Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA MEIO DE REAGIR CONTRA O EMPOBRECIMENTO PRAZO DE PRESCRIÇÃO INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO ENTRE CÔNJUGES | ||
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Data do Acordão: | 09/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 572.º, DO CPC ARTIGOS 309.º; 318.º, A); 473.º, 1; 474.º; 482.º; 1405.º, 1; 1688.º; 1697.º, 1 E 1720.º, 1, A), DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. Se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer (art.º 474º, do CC). 2. O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa (art.º 482º, do CC) não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. 3. A prescrição não começa nem corre entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens (art.º 318º, alínea a), do CC) ou verificada simples separação de facto. 4. A alegação de matéria de exceção, ao abrigo do disposto no art.º 572º do CPC, não configura ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide (não extravasando do objeto do processo inicialmente conformado pelo autor, envolvendo questões de conhecimento anterior à decisão) ou incidente que careça de ser tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas (art.º 527º do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 04.01.2021, AA instaurou a presente ação declarativa comum contra BB, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 199 605,50, correspondente a metade do montante despendido pelo A. e melhor descrito na petição inicial (p. i.), bem como metade de todas as prestações mensais e respetivos seguros e encargos associados relativas aos financiamentos identificados nos art.ºs 13 e 17 da p. i. e imposto municipal sobre o imóvel identificado em 9 da p. i. que o A. venha a liquidar enquanto os imóveis objeto dos presentes autos se mantiverem em compropriedade. Alegou, em síntese: em .../.../2002, A. e Ré contraíram entre si casamento civil, no Brasil, sem convenção antenupcial; em .../.../2017, o casamento foi registado por transcrição na Conservatória do Registo Civil ..., não precedida do processo preliminar de publicações perante a autoridade portuguesa, pelo que o casamento considera-se contraído sob o regime imperativo da separação de bens[1]; em meados do ano 2005, A. e Ré tomaram a decisão conjunta de vir morar para Portugal; em 17.8.2006, A. e Ré compraram o prédio urbano mencionado nos art.ºs 9 e 22 da p. i. e contraíram os contratos de mútuo bancário aludidos nos art.ºs 13 e 17 da p. i. para aquisição desse prédio, que destinaram a habitação própria e permanente (do casal), ficando devedores das quantias mutuadas, respetivos juros e demais encargos contratualmente previstos[2]; a titularidade do direito de propriedade sobre o aludido prédio encontra-se inscrita a favor de A. e Ré[3]; apesar de ter sido combinado entre as partes que o pagamento de todas as obrigações pecuniárias emergentes dos mencionados empréstimos seriam suportadas na proporção de metade para A. e Ré, porém, até à presente data, vêm sendo suportadas exclusivamente pelo A.; a Ré, sendo ainda comproprietária do imóvel e mutuária nos aludidos empréstimos, nunca comparticipou no pagamento do imóvel, sendo assim devedora da quantia indicada no art.º 60º da p. i.; a Ré, na qualidade de comproprietária (na proporção de metade), é responsável pelo pagamento de metade do valor dos encargos que o A. vem pagando relativos a tal prédio; o valor aqui reclamado, também é devido a título de enriquecimento sem causa, que residualmente se invoca. A Ré contestou, alegando, nomeadamente, por exceção, que na constância do casamento o procedimento de vida e aquisição de património pelos cônjuges foi, invariavelmente, o de quem está casado sob o regime de bens da comunhão de adquiridos; pelo menos desde .../.../2017, data em que colheu a certidão de casamento que utilizou para instruir a ação de divórcio, que o A. sabe que o casamento celebrado entre si e a Ré foi averbado em Portugal sob o regime imperativo da separação de bens, pelo que toda e qualquer obrigação de restituição a título de enriquecimento sem causa se encontra prescrita; acresce que prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer prestações periodicamente renováveis, com a especial acuidade das prestações reclamadas pelo A. serem deste tipo.[4] Concluiu pela improcedência da ação, por não provada, e a procedência da matéria de exceção. Deduziu pedido reconvencional. Subsidiariamente, a haver consentimento do A. nesse sentido, pediu que seja declarada extinta a compropriedade por renúncia da Ré, com liberação total da mesma de todas e quaisquer responsabilidades, despesas e ou encargos concernentes à coisa comum (bancários, fiscais, etc.), em causa na ação, pretéritos, atuais e futuros. O A. replicou, pronunciando-se quanto à reconvenção. Na sequência do despacho de 28.10.2022, o A. manteve o alegado na p. i. e concluiu pela improcedência da exceção da prescrição, alegando que paga (duas) prestações com periodicidade mensal à entidade bancária, que prescrevem no prazo de cinco anos (art.º 310º, alínea g), do CC). No despacho saneador (de 08.3.2023), o Mm.º Juiz do Tribunal a quo admitiu a reconvenção “quanto ao pedido formulado na alínea c) já que o mesmo emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa (alínea a) do n.º 1 do art.º 266º do CPC), e bem assim a R. pretende um valor que excede aquele que o A. pretende (alínea c) do n.º 1 do mesmo diploma)” e não admitiu “o pedido reconvencional deduzido na alínea d)”, porquanto “só por acordo entre A. e R. e através da competente escritura ou documento semelhante poderá operar o mesmo”. Relativamente à matéria de exceção, decidiu: «Prescrição do enriquecimento sem causa. Em sede de petição inicial o A. reclama da R. determinados montantes, invocando para tanto não só o regime de compropriedade de um imóvel, mas igualmente o enriquecimento sem causa. / Em sede de contestação a R. invoca a prescrição do eventual direito do A. baseado em tal enriquecimento. / O A. não se pronunciou sobre a prescrição sobre a enriquecimento sem causa. Apreciando: Quanto à matéria atinente ao enriquecimento sem causa não ocorreu a prescrição. / Dispõe o artigo 473º do CC que: “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. Por seu turno refere-nos o artigo 482º do CC que: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento”. O prazo de prescrição ordinária ainda não ocorreu. / E o mesmo se diga em relação ao prazo de três anos indicado no supra-citado artigo. / É que este só começa a correr a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável. / E este momento no caso concreto é o da data do divórcio, a saber 13.02.2020. “Como é sabido, as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, conforme disposto no artigo 1688º do CC. / O termo da relação conjugal, com a decretação do divórcio, funcionou, no caso, como evento gerador da perda da causa do enriquecimento do Réu à custa da deslocação de valores patrimoniais da Autora, fazendo deflagrar o direito de esta pedir a restituição desses valores” (cf. acórdão do STJ de 15.12.2020, dgsi). E o facto de A. e R. terem casado no regime de separação de bens (vide certidão junta com a petição inicial) não altera a lógica do que se tem vindo a referir, pois que só com o divórcio no caso concreto cessam as relações pessoais entre os cônjuges, ainda que os efeitos patrimoniais do mesmo se retroajam à data em que aquele foi requerido (artigo 1789º do CC). / Não se olvide que a prescrição não começa nem corre, entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens tal qual resulta do art.º 318º al. a) do CC. Assim improcede a arguida prescrição com base no enriquecimento sem causa. Custas pela improcedência da excepção a cargo da R. na proporção de 1/6 por referência ao valor da ação. * Da prescrição das prestações periodicamente renováveis (...) eventuais prestações do crédito à habitação que o A. refere ter sozinho suportado. Mutatis mutandis, de novo se traz à colação o artigo 318º alínea a) do CC, (...) e portanto, o prazo de prescrição apenas se iniciou após a data do divórcio, e entre aquela data e a data da propositura da ação correram menos de 2 anos. Improcede assim a arguida prescrição. Custas pela improcedência da exceção a cargo da R. na proporção de 1/6 por referência ao valor da ação.» O Mm.º Juiz relegou para final o conhecimento da demais matéria de exceção, firmou o objecto do litígio[5] e enunciou os temas da prova[6]. 1ª - Os efeitos do divórcio retroagem à data da separação de facto desde que tal seja declarado na sentença que decretou o divórcio (art.º 1789º, n.º 2, do Código Civil/CC). 2ª - Da sentença a que se refere o art.º 7º da PI (Doc. n.º 3) consta que “em face das declarações das partes, fixa-se a data de separação de facto em .../.../2017, pelo que os efeitos do divórcio retroagem a essa data nos termos do artigo 1789º, n.º 2 do Código Civil”. 3ª - A separação de facto e data assim fixada são, reiteradamente, recuperadas no articulado da Ré/Reconvinte: v. g., art.ºs 47º, 107º, 112º, 146º, 149º e 150º. 4ª - A ratio legis do art.º 318º, n.º 1 do CC (suspensão da prescrição) segundo Pereira Coelho, Família, 1969, 2º-174 é “(…) evitar que qualquer dos cônjuges se visse obrigado, para não perder um seu direito, a intentar uma acção de dívida contra o outro uma acção (note-se bem) que muitas vezes não chegaria a ser intentada em consequência do ascendente exercido pelo segundo cônjuge sobre o primeiro”. 5ª - Tal razão deixa de estar presente a partir do momento da separação de facto, fixada em .../.../2017. 6ª - Prevê o art.º 482º do CC que o direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável. 7ª - Na sua Contestação/Reconvenção (art.º 115º) a Ré alegou que “pelo menos desde .../.../2017, data em que colheu a certidão de casamento que utilizou para instruir a acção de divórcio litigioso que precedeu esta acção (e que nesta voltou a utilizar como Doc. n.º 2), que o Autor sabe que o casamento celebrado entre si e a Ré foi averbado em Portugal sob o regime imperativo da separação de bens”, assim ficando, necessariamente, sabedor dos pretensos direitos que se arroga a título de enriquecimento sem causa (invertendo um ânimo de comunhão em ânimo de separação). 8ª - Em benefício do Autor, a Ré considerou até que o prazo se começou a contar alguns meses após a separação de facto, a partir daquele evento. 9ª - Como refere o Tribunal a quo, “o A. não se pronunciou sobre a prescrição sobre a enriquecimento sem causa”. 10ª - Estão aqui em causa relações patrimoniais entre os cônjuges, não relações pessoais. 11ª - A partir de .../.../2017, o mais tardar a partir de 10/11/2017 que o Autor teve conhecimento do direito que lhe podia competir e da pessoa pretensamente responsável não podendo ser oposto ao cômputo do prazo prescricional o disposto no art.º 318º, n.º 1 do CC. 12ª - A ação foi proposta em 05/01/2021; atenta a estatuição do n.º 2 do art.º 323º do CC o efeito interruptivo verificou-se cinco dias depois; à data de 10/01/2021 estavam há muito volvidos os três anos previstos no art.º 482º do CC. 13ª - Deveria, pois, a exceção de prescrição da pretensa obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa ter sido julgada procedente por provada; todos os alegados direitos a restituição com mais de três anos de vetustez (contada de 10/01/2021 para trás) se encontram prescritos - até 10/01/2018 tudo prescreveu. 14ª - Foi violado o disposto nos art.ºs 318º, n.º 1, 482º e 1789º, n.º 2, do CC. 15ª - O Tribunal a quo condenou em custas pela improcedência de cada uma das exceções, à razão de 1/6 por referência ao valor da ação; o Tribunal a quo não indicou o preceito legal que sustenta tais condenações. 16ª - Atento o disposto nos art.ºs 154º e 615º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), à omissão radical de fundamentação corresponde nulidade. 17ª - A alegação de várias exceções, não configura ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide ou incidente que careça de ser tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas. 18ª - O Tribunal a quo violou, nesta parte, o disposto nos art.ºs 154º, 527º e 572º do CPC. Remata dizendo que deverá a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a invocada exceção de prescrição da obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa, mais revogando as duas condenações da Ré/Reconvinte pela improcedência das invocadas exceções perentórias. Não houve resposta. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa reapreciar o decidido quanto à exceção de prescrição da obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa, e a condenação em custas pela improcedência de duas exceções perentórias. * II. 1. Para a decisão do recurso releva, apenas, o que consta do precedente relatório. 2. Cumpre apreciar e decidir. Independentemente da concreta determinação do regime de bens do casamento do A. e Ré, mormente aquando da celebração dos mencionados contratos de compra e venda e de mútuo, e das circunstâncias das respetivas relações patrimoniais (que permanecem controvertidas), dúvidas não restam de que A. e Ré são (e/ou se consideram) comproprietários do prédio urbano[7] que deu azo aos pagamentos, despesas e encargos aludidos nos autos e que subjazem ao pedido formulado na p. i.. Também é inequívoco que o casamento foi transcrito na Conservatória do Registo Civil sem precedência do processo preliminar de publicações (cf. art.º 1720º, n.º 1, alínea a), do CC), foi decretado o divórcio e fixou-se a data da separação dos cônjuges.[8] 3. A fundamentar o pedido, o A. invoca, primeiro, o acordo dos cônjuges sobre a forma de pagamento das obrigações pecuniárias emergentes dos mencionados empréstimos, e bem assim a posição da Ré enquanto comproprietária do imóvel (na proporção de metade) e mutuária nos aludidos empréstimos; refere, depois, a título subsidiário/ “residual”, que o montante reclamado na ação “também é devido a título de enriquecimento sem causa”. 4. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309º, do CC). Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (art.º 473º, n.º 1, do CC). A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (n.º 2). Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento (art.º 474º, do CC, sob a epígrafe “Natureza subsidiária da obrigação”). O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento (art.º 482º, do CC). As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos (art.º 1688º, do CC). Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação (art.º 1697º, n.º 1, do CC, sob a epígrafe “compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal”). 5. A ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação. Se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer (art.º 474º, do CC). Assim, haverá que afirmar e atuar o carácter subsidiário da obrigação de restituir (o indevido acréscimo patrimonial) face às demais possibilidades que a lei faculta ao empobrecido para fazer valer o seu direito, eliminando a correspondente vantagem patrimonial da contraparte.[9] 6. O regime jurídico do enriquecimento sem causa dirige-se a uma simples proteção estática dos direitos ou dos bens, pretendendo-se reagir contra modificações juridicamente não sancionadas na sua ordem de atribuição ou destinação; a ação de enriquecimento sem causa visa “retransmitir” ao património do empobrecido alguma coisa que “pertence” a esse património, em face do conteúdo ou teor de destinação do seu direito (da “correta ordenação dos bens à luz do direito vigente”).[10] 7. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas (art.º 1405º, n.º 1, do CC). 8. Como vimos, como primeiro e principal fundamento do pedido, o A. refere a situação de compropriedade e o pagamento dos encargos/despesas respetivos, ao arrepio, também, do alegado “acordo” das partes quanto à participação nesses encargos. Assim, tratando-se de um (eventual) direito de natureza creditória (derivado de relações reais e obrigacionais – art.ºs 1405º, n.º 1 e 1697º, n.º 1, do CC), estará sujeito ao prazo ordinário de prescrição (art.º 309º, do CC) - obviamente, não transcorrido -, sendo inaplicável a regra prescricional do art.º 482º, do CC (simples deslocações patrimoniais enquadráveis no instituto do enriquecimento sem causa na configuração traçada pelos art.ºs 473º e seguintes do CC[11]). 9. Ademais, vem sendo entendido que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa (previsto no art.º 482º, do CC) não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição – a obrigação de restituir o enriquecimento não prescreve enquanto o empobrecido tiver outro meio de ser restituído ou outra forma de ser indemnizado pelo seu prejuízo.[12] 10. Por conseguinte, nada será de objetar relativamente à improcedência da dita exceção perentória da obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa. 11. Na situação dos autos releva, ainda, o prescrito no art.º 318º, alínea a), do CC[13]. Sobre esta concreta matéria, acrescenta-se que se a prescrição não começa nem corre entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens (art.º 318º, alínea a), do CC)[14], afigura-se defensável que também não comece ou corra em razão da simples separação de facto (real ou ficta) dos cônjuges.[15] Contudo, esta problemática, face ao explanado supra, nunca seria decisiva para a presente impugnação. 12. No que concerne à condenação em custas pela improcedência de cada uma das exceções, “à razão de 1/6 por referência ao valor da ação”, afigura-se que a Ré/recorrente tem razão. Na verdade, a alegação da referida matéria de exceção (ao abrigo do disposto no art.º 572º do CPC), não configura ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide (não extravasando do objeto do processo inicialmente conformado pelo autor, envolvendo questões de conhecimento anterior à decisão)[16] ou incidente que careça de ser tributado segundo os princípios que regem a condenação em custas (art.º 527º do CPC[17]). 13. Soçobram, desta forma, as “conclusões” do recurso, devendo, porém, ficar sem efeito as questionadas condenações pela improcedência das exceções. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, mas dando-se sem efeito as (duas) condenações em «custas pela improcedência da exceção a cargo da R. na proporção de 1/6 por referência ao valor da ação.». Custas pela Ré, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 192). * 12.9.2023
[3] Cf. certidão de fls. 163 verso e seguintes, da qual decorre que o registo de aquisição (“provisório por natureza – alínea g) do n.º 1”) foi realizado em 28.7.2006 e que A. e Ré se encontravam casados sob o regime de bens da comunhão de adquiridos. [4] Na Contestação/Reconvenção, a Ré alegou: «115º - Pelo menos desde .../.../2017, data em que colheu a certidão de casamento que utilizou para instruir a acção de divórcio litigioso que precedeu esta ação (e que nesta voltou a utilizar como Doc. n.º 2), que o Autor sabe que o casamento celebrado entre si e a Ré foi averbado em Portugal sob o regime imperativo da separação de bens. / 116º - Daquela data até à citação da Ré (o mesmo valendo para a data do impulso da acção, só proposta no ano de 2021), volveram mais de três anos. / 117º - E mais tempo volveu se tomarmos como referência as datas em que o Autor terá feito os pagamentos que, difusamente, alega (as poucas que refere…) / 118º - Durante tão vasto lapso temporal o Autor nada disse ou fez. / 119º - Nunca dando sinal de ser sua vontade, no plano patrimonial, abandonar uma postura que sempre fora de comunhão de adquiridos para ingressar, com a correspondente separação de águas, em comportamentos típicos de quem está casado em separação de bens. / 120º - Pelo que toda e qualquer obrigação de restituição a título de enriquecimento sem causa se encontra prescrita, excepção peremptória aqui expressamente invocada para todos os feitos legais.» [5] «§ Se a R. deve ser condenada a pagar ao A. a quantia global de € 199 605,50 - e a que título - correspondente a metade do montante despendido pelo aqui A., bem como metade de todas as prestações mensais e respetivos seguros e encargos associados relativos a financiamentos bancários, e imposto municipal sobre determinado imóvel, que o A. venha a liquidar, daqui para o futuro, enquanto esse imóvel que se encontra registado em compropriedade a favor de A. e R., se mantiver nesse estado. (...) §§§ Subsidiariamente e caso proceda a ação, se o A. deverá ser condenado a pagar à R. a quantia global de € 225 000 - e a que título o deverá fazer - acrescido de juros de mora a contar da notificação do pedido reconvencional e até efetivo pagamento.» [6] «1 - Montantes despendidos com aquisição da casa de morada de família de A. e R. junto da entidade que a alienou. / 2 - Montantes despendidos até à data com prestações dos créditos contraídos para aquisição daquela moradia, bem assim valores atinentes a impostos, seguros e outros importância relacionadas com o imóvel. / 3 - Valores a despender e indicados em 2, até pagamento integral dos créditos. / 4 - Se é o A. que despende e sempre despendeu com dinheiro seu aqueles montantes. / 5 - Abuso de direito do A. relativo à inscrição do casamento como sob o regime de separação de bens, atendendo aos factos atinentes à vivência do casal durante o período em que vigorou o casamento, enquadráveis no regime da comunhão de adquiridos. / 6 - Comparticipação da R. para a economia doméstica, durante o casamento, sua qualificação e quantificação.» [11] E o instituto do enriquecimento sem causa carateriza-se pela natureza subsidiária da obrigação de restituir (cf. art.º 474º do CC). [12] Cf., nomeadamente, acórdãos do STJ de 02.12.2004-processo 04B3828 [a que foi dado o seguinte sumário: «I - O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.º 482º CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado. II - Esse prazo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição. III - Uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído.»], bem como os arestos nele citados, e da RC de 20.4.2016-processo 663/15.2T8CLD.C1, publicados no “site” da dgsi. [14] A suspensão da prescrição, nesta hipótese, destina-se a evitar conflitos entre os cônjuges: se a prescrição se não suspendesse, poderia um dos cônjuges ter de exigir do outro, na constância do casamento, a prestação devida por este, e daí poderiam resultar graves inconvenientes para a harmonia conjugal - vide Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ n.º 106, pág. 145. «A ´praescripitio dormens` resultante da suspensão da prescrição apontada, visa, justamente obviar, por um lado, a que, com receio da prescrição se instale entre os cônjuges uma litigiosidade desnecessária, comprometedora, em última extremidade, da subsistência do casamento, e, por outro, que qualquer dos cônjuges, ordenado pelo propósito de salvaguardar a estabilidade do casamento ou por temor reverencial, prescinda dos seus direitos.» - cf. o acórdão da RC de 15.5.2012-processo 885/09.5T2AVR.C1, publicado no “site” da dgsi. [15] Porém, tratando-se de simples união de facto, o prazo especial do art.º 482º do CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido tem conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, em regra, na data da cessação da convivência em comum, linha de entendimento acolhida, entre outros, pelos acórdãos do STJ de 31.5.2011-processo 122/09.2TBVFC-A.L1.S1 [onde se conclui: “(…) face ao disposto no art.º 482º do CC, o momento relevante para o início do prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa surge quando cessa a união de facto e, por via disso, cessa a fruição em comum dos bens adquiridos durante a união de facto com a participação de ambos os membros da união.”] e da RC de 15.5.2012-processo 885/09.5T2AVR.C1 [assim sumariado: “I – A causa subjetiva bilateral de suspensão da prescrição constante da alínea a) do art.º 218º (318º) do Código Civil – de harmonia com a qual a prescrição não começa nem corre entre os cônjuges – não é aplicável, por integração analógica ou interpretação extensiva, aos membros da união de facto. II - O prazo de prescrição da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa de prestações realizadas no contexto de união de facto conta-se do momento da cessação desta.”] e de 25.10.2016-processo 12/14.7TBLRA.C1 [com o seguinte sumário: “O prazo de prescrição de três anos do direito à restituição por enriquecimento começa a contar do momento em que o empobrecido teve conhecimento fáctico (não jurídico) dos elementos constitutivos do seu direito (…), no momento da cessação da união de facto.”], publicados no “site” da dgsi. A regra da imprescritibilidade consagrada no art.º 318º, alínea a), do CC, apresenta-se como “um instrumento de defesa do credor contra a inibição de exigir o pagamento”; sublinha-se, ainda, que o dever de coabitação cessa com a separação judicial de pessoas e bens (art.º 1795º-A do CC) – vide F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I., 5ª edição, Coimbra Editora, 2016, págs. 512 e 664. [17] Que assim reza: «A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito (n.º 1). Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (n.º 2).» |