco intermediário financeiro que incorre legalmente o dever de informar então tem de partir da iniciativa dele o despoletar do cumprimento de tal dever; ademais a iniciativa da venda deste produto financeiro partiu do banco e não da apelante, estando ainda provado que a apelante depositava toda a confiança pessoal e profissional, no funcionário BB, que era o seu gestor de conta, não podendo o Tribunal ignorar o que ficou provado nos pontos 22 e 23, e, ainda que a apelante era uma investidora não institucional, o que implicava que o banco tinha obrigações acrescidas no que concerne ao cumprimento do seu dever de informação;

17) Na sua 9ª premissa concluiu o Tribunal que a A. teve acesso ao “Boletim de Subscrição” que o seu marido levou para casa para esta assinar, tendo por isso mais do que tempo e disponibilidade para o analisar e antes de o entregar no Banco poderia ter colocado todas as questões de que tivesse dúvidas, o que poderia ter feito tanto ao funcionário do Banco como a terceiros”; ora na perspetiva da A. no cumprimento do dever de informação o banco deve ser proactivo na informação a prestar, e não limitar-se a aguardar que lhe sejam colocadas dúvidas; as dúvidas devem ser colocadas pelo cliente – se as houver – mas só após as necessárias explicações sobre as caraterísticas e risco do produto, e não antes; por outro lado, o “Boletim de Subscrição” do produto não só não tem manifestamente a informação necessária sobre o produto em causa “Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004”, como ainda se apresenta graficamente de forma enganosa perante o cliente; de facto em parte nenhuma do Boletim de Subscrição vem descrito que a entidade emissora das Obrigações é a S..., o nome ou o logotipo da sociedade emitente não goza de qualquer menção ou relevo no Boletim de Subscrição, e o aspeto gráfico do Boletim de Subscrição induz o cliente a pensar que a entidade responsável pelo pagamento do capital e juros é o B..., o que não admira atendendo a que a entidade que os clientes realmente conheciam era o B..., e a não a S...;

18) Na sua 10ª premissa concluiu o Tribunal que do “Boletim de Subscrição” e da “Nota Informativa” consta a designação de S... e todos os elementos essenciais sobre a mesma (incluindo um organigrama do Grupo S...), podendo a Autora e seu marido a todo o tempo ter exigido os esclarecimentos que entendessem necessários e, se fosse caso disso, anularem a subscrição da obrigação ou venderem-na, e, ainda, ficou provado que após a subscrição do produto acima referido, os respetivos juros foram sendo semestralmente pagos; ora, já vimos na análise imediatamente anterior que o nome da sociedade S.... pura e simplesmente não consta do Boletim de Subscrição, aparecendo apenas na Ficha Técnica/Ficha Informativa do produto; dos factos provados nºs 13,15,18 e 19 decorre que nem antes nem aquando da subscrição do produto foi facultada à apelante ou ao seu marido a tal “Nota Informativa” que constitui a Ficha Técnica do produto, onde consta a descrição das caraterísticas do produto bem como a descrição empresarial da S..., constando apenas provado que “Mais tarde, a Autora recebeu pelo correio a “NOTA INFORMATIVA”, não estando, todavia, provado quando, sendo assim certo que este envio em nada pode contribuir para informar a apelante antes da subscrição do produto já que a informação sobre o produto tem de ser dada antes e não anos depois da subscrição do produto, quando o dinheiro já há muito foi investido; por outro lado pretender justificar a inexistência de qualquer ilegalidade na atuação do banco com o argumento de que a apelante “teve o direito a anular a subscrição da obrigação, ou vendê-la”, é a mesma coisa que dizer que um médico escusa de dar recomendações às pessoas para elas preservarem a sua saúde com boas práticas preventivas, porque sempre há medicamentos que podem usar depois de adoecer; e, pretender justificar a inexistência de qualquer ilegalidade na atuação do banco com o argumento de que “ficou provado que após a subscrição do produto acima referido, os respetivos juros foram sendo semestralmente pagos”, é no mínimo estranho porquanto era suposto existir o pagamento desses mesmos juros e, para que a apelante pudesse questionar a bondade da aplicação tinha que saber que aquilo que comprou não tinha a natureza e caraterísticas que julgava, e esse conhecimento não lhe foi dado na altura própria;

18) Na sua 11ª premissa concluiu o Tribunal que não existe qualquer nulidade por aplicação do aludido Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, alegadamente por falta de explicação ou transmissão de informação relevante, uma vez que, no caso concreto, o marido da Autora levou para casa o “Boletim de Subscrição” para a Autora assinar, tendo nessa altura oportunidade para analisar todas as informações aí constantes e refletir sobre as mesmas para decidir adquirir ou não tal produto financeiro; ora, ficou demonstrado no ponto 20 da matéria de facto provada que o Boletim de Subscrição é composto por toda uma série de cláusulas elaboradas previamente à assinatura, sem possibilidade de negociação pela A., o que convoca para o caso sub judice a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais adotado no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro no que concerne ao cumprimento do dever de informação, assim colocando no lado de quem procede à comercialização do produto o ónus de provar que cumpriu com o dever de informação plasmado nesse diploma legal; por outro lado naos e pode olvidar que a informação tem de ser prestada e avaliada antes da comercialização do produto, ou, no máximo, à data da comercialização do produto, e não depois da comercialização do mesmo, e, por outro lado, o Boletim de Subscrição não só não contém informações vitais sobre a natureza deste produto como até é apto a induzir em erro a cliente, como sucedeu;

19) Na sua 12ª premissa concluiu o Tribunal que o resultado alcançado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários respeitante a queixas apresentadas por clientes não diz respeito ao caso em apreço dos presentes autos, e por isso, decidiu não ter relevância para apurar a ilicitude no caso concreto, que depende das concretas informações prestadas à Autora e concreto contexto negocial; todavia, resultou provado que o produto financeiro aqui em causa foi vendido à aqui apelante como tendo capital garantido e que foi equiparado a um depósito a prazo, situação esta que foi exatamente a que foi analisada pela CMVM nessas queixas, reportadas nos factos provados, tendo este organismo de supervisão concluído e considerado que se tratava de práticas de comercialização enganadoras (misseling), tratando-se assim de casos idênticos ao caso aqui em apreciação no que respeita à garantia do capital e à equiparação a depósitos a prazo;

20) Na sua 13ª premissa concluiu o Tribunal que a falta de reembolso da quantia relativa ao capital não ocorreu por qualquer falta de informação ou informação incorreta, mas apenas por ter ocorrido a insolvência do emitente, facto que quando o intermediário financeiro vendeu esse produto não sabia nem poderia imaginar; ao contrário do que considera a douta sentença, o dano produziu-se porquanto se tivesse sido corretamente cumprido o dever de informação o produto em causa não teria sido comprado; a vontade da A. foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo funcionário do Banco, o que levou à decisão da aquisição do produto, que não teria comprado se não lhe tivessem dado tais informações, tendo assim sido transmitida informação enganadora no sentido de afastar a apelante da hipótese de rejeitar liminarmente o produto; a douta sentença para concluir pela inexistência de nexo causal entre facto (ilícito) e dano partiu da não demonstrada premissa segundo a qual a apelante pretendia o produto vendido mesmo que lhe tivesse sido informado (como devia) que o capital não era garantido e que não se tratava de um produto equiparado a um depósito a prazo em termos de risco, e, ainda que, em caso de insolvência da entidade emissora ficaria sempre graduada abaixo dos credores comuns, tendo até o Tribunal considerado que “os factos não provados relativos à constatação de que se a A. soubesse de certos factos à data não teria subscrito as obrigações não resultaram de qualquer meio de prova, configurando mera especulação”, assim evidenciando a forma que sopesou e analisou a prova a este respeito como irrelevante; ora, se os funcionários da R. tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida o A. muito provavelmente, com altíssima probabilidade, nunca teria subscrito aquela aplicação, e isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo A. e a conduta ilícita e culposa do R., traduzida na violação dos deveres de informação e da boa-fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro; Consequentemente, seja por se considerar demonstrada a matéria constante da alínea d) dos factos não provados seja por se aplicar esta doutrina e jurisprudência acima citada sempre se terá de dar por demonstrado o nexo causal enquanto requisito da responsabilidade civil;

21) Na sua 14ª premissa concluiu o Tribunal que sempre teria ocorrido a prescrição de 2 anos prevista no art. 324.º, n.º 2, do CMV; a tese da prescrição sustentada pelo banco R. assenta no facto de a norma do art. 324º do CVM prever que a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve no prazo de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos, sendo certo que nem o banco réu na sua contestação nem a douta sentença no seu juízo decisório indicam ou concretiza qual a data que entendem ser o termo inicial da sua contagem do invocado prazo prescricional, limitando-se a douta sentença a referir que considera aplicável o prazo de dois anos e portanto prescrito o direito a A. mas não concretizando nem fundamentando como chegou a tal conclusão, i.e. explicando onde situa o termo inicial do prazo, omissão esta que se percebe atendendo a que o Tribunal não dispõe de qualquer evidência demonstrada nos factos dados como provados da data em que a apelante tomou efetivo conhecimento dos “termos do negócio” a que alude o art. 324º do CVM; sem embargo, os factos dados como provados enunciam e evidenciam que a culpa do intermediário financeiro in casu foi grave, pelo que sempre seria de aplicar o prazo ordinário de 20 anos;

22) Na sua 15ª premissa concluiu o Tribunal que ao longo de mais de uma década foram pagos os juros correspondentes, em 2008 foi realizada a nacionalização, em 2017 a Autora reclamou ao Réu não ter recebido o capital, não tendo ao longo de mais de uma década até essa data invocado a prática pelo Réu ou pelo B... de qualquer facto ilícito relativo a falta de informação, pelo que sempre ocorreria abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao abrigo do disposto no art. 334.º, do Código Civil”; ora, trata-se de um raciocínio absolutamente inaceitável; com efeito, o banco, que tudo fez para criar na convicção da sua cliente que a aplicação que lhe vendeu tinha o capital seguro e que era idêntica a um depósito a prazo, (convicção esta que conseguiu criar na apelante), é o mesmo banco que se queixa de que a sua cliente tenha acreditado nele…auferindo os juros devidos e derivados da sua aplicação... e não se tendo queixado; de facto, a apelante sempre se comportou de forma a aceitar a subscrição por si efetuada...só que julgava é que era outra, com o capital garantido, equiparada a um depósito a prazo, etc, tendo sido o próprio banco R. que com a sua desinformação manteve a apelante durante anos a fio, convicta que estava a receber os juros que lhe eram devidos e que iria receber do banco o dinheiro que investira;

23) A presente ação fundamenta-se na responsabilidade civil do B..., agora L..., por, na sua qualidade quer de banco quer de intermediário financeiro, ter violado o dever de informação que sobre estes incumbe, violação esta que foi causal da aquisição e do dano dela decorrente, dano este consubstanciado no não pagamento à apelante do produto na sua maturidade, ou seja em 25 de Outubro de 2014;

24) Por força dos deveres de proteção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objetivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a receção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artº 304º nº 3, do CVM), decorrendo daqui que o intermediário não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses daquele (artº 310º nº 1, do mesmo CVM); esta proteção de interesses concretiza-se ainda pelo dever de evitar conflitos de interesses (artº 309º, nº 1, do CVM referido), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (arº 309º, nº 3, do mesmo diploma);

25) Os deveres de informação e publicidade destinam-se a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, estando o intermediário financeiro obrigado a prestar informações ao cliente e à CMVM (artº 313º CVM de 1999); por outro lado, destinam-se a permitir que o cliente tome uma decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, nomeadamente, quanto aos riscos especiais envolvidos na operação a realizar; qualquer interesse que o intermediário tenha no serviço a prestar (artº 312º nº 1 CVM de 1999), sendo que a extensão e profundidade da informação devem ser maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (nº 2 do mesmo artigo);

26) Em termos de ónus de prova da culpa, por força da qualificação do 314º nº 1 CVM/99 como responsabilidade delitual e por argumento a contrario do nº 3 do mesmo artigo, impõe-se ao lesado o ónus de prova da culpa do intermediário financeiro, à semelhança do artº 487º nº 1 do C.C. (cfr. Menezes Leitão, ob. cit., pág. 148), sem todavia esquecermos que – conforme já acima se referiu – pode e deve ser convocado in casu a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro no que concerne ao cumprimento do dever de informação, assim colocando no lado de quem procede à comercialização do produto o ónus de provar que cumpriu com o dever de informação plasmado nesse diploma legal (cfr. art. 5º desse diploma legal), podendo e devendo igualmente ser convocada a Lei de Defesa do Consumidor;

27) Os factos provados são inequívocos: à autora não foi prestada informação pertinente quanto ao que verdadeiramente estava a subscrever. Foi-lhe apresentado e criado um quadro que condicionou a declaração de vontade tal como acabou por se exteriorizar, quadro esse que essencialmente assentou na circunstância de o capital investido se encontrar garantido, tal como sucede com os tradicionais depósitos a prazo;

28) Tal quadro foi-lhe apresentado por uma pessoa em quem confiava e que exercia o cargo de gerente bancário da agência onde tinha a sua conta bancária. Tivesse a autora tido conhecimento do que verdadeiramente estava em causa e não teria investido em obrigações subordinadas;

29) Ao ter sido prestada informação que contrariava as características do produto financeiro que estava a ser comercializado pelo ex-B..., dessa forma condicionando a vontade da autora, que jamais aceitaria subscrever um produto que não tivesse garantia de capital, incorreu aquela instituição financeira, atualmente L..., ora réu, em responsabilidade civil contratual por violação dolosa e grave dos deveres de informação que sobre si recaiam;

30) Dizer-se que o produto tem capital garantido quando, na verdade, não tem, e dizer que as Obrigações são equiparáveis ou idênticas a DPs não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC);

31) Se, com o ocorreu, a informação é efetivamente dada, mas com inexatidão e grave negligência, e dessa inexatidão resultam prejuízos sérios para quem a solicitou e a recebeu dentro de uma relação de confiança, estando o informante ciente de tal risco, deve haver obrigação de indemnizar por violação de um dever de proteção e cuidado;

32) Tratando-se de Obrigações “Subordinadas” sobre as mesmas incidia um maior risco (e, sobretudo, um risco específico deste tipo de Obrigações), que era um grau acrescido de risco de não recebimento do capital investido em caso de insolvência da entidade emissora já que, sendo “Obrigações Subordinadas” o investidor em caso de insolvência só tem direito a ser ressarcido do seu capital após ressarcimento dos credores comuns e apenas antes dos acionistas da empresa (cfr. art. 306º do Código das Sociedades Comerciais); este concreto e específico risco deveria ter sido explicado pelo banco na sua qualidade de intermediário financeiro ao adquirente das Obrigações aqui apelado, e não foi, conforme resulta evidenciado da douta decisão de facto;

33) Com efeito, se o risco geral de incumprimento fosse aplicável às Obrigações Subordinadas então os respetivos subscritores destas sempre teriam direito a ser pagos no seu capital como se credores comuns fossem, o que consabidamente não se verifica atendendo a que em caso de insolvência da entidade emitente os credores obrigacionistas são pagos depois dos credores comuns, e apenas antes dos acionistas da entidade emissora;

34) Tem de ser prestada pelo intermediário financeiro informação que possibilite ao investidor perceber qual o risco que corre, para que este possa decidir esclarecidamente se pretende ou não corrê-lo, e, para que tal suceda a informação a prestar não pode obviamente ser aquela que foi prestada in casu pela aqui apelante, e que é a que consta dos factos provados;

35) A equiparação das Obrigações Subordinadas a Depósitos a Prazo é enganosa quanto ao risco associado àquela aplicação financeira na medida em que ao subscrever a aquisição de Obrigações Subordinadas o adquirente é induzido a crer que sempre beneficiará – em caso de insolvência da entidade emitente - da garantia de reembolso (à época) no montante de pelo menos 25.000,00 € conforme previa o art. 164º e 166º do DL 298/92 de 3/12 (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redação então em vigor dada pelo DL 246/95 de 14 de setembro, o que faz dos depositantes dos bancos algo similar a credores “privilegiados” face aos demais; e não é só enganosa quanto ao risco associado porquanto existe uma outra diferença avassaladora entre Depósitos a Prazo e Obrigações Subordinadas, também esta de enorme relevo, e que se relaciona com a sua falta de liquidez – tratando-se de Obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos, a efetuar em 25 de outubro de 2014 – sendo que o reembolso antecipado só seria possível a partir do 5º ano, e sempre sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;

36) A prática do banco enquanto intermediário financeiro foi a de induzir em engano a apelante no que respeita ao risco que ia correr, fazendo manifestamente prevalecer o interesse da holding que era a sua casa mãe (S...) sobre o interesse da sua cliente que, enquanto banco, estava obrigado a respeitar, violando os seus deveres enquanto intermediário financeiro em situação de conflito de interesses;

37) A equiparação das Obrigações Subordinadas a depósitos a prazo que era efetuada pelo banco R. na sua qualidade de intermediário financeiro constituía uma informação enganosa para os clientes, nomeadamente para a aqui A., destinada a tranquilizá-los quanto ao risco do seu investimento, retirando-lhes capacidade de ajuizar livre e informadamente sobre o risco do seu investimento;

38) O significado da “garantia do capital” ou do “capital garantido” não é outro que não o de se tratar de um investimento em que pelo menos a componente respeitante ao capital está 100% segura, e será sempre recebida na maturidade do produto não estando provado (nem alegado) que estas expressões tenham outro significado que não este;

39) Tendo o banco réu avançado para a comercialização do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto da A, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se responsável pelos prejuízos causados à autora, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº 2 do citado art. 314º que impendia sobre o banco Réu;

40) No que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está obrigado pelo relacionamento de cliente existente e os danos que a autora reclama, uma coisa é certa: se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido por si a autora não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros (cfr. art. 563º do C. Civil); com efeito, se o funcionário do banco R. tivesse prestado a informação legal e contratualmente devida à A. muito provavelmente, com altíssima probabilidade, nunca ela teria subscrito aquela aplicação, sendo certo que a entender-se provada a matéria constante da alínea d) dos factos não provados fica alijada ipso facto qualquer dúvida a este respeito;

41) Ultima ratio haverá que fazer aplicação do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais decretando a nulidade do negócio, com as legais consequências;

Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada, nos termos e com os fundamentos acima propostos.

Assim se fará Justiça!!»                                                 

                                                                       *

            Contra-alegou a Ré, concluindo pela improcedência do recurso, e por via dela, pela manutenção da decisão recorrida, e absolvição dela Ré do pedido.

                                                                      *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela A. nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - erro na decisão da matéria de facto, quer quanto ao elenco da matéria de facto dada como “provada” descrita nos pontos 7. 9., 24., 28., 32. e 33. [alguns a dever constar com uma redação diversa (que enuncia) e os demais a ser eliminados sem mais], quer quanto ao elenco da matéria de facto dada como “não provada” descrita nas alíneas b) e d) [sendo que relativamente à primeira alínea pugna por que a mesma transite para o elenco dos “factos provados” (com a redação que enuncia), e que a factualidade da segunda deve figurar nos pontos de facto “provados”, operando-se o aditamento correspondente]?;

- incorreto julgamento de direito, porquanto sendo dado acolhimento à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, importava concluir no sentido de que o Banco Réu violou as normas legais aplicáveis no tocante ao dever de informação, ademais existindo presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade nessa atuação, sendo certo que o Banco Réu é responsável pelo pagamento por ter violado grosseiramente o dever de informação e bem assim o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imposto, sendo certo que o nexo de causalidade entre a violação do dever de informar e o dano, decorre do facto de a A./Recorrente apenas ter aceite subscrever a obrigação devido à falsa informação facultada pelo Banco, acrescendo que, contrariamente ao decidido, os pressupostos da responsabilidade contratual se verificam na totalidade, conferindo-lhe o direito à indemnização peticionada, incluindo pelos danos não patrimoniais ocorridos; em todo o caso, ocorreria nulidade por aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, alegadamente por falta de explicação ou transmissão de informação relevante; não verificação das exceções de prescrição do direito da A. e do abuso do direito por parte da A. (cujo conhecimento foi considerado pela sentença recorrida como inútil face a nela se ter concluído pela inexistência do direito da A., mas, a obter-se conclusão diversa, terão então essas exceções que ser conhecidas e decididas), nomeadamente por a culpa do Banco Réu ser grave, muito grave mesmo, donde o prazo de prescrição ser o prazo ordinário de 20 anos? 

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância, em termos de “factos provados”:

«1. A Autora é cliente do extinto Banco B..., -instituição bancária esta na qual era titular da conta de depósitos a ordem com o n.º ...01 de natureza solidária, podendo ser movimentada só com a assinatura de um dos titulares, na agência de ....

2. Nesta conta a Autora e CC (seu marido) tinham depositada nessa conta de depósito a prazo a quantia de €50.000,00fruto das suas poupanças de uma vida.

3. Era à época empregado bancário na agência de ... do banco B... o Sr. BB, pessoa na qual a Autora depositava toda a confiança pessoal e profissional, e que era o seu gestor de conta.

4. A Autora e CC (seu marido) enquanto depositantes, clientes do B..., e aforradores junto do mesmo depositavam igualmente toda a sua confiança na instituição bancária B..., nos seus métodos, no seu pessoal, e na sua administração e gestão, sendo aliás esta instituição bancária por todos à altura tida como sólida e bem administrada.

5. O referido funcionário do entretanto extinto B..., em data não apurada mas seguramente não mais de uma semana antes de 25/10/2004,contactou CC (marido da aqui Autora), segundo titular da sobredita conta, convidando-o a deslocar-se à agência dizendo-lhe que o banco tinha um produto financeiro novo muito bom, com boa taxa de rentabilidade, superior à dos depósitos a prazo, e que se tratava de uma excelente oportunidade de aplicação do seu dinheiro.

6. Pelo que, na sequência desse contacto, CC (marido da Autora) deslocou-se à agência do então B..., onde se encontrava sedeada a sua conta para falar com o seu gestor de conta, tal como este tinha solicitado.

7. E BB (funcionário do B...) apresentou ao CC (marido da Autora) a possibilidade de subscrever “Obrigações Rendimento Mais S...”

explicando-lhe que se tratava de obrigações do grupo que detinha o B..., praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado, que findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido, quase tão seguro como um depósito a prazo, mas de maior rentabilidade, que era fácil de transmitir a qualquer momento o produto a terceiros em questão de poucos dias porque existia muita procura, com a taxa anual bruta de 4,5% ao ano nos primeiros 5 anos, aplicando-se a Euribor acrescida de 1,75% no restante prazo.

8. E para o efeito entregou-lhe o “Boletim de Subscrição” que CC (marido da Autora) levou para casa para a Autora assinar.

9. Nessa sequência, no dia 25/10/2004 a Autora assinou o “Boletim de Subscrição”, onde, para além do mais consta o seguinte:

“B...”

“OBRIGAÇÕES S... RENDIMENTO MAIS 2004”,

“EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS”

No valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros):

«NATUREZA DA EMISSÃO

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…)

MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO

€50.000,00 (1 obrigação)

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO

(…)

DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA

25 de Outubro de 2004.

PRAZO E REEMBOLSO

O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014 (…)

REMUNERAÇÃO

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas (…)

IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR

(…)

ORDEM DE SUBSCRIÇÃO

(…)

ORDEM DE DÉBITO

(…)»

10. A Autora subscreveu o produto acima mencionado atentas as informações prestadas pelo referido funcionário do B... e ainda devido à confiança pessoal e profissional que a Autora e seu marido depositavam no sobredito gestor de conta bem como na própria instituição bancária B....

11. A Autora estava sempre convencida que o Réu lhe restituiria o capital no prazo acordado.

12. Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos até Outubro de 2014.

13. Mais tarde, a Autora recebeu pelo correio a “NOTA INFORMATIVA” [documento n.º ... da P.I.] onde, para além do mais, constava o seguinte:

“S...

S... RENDIMENTO MAIS 2004

NOTA INFORMATIVA

€50.000.000

Emissão de Obrigações Subordinadas

ao Portador e Escriturais com o valor nominal

de €50.000 cada

OUTUBRO DE 2004

ORGANIZAÇÃO E MONTAGEM

E...SA

Índice

1-Advertência aos investidores

2-Descrição da oferta

2.1: Ficha Técnica

2.2: Forma de emissão, modalidade de subscrição, deliberação, colocação e representação dos Obrigacionistas

2.3: Método de cálculo da taxa de juro

3-Informações sobre o Emitente

(…)”.

14. Constatando-se que logo na primeira página deste mesma ficha técnica e sob o bem destacado título de “ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES” que as condições do empréstimo obrigacionista prevêem que: “Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das Obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de toos os demais credores não subordinados da EMITENTE”.

15. Constatando-se nesta mesma ficha técnica que a finalidade do empréstimo consubstanciado na emissão destas Obrigações Subordinadas era a “consolidação da dívida da emitente, potenciando um melhor equilíbrio entre as maturidades do seu passivo e o seu ativo”.

16. Para além dos referidos (Boletim de Subscrição e Nota Informativa), não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, para além das habituais comunicações/avisos/extractos relativos ao pagamento dos juros semestrais até Outubro de 2004.

17. À altura do referido contacto efectuado pelo funcionário do B... não foi explicado à Autora ou ao seu marido o que eram “Obrigações”, o que eram “Obrigações Subordinadas”, que se tratava na prática de um empréstimo concedido à S....

18. Antes do acto de subscrição não lhe foi dado a ler ou a assinar qualquer Prospeto Informativo ou Ficha Técnica.

19. Não foi prestada qualquer informação sobre o desempenho empresarial da S..., os seus ratios económicos, a sua área de atividade, a sua solvibilidade, e, nomeadamente se tinha ou não tinha dívidas, a quem, e de que montantes, ou quaisquer outros elementos que possibilitassem à A. e seu marido terem um conhecimento sobre a real valia de tal empresa.

20. O Boletim de Subscrição acima referido é composto por toda uma série de cláusulas elaboradas previamente à assinatura, sem possibilidade de negociação pela Autora.

21. Aquando das explicações dadas pelo funcionário do B... não foi explicado que em caso de insolvência da Entidade Emissora apenas se poderia verificar o reembolso do capital investido após pagamento aos demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores privilegiados e comuns, apenas gozando enquanto credores obrigacionistas de prevalência sobre os acionistas da entidade emissora.

22. A Autora e o seu marido tinham a instrução primária, sendo o marido da Autora reformado do comércio do antigo curso comercial.

23. À data CC (marido da Autora) sabia o que eram “Obrigações”, mas não sabia o queram “Obrigações Subordinadas”.

24. O B... tinha conhecimento do perfil algo mais conservador no que respeita a investimentos, embora a Autora já tivesse subscrito Fundos de Investimento Mobiliário e Fundos de Investimento Imobiliário.

25. A Autora e seu marido estavam convictos que os juros que recebiam periodicamente na sua conta eram pagos pelo próprio B..., e não pela “S...”.

26. A Autora, posteriormente à subscrição das Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais2004 e ao efetivo débito na sua conta, recebeu em sua casa o “Aviso de Débito” [doc. 2 da P.I.] datado de 25/10/2004e no qual pode ler-se, “Compra de Títulos” “Designação: S... Rendimento Mais 2004”, Montante Nominal 50.000,00 €”.

27. Foi distribuído pelo B... uma Nota Interna a estes funcionários bancários das agências do B... espalhadas pelo país, para uso exclusivo destes, onde consta na sua página 4.ª um “Argumentário” que consistia na enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar as suas poupanças, à guarda do banco, nas ditas “Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004”.

28. Nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de “uma excelente oportunidade de investimento uma vez que garante o capital investido” e com “remuneração acima do mercado”, com “pagamento semestral de juros”.

29. Constando escrito neste mesmo documento que a emissão das Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004 se destinava à “consolidação da dívida da S....”, realidade esta que não foi nem dita nem explicada à Autora e seu marido nem antes nem depois da subscrição do produto.

30. Consolidação essa –como refere a Nota Interna -que constituía um importante objetivo estratégico do grupo económico capitaneado pela holding S....

31. Constando ainda desta “Nota Interna” que “…Dada a importância estratégica do S... Rendimento Mais 2004, esta emissão integra o Campeonato B... 2004 com uma posição de destaque, designando-se mesmo como Super Prova Especial”.

32. Como a entidade emitente das Obrigações a “sociedade mãe” –detentora do capital social do próprio B... -então o risco das Obrigações S... Rendimento Mais 2004 era igual/idêntico ao risco de um qualquer depósito a prazo no banco.

33. Pelo que os empregados –como o sobredito Sr. BB –vendiam as ditas Obrigações S... Rendimento Mais 2004, bem como aliás outras Obrigações emitidas pela S.... dizendo aos clientes –conforme sucedeu com a aqui Autora e seu marido –que se tratava de um produto idêntico a um depósito a prazo.

34. Entretanto, e conforme é do conhecimento geral, as ações representativas do capital social do B...) foram objeto de nacionalização, por força e nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro (Regime Jurídico da Apropriação Pública por Via de Nacionalização).

35. O art. 7.º n.º 1 deste citado diploma legal prevê expressamente que a nacionalização das participações sociais de uma pessoa coletiva nos termos previstos no presente regime não extingue a respetiva personalidade jurídica, não altera a respetiva natureza jurídica e, por sua vez, o seu art. 8.º n.º 2 prevê que se mantém na titularidade da pessoa coletiva a universalidade de bens, direitos e obrigações legais ou contratuais, de que esta seja titular à data da nacionalização.

36. O acima referido documento interno do banco –“Nota Interna” –proveniente da Direção de Comunicação Institucional e Marketing do B..., usada pelo banco para a “formação” dos seus funcionários no retalho para a venda do produto foi, mais tarde, considerada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários atentatória das boas práticas do B... enquanto intermediário financeiro no que concerne ao cumprimento do dever de informação deste produto junto dos seus clientes.

37. Assim, o Departamento de Supervisão da Intermediação e Estruturas de Mercados (DIEM) da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) na sua Informação N.º ..., na sequência de ter tomado conhecimento desta sobredita Nota Interna e de ter iniciado procedimento com vista a apurar os factos chegou às seguintes conclusões [doc. 4da P.I., páginas 5-6]:

…/…

III – Conclusões:

(i) “Existem documentos internos do B... dirigidos à Rede Comercial para informação/formação sobre Obrigações da S... e do B... comercializadas pelo B... –concretamente, Obrigações S... Rendimento Mais 2004 (i.e., Nota Interna e documento de apresentação), Obrigações Subordinadas S... 2006 (i.e., documento de apresentação) e Obrigações de Caixa Subordinadas B... Rendimento Mais 2003 (i.e., documento de apresentação) – que contêm menções expressas que o capital investido é garantido e que há garantia de elevadas taxas de remuneração”.

(ii) “Os documentos referidos no ponto anterior confirmam que as redes comerciais do B... na informação/formação sobre os produtos comercializados recebiam indicações de que, designadamente, as Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004, Obrigações Subordinadas S... 2006 e Obrigações de Caixa Subordinadas B... Rendimento Mais 2003 possuíam, pelo menos, capital garantido (…)”

(iii) “Existiram pressões sobre a rede comercial para a comercialização de Obrigações de Caixa Subordinadas B... Rendimento Mais 2003 e de 66/19463 Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004 (…)”

38. O que foi então considerado pela CMVM, na sua qualidade de entidade reguladora como prática interna do banco enganadora dos clientes do banco, e como tal sujeita a processo contraordenacional, tendo esta Proposta de Deliberação da CMVM sido aprovada com os seguintes dizeres que se transcrevem:

“1. Remeter esta informação ao Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso

(DJAC) em adenda à informação nº DIEM/009/459;

(…)

3.Notificar o Conselho de Administração do B..., no âmbito das reuniões que tem havido com a CMVM com vista à resolução dos problemas relacionados com as reclamações dos clientes do B..., de que existem documentos do B... utilizados na formação da sua rede comercial, relativos a “Obrigações de Caixa Subordinadas B...,

de que existem documentos do B... utilizados na formação da sua rede comercial, relativos a “Obrigações de Caixa Subordinadas B... Rendimento Mais 2003, Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004, Obrigações Subordinadas S... 2006”, nos quais se afirma que estes produtos possuíam pelo menos capital garantido”.

39. Subsequentemente, o Decreto-Lei nº 2/2010, de 05 de Janeiro, aprovou a operação de reprivatização do B..., tendo sido posteriormente alterado pelo DL nº 96/2011, de 19 de Agosto, no sentido de também contemplar a possibilidade de recorrer à venda direta na reprivatização do B....

40. A Autora estava convicta, durante algum tempo, que a entidade que desembolsava o dinheiro para pagamento dos juros era o próprio B....

41. Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então acionista único do B..., no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o L... no qual foram estabelecidos os procedimentos e as ações necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das ações do B....

42. Conforme é igualmente do conhecimento público no dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do B..., entre o Estado Português e o L....

43. A atual Instituição de crédito aqui R. resultou assim da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do L.... no B...., assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo.

44. Ou seja, o B... é atualmente o R. L....

45. Conforme é agora do conhecimento público com a nacionalização do B... a S...., anterior proprietária do B..., transformou-se no Grupo G... tratando-se, todavia, de uma mera alteração nominal da anterior entidade, a qual se manteve a mesma mas com o seu nome alterado para este último.

46. Por sua vez a sociedade G..., sucessora da S...., foi declarada insolvente por sentença judicial datada de 29-06-2016.

47. Verificado que se mostra o vencimento do prazo de dez anos, é a aqui A. informada que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da S...., entretanto travestida para G.... e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe poderá ser concedido.

48. A Autora confrontada com a ideia de perder todo o dinheiro investido na aplicação financeira “S... Rendimento Mais 2004” ficou preocupada e sem dormir.

49. E passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a perda todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro tendo-lhe sido diagnosticados fármacos anti-depressivos para poder lidar com a situação.

50. Toda esta situação provocou e provoca à Autora uma enorme ansiedade e angústia, que lhe rouba o seu direito ao descanso.

51. Em 10/03/2017 a Autora interpelou o L... para proceder ao depósito na sua conta dos €50.000,00 investidos na aquisição da Obrigação S... Rendimento Mais 2004 que adquiriu [constante do doc. 7 da P.I.].

52. Em resposta com data de 25/10/2017 o L... remeteu à Autora resposta [constante do doc. 8 da P.I.], negando esse reembolso.

53. A Autora permanece até ao presente sem ter recebido o seu dinheiro.

54. A Autora sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.

                                                                       ¨¨

E bem assim o seguinte em termos de “Factos Não Provados”:

«a) Que CC (marido da Autora) informou o referido gestor de conta nessa reunião, que só anuía a tal aplicação do seu dinheiro caso a mesma fosse segura e isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro – ou seja com a devolução do capital 100% garantido – pois caso contrário não estava interessado.

b) Que o referido funcionário informou então o marido da Autora que se tratava de uma aplicação 100% segura, uma espécie de depósito a prazo.

c) Que não foi explicado que a S... era do grupo do B....

d) Que se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, jamais teria aceitado investir no referido produto.

e) Que quer a Autora quer o seu marido eram aforradores sem qualquer cultura financeira ou bancária, sem quaisquer conhecimentos específicos sobre o mercado de capitais e seus produtos.

f) Que desconheciam o que eram Obrigações ou operações no Mercado de Capitais, ou o que quer que seja de ativos financeiros que não sejam simples depósitos a prazo ou à ordem.

g) Que nunca pretenderam investir numa aplicação financeira de risco, fosse este risco de que grau fosse, que estivesse para além do risco inerente aos próprios depósitos a prazo.

h) Que os funcionários do B... que procederam à comercialização desta aplicação financeira – nomeadamente o Sr. BB – receberam instruções e foram pressionados pelos seus superiores hierárquicos para serem proactivos no processo de venda destas Obrigações Subordinadas, em ordem a obterem significativa captação de poupanças por parte dos particulares depositantes seus clientes.

i) Que se a Autora e seu marido tivessem sabido à altura da subscrição que os seus €50.000,00 se destinavam a ser usados na tal consolidação da dívida de uma empresa – a S.... – jamais teriam aceitado aplicar o seu dinheiro.

j) Que a “Nota Interna” ou “Argumentário” referido nos factos provados foi o utilizado pelo funcionário bancário para lograr convencer a aqui Autora e seu marido a investirem 50.000,00€ nas “Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004”.

k) Que os empregados do banco, tal como o fez o Sr. BB ao marido da aqui Autora, eram “incentivados” e pressionados pelas respetivas chefias a vender estas Obrigações Subordinadas S... Rendimento Mais 2004 como se um depósito a prazo se tratasse, com retorno de capital garantido.

l) Que a “FICHA TÉCNICA” mencionada nos factos provados fora obtida pela Autora através de outros processos judiciais contra o L....

m) Que a Autora estava convicta que a entidade que desembolsava o dinheiro para pagamento dos juros era o L..., e não a S..., mais tarde G....

n) Que o Estado Português ao nacionalizar o B..., assim assumindo para si próprio as responsabilidades por este Banco anteriormente contraídas, fez ipso facto criar na Autora e seu marido a convicção de que o seu dinheiro continuava garantido, e pelo próprio Estado Português, convicção esta que era aliás transmitida pelos titulares de órgãos de soberania nas suas intervenções televisivas e jornalísticas, bem como pelos próprios funcionários do banco.»

                                                                      *

            4.2 – A A./recorrente invoca o erro na decisão da matéria de facto, quer quanto ao elenco da matéria de facto dada como “provada” descrita nos pontos 7. 9., 24., 28., 32. e 33. [alguns a dever constar com uma redação diversa (que enuncia) e os demais a ser eliminados sem mais], quer quanto ao elenco da matéria de facto dada como “não provada” descrita nas alíneas b) e d) [sendo que relativamente à primeira alínea pugna por que a mesma transite para o elenco dos “factos provados” (com a redação que enuncia), e que a factualidade da segunda deve figurar nos pontos de facto “provados”, operando-se o aditamento correspondente].

            Começando, naturalmente, pela apreciação da discordância relativamente à matéria de facto dado como “provada”, vejamos o que está em causa relativamente ao ponto “7.”, cujo teor literal é:

            «7. E BB (funcionário do B...) apresentou ao CC (marido da Autora) a possibilidade de subscrever “Obrigações Rendimento Mais S...”

explicando-lhe que se tratava de obrigações do grupo que detinha o B..., praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado, que findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido, quase tão seguro como um depósito a prazo, mas de maior rentabilidade, que era fácil de transmitir a qualquer momento o produto a terceiros em questão de poucos dias porque existia muita procura, com a taxa anual bruta de 4,5% ao ano nos primeiros 5 anos, aplicando-se a Euribor acrescida de 1,75% no restante prazo.»

            No particular deste ponto de facto, pretende a A./recorrente que seja eliminada da sua redação o advérbio de modo “praticamente”, que nele consta, sustentando para tanto que a testemunha BB [o empregado bancário que na circunstância foi o interlocutor em representação do Banco na conversa que manteve a propósito com o marido da A.] não aludiu a tal no depoimento que prestou em audiência, acrescendo que a testemunha CC [o marido da autora, referenciado interlocutor da anterior testemunha], no seu depoimento apontou para uma versão dos factos em que esse advérbio de modo “praticamente” não foi referido, nem, aliás, faria sentido que o fosse.

Que dizer?

Quanto a nós, que tendo-se procedido à audição integral dos aludidos depoimentos – dos quais resulta que a informação prestada foi enfaticamente no sentido de que se tratava de um produto garantido e com boa rentabilidade – interpretados à luz das regras da experiência comum, é efetivamente legítimo concluir que não foi prestada informação sobre o produto financeiro/aplicação de sentido restritivo ou condicionado quanto à sua segurança, nomeadamente no que ao capital dizia respeito.

Acresce que até se nos afigura em alguma medida contraditório o segmento «praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado», com a afirmação perentória constante dos segmentos imediatamente subsequentes, a saber «findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido»…

Assim sendo, reelabora-se a redação quanto a este ponto de facto, a qual passa a ser do seguinte teor:

«7. E BB (funcionário do B...) apresentou ao CC (marido da Autora) a possibilidade de subscrever “Obrigações Rendimento Mais S...” explicando-lhe que se tratava de obrigações do grupo que detinha o B..., sem risco de perder o dinheiro aplicado, que findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido, quase tão seguro como um depósito a prazo, mas de maior rentabilidade, que era fácil de transmitir a qualquer momento o produto a terceiros em questão de poucos dias porque existia muita procura, com a taxa anual bruta de 4,5% ao ano nos primeiros 5 anos, aplicando-se a Euribor acrescida de 1,75% no restante prazo.»»

                                                                       ¨¨

Passando à apreciação da impugnação quanto ao ponto de facto “provado” sob 9., temos que se pretende/reclama a eliminação da expressão “Obrigações” constante do teor literal da descrição do produto/aplicação financeira “S... RENDIMENTO MAIS 2004”, por, como flui manifestamente do documento de que pretende ser transcrição, essa expressão aí não constar, sendo que a expressão constar ou não constar não é inócuo ou irrelevante.

Será assim?

Em nosso entender assiste razão a esta impugnação, pelo que deve ser deferida a eliminação da expressão pretendida, na medida em que a literalidade na circunstância tem a sua importância, devendo ser-se fiel na transcrição do teor de um documento.

Nesta linha de entendimento, deferindo-se ao requerido no que a este particular diz respeito, reelabora-se a redação quanto a este ponto de facto, a qual passa a ser do seguinte teor:

«9. Nessa sequência, no dia 25/10/2004 a Autora assinou o “Boletim de Subscrição”, onde, para além do mais consta o seguinte:

“B...”

“S... RENDIMENTO MAIS 2004”,

“EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS”

No valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros):

«NATUREZA DA EMISSÃO

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…)

MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO

€50.000,00 (1 obrigação)

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO

(…)

DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA

25 de Outubro de 2004.

PRAZO E REEMBOLSO

O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014 (…)

REMUNERAÇÃO

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas (…)

IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR

(…)

ORDEM DE SUBSCRIÇÃO

(…)

ORDEM DE DÉBITO

(…)».

                                                           ¨¨

Passando à apreciação da impugnação quanto ao ponto de facto “provado” sob 24., temos que se pretende/reclama a reelaboração da redação do mesmo porquanto dele constar que «(…) a Autora já tivesse subscrito Fundos de Investimento Mobiliário e Fundos de Investimento Imobiliário» não tinha suporte probatório, sendo praticamente uma “especulação”, porquanto decorrente duma mera hipótese admitida pela já citada testemunha CC no seu depoimento.

Será assim?

Em nosso entender também assiste razão a esta impugnação, merecendo ela procedência pelos argumentos invocados.

Senão vejamos.

Confrontando a gravação áudio em causa, o que resulta é que a citada testemunha tão simplesmente relatou que

«[minuto 32:24]

Advogado: E Fundos de Investimento que fez, recorda-se?

CC: Diga?

Advogado: Fundos de Investimento… Recorda-se se fez ou se não…Também tinham designações comerciais…se não…

EE…, Tive uns Fundos

Advogado: Também tinham designações comerciais?

CC: Não…, Deixe-me cá ver…, Oh Doutor, a cabeça também já não ajuda…isto passa tanto tempo…Olhe não tenho a certeza, aí não lhe vou dizer nada…mas lá no Banco não, pelo menos nesse Banco não, nesse Banco eu tinha era depósitos a prazo, conforme ia juntando e amealhando ia fazendo um depósitosinho a prazo, …e apareceu-me esses e fui enganado!

(…)»

Ora se assim é, acontece desde logo que esta testemunha para além de não ter imputado o quer que fosse à Autora (na medida em que falou sempre dele próprio!), também não reconheceu que alguma vez tivesse subscrito produtos designados por “Fundos de Investimento Mobiliário” e/ou “Fundos de Investimento Imobiliário”…

Na verdade, o que resulta é que esta testemunha não tinha a certeza se alguma vez tinha adquirido “Fundos”, mas se alguma vez os adquiriu não teria sido no B..., onde só tinha depósitos a prazo...

Sendo certo que nenhuma prova documental sobre esta situação existe.

Não vislumbramos, assim, haver suporte probatório consistente, nem muito menos concludente, no sentido de que anteriormente «a Autora já tivesse subscrito Fundos de Investimento Mobiliário e Fundos de Investimento Imobiliário»

Assim sendo, importa naturalmente suprimir o questionado segmento deste ponto de facto “provado” 24..

Acresce que resultou insofismavelmente apurado o perfil mais conservador da Autora (e seu marido), conforme reconhecido pela testemunha BB e também afirmado pela própria testemunha CC…

A esta luz, importa reelaborar a redação quanto a este ponto de facto, a qual passa a ser do seguinte teor:

«24. O B... tinha conhecimento do perfil mais conservador da Autora no que respeita a investimentos.»

                                                           ¨¨

Vejamos agora o ponto de facto “provado” sob 28.

Comecemos por rememorar o seu teor literal, a saber:

«28. Nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de “uma excelente oportunidade de investimento uma vez que garante o capital investido” e com “remuneração acima do mercado”, com “pagamento semestral de juros”

Neste particular, argumenta a A./recorrente que tratando este ponto de facto da transcrição do teor literal de um documento [“Nota Interna”], sucede que nessa transcrição se omitiu um aspeto importante, mais concretamente, que se encontra em falta o que na 2ª página dessa Nota Interna consta sob o título “caraterísticas da emissão”: “Capital garantido: 100% do capital investido.”

Que dizer?

Parece-nos que também assiste razão à A/recorrente nesta parte, na medida em que, como já se aludiu supra, a literalidade na circunstância e quanto ao particular em causa, tem a sua importância, atendendo ao que se discute na causa, devendo ser-se fiel na transcrição do teor de um documento.

Assim sendo, deferindo-se à impugnação no que a este particular diz respeito, reelabora-se a redação quanto a este ponto de facto, a qual passa a ser do seguinte teor:

«28. Nele pode ler se, entre o mais, que se trata de “uma excelente oportunidade de investimento uma vez que garante o capital investido” e com “remuneração acima do mercado”, com “pagamento semestral de juros”, constando ainda desta Nota Interna, sob o título “caraterísticas da emissão”, “Capital garantido: 100% do capital investido.».

                                                           ¨¨

Vejamos, de seguida, a impugnação quanto ao ponto de facto “provado” sob “32.”.

Quanto a este ponto de facto, sustenta a A/recorrente que o mesmo contém materialidade que não foi objeto de “acordo” entre as partes, não obstante o que nesse sentido (erradamente, portanto!) consta da “motivação” elaborada pelo Exmo. Juiz de 1ª instância, acrescendo que «(…) tal associação - a entidade emitente das Obrigações ser a “sociedade mãe ” detentora do capital social do próprio B... e, como tal, o risco das Obrigações seria idêntico ao risco de um qualquer depósito a prazo no B... - para efeitos de risco do produto não é verdadeira.».

Que dizer?

Em nosso entender, o constante deste ponto de facto corresponde essencialmente a factos instrumentais, donde, respeitam eles a factualidade que não tem que ser alegada pelas partes nos articulados (cf. art. 5º, nº2 do n.C.P.Civil), também não tendo que figurar nos factos “provados” ou “não provados”, devendo apenas ser essa factualidade considerada na “motivação”, mas e apenas na estrita medida em que na fundamentação da sentença deve o Juiz indicar “as ilações tiradas dos factos instrumentais” (cf. art. 607º, nº2 do n.C.P.Civil).

Ora se assim é, enquanto enunciam factualidade meramente argumentativa, deve esse dito ponto de facto “provado” sob 32., sem mais, ser eliminado deste elenco.

                                                           ¨¨

Vejamos agora, para finalizar a parte da impugnação respeitante aos pontos de facto “provados”, o ponto de facto “provado” sob “33.”.

A discordância da A./recorrente quanto a este ponto de facto consiste na alegação de que à redação do mesmo deve ser adicionado que o produto foi vendido pelo Banco com a indicação de que tinha “capital garantido”.

Será assim?

Em nosso entender tal é aspeto perfeitamente desnecessário e despiciendo, na medida em que tal circunstância já consta dos pontos de facto “provados”, mormente do ponto de facto “provado” sob “7.”.  

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, se decide pelo indeferimento de tal pretensão.

                                                           ¨¨

É tempo de passar à apreciação que visa diretamente o elenco dos factos “não provados”.

O primeiro deles é a alínea “b)”, relativamente ao qual a A./recorrente pugna por que a factualidade nele em causa deveria passar a constar dos factos “provados”, com a redação que enuncia, argumentando para tanto que as razões que foram aduzidas pelo Exmo. Juiz de 1ª instância como justificação para essa opção na “Motivação” correspondente, a saber, «Os factos não provados relativos às explicações transmitidas pelo funcionário do B... no momento da subscrição do produto resultaram da circunstância deste mesmo funcionário (a referida testemunha BB) não ter confirmado tais factos, destacando-se que esta testemunha referiu que explicava que a S... era do grupo do B...» não é consistente nem convincente, na medida em que «(…) não encontra nenhum respaldo probatório nem na prova documental nem na prova testemunhal.»..

Rememoremos, antes de mais, o seu teor literal, a saber.

«b) Que o referido funcionário informou então o marido da Autora que se tratava de uma aplicação 100% segura, uma espécie de depósito a prazo.»

Sendo que a A/recorrente propõe a seguinte redação para um correspondente facto “provado”:

“Que o referido funcionário informou então o marido da Autora que se tratava de uma aplicação segura, uma espécie de depósito a prazo.”

Vejamos.

Analisando o depoimento da testemunha BB – que é precisamente o funcionário bancário que está em causa – não pode deixar de se concluir que se o mesmo efetivamente não disse que se tratava de uma aplicação “100% segura”, ou que a mesma era “uma espécie” de depósito a prazo, já disse muito clara e incontestavelmente «que o dinheiro dos clientes estava seguro neste tipo de Obrigações».

Mais concretamente, disse o seguinte acerca das informações que transmitia aos clientes da sua carteira a quem pretendia vender as Obrigações [cf. minutos 05:57 a 08:01]:

- Produto financeiro “basicamente sem risco”;

- As Obrigações eram “eram quase tão seguras como um depósito a prazo ou eram praticamente como se fossem um depósito a prazo”;

- “O dinheiro dos clientes estava seguro neste tipo de Obrigações”.

E bem assim disse [cf. minutos 17:20 e segs.], quando confrontado com o doc. 3 junto com a p.i. (“Nota Interna”) concretamente quanto à parte em que no mesmo se menciona “capital garantido – 100% do capital investido”, afirmou que “deve ter recebido essa Nota Informativa” transmitindo aos clientes que “o seu capital estava garantido” e que “não havia problemas com o dinheiro investido”.

Acrescendo que também a testemunha CC (o marido da A., já anteriormente referido) corroborou plenamente essa factualidade, aludindo muito claramente no seu depoimento relativamente a este aspeto que o produto lhe foi anunciado pelo funcionário Sr. BB “com garantia de juros e de capital”, e que “o banco garantiu-lhe o crédito em conta do capital no final do prazo” [cf. minutos 7:01 e segs.] e bem assim referiu que “fui ludibriado”, foi-me dito que “o banco respondia por aquilo com capital garantido”, “nunca arrisquei”, “nunca fiz outra coisa que não depósítos a prazo” [cf. minutos 12:06 e segs.].

Não obstante o vindo de dizer, constata-se que o ponto de facto “provado” sob “7.” já contém o essencial do que foi afirmado por estas duas testemunhas, sendo certo que o aspeto nuclear contido nesta desta alínea “b)” do elenco dos factos “não provados” é precisamente o dito funcionário bancário ter dito que se tratava de uma aplicação “100% segura”, ou que era “uma espécie” de depósito a prazo, aspetos estes que, reitera-se, não há prova de ter ocorrido, pelo que, entendemos que apenas pode e deve ter lugar o deferimento desta impugnação à decisão sobre a matéria de facto com o aditamento ao dito ponto de facto “provado” sob “7.” do que também foi afirmado oportunamente pelo funcionário bancário BB, a saber, que as Obrigações em causa “eram praticamente como se fossem um depósito a prazo”, donde a reelaboração da redação dada ao mesmo, pelo que se decide que este ponto de facto “provado” passa doravante a ter o seguinte teor literal:

«7. E BB (funcionário do B...) apresentou ao CC (marido da Autora) a possibilidade de subscrever “Obrigações Rendimento Mais S...” explicando-lhe que se tratava de obrigações do grupo que detinha o B..., praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado, que findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido, sendo  praticamente como se fossem um depósito a prazo, quase tão seguro como ele, mas de maior rentabilidade, que era fácil de transmitir a qualquer momento o produto a terceiros em questão de poucos dias porque existia muita procura, com a taxa anual bruta de 4,5% ao ano nos primeiros 5 anos, aplicando-se a Euribor acrescida de 1,75% no restante prazo

                                                           ¨¨

O segundo dos factos do elenco dos “não provados” que vem impugnado é o da alínea “d)”, relativamente ao qual a A./recorrente pugna por que a factualidade nele em causa deveria passar a constar dos factos “provados” [porquanto «existe efetivamente prova documental e testemunhal que demonstra que esta matéria deveria ter sido valorada e considerada provada»], com a seguinte redação:

«Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, jamais teria aceitado investir no referido produto.»

De referir que na “motivação” da sentença recorrida, fundamentou-se a opção pelo que se encontra dado como “não provado” sob a al. “d)”, com o seguinte:

«Os factos não provados relativos à constatação de que se a Autora soubesse de certos factos à data não teria subscrito as obrigações não resultaram de qualquer meio de prova, configurando mera especulação.»

É certo que está em causa uma realidade hipotética para justificar uma igualmente hipotética decisão da A..

Contudo, face a tudo o já precedentemente dito, e nomeadamente tendo em conta a transcrição do teor do depoimento das testemunhas BB e CC, parece-nos que a resposta já em boa parte se adivinha.

Na verdade, quanto a nós, é muito impressivo o que foi afirmado pela testemunha CC, como melhor flui, para além do já supra aludido, de o próprio ter referido:

- [aos minutos 13:40 e segs.] que “se tivesse sido avisado de que havia risco (de perda de capital) nunca teria investido neste produto”;

- [aos minutos 14:41 e segs.] que “não conhecia a S..., para ele era o banco, e nunca investiria se soubesse que estava a emprestar dinheiro a uma sociedade chamada S..., que não conhecia”, e “nunca investiria em tal caso”;

- [aos minutos 19:11] que no Boletim de Subscrição “para ele a designação “S... Rendimento Mais 2004” era uma designação comercial que o banco dava ao produto”;

- [aos minutos 26:06] que “não percebeu o que era nem quem era a S...”;

- [aos minutos 28:48] que “foi-lhe explicado que o produto funcionava como um depósito a prazo e que o banco ao fim de 10 anos creditava-lhe (o capital) na conta”.

Acresce, em nosso entender com a maior relevância, que se encontra pacificamente assente nos autos que, não obstante o Banco saber do perfil “conservador” da A. no tocante a investimentos [cf. facto “provado sob “24.”], «À altura do referido contacto efectuado pelo funcionário do B... não foi explicado à Autora ou ao seu marido o que eram “Obrigações”, o que eram “Obrigações Subordinadas”, que se tratava na prática de um empréstimo concedido à S...» [cf. facto “provado sob “17.”], que «Aquando das explicações dadas pelo funcionário do B... não foi explicado que em caso de insolvência da Entidade Emissora apenas se poderia verificar o reembolso do capital investido após pagamento aos demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores privilegiados e comuns, apenas gozando enquanto credores obrigacionistas de prevalência sobre os acionistas da entidade emissora» [cf. facto “provado sob “21.” ], e que «A Autora e o seu marido tinham a instrução primária, sendo o marido da Autora reformado do comércio do antigo curso comercial» [cf. facto “provado sob “22.” ], e bem assim que «À data CC (marido da Autora) sabia o que eram “Obrigações”, mas não sabia o queram “Obrigações Subordinadas”» [cf. facto “provado sob “23.” ].

Por outro lado, importa não olvidar o conteúdo literal das “Nota Interna”, “Boletim de Subscrição” e “Nota Informativa”, constantes dos autos.

Ora, a propósito de tal e dele fazendo uma sua interpretação e análise crítica, foi sublinhado pela testemunha DD [economista na CMVM, diretor do Departamento de Supervisão, desempenhando funções na área da supervisão da intermediação financeira de valores mobiliários], o qual demonstrou [cf. minutos 10:28 a 12:30 e segs.] que a prática (usada pelo Banco R.) de “garantir o capital investido”, e de “equiparar as Obrigações a Depósitos a Prazo” em termos de risco constituía uma prática de misselling, mais concretamente esta testemunha referiu, após ser confrontando com o “argumentário” de venda do produto constante da “Nota Interna” junta aos autos [onde consta que as Obrigações em causa têm “capital garantido”] e perguntado se o B... agiu mal na comercialização deste produto ao garantir o capital destas Obrigações a testemunha não hesitou em referir, acerca do “argumentário” e da “garantia do capital investido” constituíam “uma prática de misselling”, explicando que esta expressão significava a “venda de um produto financeiro de forma que não traduzia a as caraterísticas do produto”, referindo ainda que “não havia razões para dizer (referindo-se às Obrigações) que era um produto garantido”, e ainda que “a expressão capital garantido é totalmente enganadora e despropositada a utilização desta expressão nas Obrigações em causa”, afirmando [aos minutos 15:17] quando perguntado sobre qual a ideia com que os clientes ficam quando lhes é referida a “garantia do capital” que “ficam com a ideia de segurança, que há segurança...é claramente enganoso para qualquer pessoa, é errado e suscetível de induzir em erro e engano o investidor”.

De referir que nos parece inquestionável que se trata de uma testemunha isenta e com um depoimento indesmentivelmente objetivo, sendo certo que nos parece paradigmático do que é legítimo concluir sobre a matéria, num juízo de prognose póstuma.

Finalmente, importa também aqui e para este efeito ter presente o sentido da atuação e (deficiente) informação que foi prestada pela testemunha BB [o empregado bancário que na circunstância foi o interlocutor em representação do Banco na conversa que manteve a propósito com o marido da A.], já anteriormente aludido, e aqui dado por reproduzido, particularmente quanto ao caráter omissivo e até enganoso do mesmo. 

A esta luz, salvo o devido respeito, parece-nos perfeitamente insofismável e legítima a conclusão – por presunção natural e tendo em conta toda a prova indireta produzida – que a A./recorrente não teria adquirido o produto caso lhe tivessem sido explicadas as suas caraterísticas, quem o emitiu, e que não tinha capital garantido pelo Banco.

Sendo que nos merece inteiro acolhimento a alegação pela A./recorrente nas suas alegações recursivas de que «O banco sabia bem que equiparando as Obrigações a Depósitos a Prazo e fazendo passar a (des)informação de que tinham capital garantido, ao mesmo tempo que pagavam juros acima dos depósitos a prazo, criavam uma proposta comercial irresistível para a apelante»…

Ora se assim é, não pode deixar de se dar procedência à impugnação à decisão sobre a matéria de facto no que a este ponto diz respeito, posto que, procedendo-se à reapreciação dos meios de prova disponíveis para o Tribunal a quo, entende este Tribunal de recurso que é outra a convicção a alcançar quanto a este particular, donde se deferir a eliminação desta alínea “d)” do elenco dos factos “não provados” e o correspondente aditamento de um ponto de facto ao elenco dos factos “provados”, com a seguinte numeração e teor:

«11-A. Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão neste particular supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, do incorreto julgamento de direito porquanto sendo dado acolhimento à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, importava concluir no sentido de que o Banco Réu violou as normas legais aplicáveis no tocante ao dever de informação, ademais existindo presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade nessa atuação, sendo certo que o Banco Réu é responsável pelo pagamento por ter violado grosseiramente o dever de informação e bem assim o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imposto, sendo certo que o nexo de causalidade entre a violação do dever de informar e o dano, decorre do facto de a A./Recorrente apenas ter aceite subscrever a obrigação devido à falsa informação facultada pelo Banco, acrescendo que, contrariamente ao decidido, os pressupostos da responsabilidade contratual se verificam na totalidade, conferindo-lhe o direito à indemnização peticionada, incluindo pelos danos não patrimoniais ocorridos; em todo o caso, ocorreria nulidade por aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, alegadamente por falta de explicação ou transmissão de informação relevante; não verificação das exceções de prescrição do direito da A. e do abuso do direito por parte da A. (cujo conhecimento foi considerado pela sentença recorrida como inútil face a nela se ter concluído pela inexistência do direito da A., mas, a obter-se conclusão diversa, terão então essas exceções que ser conhecidas e decididas), nomeadamente por a culpa do Banco Réu ser grave, muito grave mesmo, donde o prazo de prescrição ser o prazo ordinário de 20 anos.

Entrando diretamente na ordem de razões reportadas ao mérito substantivo da decisão, desde logo se constata que essa linha de fundamentação do recurso tinha como pressuposto lógico e jurídico primacial o erro na decisão da matéria de facto.

Que dizer então?

Que logo quanto à primeira linha de argumentação – ilicitude por violação da boa fé – nos merece acolhimento o sustentado pela A./recorrente.

Senão vejamos.

É que, neste conspecto, divisa-se responsabilidade do B... face ao disposto no nº 1 do art. 227º do Código Civil onde se prescreve:

«Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».

Como já nos foi doutamente ensinado, esta norma «…é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no caso de o contrato se realizar» ([2]).

Donde, verifica-se que in casu o B..., através do seu funcionário, propôs à  Autora ora recorrente [representada pelo seu marido] determinado negócio com informação imprecisa, insuficiente, lacunosa e mesmo parcialmente incorreta, e esta aceitou-o.

E o B..., validou essa vontade não esclarecida e mesmo incorretamente formada da Autora, aplicando o dinheiro na aquisição da mencionada obrigação S... Rendimento Mais 2004

E, para além de o B... não ter dito à Autora ora recorrente [representada pelo seu marido] que estava a atuar como intermediário financeiro entre si, Autor, e a S..., não foi entregue à Autora cópia do “Prospeto Informativo ou Ficha Técnica” relativa ao produto em causa [obrigação S... Rendimento Mais 2004], nem foi explicado o conteúdo da mesma, quanto às características do produto, nomeadamente quanto ao reembolso antecipado, garantias e subordinação.

E nem se argumente que no ato foi entregue à Autora o boletim de subscrição [cf. facto “provado” sob “8.”] do qual constava uma breve descrição, nomeadamente, quanto ao “prazo” e ao “reembolso”, pois que o que está em causa é a (não) explicação atinente! 

O B... omitiu, portanto, informação da maior relevância.

Atente-se que o reembolso do capital destas Obrigações, em caso de insolvência da sociedade S..., por serem obrigações “subordinadas”, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados – como resultava do disposto na al. c) do art. 48º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (DL nº53/2004, de 18 de Março), onde se determinava e se determina, que se consideram subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, «c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes».

Acresce que o reembolso não seria garantido [como não veio a ser!], por não se tratar de uma aplicação/investimento com “capital garantido”, mas apesar disso, no ato de venda foi “assegurado” à Autora que se tratava de um produto com “capital garantido” [cf. facto “provado” sob “7.”].

Todas estas informações – e correção das mesmas – eram necessárias à compreensão e formação da vontade da Autora no sentido de ter consciência suficiente da natureza e consequências do negócio que estava a realizar e de decidir realizá-lo.

Com efeito, tanto assim é e foi, que resultou provado que «11-A. Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto.»

A omissão destas informações e o fornecimento de informações não coincidentes com a realidade histórica, mormente as que acabam de ser assinaladas, integram a previsão do dito art. 227º do Código Civil.

Com efeito, a boa fé exigida neste normativo, como em outros, exige a exteriorização de um comportamento irrepreensível (boa fé objetiva) perante a outra parte e isso passa não só por lhe fornecer todas as informações necessárias à formação da vontade de contratar, como não lhe dar informações não correspondentes à realidade histórica que possam determinar essa mesma vontade de contratar.

Sendo certo que a lisura e modelo de comportamento diligente, apropriado aos conhecimentos específicos e profissionais dos funcionários bancários, que era devido, foi omitido e daí se afirmar que o B... agiu contrariamente à boa fé prescrita no artigo 227º do Código Civil.

Tais deveres de informação eram ainda devidos por força das regras de conduta prescritas ao B..., estipuladas no artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) segundo as quais o B..., naturalmente através dos seus funcionários, devia agir nos seus contatos com os clientes com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, tendo a todo o momento em conta o interesse dos clientes investidores.

Como se determina no art. 227º do Código Civil, a sanção para este comportamento ilícito consiste em a parte infratora «…responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».

 Quanto à culpa, já resulta do exposto que é imputável ao B..., pois o comportamento que lhe acaba de ser imputado era perfeitamente evitável, pois era fácil cumprir aqueles deveres pedidos pela boa fé e pela prática bancária e se o B... não o evitou foi porque não o quis evitar ou o negligenciou.

E quanto ao nexo de causalidade, temos presente que sustenta a doutrina e a jurisprudência nacionais que o art. 563º do Código Civil consagra a “teoria da causalidade adequada[3], e que dentro desta conceção se deve considerar que opta a nossa lei, entre a designada por formulação positiva (mais restrita)[4] no que respeita a factos ilícitos e culposos, e a formulação negativa (mais abrangente, correspondente ao ensinamento de Enneccerus-Lehmann)[5], por esta última.[6]

Mas independentemente disso, sucede que a ponderação sobre o que é que causou o dano e onde se encontra o nexo de causalidade permite a correspondente resposta afirmativa.

Pois que se é certo que o dano sofrido pela Autora é causado pela insolvência da S... (e não pela omissão de informações e prestações de informação erradas por parte do B...), sucede que o dano tem o seu início, a sua primeira condição, na tomada da decisão acerca da aquisição das obrigações, com o inerente risco de insolvência da empresa emitente, pelo que, se o risco vem a concretizar-se no futuro, não se pode afirmar que o dano contemplado no risco não era um dano provável inerente à celebração do contrato.

«(…)

Ademais:

«Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, in Das Obrigações em Geral, 2ª ed ps. 746/756.»[7]

Nesta mesma linha de entendimento, e para um caso com algum paralelismo com o aqui ajuizado, já foi sustentado em douto aresto do nosso mais alto Tribunal que «Existe nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano da perda do capital investido na aquisição da posição obrigacionista e dos juros moratórios, bem como os correspondentes danos não patrimoniais quando se prova que a ordem de compra das obrigações não teria ocorrido se o cliente, com formação básica, desprovido de conhecimentos financeiros e avesso a investimentos desse tipo, soubesse que estava a dar ordem a uma entidade distinta do intermediário financeiro e que este não era responsável pela restituição do capital.»[8]

Dito de outra forma: há nexo de causalidade adequada (cf. art. 563º do C.Civil) entre, por um lado, a omissão de informações e a prestação de informações em desconformidade com a realidade, quando estas determinaram a Autora ora recorrente a celebrar um contrato cuja contraprestação, com ignorância sua, comportava um risco de incumprimento, e, por outro lado, o dano que consistiu mais tarde na concretização desse risco de incumprimento, que na altura da formação do contrato era virtual.

O que tudo serve para dizer que está apurada a responsabilidade do Banco Réu, à luz desta linha de entendimento, na medida em que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

                                                           ¨¨

Mas ainda que assim se não entenda, também por outra via se atinge esse mesmo resultado.

Senão vejamos.

É que, como no caso o B... agia como intermediário financeiro por conta da S..., esse B... acabava também por estar abrigado pelos deveres previstos no Código de Valores Mobiliários, o qual mesmo na versão em vigor à data dos factos (DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redação resultante do DL nº 66/2004, de 24 de Março) já impunha ao intermediário financeiro a obrigação de informar o cliente sobre as características e os riscos dos produtos financeiros que comercializava, nos termos dos artigos 7º, nº1 e 312º, nº1.

Concretizemos.

Tendo o B... (antecessor do Banco aqui Réu/recorrido) intervindo como intermediário financeiro na comercialização da Obrigação ajuizada, já tinha, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável[9]].

Por outro lado, decorre do nº2 do art. 314º do CVM, igualmente na redacção aplicável, que «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

Neste mesmo sentido se pronuncia a melhor doutrina e jurisprudência sobre estas matérias, como flui da transcrição do seguinte relevante segmento de aresto jurisprudencial[10]:

«(…)

A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)» (…)

A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica.

Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139)” (…)

As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)

De referir que no tocante à integral verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, para além do já supra aduzido, importa complementar com o seguinte:

Sendo o dito B... responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800º, nº 1, do Código Civil), conclui-se que aquele violou os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.

Tal atuação do funcionário do Banco antecessor do ora Réu constitui comportamento ilícito.

Sendo certo que tal ilicitude decorre também da circunstância desse Banco ter violado a garantia de restituição dos juros e do capital [tendo presente que, no ato da venda, o funcionário bancário “assegurou” que se tratava de um produto com “capital garantido”].

Acresce que o ora Réu/recorrido não afastou a presunção de culpa que o onera – cfr. artigos 798º e 799º, C.Civil – devendo afirmar-se o nexo entre o facto e o dano, pelo que incorreu em responsabilidade contratual.

Consequentemente, apurado tal comportamento ilícito e culposo, forçosa é a conclusão de que o R. incorreu em responsabilidade contratual.

Por outro lado, no que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o B... (antecessor do Banco aqui Réu/recorrente) está obrigado pelo relacionamento de cliente existente e os danos que a Autora reclama, mais uma vez não temos dúvidas quanto à conexão, porquanto uma coisa parece ser certa, se o dito Banco não tivesse dado a informação de ser um produto com “capital garantido”, a Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado ativos financeiros (cfr. art. 563º do C. Civil) – o que claramente flui do facto dado como “provado” sob “11-A”, a saber, «Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto.»

E também o B... (antecessor do Banco aqui Réu/recorrente) em toda esta realidade negocial teve um comportamento culposo, nomeadamente quando no momento da negociação, não prestou à Autora, investidora privada, informação bastante e esclarecedora, e não obstante avançou para uma aplicação de um montante total de € 50.000,00 sem a diligência devida para uma operação com essa envergadura de capital.

            O que tudo serve para dizer que não se vislumbra fundamento possível para contornar a responsabilização invocada, tanto mais que relevante parte da doutrina fala  a este propósito – como foi sustentado nas alegações recursivas – na verificação duma dupla presunção, de ilicitude e de culpa.[11]

                                                                       ¨¨

            Temos presente que existe uma linha jurisprudencial de sentido contrário ao vindo de perfilhar, mais concretamente assente numa distintiva exigência quanto ao âmbito e conteúdo do dever de informação [para com os clientes ou investidores não qualificados, nos termos do art. 312º do CVM, em função do grau de conhecimentos e da experiência do concreto investidor], e bem assim dum incontroverso estabelecimento de um nexo de causalidade [ou seja, de que foi por causa dum específico e determinado incumprimento do dever de informação que o investidor realizou o concreto investimento que se revelou prejudicial][12].

            À luz desse entendimento, seria de distinguir «diversos padrões de comportamento quer do lado dos intermediários financeiros, através dos seus dirigentes ou dos funcionários, quer do lado dos investidores não institucionais. Se em alguns deles se evidenciam estratégias agressivas de assédio aos clientes ou reveladoras de um aproveitamento fraudulento da pura iliteracia financeira, noutros casos as aplicações financeiras foram conscientemente realizadas pelos investidores com o propósito de obterem rendimentos mais elevados do que os proporcionados pelos típicos depósitos a prazo, confiando, como em geral acontece nestes casos, que os propósitos idealizados se transformariam em realidade, secundarizando as cíclicas crises que os registos históricos do mercado financeiro refletem», e bem assim não olvidar que «Os arestos dos Tribunais e designadamente deste Supremo Tribunal de Justiça que se encontram acessíveis revelam uma variedade de situações que se evidencia, desde logo, no cumprimento dos deveres e no nível de conhecimento dos clientes relativamente às características de produtos financeiros como as obrigações DD. Casos há em que a matéria de facto fixada pelas instâncias revela práticas agressivas, envolvendo clientes sem quaisquer conhecimentos e que foram motivados (“levados” será o termo mais prosaico) a subscrever “obrigações subordinadas” como se fossem verdadeiros depósitos bancários, numa quebra flagrante dos deveres de lealdade e de informação. Certos casos deixam visível uma estratégia delineada no sentido de retirar proveito da boa fé, da credulidade, da ingenuidade ou mesmo da pura ignorância de pessoas que acabaram por subscrever produtos que nunca pretenderam, iludidos por uma falsa associação entre obrigações e depósitos a prazo, sem verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas nas operações.».

            Por outro lado, sublinha-se no aresto em que estamos a atentar, que «Para responsabilizar o Banco R. por este “sinistro” financeiro era necessário que se apurasse que foi na errada, deficitária ou perturbadora informação dada pelo CC que o A. assentou a sua vontade de aceder à proposta de aquisição do produto financeiro. Ou seja, era necessário que a matéria de facto revelasse que foi por não ter recebido do CC informação que fosse completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita que o A. aceitou a proposta de aplicação financeira».

            Ora, tal situação factual resultou incontroversamente apurada no caso vertente, como melhor flui do facto “provado” sob “11-A”, a saber, «Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto.»»

Ademais, e salvo o devido respeito, sem embargo da mais valia da argumentação precedentemente exposta e que foi a perfilhada como solução in casu, mormente quanto ao requisito da causalidade adequada, só esse entendimento permite realizar a justiça material do caso numa situação como a ajuizada em que resultou positiva e inequivocamente apurado que «O Banco B... tinha conhecimento do perfil mais conservador da Autora no que respeita a investimentos.» [cf. facto “provado” sob “24.”] e da sua deficiente informação (em geral e em particular) sobre produtos financeiros [cf. factos “provados” sob “17.”, “21.”, “22.” e “23.”], e não obstante aliciou-a enganosamente para a subscrição da aplicação financeira em causa …

                                                                       ¨¨

            De referir que, por força do que antecede, se encontra prejudicada a apreciação e declaração da arguida nulidade por aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais[13], alegadamente por falta de explicação ou transmissão de informação relevante.

            Em todo o caso, sempre se dirá o seguinte.

            Consabidamente, na orgânica do regime legal das cláusulas contratuais gerais, a proteção dos aderentes alcança-se por meio de duas vias distintas, uma pela consagração de deveres de comunicação e de informação das cláusulas, cuja violação conduz à respetiva exclusão dos contratos singulares; a outra pela exigência de conformação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais com a boa fé, concretizada através dos valores fundamentais do direito (art. 16º) ou do confronto com as proibições constantes dos arts. 18º e segs..

Por outro lado, as cláusulas contratuais gerais têm de ser “interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (art. 10º, nº 1, da LCCG); e, por outro lado, na aferição da conformidade do conteúdo das mesmas cláusulas com o princípio da boa fé, há que ponderar “O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado (art. 16º, alínea b), da LCCG), devendo as cláusulas, para efeitos do disposto nos arts. 19º e 22º, ser avaliadas consoante o quadro negocial padronizado.

            Assim sendo, afigura-se que o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação acerca dos condições contratuais da aplicação financeira em causa se coloca em dois momentos futuros (que não em sede de elaboração das cláusulas contratuais), quais sejam: no momento da adesão de cada cliente; e (durante a execução do contrato) no momento em que seja ordenada a realização de uma concreta operação bancária.

Donde, para a validade da cláusula geral basta que – estando como estará em causa o teor da “Nota Informativa” existente – as Condições Gerais que, em conjugação com os instrumentos contratuais dos autos, regulavam os futuros contratos de subscrição das Obrigações, contivessem informação material concreta e especificada sobre a correspondente aplicação financeira (nomeadamente sobre a descrição do produto e suas características) que o subscritor poderia consultar antes de qualquer ordem de subscrição.

O que tudo serve para dizer que não se vislumbra que pudesse ocorrer a invocada nulidade por esta via.

                                                                       ¨¨

            Concluindo-se, desta forma, pela existência do direito que a Autora reclamara na ação e em via recursiva, impõe-se agora conhecer da questão atinente à respetiva prescrição e abuso no exercício (exceções invocadas oportunamente pelo R. ora recorrido).

            Sendo certo que a concluir-se pela afirmativa, improcede sem mais tudo o peticionado pela Autora….

Que dizer então?

No que à prescrição diz respeito, temos que de acordo com o disposto no art. 324º, nº 2 do já citado Código dos Valores Mobiliários a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve, decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, sendo que estando em causa um negócio celebrado em 2004, estavam decorridos muito mais de 2 anos sobre o conhecimento quando a ação foi proposta (no ano de 2020).

Sucede que esse mesmo nº2 do art. 324º ressalva de tal regime a situação de dolo ou culpa grave.[14]

Sendo que, em nosso entender, a atuação do B..., na pessoa do seu funcionário que atuou na circunstância como intermediário financeiro, configura no limite e seguramente, uma atuação com culpa grave: sendo esta o oposto de uma culpa leve ou levíssima, não vemos senão como classificar o comportamento/atuação ocorrido e já supra explicitado, mormente a omissão manifesta do dever especial de diligência a que o mesmo estava obrigado ex vi do disposto no art. 304º, nº 2 do citado C.V.M., e bem assim a clamorosa violação do direito à informação da Autora, no ato e tendo em vista a subscrição por este da Obrigação da S... 2004 em causa, como passível de assacar uma culpa grave ao mesmo.

            Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede a exceção de prescrição do direito da Autora.

                                                                       ¨

            Vejamos agora do abuso do direito.

            Está em causa saber se a A. atua em abuso do direito na modalidade de comportamento contraditório.

            Vejamos.

Consabidamente, « O alcance do princípio do abuso do direito excede o conjunto dos grupos ou tipos de casos considerados na doutrina e na jurisprudência – como a exceptio doli, o venire contra factum proprium, o tu quoque ou o desequilíbrio no exercício jurídico – e, por consequência, não é absolutamente necessário coordenar a situação sub judice a algum dos tipos enunciados.»[15]

Como quer que seja, o abuso de direito manifestado na variante do venire contra factum proprium baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio ato.[16]

Assenta numa estrutura que pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos distintos e deferidos no tempo, em que a primeira (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra).

Costumam identificar-se os seguintes requisitos para aplicação desta figura: a) factum proprium – uma conduta inicial lícita da parte (acção ou omissão); b) boa-fé da outra parte, que justificadamente confiou nessa conduta; c) comportamento contraditório injustificado; d) existência de dano ou potencial dano a partir da contradição.
Sucede que, salvo o devido respeito, não houve nenhum comportamento anterior da Autora (anterior ou posterior ao momento em que teve conhecimento de que não seria reembolsada do montante aplicado) que pudesse fazer criar a confiança no Banco ora Réu de que este nunca seria interpelado por aquela para efetiva restituição do montante em causa.

Por outro lado, nem se argumente – como o faz o Banco ora recorrido! – que passou muito tempo desde a subscrição das Obrigações e que a A. lucrou oportunamente com os juros (“principescos”) que lhe foram pagos.

É que não se pode olvidar que o pagamento dos juros por parte do Banco correspondeu ao cumprimento por este das condições contratuais acordadas e que não se pode censurar a A. por só ter agido quando o fez, pois que, tanto quanto resulta da factualidade provada, anteriormente era desconhecedora não culposa das características do produto financeiro que havia subscrito, sendo certo que o Banco ora recorrido originou e potenciou esse desconhecimento.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, fatalmente improcede também esta exceção.

                                                                       ¨¨

É então tempo de apreciar e decidir sobre a indemnização peticionada pela A..

A Autora pede uma indemnização de € 52.500,00, constituída pelos € 50.000,00 de capital (e juros vencidos, bem como juros vincendos até efetivo pagamento), mais € 2.500,00, a título de dano não patrimoniais.

Vejamos.

Relativamente ao capital de € 50.000,00, o mesmo é devido pois representa o valor do dano sofrido que foi a perda dos € 50.000,00 investidos na Obrigação S... Rendimento Mais 2004.

Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, resulta dos factos “provados” decisivamente o seguinte:

«48. A Autora confrontada com a ideia de perder todo o dinheiro investido na aplicação financeira “S... Rendimento Mais 2004” ficou preocupada esem dormir.»;

«49. E passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a perda todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro tendo-lhe sido diagnosticados fármacos anti-depressivos para poder lidar com a situação.»;

«50. Toda esta situação provocou e provoca à Autora uma enorme ansiedade e angústia, que lhe rouba o seu direito ao descanso.».

Consabidamente, na fixação do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais, nos termos do art. 496º do C.Civil, o Tribunal só deve atender àqueles que pela sua “gravidade” mereçam a tutela do direito, devendo o tribunal, nos termos do nº3 do mesmo artigo, atendendo ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, fixar equitativamente tal indemnização.

Assim, tendo presente esses princípios e condicionantes, e à luz da equidade, decide-se ponderadamente fixar a indemnização a que a A./recorrente tem direito a este título em € 2.000,00.

Por fim, são devidos os juros legais por força do disposto no nº 1 do artigo 805.º do Código Civil, onde se dispõe que o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e artigo 806.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, onde se determina que «1 - Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2 - Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal», isto é, resulta que os juros são devidos apenas desde a citação até integral pagamento.

Neste limite e medida procedendo e improcedendo, quer a ação, quer o recurso.                                                             *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A omissão de informações por parte do Banco acerca da natureza, características e riscos dos produtos que comercializa com os clientes, viola os deveres impostos ao Banco pelo artigo 227º do Código Civil, pelo artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) e pelos artigos 7º, nº1 e 312º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (D L n.º 486/99, de 13 de Novembro).  

II – Decisivamente assim porque tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização da Obrigação ajuizada [S... 2004], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].

III – Decorre do nº2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

IV – Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito  intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter “capital garantido” responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, aquele veicular a garantia de restituição dos juros e do capital [o funcionário bancário “assegurou” que se tratava de um produto com “capital garantido”], compromisso esse que na circunstância se mostra violado (foi executado o contrato com violação dos deveres de boa fé - art. 762º do C.Civil).

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condena-se o réu, “L....” [ora L...”], a pagar à Autora a quantia de cinquenta e dois mil euros (EUR 52.000,00) e juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.

b) Absolve-se o Réu do restante pedido.

c) Custas pelo Réu e Autora na proporção do vencimento e decaimento.   

Coimbra, 28 de Junho de 2022

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro                            

Carlos Moreira




[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Assim por PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., a págs. 215.
[3] Segundo a qual cumpre eleger de entre todas as condições que produziram o dano apenas aquela ou aquelas que se apresentam como normais tendo em vista a produção do dano, de harmonia com as regras de experiência da vida.
[4] no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente).
[5] para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se teria produzido por circunstâncias anómalas ou excecionais (não conhecidas do agente).
[6] Neste sentido vide A. VARELA, in "Das Obrigações em Geral", Vol. I, 10ª ed., 2004, Livª Almedina, Coimbra, a págs. 900-901.
[7] Citámos agora o acórdão do TRC de 17.09.2019, proferido no proc. nº 4971/17.0T8LRA.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, de que foi douto Relator o aqui Exmo. 2º Adjunto.
[8] Trata-se do acórdão do STJ de 09.04.2019, proferido no proc. nº 2296/17.0T8LRA.C2.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[9] redacão essa conferida pelo citado DL nº 486/99, de 13.11..
[10] Trata-se do acórdão do STJ de 17.03.2016, no proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1, acessível em www.dgsi.pt/jstj. 
[11] Assim por MENEZES CORDEIRO, in “Manual de Direito Bancário”, 5ª ed., Livª Almedina, Coimbra, 2014, a págs. 431-432.
[12] Inter alia, o acórdão do STJ de 24.01.2019, proferido no proc. nº 2406/16.4T8LRA.C1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[13] Cf. regime do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro (doravante identificada como “Lei das Cláusulas Contratuais Gerais” ou simplesmente “LCCG”).
[14] Ao preceituar o seguinte: «2 - Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.» (sublinhado nosso).
[15] Assim no acórdão do STJ de 14.03.2019, proferido no proc. nº 1189/15.0T8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[16] Neste sentido vide ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, a págs. 200.