Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA REPETIÇÃO DA AÇÃO AÇÃO DE PREFERÊNCIA CADUCIDADE DO PRAZO PARA EXERCÍCIO DA AÇÃO DE PREFERÊNCIA DEPÓSITO DO PREÇO | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 1410.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 259.º, 279.º, N.º 1, 283.º, 285.º, N.º 2, 286.º, N.º 1 E 290.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. A desistência da instância, porque não afeta o direito substancial, não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto (art.º 279º, n.º 1 do CPC).
2. É uma declaração expressa da parte (autor) de querer renunciar à ação proposta, sem simultaneamente renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer - apenas faz cessar o processo que se instaurara (art.º 285º, n.º 2 do CPC). 3. Esse poder do autor (que emana do princípio da liberdade enunciado no art.º 283º, n.º 1 do CPC) tem um limite: depois de oferecida a contestação o autor já não pode desistir da instância sem a aquiescência do réu (art.º 286º, n.º 1 do CPC). 4. O legislador considerou que era de atender, v. g., o interesse do autor dispor da oportunidade de corrigir os termos em que propôs a ação, repetindo-a, quando ainda não conhecia a oposição do réu; e essa escolha não se pode considerar desrazoável ou arbitrária. 5. Proferida perante um ato de disposição da relação jurídica processual (a instância), que através dela se extingue, a sentença homologatória da desistência da instância (art.º 290º, n.º 3 do CPC) não constitui caso julgado material - consequentemente, o direito do autor continua a existir na exata medida em que antes dela existia. 6. O prazo para o depósito do preço, previsto no art.º 1410º, n.º 1 do CC, é um prazo de caducidade; tal depósito poderá/deverá ter lugar na nova ação. 7. A exigência do prévio depósito do preço constitui uma garantia para o alienante, pondo-o a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente (por desinteresse ou falta de meios). (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Relator: Fonte Ramos * * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 10.5.2024, AA instaurou a presente ação declarativa comum contra BB (1ª Ré) e CC e mulher DD (2ºs Réus), pedindo que sejam substituídos os 2ºs Réus na titularidade e posse do prédio rústico identificado no art.º 2º da petição inicial, posição que será ocupada pelo A., mediante o pagamento do preço de € 15 0000, e bem assim que o contrato de Compra e Venda celebrado entre a 1ª e 2ºs Réus através de DPA seja declarado nulo com as legais consequências. Contestando a ação, invocaram os Réus, nomeadamente, a exceção de caducidade do direito de preferência. Concluíram pela sua absolvição do pedido. No despacho saneador, proferido a 06.02.2025, o Tribunal a quo decidiu: «Da caducidade do direito de preferência Invocam os réus CC, DD e BB a caducidade do direito de preferência do autor, com fundamento que correu termos, neste Juízo, preteritamente, a acção de processo com o n.º 2326/23...., em que o autor, embora a tenha instaurado dentro dos 6 meses legais, não procedeu ao depósito do preço no prazo legal de 15 dias após a propositura da acção, tendo o autor vindo a desistir da instância, a qual foi homologada por sentença a 13.03.2024 e com data de trânsito a 26.04.2024. Não questionando os réus que o autor procedeu, nesta ação de que nos ocupamos, ao depósito do preço – conforme é de ver sob as ref.ªs 10794869, de 14.05.2024 e 107258958, de 16.05.2024 – o certo é que tal alegação não tem a virtualidade de excecionar o direito do autor por via da invocação e ulterior procedência da caducidade, porquanto a desistência da instância, como se sabe, sendo livre e não dependendo da aceitação dos réus desde que apresentada antes do oferecimento da contestação (o que ocorreu nos aludidos autos de processo n.º 2326/23...., do nosso conhecimento funcional porquanto estiveram pendentes neste Juízo Local Cível) faz retroagir a desistência ao momento da declaração, pelo que, quaisquer questões, de natureza material e/ou processual pertinentes quanto à questão da ausência de depósito do preço, não foram, nem podiam, ser apreciadas. Nesta dinâmica, e ademais, sempre se diga, ainda que a latere, que atendendo que a desistência da instância apenas tem por efeito cessar o processo em que se instaurou, não tendo qualquer efeito no respeitante ao direito que se pretendia fazer valer, não se verifica a excepção de caducidade invocada, improcedendo-se, bem assim, a excepção em causa. / Notifique. (...)» Dizendo-se inconformados, os 2ºs Réus[1] apelaram formulando as seguintes conclusões: 1) A Ata de Audiência Prévia inclui o despacho saneador e o conhecimento pela Digna Magistrada a quo da exceção invocada pelos Réus “Da caducidade do direito de preferência” de que se recorre, por ter decidido não se verificar a exceção de caducidade, por falta atempada de depósito do preço, pelos Autores, com a improcedência da mesma. 2) O Autor, à data de entrada da sua primeira ação, a 21/12/2023, tinha como obrigação ter procedido ao depósito do preço nos 15 dias seguintes à data de entrada da mesma, ou seja, no limite até ao dia 18/01/2024, atento que decorriam as férias judiciais da época natalícia, o que não sucedeu. 3) O depósito do preço, a que o Autor estava obrigado, não deu entrada, inclusive na data da propositura da presente ação, que como se disse, foi proposta no dia 10.5.2024, mormente o tivesse feito a 14.5.2024, é certo, que não excedeu os 15 dias da propositura desta segunda ação, porém o seu prazo já se encontrava precludido a essa data. 4) A falta de depósito do preço, para que o Autor pudesse vir a preferir, teria que ser contado desde a propositura da 1ª ação, ou seja desde o dia 21/12/2023, mas que tal não sucedeu, tudo conforme dispõe o n.º 1 do art.º 1410º do Código Civil (CC). 5) A falta de cumprimento de tal prazo, determina a caducidade do direito do A., por falta do depósito do preço, com a consequente absolvição dos Réus do pedido. 6) Não é por virtude de entrada de uma nova ação, por desistência da instância anterior, que faz “ressuscitar” um novo prazo de 15 dias para que ao Autor fosse possível depositar o preço. 7) São constitutivos do direito de preferência, consagrado no citado artigo 1410° do CC, o pedido de reconhecimento desse direito, no prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação e o depósito do preço, nos 15 dias seguintes à propositura da ação. 8) O que quer dizer, que o requerimento e o depósito são condições do direito de preferir, respeitam aos próprios interesses materiais ou substantivos, que são da alçada da lei civil e, por isso, a inobservância de qualquer dos prazos - para requerer o seu exercício ou para efetuar o depósito fazem-no precludir, são prazos de caducidade. 9) O prazo de 15 dias para o depósito do preço aludido no artigo 1410° do CC, é um prazo substantivo e de caducidade e, como tal, não se suspende nem se interrompe senão nos casos determinados na lei (artigo 328° do CC). 10) Mormente o Autor tenha procedido ao depósito do preço na nova ação, (a de que se recorre) o que apenas surge em 14.5.2024, não faz com que tal depósito tenha sido realizado, o direito do Autor caducou. 11) Não se compreende, nem se aceita o vertido pela Digna Magistrada a quo, quando no seu despacho saneador expressa que os Réus não questionaram o facto de o Autor ter procedido nesta ação, ao depósito do preço, o que não é verdade. 12) Os Réus vieram em sede de contestação, aquando da invocada exceção de caducidade, por falta de depósito do preço a pronunciar-se e a equacionar, na sua argumentação o depósito do preço nesta ação, tendo inclusive mencionado a data de depósito do mesmo e expressamente invocado a preclusão do mesmo, por referência inclusive a essa data de 14.5.2024. 13) Como se encontra sobejamente demonstrado, a Digna Magistrada a quo, não poderia decidir como decidiu ao fazer improceder a exceção invocada pelos Réus, de caducidade do direito de preferência. 14) É do conhecimento oficioso do Tribunal conhecer a caducidade do direito no caso em apreço, invocado pelos Réus, constituindo uma exceção dilatória, como prescrevem os art.º 494, al. e) do n. 1 e art.º 495° do CPC, e 15) O Tribunal a quo conhece da excepção da "caducidade" do depósito do preço, e por isso deve absolver os Réus do pedido. 16) Razão pela qual deverá a Digna Magistrada a quo vir a substituir o despacho saneador, na Ata de Audiência Prévia, ora recorrida, vir a ser substituída por outra, que considere totalmente procedente por provada a exceção perentória de caducidade do direito de preferência do Autor, por falta do depósito do preço da ação do Autor, vindo a absolver os Réus do pedido. Rematam pedindo a revogação daquele segmento do despacho recorrido, com a correspondente absolvição do pedido. O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso, porquanto: a) Os Recorrentes ao recorrerem da parte decisória do Despacho Saneador que decidiu sobre a exceção de caducidade do direito de preferência, basearam-se numa ação intentada anteriormente pelo recorrido contra os Recorrentes. b) Ação essa onde foi proferida sentença e da qual os Recorrentes não apresentaram em juízo qualquer Recurso, tendo a mesma já transitado em julgado. c) Tal ação judicial não tem qualquer relevância para a ação que agora se discute, pelo que não se verifica qualquer exceção de caducidade do direito do Recorrido. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso[2], importa conhecer e/ou reapreciar, apenas, se ocorre a invocada caducidade do direito de preferência. * II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede, e ainda:[3] a) A primeira ação (processo 2326/23....) foi instaurada em 21.12.2023. b) Nos dias 28.12.2023 e 02.01.2024, foram os Réus citados para contestar. c) Em 29.01.2024, o A. requereu a desistência da instância. d) As contestações dos Réus foram apresentadas a 02.02.2024 e 04.02.2024. e) No dia 13.3.2024, tal desistência foi homologada por sentença, que transitou em julgado em 26.4.2024. f) A presente ação foi interposta em 10.5.2024; o A. alega, designadamente, que no dia 12.12.2023 teve conhecimento que a 1ª Ré havia vendido o seu terreno aos 2ºs Réus pelo preço de € 15 000. g) O depósito do preço foi efetuado em 14.5.2024. h) Os Réus/recorrentes contestaram a ação em 19.6.2024. 2. Cumpre apreciar e decidir. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição (art.º 3º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC[4]). A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6 do artigo 144º (art.º 259º, n.º 1). Porém, o ato da proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário (n.º 2). A instância extingue-se com: a) O julgamento; b) O compromisso arbitral; c) A deserção; d) A desistência, confissão ou transação; e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art.º 277º) A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto (art.º 279º, n.º 1). Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (n.º 2). A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer (art.º 285º, n.º 1). A desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara (n.º 2). A desistência da instância depende da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação (art.º 286º, n.º 1). A desistência do pedido é livre mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor (n.º 2). A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo (art.º 290º, n.º 1). Lavrado o termo ou junto o documento, examina-se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos (n.º 3). 3. Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (art.º 298º, n.º 2 do CC). O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (art.º 328º do CC). O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (art.º 329º do CC). Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (art.º 1380º, n.º 1 do CC). É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações (n.º 4). O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação (art.º 1410º, n.º 1 do CC). 4. Ao autor cabe solicitar a tutela jurisdicional, sem que o tribunal se lhe possa substituir neste impulso processual (art.º 3º, n.º 1). Com a propositura da ação constitui-se a instância (art.º 259º, n.º 1), como relação jurídica entre o autor e o tribunal; e produz efeitos em face do réu com a citação (n.º 2 do mesmo art.º), ato mediante o qual a relação jurídica processual se converte de bilateral em triangular e se torna em princípio estável (art.º 260º). O termo instância traduz a ideia da relação, por natureza dinâmica, existente entre cada uma das partes e o tribunal, bem como entre as próprias partes, na pendência da causa, isto é, até que ocorra alguma das causas de extinção prevista no art.º 277º. O autor (ou o réu reconvinte) pode desistir da instância. A desistência da instância consiste na declaração expressa da parte (autor) de querer renunciar à ação proposta, sem simultaneamente renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer; faz, por isso, cessar o processo instaurado, sem extinguir o direito do desistente (art.º 285º, n.º 2), o qual, declarada a absolvição do réu da instância, poderá instaurar outra ação sobre o mesmo objeto (art.º 279º, n.º 1). Constituindo um ato unilateral, está, porém, legalmente condicionado à aceitação do réu (ou do autor/reconvindo) quando tem lugar depois da contestação (art.º 286º, n.º 1), por consideração do seu interesse em conseguir no processo pendente uma decisão de mérito favorável. Não gozando embora o autor, se não até à contestação do réu, da mesma liberdade de dispor da tutela jurisdicional que tem ao exercer o direito de ação, a disposição deste direito mediante a desistência da instância (enquanto ato de disposição do direito de ação) constitui o inverso do ato de proposição da ação - a desistência da instância é uma manifestação do princípio do dispositivo, na vertente da disponibilidade da tutela jurisdicional. Proferida perante um ato de disposição da relação jurídica processual (a instância), que através dela se extingue, a sentença homologatória da desistência da instância (art.º 290º, n.º 3) não constitui, ao contrário da que homologa a desistência do pedido, caso julgado material, limitando-se a absolver o réu da instância - consequentemente, o direito do autor continua a existir na exata medida em que antes dela existia.[5] 5. A desistência da instância é o acto pelo qual o autor faz cessar o processo que instaurara (art.º 285º, n.º 2), sem que com isso entenda renunciar ao direito que pretendia fazer valer - extingue unicamente a instância, deixando intacto o direito de ação, o direito substancial. O autor renuncia à instância promovida, ao processo que provocou; não renuncia à ação proposta, ou melhor, ao direito substancial que se arrogou contra o réu; a desistência da instância, porque não afeta o direito substancial, não obsta a que o autor volte a propor nova ação contra o réu sobre o mesmo objeto. Contudo, esse poder do autor (que emana do princípio da liberdade enunciado no art.º 283º, n.º 1) tem um limite: depois de oferecida a contestação o autor já não pode desistir da instância sem a aquiescência do réu.[6] 6. A desistência de instância produz apenas efeitos relativos, ao nível da extinção da instância, sem obstar a que o autor intente outra ação com o mesmo objeto e contra o mesmo sujeito, embora não lhe possam aproveitar os efeitos produzidos pela instauração da primeira ou pela citação do réu no campo da caducidade e da prescrição, atento o disposto no art.º 327º, n.º 1, do CC. O mesmo se diga quanto aos demais efeitos civis a que se reporta o art.º 279°, n.º 2, do CPC.[7] 7. É pacífico o entendimento de que o prazo de seis meses fixado no n.º 1 do art.º 1410º do CC, para o exercício da ação de preferência, é um prazo de caducidade (cf. art.º 298º, n.º 2 do CC), determinado por estritas razões objetivas de segurança jurídica. E é igualmente de caducidade o prazo para o depósito do preço, previsto no mesmo normativo, contado desde a data da instauração da ação. A exigência do prévio depósito do preço constitui uma garantia para o alienante, pondo-o a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente, por este se desinteressar, entretanto, da sua realização ou não dispor dos meios necessários para esse efeito.[8] 8. Perante o descrito enquadramento legal e doutrinal, e atenta a realidade dos autos, afigura-se que a decisão recorrida não merece censura. Como foi explicitado, a desistência da instância é um negócio unilateral, mediante o qual o autor duma ação pretende pôr termo ao processo, sem afetar a relação material litigada; resulta do funcionamento da autonomia privada da parte e da disponibilidade da instância que é reconhecida ao autor, na qualidade de seu impulsionador, que se traduz na possibilidade que aquele tem de poder pôr termo à causa que impulsionou.[9] E a lei apenas tutela o interesse que o réu que já apresentou a sua oposição eventualmente tenha em que a questão de fundo seja resolvida, mesmo contra a vontade do autor. O legislador considerou que era de atender, v. g., o interesse do autor dispor da oportunidade de corrigir os termos em que propôs a ação, repetindo-a, quando ainda não conhecia a oposição do réu; e essa escolha não se pode considerar desrazoável ou arbitrária.[10] 9. Concluindo. A desistência da instância apenas faz extinguir o processo, sem impedir que o autor possa intentar nova ação com o mesmo objeto e contra os mesmos sujeitos (art.º 285º, n.º 2 do CPC), como sucedeu no caso em apreço, Na situação em análise, a anterior ação judicial não tem qualquer relevância - cessou, deixou de existir. A posição e o interesse das partes em nada ficam afetadas pela desistência da instância, que se não repercute na relação material litigada. E se o prazo de caducidade de seis meses terá sido observado, dúvidas não restam de que o A. também efetuou o depósito do preço devido no período temporal que a lei estabelece (15 dias seguintes à propositura da ação), no inteiro respeito pelos interesses subjacentes à respetiva cominação (art.º 1410º, n.º 1, ex vi do art.º 1380º, n.º 4, do CC) - cf. II. 1. e 6., supra. Por conseguinte, não se verifica a caducidade da prelação que o A./recorrido pretende fazer valer nos presentes autos. 10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos Réus/apelantes. * 05.6.2025
[1] Que se conformaram, designadamente, com o segmento da decisão que julgou improcedente a exceção de falta de depósito do preço (no que respeita aos valores por si suportados a título fiscal), sendo que o preço da compra e venda, no valor de € 15 000, foi depositado dentro do prazo de 15 dias seguintes à propositura da (presente) ação. [2] Admitido com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – cf. artigos 629º, 631º, 638º, n.º 1, 644º, n.º 1, al. b), 645º, n.º 2 e 647º, n.º 1 do CPC. [7] Vide A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 333 e, de entre vários, acórdão da RL de 26.9.2023-processo 109016/20.3YIPRT-A.L1-7, publicado no “site” da dgsi. |