Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL DO TRABALHADOR COM JUSTA CAUSA PRAZO DE CADUCIDADE AGRAVAMENTO ASSÉDIO MORAL | ||
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Data do Acordão: | 09/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 395.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
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Sumário: | I – Quando o n.º 1 da art. 395.º do Código do Trabalho indica que a declaração de resolução do trabalhador com invocação de justa causa e com a indicação sucinta dos factos que a justificam deve ser feita “nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos”, o momento atendível desse conhecimento é o do conhecimento dos factos ilícitos cometidos pelo empregador e não o do momento em que se cristaliza no espírito do trabalhador a impossibilidade de manter a relação laboral em presença de tais factos. II – Porém, sendo de considerar que os ditos factos podem sofrer um agravamento com o decurso do tempo no plano em que, por via desse decurso, venham a gerar maiores danos na esfera pessoal ou pessoal/patrimonial do trabalhador, é de admitir que nesse caso se está perante um agravamento da ilicitude e do efetivo potencial danoso, tornando-se aceitável atender a esse contexto em si mesmo como uma nova cadeia de “factos” relevante para o início do prazo de caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa. III – Todavia essa abertura interpretativa não pode afastar a realidade factual, em que o agravamento se traduz, da esfera da apreensibilidade ou cognoscibilidade dos factos mais precisos que balizam em concreto o início do prazo de caducidade, pelo que deve considerar-se ocorrer a caducidade quando o trabalhador envia carta a descrever factos em seu entender ilícitos, não declarando a resolução com justa causa, e só passados trinta dias é que o vem a fazer, invocando carta de resposta que o empregador lhe enviou não reconhecendo os ditos factos ilícitos. IV – Uma simples conduta ainda que exercida em ambiente continuado de trabalho e que leva o trabalhador a sentir-se ofendido e discriminado, sem que se prove intenção de discriminação e o seu carácter deliberadamente hostil, não permite a qualificação de assédio moral. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação 1512/21.8T8LRA.C1 Relator: Azevedo Mendes Adjuntos: Felizardo Paiva Paula Maria Roberto Autora: M..., Lda Ré: AA. Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A autora (empregadora) intentou a presente acção pedindo que a ré (trabalhadora) seja condenada a reconhecer a ilicitude da resolução do contrato de trabalho por ela declarada e a pagar-lhe uma indemnização correspondente a € 1.600,00, acrescida de juros de mora vincendos, desde a citação, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento. A ré apresentou contestação alegando ter procedido à resolução do contrato de trabalho de forma lícita, por assédio moral praticado pela empresa, e em reconvenção peticionou a condenação da autora a pagar-lhe indemnização em valor que computou em € 8.800,95, bem como créditos salariais emergentes da formação profissional não ministrada no valor de € 852,52 e ainda indemnização por danos morais no valor de € 6.000,00, quantias acrescidas dos juros de mora. Efectuada audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou procedente a acção, pelo que condenou a ré a reconhecer a ilicitude da resolução do contrato de trabalho operada através da comunicação de 25 de Janeiro de 2021 e a pagar à autora uma indemnização correspondente a € 1.600,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento. Mais julgou a reconvenção parcialmente procedente pelo que condenou a autora/reconvinda a pagar á ré/reconvinte a título de créditos salariais decorrentes da formação profissional não ministrada, a quantia de € 145,38, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a data da notificação da contestação/reconvenção, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento. No mais absolveu a autora/reconvinda do pedido reconvencional. Inconformada, a autora interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões: «1. Reportam-se as presentes alegações ao recurso interposto pela aqui Recorrente da sentença proferida pelo Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., que decidiu: Julgar a ação totalmente procedente por provada, e condenar a ré a: a) Ver declarada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho operada através da comunicação de 25 de janeiro de 2021; b) Reconhecer a ilicitude da resolução do contrato de trabalho por si operada; c) Pagar à autora uma indemnização correspondente a € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), nos termos do artigo 399º, calculada nos termos do art 401º do C.T., acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento. Julgar a reconvenção parcialmente procedente pelo que condenou a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte: b) a título de créditos salariais decorrentes da formação profissional não ministrada, a quantia de € 145,38 (cento e quarenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos); b) os juros de mora sobre a quantia referida em a), vencidos e vincendos, calculados desde a data da notificação da contestação/reconvenção, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento. No mais foi a autora/reconvinda absolvida do pedido reconvencional. 2. Cuida o presente Recurso, na sua essência em Matéria Facto e de Direito, da alteração da decisão plasmada na Sentença recorrida que, fazendo uma errónea apreciação da prova e aplicação da Lei e dos Princípios Normativos que a enformam, decidiu julgar totalmente procedente por provada a pretensão da autora e aqui recorrida, entendendo em sumula que a rescisão por si operada não foi licita, considerando a matéria de facto e de direito em apreço. 3. Convocando a prova produzida, entende a recorrente que a matéria de facto fixada deve – e acima de tudo impõe-se! – ser alterada, porquanto as testemunhas apresentadas, em conjunto com a prova documental e ainda com recurso às chamadas “regras de experiência comum”, levam à conclusão inequívoca que a Trabalhadora cumpriu os prazos e procedimentos legais para a rescisão operada, sendo que os fundamentos que a motivaram são extremamente e por demais evidentes, não podendo, ser desvalorizada uma conduta ilícita de um superior hierárquico e da entidade empregadora que, manifestamente, colocou em crise a saúde, bem estar e o respeito, consideração e dignidade que à aqui Recorrente é devida. E, por estes motivos, a primeira evidência que deles discorre é que a sua alteração da decisão proferida é uma necessidade imperiosa de Justiça. 4. Devem ser ponderados os pontos que serão atacados, pois que temos que este Tribunal da Relação de Coimbra se encontra munido de todos os elementos probatórios que permitem a reapreciação dos factos em causa nos termos e para os efeitos do disposto no art. 662º do Código de Processo Civil. Temos que outra solução não existe senão alterar a decisão em matéria de facto, já que foi feita prova que determina a total improcedência de ilicitude do despedimento promovido pela R. Concretamente, o presente Recurso incidirá sobre os seguintes pontos: e) Erro no Julgamento da Matéria de Direito – Caducidade(s); f) Erro no Julgamento da Matéria de Facto por o Tribunal ter dado por não-provada matéria que decorre dos elementos probatórios produzidos e, inversamente, por ter dado por provada matéria que deles não discorre g) Erro no Julgamento da Matéria de Direito, face ao incorrecto julgamento da matéria de facto h) Erro no Julgamento da Matéria de Direito por o Tribunal ter realizado errónea subsunção do direito à matéria factual apurada no caso sub iudice; 5. O Julgamento em matéria de facto assume, em toda os domínios da Justiça, a preponderância maior da decisão judiciária a proferir a final. Aqui reside o momento primeiro em que se assombra, como uma realidade tangível na mente do julgador, o evento empírico que gera o litígio caído em conflito social enquadrável nas previsões da norma jurídica, subsumindo-se ao Direito que apenas com aquele se realiza na decisão judicativa. 6. A montante do Direito substantivo em que mergulha para lhe oferecer existência, não surpreende que exista uma intensa disciplina processual que regula o julgamento em matéria de facto, pois que, sem esta, a liberdade de acção e decisão dos sujeitos no comércio jurídico mais que não constituiriam que conceitos abstractos, porventura interventivos no momento da construção do edifício civil/laboral, mas carecendo de tutela efectiva no pressuposto essencial da realização do Direito. 7. Existe aqui outra dimensão fundamental, a da legitimidade da Decisão Judicativa, a da validade da providência judiciária quando em quebra-luz de um Estado-de-Direito. Se se assumisse como válida toda e qualquer forma de obter ou de se determinar a consolidação de uma realidade juridicamente relevante para efeitos judicativos, eis-nos caídos na perversão a que o ordenamento jurídico na sua globalidade pretende dar resposta – a salvaguarda dos bens jurídicos de uma Comunidade e a mediação na composição de interesses conflituantes. 8. Por isso o Direito Processual Civil dispõe um conjunto de regras programáticas de obtenção de prova e, outrossim, de sua apreciação para formação da convicção do julgador sobre a verificação (ou não) de determinado facto com relevância jurídica para efeitos de preenchimento de uma previsão normativa de Direito Substantivo. 9. Quanto a este último segmento, rege aqui um Princípio da maior importância no caso sub iudice: o Princípio da Liberdade no Julgamento da Prova (art. 607º nº5 do Código de Processo Civil). Este princípio normativo postula um cunho subjectivista na apreciação e valoração dos (válidos e limitados por Lei) elementos de prova que sejam produzidos em Audiência de Julgamento perante o Tribunal. Este sujeito processual aprecia-os e concede-lhes credibilidade de acordo com a sua própria convicção, mediante o contacto directo e imediato com testemunhas e com toda a restante produção de prova. 10. Claro que esta livre apreciação não se reconduz a uma discricionariedade aberta, a um arbítrio por parte de julgador que pudesse levar a que este liminarmente excluísse certos elementos por outros, a que inferisse determinada factualidade por via de outra, que a suprisse quando se apresentasse insuficiente ou que desconsiderasse evidências que lhe foram apresentadas em termos suficientes de acordo com critérios de experiência comum. 11. Entende a Recorrente que Tribunal faz uma incorrecta análise da prova que lhe foi apresentada, no que respeita, nomeadamente á existência de assédio moral, tendo alcançado uma decisão sobre matéria de facto que não colhe, ainda que só parcialmente, assento nos depoimentos das testemunhas e na prova documental produzida. Por tudo, o Julgamento da Matéria de Facto realizado pelo Tribunal se afigura ilegítimo, decorrendo da prova produzida em Audiência elementos suficientes para que se tomassem outros factos como provados e não provados, existindo Erro no Julgamento da Matéria de Facto ao ter dado o Tribunal por provados determinados eventos e como não provados outros que resultam com clareza dos elementos probatórios, objectivos e concretos, e da análise que só pode deles ser feita à luz dos princípios que norteiam a apreciação da prova, como abaixo melhor se dirá. 12. O Tribunal, no despacho saneador, decidiu que “atendendo á simplicidade da causa prescinde-se da fixação do Objeto do Processo e dos Temas da Prova”. Parece-nos por isso inequívoco que existe, carente de valoração ou de apuramento, matéria não considerada e controvertida com aptidão de integrar soluções, desconsideradas, mas plausíveis, das questões colocadas ao Tribunal e por ele decidida. 13. A Recorrente tece criticas à decisão recorrida, também no que a respeita à fixação da matéria de facto, essencialmente porque o Tribunal a quo entendeu não apreciar um conjunto de factos alegados pela Recorrente (e que nos parecem ser da maior relevância e que são factos essenciais para a definição do litigio), não os elencando nos factos provados e/ou não provados, sendo evidente que o Tribunal a quo não apreciou grande alguma da factualidade descrita pela Recorrente nas suas Alegações, onde constavam factos essenciais à boa e justa composição do litígio, ao apuramento da verdade material e, inerentemente, à decisão da causa. 14. Os Factos acima referidos, constam dos art. 85º a 87 da Contestação com Reconvenção apresentada nos autos estão provados por documentos, dado que o Relatório (confirmado pela Técnica em subscritora -cfr. Depoimento de BB (Inspectora da ACT) -Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h02m33.8s a 00h17m22.6s) foi confirmado, bem como a visita inspetiva por esta realizada em sede de audiência. 15. Concordando-se (ou não, ao que se não concede) com a posição expressa no relatório, o mesmo refere a existência de uma visita inspetiva, que devem constar do elenco dos factos provados, e do Relatório elaborado, cujo teor ou a remissão para o mesmo também deverá ser considerada. Contudo o tribunal nada fez relativamente a esta matéria, omitindo, por completo, a sua apreciação, o que nos merece censura. 16. É que omitindo a apreciação de tal matéria, existiu, inequivocamente, um “descartar precipitado de outras soluções plausíveis dessa mesma questão”, que poderiam determinar outras potenciais soluções de direito que nesta sede não foram encaradas pelo julgador e poderiam ser em sede de Recurso, mas que a Recorrente configurou como plausíveis e possíveis de enquadrar os factos em decisão de direito distinta da que foi proferida. Termos em que a decisão proferida padece também de nulidade por omissão de pronúncia, o que expressamente se invoca para todos os legais efeitos e consequências (art. 615º nº1 al. d) do CPC) com as consequências previstas no art. 662º do mesmo Código. 17. Impugnação do facto provado 3 “3. As funções da ré até janeiro de 2019 eram as seguintes: definir critérios de qualidade junto da produção e da equipa de qualidade; gestão e arquivo de documentos vários, nomeadamente relativos à produção, registo e manutenção de máquinas, recolha de dados da produção relativamente a quantias produzidas/taxas de rejeição e inserção diária desses dados com os Directores; acompanhamento do processo de fabrico, verificação das conformidades e desconformidades nas máquinas e no produto acabado..” 18. As funções da Ré foram definidas pelos seus anteriores superiores hierárquicos (anteriores a janeiro 2019, data da entrada da Srª CC), DD e EE e por colegas de trabalho FF, sendo que, para além das funções definidas no Quesito dado como provado, indicaram ainda as seguintes funções exercidas pela trabalhadora antes de janeiro de 2019: (cfr. Depoimento de DD (director de qualidade da trabalhadora AA de Dezembro de 2015 a Novembro de 2018) – Sessão de Julgamento de 15.12.2021; início 00h08m10.7s a 00h09m34.2s, Depoimento de EE (direcora de qualidade da trabalhadora AA de 01.12.2013 a Dezembro de 2015) – Sessão de Julgamento de 15.12.2021; início 00h04m12.0s a 00h07m13.0s e Depoimento de GG de Julgamento de 15.12.2021; início 00h01m29.1s a 00h04m27.5s) - Elaboração de fichas técnicas de injecção; - Alertas de qualidade; - Coordenação da equipa da qualidade dos turnos; - Recolha de dados de redução em termos de paragem de máquinas, tempos de produção e ciclo de rejeição de peças; - Registo de manutenção de marca; - Fichas técnicas de produto. 19. Não é possível, por isso, perceber por que forma se entendeu este facto por provado, faltando indicar inúmeras funções prestadas pela trabalhadora antes de janeiro de 2019 e corroboradas por prova testemunhal, sendo, por isso, óbvio que tendo a trabalhadora AA terminado o seu contrato de trabalho apenas com a responsabilidade de qualidade de fornecedores (função ocasional dentro da empresa), sem qualquer comunicação à trabalhadora, quando exercia tantas outras, originou um esvaziamento total das suas funções com o objectivo manifesto e que foi alcançado de humilhar, vexar e desrespeitar esta. Devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como não provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 20. Tribunal considerou não provado o seguinte facto (item 4) - Que contactasse com clientes e fornecedores; O Tribunal considerou não provado que a trabalhadora AA contactasse com clientes e fornecedores. No entanto, em sentido contrário, a prova produzida em Julgamento permitiu perceber, com cabal solidez e sem lugar para dúvidas, que esta se deslocava às empresas dos clientes da M..., Lda. para validar produções e analisar problemas relacionados com as peças. (cfr. Depoimento de FF – Sessão de Julgamento de 15.12.2021; início 00h03m09s a 00h03m16.3s e. Depoimento de DD – Sessão de Julgamento de 15.12.2021; início 00h06m09.7s a 00h06m40.9s) Devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 21. O Tribunal considerou não provado o seguinte facto: “6. Que a partir de Janeiro de 2019 houvesse um esvaziamento das suas funções..” Neste contexto, TODOS os depoimentos ofereceram corroboração ao esvaziamento gradual das funções da trabalhadora, a partir de Janeiro de 2019, ficando apenas com a qualidade de fornecedores, não existindo motivo para duvidar da veracidade dos depoimentos. Quando falamos em TODOS os depoimentos, incluímos trabalhadoras que se encontram actualmente a laborar na empresa, algumas com mais de vinte anos de antiguidade (como é o caso da trabalhadora EE) correndo o risco de represálias por parte da s/ entidade patronal e, ainda assim, exercendo o direito de depor para esclareceram a verdade junto do Tribunal, a fim de AA ter um julgamento justo, dado terem assistido a situações humilhantes e desrespeitosas durante dois longos anos, pela superior hierárquica desta, levando-a a procurar ajuda psiquiátrica e posterior resolução do seu contrato de trabalho por justa causa.(Depoimento de EE – Sessão de Julgamento de 15.12.2021; início 00h15m44.2s a 00h19m23.4s, Depoimento de BB (Inspectora da ACT) – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h02m33.8s a 00h17m22.6s e Depoimento de HH – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h20m38.1s a 00h21m48.6s) Devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 22. Tribunal considerou não provado o seguinte facto (item 8) - Que a partir de janeiro de 2019 a ré tenha passado a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes; TODAS as testemunhas foram unânimes em afirmar que a partir da entrada da Srª CC (janeiro de 2019) a trabalhadora tenha passado a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes, transcrevendo-se o depoimento de duas: BB e FF, (cfr. Depoimento de BB (Inspectora da ACT) – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h02m18.7s a 00h08m18.6s, e Depoimento de GG de Julgamento de 15.12.2021; início 00h08m02.7s a 00h10m43.2s) 23. O fundamento para fixar este item da matéria de facto apenas pode merecer absoluta perplexidade, uma vez que o Tribunal não sedimentou a sua convicção em prova produzida em Julgamento, desde logo porque a Srª CC assume que a trabalhadora, pela forma como era tratada por ela, esta se sentia humilhada e ansiosa e que, por isso, fez “vários cursos de comunicação para melhorar essa parte da minha personalidade”. (Depoimento de CC (Chefe da Requerente desde o dia .../.../2019 até ao s/ despedimento) – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h34m47s a 00h36m09.4s). Devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 24. O Tribunal considerou não provado o seguinte facto (item 9) - Que tenha passado a exercer funções de semi-especializada, numa secção completamente diferente à que estava afecta e sem condições de trabalho; Foi desta forma que a inspectora da ACT encontrou a trabalhadora (a exercer uma categoria de semi-especializada), aquando da visita inspectiva, o que foi corroborado pela testemunha FF. (cfr. Depoimento de BB (Inspectora da ACT) – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h00m52.9s a 00h02m35.9s e sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h15m19.0s a 00h16m20.3s e Depoimento de GG de Julgamento de 15.12.2021; início 00h06m17.9s a 00h08m01.2s) Devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 25. O Tribunal considerou não provado o seguinte facto (item 17) que a CC tivesse questionado os colaboradores do departamento sobre quem pretendia frequentar a formação Lean, à excepção da ré; sendo que pelo depoimento da testemunha HH se depreende exactamente o oposto (cfr. Depoimento de HH – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h26m08.4s a 00h28m27.2s) Devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 26. O Tribunal considerou não provado o seguinte facto (item 23). Que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego." É por demais notório que a A. pretendesse que a R. desistisse do seu emprego, o que foi corroborado pelas testemunhas BB e EE. (cfr. Depoimento de BB (Inspectora da ACT) – Sessão de Julgamento de 16.11.2021; início 00h00m52.9s a 00h02m35.9s e Depoimento de EE – Sessão de Julgamento de 15.12.2021; início 00h25m07.1s a 00h25m15.1s) 27. Parece-nos inequívoco que as referidas testemunhas, que depuseram de forma credível e isenta no que respeita ao comportamento que a Srª CC, superior hierárquica da trabalhadora, a tratava recorrentemente, encontravam-se capacitadas, com base em conhecimento directo que ilustra poderosa razão de ciência, para explicar ao Tribunal toda a situação. As testemunhas referiram palavras como “humilhar”, “maltratar”, “agressiva”, “destrutiva” e “esvaziamento de funções” para descrever a forma como esta trabalhadora se sentia no seu local de trabalho com o comportamento intimidativo e hostil da sua superior, levando a que esta se despedisse. 28. O depoimento da inspectora da ACT, que procedeu à visita inspectiva e elaborou o respectivo relatório foi arrepiante em sede de Julgamento, tendo descrito as condições em que a trabalhadora se encontrava, aquando da visita inspectiva, permitindo concluir, pela sua posição, a sinceridade com que os relatou, revelando que esta se encontrava “a trabalhar no armazém (…), “a fazer operações inerentes à categoria profissional de semiespecializada junto a um portão e sozinha (..), tendo, ainda referido no seu depoimento que “vim a apurar durante a visita inspectiva que durou o dia todo, foi talvez das visitas mais longas que eu já tive, foi de manhã e à tarde ouvimos toda a gente na empresa e eu verifiquei um processo de assédio àquela, portanto para a trabalhadora em questão, tanto que levantei o auto de notícia e um processo de assédio bastante duro e bastante complicado (…)” e refere, ainda, que “(…) as suas colegas relataram perante mim que a degradação e a humilhação, o mau ambiente era tão grande que elas próprias se sentiam incomodadas com a forma agressiva e destrutiva com que aquela trabalhadora estava a ser maltratada não é, que elas próprias se sentiam mal e eram pessoas com muita antiguidade naquela empresa (…)” 29. Referiu, ainda, no seu depoimento que “houve várias outras trabalhadoras que foram fazendo as funções que ela executava e portanto a pouco e pouco essa substituição de funções, a forma degradante como era tratada e depois a forma como a trabalhadora estava psicologicamente afectada, enquadram, enquadraram todas as circunstâncias num processo de assédio (…). 30. Entendemos, não terem sido correctamente valorados os depoimentos em causa, principalmente o depoimento da inspectora da ACT, BB, ou deles extraídos, em toda a sua amplitude, elementos de extrema relevância para a resposta à matéria de facto, essenciais para a decisão e que importariam uma sentença diversa da que foi proferida. Parece-nos inequívoco que as referidas testemunhas, depuseram de forma credível e isenta devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como provado o facto em causa, o que se afigura da mais elementar justiça. 31. Temos que o Tribunal recorrido violou as regras básicas de apreciação da prova (art. 607º nº5 do CPC) e errou no julgamento da matéria de facto, considerando a contradição entre as provas e a fragilidade das que foram indicadas, pelo deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, no que respeita à impugnação da matéria de facto, e em consequência: Ser alterada a matéria de facto dada como provada, quanto aos factos 3, que se impõe passem a constar da matéria de facto NÃO PROVADA; 32. Os factos dado como não provados na sentença impugnada, a saber Factos não provados 4. Que contactasse com clientes e fornecedores; Factos não provados 6. - Que a partir de Janeiro de 2019 houvesse um esvaziamento das suas funções; Factos não provados 8 - Que a partir de janeiro de 2019 a ré tenha passado a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes; Factos não provados 9. - Que tenha passado a exercer funções de semi-especializada, numa secção completamente diferente à que estava afecta e sem condições de trabalho; Factos Não provados Item 17.: Que a CC tivesse questionado os colaboradores do departamento sobre quem pretendia frequentar a formação Lean, à excepção da ré; Factos não provados 23.- Que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego, devem passar a constar do elenco dos factos PROVADOS; 33. Julgando-se procedente o recurso na parte respeitante à alteração da matéria de facto, proceder-se à alteração da mesma, excluindo-se dos factos provados o facto que acima se deixou referido e passando para o elenco provado os que foram tidos como não provados, considerando a matéria atrás alegada, com as consequentes alterações no que respeita à matéria de direito. 34. Prescreve o art. 395º do CT no seu nº 1 que: “1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”. Entendemos, em face do teor da lei, que um qualquer trabalhador poderá, no caso da violação pro parte da entidade empregadora dos seus direitos, de forma grave que coloca em causa a relação de trabalho, por termo ao contrato, cumpridos que seja o procedimento legal, no que respeita à forma e ao prazo. Primeiro, o trabalhador deve remete comunicação escrita à empregadora justificando, factualmente, os motivos que determinaram a justa causa, nos termos elencados no art. 394º do CT; por outro lado, este procedimento deve ser cumprido no prazo de 30 dias dos factos que fundamentam a resolução, sendo que após esse prazo, e não se tendo operado a resolução será de concluir que é a actuação da entidade empregadora não foi de tal forma grave a impossibilitar a manutenção do vínculo. 35. Tendo por certo que o não cumprimento do prazo que aqui vamos tratando terá implicações na resolução do contrato, importa que se tenha em consideração quanto se inicia a contagem do prazo em causa. Isto porque, e como vem sendo aceite com referência ao início da contagem do prazo “A interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa, como tem sido salientado pelos tribunais. Significa isto que o prazo “se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação”. 36. A apreciação da questão relativa à matéria da caducidade do direito da Recorrente feita pelo Tribunal recorrido, salvo o devido respeito (que é muito) peca por não seguir esta linha de entendimento, avaliando a mesma de forma simplista e apenas com base nas datas das cartas remetidas, sem avaliar, contudo, em que data se poderá considerar que a trabalhadora e ora Recorrente teve conhecimento que a actuação da empregadora, considerando a sua gravidade, impossibilitava a subsistência do contrato de trabalho, não lhe sendo exigível a manutenção daquela relação. 37. É facto que a resolução efectuada pela Recorrente se operou por força da comunicação datada de 25.01.2021, com remissão para os factos invocados na carta de 21.12.2020 (recebida pela autora em 23.12.2020), mas a verificação da impossibilidade da manutenção da relação de trabalho apenas se inicia com a resposta dada à Recorrente pela Recorrida, constante da carta datada de 06 de janeiro de 2021, conforme fls 16 a 17vº dos autos (Facto provado nº34 ). 38. Apenas nesta comunicação a Recorrida manifestou, após ter sido interpelada pela trabalhadora e de forma inequívoca, que não tinha intenção de repor a situação laboral desta nem de por fim aos comportamentos discriminatórios, humilhantes e vexatórios de que aquela vinha a ser alvo, de forma continuado no tempo. Apenas na referida comunicação, e após ter sido interpelada de forma expressa pela trabalhadora - que pretendia manter o vínculo caso a situação denunciada fosse alterada e resposta a sua situação laboral -, teve esta conhecimento que os factos por aquela alegados na sua comunicação não seriam atendidos pela empregadora, de forma a alterar as condições em que prestava o trabalhado, pelo que a não alteração da situação de facto, a inercia da empregadora e a vontade de avaliar a real situação em que a trabalhadora se encontrava, passou a tornar impossível a manutenção da relação de trabalho. 39. O Tribunal Recorrido limitou-se a avaliar quando foram remetidas as comunicações pela trabalhadora, não tendo primado por verificar a data em que os conhecimentos dos factos, pela sua gravidade, tornaram impossível a manutenção da relação laboral. Essa impossibilidade e gravidade verificou-se com a comunicação da entidade empregadora datada de 6 de janeiro de 2021, pela que a resolução operada em 25.01.2021, foi efectuada no prazo de 30 dias definido pelo art. 395º nº1 do CT , não existindo qualquer caducidade do direto da Recorrente, como erroneamente entendeu o Tribunal a quo, Devendo, em consequência do exposto, porque é de direito e de justiça, ser a sentença recorrida, na parte que aprecia a caducidade do direito da Recorrente, ser revogada e substituída por outra, que julgue improcedente o pedido de ilicitude da resolução do contrato com base na caducidade do direito da trabalhadora, considerando o cumprimento por esta, sem mácula, do prazo previsto no art. 305º do CT para que a resolução com justa causa se operasse. 40. A carta de resolução do contrato de trabalho com justa causa terá, por imperativo legal de ser fundamentada, ou seja, a lei obriga que a comunicação contenha a descrição dos factos que fundamentaram a resolução (art. 395º nº1 do CT). Esta obrigação de comunicação visa, na sua essência, que a entidade empregadora saiba, em concreto que comportamentos lhe são apontados pela trabalhadora que resolve o seu contrato, de forma a avaliar a justeza da suadecisão. A Recorrente comunicou, de forma clara e inequívoca, uma conjunto de actuações graves que colocavam em crise a relação de trabalho, solicitando que a entidade empregadora tomasse uma posição sobre os factos elencados sob pena de se considerar a impossibilidade de manutenção da relação laboral. A carta em causa foi recebida pela Recorrida em 23 de Dezembro de 2020 e prontamente desvalorizando por completo os fundamentos alegados pela trabalhadora. 41. Na missiva datada de 25.01.2020 remetida pela Recorrente, em resposta à comunicação da Recorrida, sobre a matéria indicada na carta atrás transcrita, a trabalhadora assume um incumprimento definitivo por parte da entidade empregadora, considerando os factos anteriormente alegados, mantendo-se – é inequívoco!!! – os factos alegados como justificativos da justa causa invocada, o que foi, de resto, perfeitamente entendido pela A. 42. A comunicação de resolução, nos termos da lei, obriga a descrição dessa factos que fundamentaram a resolução, de forma a que a entidade empregadora saiba, em concreto, que comportamentos lhe são apontados pela trabalhadora que resolve o seu contrato. É por demais evidente que, no caso em apreço a Recorrida sabia, pelas comunicações trocadas, e porque a carta remetida em Janeiro de 2021 representa o culminar de um processo de tentativa de resolução de uma situação, quais os fundamentos de resolução pela trabalhadora, considerando a carta remetida em Dezembro de 2019, para onde a segunda remete. 43. As cartas remetidas pelo Recorrente à Recorrida configuram, nos termos da lei, comunicações escritas de resolução do contrato de trabalho com fundamento na violação dos deveres do empregador, que se consubstanciam nos seguintes comportamentos: (I) violação culposa das garantias legais do trabalhador, (ii) falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho, (iii) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador e ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do A, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador, nos termos do artigos 394º nº1 e 2 al. b), d), e) e f) do Código do Trabalho. 44. A Recorrida manifestou, por carta datada de 06 de Janeiro de 2020, não ter intenção de repor a situação laboral da trabalhadora e findar os comportamentos discriminatórios, humilhantes e vexatórios de que a Recorrente vinha a ser alvo, de forma continuado no tempo, e que constam da comunicação de 23 de Dezembro de 2020, de forma fundamentada e concreta. A decisão final de resolução – com base nesses factos e para os quais remete – foi comunicada pela trabalhadora, sendo indissociáveis as duas comunicações em causa. 45. A trabalhadora, em estrito cumprimento do disposto no art. 395º do Código do Trabalho, veio a cessar a sua reação laboral, atendendo que os comportamentos da empregadora, pela sua gravidade e consequências, são objetivamente impeditivos da subsistência da relação de trabalho, não merecendo qualquer censura o procedimento por esta adotada, tendo fundamentado adequadamente a resolução contratual. 46. Também andou mal o Tribunal recorrido na apreciação do cumprimento do requisito legal de fundamentação da resolução contratual operada com justa causa, devendo ser julgado procedente o presente recurso, também no que a esta matéria respeita e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida na parte que conclui não ter sido cumprido o formalismo legal previsto no art 395º, nº 1 do C.T., devendo ser considerada licita a resolução do contrato de trabalho invocando justa causa pela Trabalhadora. 47. A Recorrente alegou, para fundamentar a resolução do seu contrato de trabalho, a (I) violação culposa das garantias legais do trabalhador, (ii) falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho, (iii) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador e ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade da trabalhadora, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador, nos termos do artigos 394ºnº1 e 2 al. b), d), e) e f) do CT. 48. O comportamento do empregador e da sua superior hierárquica que: (1) Em janeiro de 2019, após reorganização do Departamento da Qualidade, a ré passou a executar essencialmente as funções de controlo da qualidade de fornecedores; (2) A mudança de Controlo da Qualidade de Produção para Controlo da qualidade de Fornecedores, resultou de uma reorganização interna promovida pela Engª CC, (3) A Engª CC fala de forma agressiva, em voz alta e exaltada, (4) A Engª CC comentou o facto de a ré não se disponibilizar para fazer horas extra, (5) A Engª CC corrige e rasura os documentos que lhe são apresentados pelos trabalhadores do Departamento de Qualidade, por vezes com tinta vermelha. (6) Por vezes a Engª CC deixava recados escritos na secretária da ré, (7) Em dia não determinado a equipa a Qualidade tirou uma fotografia para colocar numa rede social, onde a ré não foi incluída, (8) De 27 de abril a 03 de agosto de 2020 a ré esteve em lay off., (9) O seu trabalho foi assegurado por outras trabalhadoras, II e JJ, esta assegurando a Qualidade de Fornecedores; (10) Após regresso ao trabalho, a ré continuou com as funções de Qualidade de Fornecedores tendo-lhe sido retiradas funções de controlo de qualidade de produção, (11) No exercício das funções de Qualidade de Fornecedores a ré poderia ter de ir ao armazém fazer a receção de material e também contar peças; (12) (Factos não provados cuja alteração foi pedida) “6. Que a partir de Janeiro de 2019 houvesse um esvaziamento das suas funções..”; (12) ( Factos não provados cuja alteração foi pedida ) 8 - Que a partir de janeiro de 2019 a ré tenha passado a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes; (13) (Factos não provados cuja alteração foi pedida ) 9. Que tenha passado a exercer funções de semi-especializada, numa secção completamente diferente à que estava afecta e sem condições de trabalho; (14) (Factos não provados cuja alteração foi pedida ) 17.: Que a CC tivesse questionado os colaboradores do departamento sobre quem pretendia frequentar a formação Lean, à excepção da Ré, (15) ( Factos não provados cuja alteração foi pedida )23. Que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego…”, constitui assédio moral, nos termos previstos no artigo 26.º do Código do Trabalho. 49. Os factos acima referidos, pela sua gravidade e consequências, são objetivamente impeditivos da subsistência da relação de trabalho, considerando ainda que os mesmos foram perpetuados pela Recorrida (e mais exatamente pela superior hierárquica da Recorrente com conhecimento da empregadora) de forma culposa, e que a trabalhadora, por força dos actos humilhantes de que foi alvo, sofreu psicologicamente, tendo sido acometido de depressão, receando pelo seu futuro e da sua filha. A conduta da Recorrida, assim, porque dolosa, pela sua gravidade e elevado grau de censurabilidade, determinou a cessação do contrato, pela via da resolução, o que foi feito em estrito cumprimento da lei. 50. Considerando a matéria de facto dada como provada e a alteração dos factos dados como provados e não provados nos termos pretendidos no presente recurso, sempre será de entender que assistia à Recorrente o direito a resolver o contrato com justa causa, devendo a mesma ser reconhecida com fundamento na violação pela empregadora dos artigos 29º, 126º, 127º nº1 al-a), b), c) d) e i), 129º, nº1 al. b) e e), 394º nº1 e 2 als. b), d), e) f) e 395º nº1 do CT. 51. Em consequência da sua actuação, a Recorrida deve ser condenada a pagar à Recorrente a quantia de 8.800,95€ a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador, nos termos do art. 396º do Código do Trabalho e ainda, condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela Recorrente, a quantia de 6.000,00€, 52. Devendo, por isso, ser considerada que a sentença recorrida violou os artigos 29º, 126º, 127º nº1 al- a), b), c) d) e i), 129º, nº1 al. b) e e), 394º nº1 e 2 als. b), d), e) f) e 395º nº1 do CT, 607ºdo CPC, impondo-se por isso a revogação e substituição por outra que, julgando improcedente pro não provada a presente acção, julgue totalmente procedente por provada a Reconvenção, com as demais consequências decorrentes dessa condenação. Nestes termos e nos melhores de direito que VV. Exªs doutamente suprirão deve a sentença recorrida, com base no que acima se deixou exposto, ser revogada e substituída por outra que, julgando o presente recurso procedente e; Julgue a ação totalmente improcedente por não provada dela se absolvendo a Recorrida; Julgue a reconvenção totalmente procedente por provada condenando a Recorrida ao pagamento das indemnizações peticionadas nos presentes autos.» Recebido o recurso, pronunciou-se Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido da sua procedência. * II- Factos considerados como provados e não provados na 1.ª instância:Da decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada: 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à transformação e comercialização de matérias plásticas, estudo, conceção e desenvolvimento de produtos e processos de injeção e comercialização de moldes para a indústria transformadora de plásticos. 2. A ré foi admitida ao serviço da autora em 01 de Dezembro de 2013, tendo sido contratada para o exercício das funções de controlo de qualidade, conforme contrato de trabalho firmado entre as partes onde se especificou que lhe competiam as “funções de preparação e execução de controlo de qualidade de peças plásticas, utilizando conhecimentos técnicos adequados, respeitando as normas de higiene, segurança e ambiente, bem como outras que aquela o possa legalmente incumbir”. 3. As funções da ré até Janeiro de 2019 eram as seguintes: definir critérios de qualidade junto da produção e da equipa de qualidade; gestão e arquivo de documentos vários, nomeadamente relativos à produção; registo e manutenção de máquinas; recolha de dados da produção relativamente a quantidades produzidas/taxas de rejeição e inserção diária em ficheiro Excel e análise diária desses dados com os Diretores; acompanhamento do processo de fabrico, verificação das conformidades e desconformidades nas máquinas e no produto acabado. 4. O que fazia com a supervisão e validação dos seus superiores hierárquicos. 5. Não estando a ré presente, tais funções podiam ser desempenhadas pelos técnicos de qualidade (seus inferiores hierárquicos). 6. O período de trabalho convencionado foi de 40 horas semanais, distribuído por 8 horas diárias, com início às 8horas e termo às 17horas com interrupção de uma hora para almoço entre as 12h30 e as 13h30. 7. A ré desempenhava a sua atividade profissional na sede social da autora. 8. Como contrapartida da sua prestação de trabalho, foi convencionado entre as partes que a ré auferiria o vencimento de € 700,00, sendo que a partir de Janeiro de 2019 passou a auferir o vencimento base de € 800,00. 9. A ré desempenhou as suas funções com zelo e diligência, cumprindo as ordens e instruções que lhe eram dirigidas pela autora 10. Em Janeiro de 2019, após reorganização do Departamento da Qualidade, a ré passou a executar essencialmente as funções de controlo da qualidade de fornecedores. 11. A mudança de Controlo da Qualidade de Produção para Controlo da qualidade de Fornecedores, resultou de uma reorganização interna promovida pela Engª CC. 12. As funções de “Controlo de Qualidade de Fornecedores” inserem-se nas funções de “Controladora de Qualidade.” 13. As funções que a ré exercia de elaboração de documentação de produtos ou de arquivos ou registo de moldes, passaram a ser executadas diretamente por um programa informático, pelo que deixou de existir a necessidade de realizar tais registos, documentação ou arquivo em papel. 14. A Engª CC fala de forma agressiva, em voz alta e exaltada. 15. A Engª CC comentou o facto de a ré não se disponibilizar para fazer horas extra. 16. A ré tem uma filha menor com guarda partilhada com o seu ex-companheiro. 17. A Engª CC corrige e rasura os documentos que lhe são apresentados pelos trabalhadores do Departamento de Qualidade, por vezes com tinta vermelha. 18. Por vezes a Engª CC deixava recados escritos na secretária da ré. 19. A ré não frequentou a formação Lean. 20. Num dia não determinado a Engª CC levou pastéis de nata para os colaboradores da Qualidade. 21. Em dia não determinado a equipa da Qualidade tirou uma fotografia para colocar numa rede social, onde a ré não foi incluída. 22. A partir de certa altura, no ano de 2019, a trabalhadora II, controladora de Qualidade, passou a exercer as funções de Qualidade de Produção 23. Para explicação da situação de lay off foi realizada uma reunião com todos os trabalhadores abrangidos pela medida, onde a ré não esteve presente 24. De 27 de Abril a 03 de Agosto de 2020 a ré esteve em lay off. 25. O seu trabalho foi assegurado por outras trabalhadoras, II e JJ, esta assegurando a Qualidade de Fornecedores 26. Após regresso ao trabalho, a ré continuou com as funções de Qualidade de Fornecedores tendo-lhe sido retiradas funções de controlo de qualidade de produção. 27. No exercício das funções de Qualidade de Fornecedores a ré poderia ter de ir ao armazém fazer a receção de material e também contar peças 28. Em 16 de Setembro de 2020, a ré enviou ao gerente da autora – KK - o email que consta de fls 76 a vº. 29. Em 06.10.2020, a ré manifestou o seu descontentamento na “Avaliação da Satisfação dos Colaboradores, conforme fs 77vº a 78. 30. A autora instaurou processo de inquérito a fim de averiguar o que realmente teria sucedido e eventuais repercussões disciplinares, facto de que a ré teve conhecimento. 31. A autora, em altura não concretamente apurada, emprestou dinheiro à ré. 32. Com data de 21 de Dezembro de 2020 a mandatária da ré remeteu à autora a comunicação de fls 12 a 15 dos autos com o seguinte teor: “Exmos Senhores, Fomos contactados pela N/cliente em epígrafe que nos fez presente a situação laboral que mantém com V.V.Exas desde 01 de Dezembro de 2013. Após análise de toda a documentação que a N/cliente nos entregou, assim, como, os factos que a mesma nos transmitiu sobre a actuação de V.V.Exas. para com ela, entendemos que a V/empresa reiteradamente, de forma sistemática e permanente tem incumprido com diversos deveres laborais, como empregador. Ao longo da presente missiva, faremos alusão aos dispositivos legais previstos no Códigos de Trabalho que são aplicáveis à relação laboral vigente entre V.V.Exas e a N/ constituinte: “CT2009” (aprovado pela Lei n 7/2009,de 12.02, com última redacção da Lei n 93/2019, de 04/09). Subsequentemente, passamos a enumerar algumas das violações praticadas por V.V.Exas: 1. Crédito de horas para formação profissional: Ao longo dos anos de vigência do contrato, a N/cliente não recebeu de V.V.Exas. as horas de formação legalmente previstas: 40horas de formação anuais nos termos previstos no artºs 132º do Código do Trabalho. As horas de formação não ministradas pela v/empresa totalizam, actualmente, 253 horas. Considerando que não foram ministradas à trabalhadora, esta tem direito de as receber, num total de 1.168,86 €. 2. Lay-off indevido: De 27 de abril a 03 de agosto do corrente ano, a n/constituinte não prestou trabalho na v/empresa, pois VV. Exas procederam à suspensão do contrato de trabalho por v/iniciativa no período supra referido através de lay-off, tendo uma trabalhadora, II, executado as suas funções de qualidade de produção e a trabalhadora Srª JJ aprendido e executado as suas funções de qualidade de fornecedor durante a ausência da n/ cliente. Isto significou que o trabalho poderia ter sido prestado por uma única trabalhadora, tendo VV. Exas optado por colocar duas trabalhadoras a executar as funções da n/cliente, quando não o podem fazer, colocando esta numa situação de fragilidade económica, dada a redução substancial do seu vencimento numa situação de Lay-Off. 3. Assédio moral perpetrado por V.V.Exas.: Como sabem, a N/ constituinte desde 09.12.2020, encontra-se de atestado e subsequente/baixa médica por motivo psiquiátrico. Tal facto é totalmente imputável a V.V.Exas. considerando os comportamentos que têm tido nos últimos tempos com a Sra AA, consubstanciados, nomeadamente, nos seguintes factos: a) Retiraram-lhe, unilateralmente, as funções de coordenadora da equipa da qualidade dos turnos e responsabilidade da qualidade de produção, impedindo-a de visitar os clientes que lhe estavam adstritos quando se encontra substituir o chefe Sr. DD, exigindo-lhe que passasse a executar as suas funções na sede da empresa sem qualquer contacto com clientes. Salientamos ainda que as suas funções (coordenação da equipa de qualidade da produção dos turnos) foram totalmente alocadas à trabalhadora II, sentindo-se a N/ cliente totalmente discriminada e envergonhada, mormente com os restantes colegas. b) Retiraram, igualmente e unilateralmente a elaboração de planos de manutenção dos moldes. A gestão do arquivo da documentação que estava agregada a todas as produções, a gestão das amostras de produção, aprovação de material para expedição, definição e critérios de qualidade na produção, ou seja, esvaziaram completamente todas as funções da n/cliente, colocando-a, desde 15 de outubro do corrente ano, a escolher peças no armazém. Esta “solução” da V. empresa causou à N/cliente uma situação de grande fragilidade, constrangimento e humilhação perante os outros trabalhadores da v/empresa. c) A decisões unilaterais de VV. Exas nunca foram comunicadas à n/constituinte, tendo sido “substituída” no seu descritivo/funcional por outra trabalhadora, II, o que na prática já paulatinamente vinha sucedendo nos últimos tempos, sem que lho tivessem dito antes. Este facto fez com que a N/ cliente se sentisse (e ainda sente) desvalorizada profissionalmente, humilhada e desrespeitada como profissional e pessoa não só perante os colegas como também perante os V/ muitos clientes (de há anos) que lidava com eles no exercício das suas funções. d) Reiteradamente, tempos antes de a D. AA estar impedida para trabalhar por Lay-Off, a chefe desta, Srª CC criticava a prestação de trabalho da mesma, sem razão/motivo, nem fundamento e de forma exagerada, fazendo-o sistematicamente diante de outros colegas justamente com o propósito de a vexar e humilhar diante dos demais colegas. e) Aliás VV. Exas deram indicação para que fossem escolhidas para permanecer na v/ empresa, as pessoas com uma situação financeira/familiar mais frágil, relativamente à escolha para suspensão de contratos em período de lay-off, sendo a situação da n/ cliente das mais frágeis da V/ empresa, uma vez que vive sozinha com uma filha de 5 anos, como VV. Exas bem saem, tendo a chefe da n/ cliente “escolhido” esta para permanecer em casa, em lay-off, durante três meses, claramente para a prejudicar financeiramente. f) Após a retirada de todas as funções adstritas à n/cliente na v/empresa, a Srª CC, contestava de forma sistemática todas as acções tomadas pela N/ cliente no exercício do esvaziamento funcional da mesma, rasurava todos os documentos que a n/ cliente fazia a cor vermelha, chamou duas colegas de trabalho à produção (Srª FF e EE) para criticar o seu trabalho, dizendo que a Srª AA tinha uma atitude de operadora, por não fazer sistematicamente horas extra e falando sobre a vida pessoal, incluindo a filha da n/ cliente, com o claro propósito de a prejudicar profissionalmente, humilhar diante dos colegas, bem como, criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador. g) A título de exemplo, em fevereiro de 2020, a Srª CC, saiu das instalações da v/ empresa, a fim de comprar bolos (pastéis de nata) para todos os colaboradores da logística e qualidade – onde se inclui a n/ cliente - voltou à v/ empresa e ofereceu um desses bolos a todos, menos à n/ constituinte, com o propósito de a vexar e humilhar dante dos demais colegas. h) Mais, a Srª CC deixa recados escritos à n/cliente e não permite o envio de e-mails sem o s/ conhecimento. i) No dia 06 de agosto, pouco depois de a n/ cliente voltar a prestar trabalho, após o lay-off, a Srª CC informou a n/ cliente que “muita coisa mudou na tua ausência, não fiz uma lista do que mudou para te apresentar e se tiveres dúvidas, pergunta”, em evidente gozo pela retirada completa de funções à n/ cliente. j) No dia 07 de agosto a n/ cliente apercebe-se, através de um documento de impresso de material rejeitado, deixado na sua secretária pela s/chefe srª CC, que a sua Colega Srª II estava a tratar de assunto da sua alçada, quando deveria ser a n/ cliente. k) Confrontada a chefe, Sra CC, esta exaltando-se com a n/ cliente responde que já tinha pedido à Srª II, antes daquela voltar de Lay-off, quando, não era verdade, uma vez que a data constante do documento é 07 de agosto, estando já a n/cliente a trabalhar. l) No dia supra referido a n/cliente questionou os recursos humanos, sobre o facto de haver outra colega a elaborar o s/ trabalho, não tendo existido um esclarecimento até hoje. m) No dia 20 de novembro, a n/ cliente tinha um assunto a tratar com um fornecedor (S...), que lhe enviou amostras, tendo a s/ chefe Srª CC, retirado a caixa das amostras da mão da n/cliente e dizendo-lhe “eu é que dou seguimento a este assunto”. Esta situação foi presenciada pela trabalhadora Srª LL. n) No dia 02 de dezembro o fornecedor (S...) envia um e-mail à n/cliente (cc da Srª CC e do Sr. MM) a perguntar se esta teria resposta quanto às amostras supra referidas, tendo a Srª CC remetido um e-mail à n/constituinte com a indicação “favor responder ao fornecedor”, quando foi esta que ficou de resolver a questão por sua iniciativa, numa clara tentativa de prejudicar profissionalmente a n/ cliente. Os comportamentos praticados pela V/ empresa atrás descritos colocaram a N/ cliente numa situação humilhante, degradante e vexatória perante todos os seus colegas da empresa e terceiros com quem profissionalmente sempre se relacionou. Tal actuação é consubstanciada numa degradação intencional efectuada por M..., Lda, na pessoa da N/ cliente, como trabalhadora, levando-a a consequências a vários níveis (psíquicas, psicológicos, financeiros, físicos, entre outros). A V/empresa teve ainda como o objectivo, com aquela actuação supra descrita, “levar/obrigar” a N/ cliente a denunciar o seu contrato de trabalho, sem direito a qualquer indemnização, levando-a ao cansaço extremo com toda esta perseguição. Situação que, caso não tivesse o apoio médico, psiquiátrico e familiar devido a atempado, teria sido fatídico. A N/ cliente não tem qualquer intenção de denunciar o seu contrato, porquanto precisa do seu trabalho para a sua sobrevivência e do respectivo agregado familiar (vive sozinha com uma filha de 5 anos, como VV. Exas Bem sabem!). No entanto, os comportamentos da empresa têm afectado seriamente/gravemente e prejudicados os seus direitos como trabalhadora. O comportamento da V/ empresa configura assédio moral no local de trabalho, nos termos do artº 29º, nº 1 e nº2 do CT2009, perpetrado quer pela empresa, quer directamente pelos seus representantes legais e chefe, a título pessoal na pessoa da N/ constituinte. A prática pela empresa de assédio confere à vítima/ trabalhadora o direito de indemnização (à razão de 45d/ano) que, neste âmbito computamos em 8.800,95 €. 4. CONCLUSÃO: A V/ empresa, com as práticas atrás referidas, violou (legislação actual do CT2009): a) As garantias legais da N/ cliente, como trabalhadora (artº 129º, nº 1 alíneas b), d), e)): b) Os V/ deveres como empregador (artºs 126º e 127º, nº 1, alíenas a), b), c), d), i)). c) Desrespeitou os normativos legais relativos ao assédio (art 29º) e formação profissional (art 130º e seguintes) Os créditos laborais devidos à N/cliente, melhor detalhados nos pontos antecedentes desta carta perfazem um valor global de 9.969,81 €. Assim, agradecemos, por isso, que no prazo máximo de 5 dias após a recepção da presente carta, nos informem da V/ posição definitiva sobre este assunto a fim de podermos encerrar este dossier ou seguir outras instâncias, designadamente, com a participação imediata à Autoridade para as Condições do Trabalho para a instauração dos procedimentos contraordenacionais adequados pelos ilícitos atrás descritos, reposição da legalidade e pagamento dos créditos laborais e exigíveis à N/cliente. Estamos certos que pretendem a resolução extrajudicial deste assunto, aguardamos as V/ prezadas notícias. Os N/ cumprimentos, (seguem as assinaturas da mandatária e da autora)» 33. A carta foi recebida pela autora em 23 de Dezembro de 2020. 34. A autora respondeu àquela missiva por carta datada de 06 de Janeiro de 2021, conforme fls 16 a 17vº. 35. Com data de 25 de Janeiro de 2021, assinada pela ilustre mandatária da ré, foi enviada à gerência da autora carta a resolver o contrato de trabalho, com o seguinte teor: “ Exmos. Senhores, Recepcionámos a V/missiva datada de 06/01/2021, que mereceu a melhor atenção. Em virtude da posição de inflexibilidade assumida, a qual é subsumível a um incumprimento definitivo pela V/ parte, restar-nos-á aconselhar a n/ cliente a prosseguir as vias legais próprias, nomeadamente, o recurso à resolução com justa causa do contrato de trabalh que a vincula a V.V.Exas., noa termos previstos no Código do Trabalho. Face ao exposto, o prolongar da presente situação, de forma injustificada, no que tange à impossibilidade de execução da sua prestação laboral, tem vindo a causar problemas graves à signatária, nomeadamente a nível psicológico, tendo de recorrer a apoio médico para dirimir a questão. Atenta a gravidade dos factos relatados pela n/ constituinte e consequências na esfera desta é indiscutível que se torna impossível a subsistência da relação laboral, considerando-se, por isso, o comportamento de VV. Exas gerador do direito de resolver com justa causa o contrato de trabalho em vigor. Os factos enunciados pela n/ cliente integram a previsão legal de justa causa para resolução unilateral do contrato de trabalho, de forma continuada e violação culposa de garantias legais da trabalhadora, nos termos do art. 394º nº 2 al. b) e) e f) do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 07/2009 de 12 de Fevereiro. A resolução ora comunicada tem efeitos que operam imediatamente, fazendo cessar o contrato de trabalho aquando da sua recepção (artigo 224 do Código Civil), conferindo à trabalhadora o cumprimento dos direitos de tradução patrimonial que naturalmente decorrem do contrato de trabalho até à data da resolução que é a dará da recepção da presente comunicação pela sociedade. (segue assinatura da ilustre mandatária da ré) 36. A autora, por carta datada de 29 de Janeiro de 2021, constante a fls 20, em resposta à missiva da ré, impugnou o por esta referido, informando não concordar com o seu teor e fundamentação, por não terem sido cumpridos os pressupostos legais formais e também os substanciais. 37. E refere, ainda que dá o contrato como cessado a 26 de Janeiro como resolução por iniciativa da trabalhadora, sem justa causa. 38. Pede, ainda, nessa mesma missiva, e uma vez que a carta que lhe foi enviada, datada de 25 de Janeiro de 2021, não vem assinada pela ré, o envio de procuração retificativa da trabalhadora, a fim de concluir o procedimento. 39. Em resposta, com data de 23 de Fevereiro de 2021, a ilustre mandatária da ré enviou à autora procuração emitida pela ré a seu favor, com poderes forenses gerais. 40. A ré teve apoio psiquiátrico, prestado pelo Dr. NN, tendo pelo mesmo sido referido no relatório psiquiátrico de fls 80 a vº, datado de 09.11.2020, que a ré apresentava quadro depressivo-ansioso desde há mais de 10 meses “aparentemente de forma reativa a graves problemas no local de trabalho”. 41. A ré foi medicada pelo psiquiatra, conforme fls 81vº. 42. Em finais de 2020 a ré entrou de baixa médica. 43. A ré já pagou à autora a quantia de € 369,23 a título de formação profissional não ministrada. Da mesma decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como não provada: - que desde a data da outorga do contrato de trabalho e até Janeiro de 2019, a ré exercesse as funções de coordenação autonomamente, sem delegação ou supervisão e validação do seu superior hierárquico; - que a ré desse formação num contexto de acolhimento de novos operadores; - que procedesse à implementação de metodologias 5´S na produção; - que fizesse a gestão de peças de inícios e fins de produção; - que contactasse com clientes e fornecedores; - que elaborasse mensalmente o relatório da avaliação de desempenho de cada operador da produção; - que a partir de Janeiro de 2019 houvesse um esvaziamento das suas funções; - que a partir de Janeiro de 2019 a ré tenha passado a sofrer de humilhações e repreensões injustificadas constantes; - que tenha passado a exercer funções de semi-especializada, numa secção completamente diferente à que estava afeta e sem condições de trabalho; - que nunca lhe tenha sido dada formação sobre o controlo da qualidade de fornecedores; - que em Março de 2019 a CC tenha chamado a ré para uma conversa com o objetivo de a sensibilizar a fazer mais horas extra; - que a ré não tivesse ninguém a quem deixar a filha; - que a CC tenha dito que a ré não tinha iniciativa nem postura adequada, parecendo uma mera operadora; - que no exercício das funções de controlo de qualidade de fornecedores acompanhasse apenas um cliente; - que a CC rasurasse apenas os documentos elaborados pela ré e os afixasse nas máquinas sem antes lhe comunicar as alterações; - que lhe tenham sido retirados os acessos às reclamações efetuadas pelos cliente e aos defeitos do produto; - que a CC tivesse questionado os colaboradores do Departamento sobre quem pretendia frequentar a formação Lean, à exceção da ré; - que a ré tivesse pedido aos RH, ao diretor da fábrica e ao gerente para não ir de lay off, pelo facto de morar sozinha com a filha de 5 anos; - que a ré tivesse tido um decréscimo no salário na altura em que esteve em Lay Off; - que nessa altura a ré tivesse passado por muitas dificuldades e privações; - que a autora tenha referido que ficariam a trabalhar os trabalhadores com uma situação familiar mais desfavorecida; - que a ré fosse reiteradamente questionada por clientes e colegas de trabalho sobre os motivos por que se encontrava no armazém; - que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego; - qua a autora ministrasse formação profissional à ré. * III. Apreciação As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Assim, temos que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, são as de saber: - se ocorreu nulidade da sentença por omissão de pronúncia; - se ocorreu ou não a caducidade da resolução com justa causa do contrato de trabalho; - se importa proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto; - se pode concluir-se pela justa causa de resolução do contrato de trabalho, declarada pela autora, com as consequências daí resultantes; - se a autora tem direito a indemnização por danos não patrimoniais. 1. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia: A ré invoca, como se disse, uma nulidade por omissão de pronúncia no quadro do previsto no art. 615.º n.º 1 al. d) do CPCivil. Sustenta que os factos que alegou nos art. 85.º a 87.º da contestação deveriam constar do elenco dos factos provados, já que plenamente provados por documentos, e o tribunal a quo “nada fez relativamente a esta matéria, omitindo, por completo, a sua apreciação”. Como se sabe, todavia, não enferma de nulidade de omissão de pronúncia a sentença que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio (conforme estipula o n.º 2 do art. 608.º do CPCivil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”). Sem dúvida, na delimitação dos temas da prova, quer na subsequente decisão sobre a matéria de facto, deve respeitar-se a regra de que deve ser tida em consideração e emitir-se pronúncia sobre toda a matéria de facto que for processualmente atendível e que releve para a correcta decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito. Mas o respeito por tal regra não implica, como é óbvio, que possa subsistir um juízo de desnecessidade absoluta sobre a relevância de determinada matéria de facto meramente instrumental. Isso não equivale a omissão de pronúncia, mas a um juízo de prejudicialidade. Caso esse juízo não esteja correcto, por não ter ocorrido pronúncia sobre matéria de facto com relevo para a decisão da causa, quando muito estaremos perante uma situação em que a decisão da matéria de facto é deficiente (situação, por exemplo, a convocar a aplicação do art. 662.º n.º 2, al, c) do CPCivil), verificando-se erro de julgamento a corrigir por via da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e não por via da arguição de nulidade da sentença. Não ocorreu assim omissão de pronúncia geradora da nulidade típica arguida pela ré. Verificamos até que a Sr.ª Juíza da 1.ª instância se referiu à matéria em causa - essencialmente a transcrição de relatório do ACT junto aos autos - quando confrontou a inspectora que o elaborou e confirmou o seu teor escrito, constando isso mesmo da sentença quando nela é descrito que “BB, inspetora da ACT, confirmou o documento de fls 84 a 94vº, elaborado por si; referiu as diligências efetuadas na ação inspetiva, as testemunhas ouvidas, e como concluiu que a trabalhadora sofria de assédio moral por parte da sua superiora hierárquica”. 2. Quanto à questão da caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho: Sobre esta questão considerou-se na sentença recorrida o seguinte: «Quanto à Caducidade do Direito da Ré: Concluindo-se que a resolução operou por força da comunicação datada de 25.01.2021, com remissão para os factos invocados na carta de 21.12.2020 (recebida pela autora em 23.12.2020), temos o seguinte, quanto à caducidade do direito: Refere a ré, quanto a factos que entende consubstanciarem a prática de assédio moral pela autora: - a não ministração de formação profissional na vigência do contrato (facto continuado e duradouro); - a colocação da ré em situação de Lay Off de 27 de abril a 03 de agosto de 2020, com o intuito de a prejudicar. Que tal lhe determinou uma situação de fragilidade económica com redução substancial do seu vencimento; - a retirada unilateral das funções de coordenadora da equipa da qualidade dos turnos e da responsabilidade na qualidade de produção, entregues à trabalhadora II (datando uma dessas situações em 07 de agosto de 2020); - a inércia dos Recursos Humanos face às queixas por si apresentadas; - o esvaziamento completo de todas as suas funções, colocando-a desde 15 de outubro de 2020 a escolher peças no armazém; - críticas à sua prestação de trabalho sem razão nem fundamento, e de forma exagerada, diante dos colegas; - comentários sobre a sua vida pessoal; - em fevereiro de 2020 a sua superiora ter comprado pastéis de nata que ofereceu a todos os seus colegas menos à ré; - que a sua superiora hierárquica deixa-lhe recados escritos e não permite o envio de emails sem o seu conhecimento; - que a sua superior hierárquica rasurava todos os documentos que elaborava a cor vermelha; - no dia 20 de novembro de 2020 não a deixou tratar com um fornecedor que lhe havia mandado amostras, retirando-lhe essa função; - no dia 02 de dezembro de 2020, a sua superior hierárquica remeteu-lhe um email, em que lhe solicitava respondesse a um fornecedor, quando teria sido aquela que ficara de resolver a situação. Alegando que todas estas situações foram criadas pela autora/superior hierárquica com intenção de a prejudicar e a colocar numa situação de fragilidade, constrangimento e humilhação perante os outros trabalhadores, bem como de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador. E conduzi-la a denunciar o seu contrato de trabalho, sem direito a indemnização. A carta datada de 21 de dezembro foi recebida pela autora em 23 de dezembro de 2020. A resolução operou por carta datada de 25.01.2021. que remete para os factos invocados na comunicação de 21.12.2020. A ré invoca a prática reiterada, continuada e duradoura de atos que se subsumem a assédio moral praticados até esta data, sendo que entrou de baixa médica em finais de 2020. O prazo de 30 dias previsto no art 395º, nº 1 do C.T. inicia-se com o conhecimento pelo trabalhador dos factos integrantes da justa causa de resolução invocada pelo trabalhador, quando no contexto da relação material o comportamento culposo da empregadora assume tamanha gravidade que determina seja prática e imediatamente impossivel a manutenção da relação laboral. Isto é, o prazo para exercer o direito de resolução inicia-se quando essa situação de impossibilidade se verifica. É um prazo de caducidade que extingue o direito do trabalhador a operar a extinção do contrato por justa causa. Assim, tendo em conta os factos relatados pela autora na carta de 21.12.2020, atendendo à data a que se reporta a cessação do contrato de trabalho por resolução pela trabalhadora, já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto no art 395º nº 1 do C.T., pelo que, por esta razão, o direito da autora já havia caducado, o que torna ilícita a resolução do contrato.» Na apelação, a ré recorrente entende que o referido juízo expresso na sentença está errado, na medida em que a interpretação do disposto no art. 395.º n.º 1 do Código do Trabalho (“o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”) deve contemplar a possibilidade do prazo se iniciar, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação. Sustenta por isso que o tribunal recorrido não avaliou devidamente em que data se poderá considerar que a trabalhadora teve conhecimento que a actuação da empregadora, considerando a sua gravidade, impossibilitava a subsistência do contrato de trabalho, sendo certo que no caso a verificação de tal impossibilidade apenas ocorreu com a resposta dada à trabalhadora pela empregadora em carta datada de 6 de Janeiro de 2021, na qual lhe comunicava essencialmente que não aceitava a verificação das suas queixas que tinham sido colocadas na carta de 21-12-2020. Portanto, na sua tese, apenas pela referida comunicação teve conhecimento que os factos por ela alegados na sua anterior comunicação não seriam atendidos pela empregadora de forma a alterar as condições em que prestava o trabalho o que passou a tornar impossível a manutenção da relação de trabalho. Vejamos: Em bom rigor, a letra do n.º 1 do art. 395.º do Código do Trabalho não consente a larga interpretação defendida pela apelante. A norma indica que a declaração de resolução do trabalhador com invocação de justa causa e com indicação sucinta dos factos que a justificam deve ser feita “nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos”, pelo que o conhecimento atendível é o dos factos ilícitos cometidos pelo empregador e não o do momento em que se cristaliza no espírito do trabalhador a impossibilidade de manter a relação laboral em presença de tais factos. Porém, é de considerar que os ditos factos podem sofrer um agravamento com o decurso do tempo no plano em que, por via desse decurso temporal, venham a gerar maiores danos na esfera pessoal ou pessoal/patrimonial do trabalhador. Estaremos nesse caso perante um agravamento da ilicitude e do efectivo potencial danoso, pelo que é aceitável atender a esse contexto em si mesmo como uma nova cadeia de “factos” relevante para o início do prazo de caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa. É neste patamar de cuidado interpretativo que a jurisprudência tem caminhado, afirmando-se, por exemplo, como no caso do Ac. da Relação do Porto de 17-11-2014 (proc. 739/12.8TTMTS-A.P1) que “no caso de factos instantâneos com efeitos duradouros, susceptíveis de agravamento com o decurso do tempo, aquele prazo inicia-se não no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna a partir de então imediatamente impossível”. Situação esta, contudo, que importa compaginar bem com a letra da lei de modo a não afastar a realidade factual, em que o agravamento se traduz, da esfera da apreensibilidade ou cognoscibilidade dos factos mais precisos que balizam em concreto o início do prazo de caducidade. É por isso que muitas vezes só na presença do caso concreto se pode ponderar da verificação ou não da caducidade, no balanceamento do critério enunciado, tendo sempre presente que, como refere o Acórdão da Relação do Porto antes referido, citando Ricardo Nascimento (in “Da Cessação do Contrato de Trabalho - Em Especial por Iniciativa do Trabalhador”) o «necessário nexo cronológico entre a decisão de resolver o contrato e os factos invocados mais não constitui do que “uma manifestação do princípio da actualidade da justa causa que traduz a regra de que a resolução se deve seguir imediatamente à verificação da situação de impossibilidade, até em consonância com a finalidade do direito de resolução – evitar situações insustentáveis”». No caso dos autos é para nós evidente que os factos elencados na carta que a trabalhadora endereçou à empregadora em 21 de Dezembro de 2013 assumem todos eles a natureza de factos instantâneos ainda que possam ter potencialidade duradoura. Mesmo a factualidade respeitante à não ministração de formação profissional na vigência do contrato, classificado na sentença recorrida como “facto continuado e duradouro”, deve ser considerada com natureza instantânea desde o momento em que, no final do ano, se verifique o incumprimento da obrigação de proporcionar formação nos termos previstos nos artigos 131.º n.º 2 e 132.º n.º 1 do Código do Trabalho. A mesma natureza de facto instantâneo deve ser atribuída à colocação da trabalhadora em situação de lay off de 27 de Abril a 3 de Agosto de 2020, como bem se compreende. Já no que toca aos factos que se prendem como a alegada situação de assédio e que se manifestam essencialmente com alegada mudança de funções da ré trabalhadora localizadas a 7 de Agosto de 2020 e a 15 de Outubro de 2020, a escolher peças no armazém, e teriam como último passo verificado a remessa de um e-mail a 2 de Dezembro de 2020, são factos instantâneos todos bem apreensíveis, no seu todo complexo de efeito duradouro, na data em que foram elencados na dita carta datada de 21 de Dezembro de 2021. A própria trabalhadora na carta refere que entrou de baixa médica em 9 de Dezembro de 2020 o que confere com o que se deu como provado (sem impugnação no recurso) no facto 42., pelo que nessa data já teria de ter a noção de todo o “pano de fundo” que traduzia o conjunto dos factos passados integradores do alegado assédio até então ocorrido. Ou seja, na data em que endereçou a dita carta em Dezembro de 2021 a ré trabalhadora, a nosso ver, tinha conhecimento de todos os factos pertinentes que lhe permitiam ajuizar da dimensão da lesão dos seus direitos e exercer o direito de resolução do contrato (sobre este critério de cognoscibilidade, ver a propósito os Acórdãos do STJ de 14 de Setembro de 2011 e de 18 de Dezembro de 2013, respectivamente nos processos 296/07.7TTFIG.C1.S1 e 259/11.8TTOAZ.P1.S1). Não exerceu tal direito em tal carta. Antes, nela indicou mesmo (facto 32.) que “não tem qualquer intenção de denunciar o seu contrato, porquanto precisa do seu trabalho para a sua sobrevivência e do respectivo agregado familiar”, antecipando que na falta de resposta positiva às suas queixas pretenderia (apenas, segundo enunciou) “seguir outras instâncias, designadamente, com a participação imediata à Autoridade para as Condições do Trabalho para a instauração dos procedimentos contraordenacionais adequados pelos ilícitos atrás descritos, reposição da legalidade e pagamento dos créditos laborais e exigíveis”. Segue-se, no circuito de comunicação, a resposta da autora empregadora a tal carta (a fls. 16 e 17, conforme facto provado 34.) dizendo no essencial que não reconhecia ter cometido qualquer ilícito contratual como os que eram enunciados. Esta simples resposta, depois da autora ter dito que não pretendia denunciar o contrato perante os factos que antes tinha alegado, pretendendo recorrer a outros meios coercitivos “para repor a legalidade” não tem quanto a nós qualquer potencialidade para acrescentar um facto susceptível de conduzir a um agravamento da ilicitude e do efectivo potencial danoso dos factos antes relatados de modo a que o trabalhador só então se aperceba, num plano da actualidade da justa causa, da impossibilidade de manutenção do contrato. Por conseguinte, a carta de “resposta” da empregadora não é apta a marcar o início do prazo de 30 dias para exercer o direito de resolução. Tal início, a nosso ver, correu pelo menos na data em que a trabalhadora endereçou a carta em que formulou a sua reclamação, ou seja, a 21 de Dezembro de 2020. Pelo que tendo endereçado a carta a declarar a resolução com justa causa a 25 de Janeiro de 2021, não nos merece dúvida que o fez para além do prazo legal de 30 dias, ocorrendo desse modo a caducidade do respectivo direito de resolução, ante o disposto no artigo 395.º n.º 1 do Código do Trabalho. Assim, nesta parte, entendemos que é adequado o juízo expresso na sentença recorrida quando concluiu da mesma forma e pela ilicitude da resolução do contrato declarada pela ré. Em consequência do que fica dito, está prejudicada a questão também colocada no recurso de saber se se poderia concluir pela justa causa de resolução do contrato de trabalho, com as consequências indemnizatórias daí resultantes. 3. Quanto à matéria da impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Não fica, todavia, prejudicada a questão de saber se a autora tem direito a indemnização por danos não patrimoniais decorrente da verificação de uma situação de assédio moral de que tenha sido vítima. Por conseguinte, não fica prejudicada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Das alegações e conclusões de recurso percebe-se que a recorrente considera incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto: - omissão como factos provados dos factos alegados nos arts. 85.º a 87.º da contestação; - ponto 3. dos factos provados, o qual deveria ser considerado como não provado; - factos considerados não provados e que devem, no entender da apelante, ser dados como provados: que a autora “contactasse com clientes e fornecedores”; “que a partir de Janeiro de 2019 houvesse um esvaziamento das suas funções”; “que a partir de Janeiro de 2019 a ré tenha passado a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes”; “que tenha passado a exercer funções de semi-especializada, numa secção completamente diferente à que estava afecta e sem condições de trabalho”; “que a CC tivesse questionado os colaboradores do departamento sobre quem pretendia frequentar a formação Lean, à excepção da ré”; “que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego”. Cumpre desde já notar, como sempre fazemos, que na reavaliação de facto o tribunal de recurso deve controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Mas encontra-se impedido de controlar o processo lógico da convicção no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle, quando foi relevante o funcionamento do princípio da imediação (v. p. ex. o Acórdão desta Relação, de 3/10/2000, in CJ, tomo 4, pág. 27). No seguimento de tais princípios, temos entendido que só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento. Vejamos, então, seguindo a argumentação do recurso. a) A questão da omissão como factos provados dos factos alegados nos arts. 85.º a 87.º da contestação: Na decisão da 1.ª instância é omitida uma qualquer referência a tais factos. Observados os ditos artigos da contestação verificamos, contudo, que os mesmos se reportam à alegação de uma visita inspectiva por parte de agente da ACT (art. 85.º) e transcrição do respectivo relatório (arts. 86.º e 87.º). Tal relatório não faz, contudo, prova plena dos factos que descreve. Quando muito, no confronto com o depoimento por parte de quem o elaborou, poderia servir para fundar uma convicção estruturada sobre a realidadade de factos alegados e relevantes para a apreciação do mérito da causa. Assim, não faz sentido incluir nos factos provados o relato da visita inspectiva e a transcrição do respectivo relatório, como não faz sentido, por exemplo, transcrever nos factos provados o depoimento de uma qualquer testemunha. Ambos podem constituir meios de prova, mas não têm qualquer relevância para a decisão da causa enquanto pertinente e necessária materialidade fáctica relevante. Por isso, não incluiremos tais “factos” no elenco dos “factos provados”, não merecendo qualquer reparo a omissão deles na decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto. b) O ponto 3. dos factos provados: Tal ponto tem a seguinte redacção: “3. As funções da ré até Janeiro de 2019 eram as seguintes: definir critérios de qualidade junto da produção e da equipa de qualidade; gestão e arquivo de documentos vários, nomeadamente relativos à produção; registo e manutenção de máquinas; recolha de dados da produção relativamente a quantidades produzidas/taxas de rejeição e inserção diária em ficheiro Excel e análise diária desses dados com os Diretores; acompanhamento do processo de fabrico, verificação das conformidades e desconformidades nas máquinas e no produto acabado.” Defende expressamente a apelante que tal facto deveria ser considerado como não provado (conclusão do recurso n.º 19). Defende que algumas testemunhas que identifica no recurso deram nota que para além das descritas funções a ré exercia ainda as seguintes funções antes de Janeiro de 2019: elaboração de fichas técnicas de injecção; alertas de qualidade; coordenação da equipa da qualidade dos turnos; recolha de dados de redução em termos de paragem de máquinas, tempos de produção e ciclo de rejeição de peças; registo de manutenção de marca; fichas técnicas de produto. E é assim que entende que “não é possível, por isso, perceber por que forma se entendeu este facto por provado, faltando indicar inúmeras funções prestadas pela trabalhadora antes de janeiro de 2019”, “devendo, por isso, e considerando a prova produzida, ser considerado como não provado o facto em causa”. Prescreve o art. 640.º n.º 1 al. c) do CPCivil que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” - no sentido de que para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados (respostas alternativas) vejam-se os acórdãos do STJ (Secção Social) de 07-07-2016, proc. 220/13.8TBCL.G1.S1, de 13-10-2016, proc. 98/12.9TTGMR.G1.S1, de 03-11-2016, proc. 342/14.8TTLSB.L1.S1 e de 27-10-2016, proc. 3176/11.8TBBCI.G1.S1. Ou seja, a indicação precisa da decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas é necessária e vinculante para efeitos de estabilizar e conferir o exigível rigor à impugnação. Por conseguinte, a questão em apreciação – nessa base de vinculação – é a de saber se a matéria indicada em tal ponto deve ser considerada ou não como provada e nada mais. Verificamos que a própria apelante refere que as funções descritas como exercidas o eram efectivamente, embora fossem mais do que essas, de acordo com a sua versão. Aliás o mesmo corresponde à sua própria alegação no artigo 18.º da contestação. Se eram mais as funções exercidas ou não, essa é questão diversa. Agora, ante o próprio reconhecimento da apelante que exercia as indicadas funções, não pode é ser dado como não provado tal ponto de facto. Retira-se daí que pelo menos essas funções eram exercidas pela apelante e, portanto, é de manter o ponto de facto. Quanto ao elencar de mais funções, tal não é concretamente pedido pela apelante para redacção de algum outro facto provado, pelo que, no rigor imposto pela lei à forma que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deve ser formulada, nada importa alterar quanto a este ponto 3. da referida decisão. c) O facto não provado “que a autora contactasse com clientes e fornecedores”: O apelante sustenta a sua posição de alteração da decisão impugnada com base em concretas passagens que identifica e transcreve dos depoimentos das testemunhas FF e DD. Afirma que de tais depoimentos se percebe que a trabalhadora se deslocava às empresas dos clientes da M..., Lda. para validar produções e analisar problemas relacionados com as peças. Ouvimos o depoimento da primeira das indicadas testemunhas (FF) e conferimos que ela respondeu, à pergunta “sabe se ela ia às empresas, se acompanhava clientes externamente … sobre alguma reclamação que houvesse?”, “Chegou, sim. E chegou a ir também externamente validar algumas produções que nós subcontratávamos externamente, ou por não termos capacidade internamente ou assim, para validação de peças”. Ouvimos depois o depoimento da segunda das indicadas testemunhas (DD) e conferimos que respondeu, à pergunta “olhe, diga-me só outra coisa. Ela acompanhava clientes e fornecedores internamente? Ou seja, ela ia às empresas consigo, que era o superior dela, ou sozinha, ela ia às empresas acompanhar clientes? Quando havia, quando havia alguma reclamação?”. “Sim, na altura em que eu estive, posso até mencionar que fomos os dois a uma empresa, a uma empresa, é um cliente da M... que se chama OO. Chegámos a ir os dois…”, situando o local em Lisboa e acrescentando “chegámos a ir os dois avaliar e analisar problemas relacionados com umas peças que era para o C3”. Sobre a apreciação do depoimento da testemunha DD prestado em audiência de julgamento, depois de ter ficado dito que o mesmo declarou que a ré “acompanhava clientes e fornecedores, uma vez foram os 2 a uma empresa cliente que fica em Lisboa a fim de avaliar/analisar problemas relacionados com umas peças, que levou a ré por sua opção, dado não poder retirar as outras pessoas que faziam outras funções”, escreveu-se na fundamentação da decisão impugnada: «Quanto à testemunha DD de salientar que o mesmo saiu da empresa em out/novembro de 2018, pelo que não tinha conhecimento do que ocorreu após a sua saída (o que reconheceu no seu depoimento). No entanto ficou claro que era amigo da ré e que tentou beneficiá-la com o seu depoimento, nomeadamente quando afirmou que a ré acompanhava clientes e fornecedores. Com efeito, apenas conseguiu identificar uma situação concreta em que a ré foi convidada por si para visitar um cliente.” Portanto, na livre convicção da julgadora devidamente justificada não foi possível considerar como provado que a ré trabalhadora tivesse como funções regulares o contacto com clientes e fornecedores, uma vez que não foi relatado pelas testemunhas essa prática institucionalizada de competências. Não detectamos por isso erro de julgamento. Mas entendemos que uma redacção restritiva do “facto” pode ser estabelecida como provada, pelo que decidimos estabelecer como provado o seguinte: “Até Janeiro de 2019 a ré, no exercício das suas funções, contactava por vezes com clientes e fornecedores”: d) O facto não provado “que a partir de Janeiro de 2019 houvesse um esvaziamento das suas funções”: A apelante sustenta que esse “facto” ficou provado pela generalidade dos depoimentos prestados, ficando ela “apenas com a qualidade de fornecedores”. Devemos, no entanto, dizer que aquilo que a apelante pretende que seja fixado não pode ser considerado como “facto provado”, a nosso ver, já que reveste clara feição conclusiva. Importa sempre não perder de vista que de uma decisão sobre a matéria de facto não devem constar factos conclusivos ou matéria de direito - apenas os factos são objecto de prova como resulta dos artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil. Por isso o artigo 607.º n.º 3 do Código de Processo Civil prescreve que na sentença deve o juiz “discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência”. Por outro lado, segundo o artigo 663º n.º 2 do CP Civil na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto. Apenas podem equiparar-se aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que não integrem o próprio objecto do processo ou, dito de outro modo, não constituam a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes. Ora, é de cariz manifestamente conclusivo o teor do “facto” indicado pela apelante e agora em análise. Saber se a trabalhadora “sofreu um esvaziamento de funções” é, afinal, um tema de disputa entre as partes, uma síntese conclusiva que só pode ser alcançada a partir de diversos elementos de facto bem concretos. Ou seja, uma conclusão a partir dos factos que descrevam o que fazia antes (de Janeiro de 2019) e depois. Tais factos estão de resto fixados no ponto 3. dos factos provados e no ponto 10.. Desta forma, improcede a impugnação quanto a este ponto. e) O facto não provado “que a partir de Janeiro de 2019 a ré tenha passado a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes”: Igualmente aqui a apelante defende que todas as testemunhas foram unânimes em afirmar que a partir da entrada de CC, em Janeiro de 2019, passou a sofrer humilhações e repreensões injustificadas constantes. Mas igualmente neste ponto de apreciação dizemos que este é um facto conclusivo que não pode constar de uma decisão sobre a matéria de facto. Saber se “passou a sofrer humilhações e repreensões injustificadas” é, também, um tema de disputa entre as partes, uma síntese conclusiva que só pode ser alcançada a partir de diversos elementos de facto bem concretos. Neste caso, uma conclusão a extrair ou não dos factos provados, porventura dos que estão fixados sob os pontos 3. a 26. da decisão sobre a matéria de facto. Desta forma, também quanto a este ponto improcede a impugnação. f) O facto não provado “que tenha passado a exercer funções de semi-especializada, numa secção completamente diferente à que estava afecta e sem condições de trabalho”: Também este é um facto conclusivo que não pode constar de uma decisão sobre a matéria de facto. Neste caso, reconduz-se mesmo a uma categoria normativa laboral, só podendo ser reconhecida em sede de apreciação de direito (e não de facto) mediante a integração nas funções definidas no tipo normativo das funções efectivamente exercidas e provadas. Por isso, quanto a este ponto tem de improceder a impugnação. g) O facto não provado “que a CC tivesse questionado os colaboradores do departamento sobre quem pretendia frequentar a formação Lean, à excepção da ré”: A apelante sustenta que tal deve ser considerado provado com base no depoimento da testemunha HH. Ouvindo o depoimento desta testemunha confirmamos que esta respondeu, à pergunta “olhe, falou também da questão da formação, alguma vez a AA foi ter com, com a Sr.ª doutora aos Recursos Humanos dizendo-lhe que, que havia formação para toda a gente menos para ela e a pedir-lhe encarecidamente para a inscrever em alguma formação, isto aconteceu? Formação Lean, por exemplo?”, “sim, eu tive conhecimento, não foi comigo, mas sim, tive conhecimento que ela…” e “eu sei que foram, foram, circulou essa formação, divulgou-se internamente a essa formação e o responsável do departamento identificou algumas pessoas e não identificou a AA”, “a CC que era a responsável do departamento”. E á pergunta “portanto, a CC, a CC dirige-se a todas as pessoas, questiona se elas querem ter formação … com excepção da AA?”, respondeu “isso eu não sei como é que ela fez, portanto, eu assumo que ela divulgou, ou pelo menos, que nos informou quem é que na opinião dela seriam as pessoas que no âmbito das responsabilidades que tem fazia sentido terem aquela formação. É para isso que nós divulgamos internamente as formações às chefias para elas nos identificarem dentro da equipa” (sublinhado nosso). Por outro lado, á pergunta “tem ideia se todas as pessoas do departamento de Qualidade tiveram informação dessa formação?”, respondeu que não tiveram formação todas as pessoas do departamento de Qualidade, e quanto à informação sobre ela disse “eu presumo que sim, eu não consigo precisar isso”. No mais, nada disse quanto a informação não compartilhada com ela sobre formação. Por conseguinte, não se pode retirar do depoimento desta testemunha que a CC apenas não tenha questionado a ré sobre quem pretendia frequentar a formação Lean. Deste modo não é possível verificar qualquer erro de julgamento que importe alterar nesta parte a decisão impugnada. h) O facto não provado “que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego”: Entende a apelante que este facto deve ser considerado como provado com base nos depoimentos das testemunhas BB e EE, que a seu ver “depuseram de forma credível e isenta no que respeita ao comportamento que a Srª CC, superior hierárquica da trabalhadora, a tratava recorrentemente, encontravam-se capacitadas, com base em conhecimento directo que ilustra poderosa razão de ciência, para explicar ao Tribunal toda a situação”. Vejamos: Para dar o facto em apreciação como provado seria necessário, a nosso ver, que a autora (uma sociedade comercial, uma empresa dotada de direcção própria) tivesse formulado de algum modo esse comando a executar eventualmente por intermédio de colaboradores. Ora, verificada toda a prova produzida não nos parece ser possível chegar a esse juízo, tanto mais que a generalidade das testemunhas referiu a ré trabalhadora como pessoa competente e zelosa (o que ficou, de resto, provado) e na sua generalidade referiram a responsável do departamento como pessoa de difícil trato de comunicação, sem que ninguém tivesse manifestado agrado por isso. Não se vê, nesse contexto, qualquer interesse da empregadora, da sua direcção, em afastar a autora, nem sequer semelhante interesse por parte da dita responsável, superior hierárquica da ré. Nenhuma empresa quer afastar uma pessoa competente e zelosa como é da experiência comum, nem o quererá pelos mesmos motivos um responsável hierárquico. Esse foi, a nosso ver, o juízo do tribunal recorrido quando escreveu na sentença o seguinte: «De toda a prova resultou que a ré não era tratada de forma diversa pela sua superiora hierárquica; que esta tem um feitio rude a áspero e fala alto e em tom exaltado com todos os colaboradores; que rasurava os documentos elaborados pelos colaboradores e não só pela ré. Não resultou que com as atitudes tomadas e dadas como provadas supra, tivesse a intenção de humilhar ou destratar a ré com o fim de a fazer desistir do emprego. Com efeito, apenas se provou que a Engª CC é uma pessoa autoritária, e que todos os colaboradores tinham razões de queixa, sendo o ambiente no Departamento “pesado”. Que havia comentários sobre todos os colaboradores. Quanto às funções exercidas pela ré resultou que a Engª CC reorganizou o Departamento e introduziu as funções de Controlador de Qualidade de Fornecedores, por decisão de gestão sua, de que encarregou a ré. Porque respeita a decisão de reorganização da autora, tomada no uso da sua livre iniciativa empresarial e dos seus poderes de decisão, a bondade desta medida não pode/deve ser aferida pelo Tribunal. Mais resultou, ainda, que a autora auferiu um aumento de vencimento a partir da entrada da Engª CC na empresa. Resultou também que foram introduzidas alterações tecnológicas que determinaram a desnecessidade de elaboração e registo de documentos em papel, função que anteriormente cabia à ré no Departamento da Qualidade. Estes factos foram, na sua maioria, relatados e confirmados pela superiora hierárquica da ré desde janeiro de 2019, Engª CC, que admitiu que tem uma maneira de ser que “choca” muitas pessoas. Pelo que o Tribunal concluiu que as “queixas” da autora resultavam de um conflito entre duas personalidades diferentes, e que o ambiente do Departamento era “pesado” para todos devido a maneira de ser áspera e dura da sua superiora hierárquica.» Este apontado juízo sobre o conflito limitado a “duas personalidades diferentes” é o que também, a nosso ver, se mostra capaz de concluir, não sendo razoável ir mais longe como pretende a apelante, imputando à autora a intenção manipuladora de a afastar do emprego Por conseguinte, terá de improceder a impugnação quanto a este ponto. E deste modo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas procede em conformidade com a alteração acima referida. 3. A questão da licitude da resolução do contrato de trabalho declarada pela ré trabalhadora: Já cima dissemos, quando apreciámos a questão da caducidade do direito de resolução concluindo pelo sua caducidade, que entendemos que é adequado o juízo expresso na sentença recorrida quando concluiu por sua vez pela consequente ilicitude da resolução do contrato declarada pela ré. E que, em consequência disso, fica prejudicada a questão também colocada no recurso de saber se se poderia concluir pela justa causa de resolução do contrato de trabalho, com as consequências indemnizatórias daí resultantes. 4. A questão de saber se a autora tem direito a indemnização por danos não patrimoniais: Como também dissemos não ficou com isso, todavia, prejudicada a questão de saber se a autora tem direito a indemnização por danos não patrimoniais decorrente da verificação de uma situação de assédio moral de que tenha sido vítima. Na sentença recorrida, escreveu-se a propósito desta questão: «Quanto ao Assédio Moral: O art 394º, nº 2 enumera exemplos de situações em que o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva, isto é com base em comportamento culposo do empregador que torne prática e imediatamente impossível a manutenção da relação laboral. É justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, a ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante (art 394º, nº 2 alínea f) do C.T.). Por outro lado, o art 394º, nº 4 do C.T. remete para o art 351º, nº 3 do mesmo diploma pelo que, para apurar da impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho, o julgador deverá atender “ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. A jurisprudência e a doutrina nacionais têm indicado determinados comportamentos do empregador que podem revelar assédio moral ao trabalhador, nomeadamente: dar tarefas excessivas ou demasiado exigentes para a qualificação do trabalhador; esvaziar de funções; distribuição de tarefas não condizentes com a sua categoria profissional; atribuição de tarefas para as quais o trabalhador não tem competência; não ocupação efetiva e completa desocupação; injúrias; afirmações humilhantes; ameaças; difusão de calúnias; isolamento do trabalhador com a proibição de falar seja com quem for; atribuição de tarefas inúteis; ironia/sarcasmo na relação empregador/trabalhador; comportamentos coléricos e de raiva dirigidos ao trabalhador; exclusão de eventos sociais da empresa; desvalorização acintosa e pública do trabalhador; omissão ou incompletude da informação transmitida ao trabalhador; silêncio perante pedidos de explicação ou reclamações do trabalhador. E muitos outros se poderiam apontar Ora quanto aos factos concretos alegados pela trabalhadora na carta de resolução, tinha a mesma o ónus de provar que foram praticados pela autora/superior hierárquica, com a intenção ou efeito de a perturbar ou constranger, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Conforme David Carvalho Martins no seu Estudo “Assédio Moral e Conflito Laboral: Areias Movediças”, in revista coordenada por José João Abrantes “II Congresso Europeu de Direito do Trabalho. Os Desafios Atuais do Direito do Trabalho”, Almedina, a pág 164 a 166: Exige-se que “o intérprete-aplicador (i) identifique um objetivo do agente ou (ii) aprecie os efeitos produzidos na esfera jurídica do trabalhador. A primeira situação aponta para a intenção ou vontade do agente, a qual deve ser apreciada subjetivamente, ou seja, importa saber se o agente quis (i) perturbar ou constranger; (ii) afetar a dignidade ou (iii) criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador ao trabalhador; por outras palavras, se pretendeu levá-lo a desistir ou a quebrar. A segunda situação tem maior preponderância devido à dificuldade de provar o estado subjetivo do agente. Atendendo às circunstâncias, coloca-se a questão de saber se um trabalhador normal, colocado na posição do trabalhador real (i) se sentiria perturbado ou constrangido, (ii) veria a sua personalidade afetada ou (iii) estaria num ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; ou, por outras palavras, seria levado a desistir ou a quebrar.”. Refere ainda o mesmo autor na ob.cit. a pags 168: “… nem todos os atos ou comportamentos podem constituir assédio. Importa, por isso, interpretar e aplicar este instituto com cautela e cuidados acrescidos, de forma (a) promover a sua aplicação plena, sem transformá-lo numa arma de arremesso ou estratégia de chantagem para uma promoção ou celebração de um acordo de revogação do contrato em condições substancialmente mais favoráveis.” Para se concluir pela existência de assédio moral há que ponderar as circunstancias do caso, de forma global, reportando-as àqueles sujeitos em concreto. Conforme Guilherme Dray o assédio não intencional é uma hipótese remota ou juridicamente insustentável (Código do Trabalho Anotado, Almedina, p. 2017 p. 189). Para Monteiro Fernandes a intenção constitui um facto essencial da ilicitude (Direito do Trabalho, Almedina, 2017 p.246). Passando à situação sub iudice temos de concluir que não provou a ré, como lhe competia, a intenção da autora/superior hierárquica de a constranger, perturbar, de lhe afetar a dignidade ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, com o fim de a levar a “quebrar” (nomeadamente conduzindo-a à denúncia do contrato). O ambiente que foi criado entre a superior hierárquica e a trabalhadora consubstancia um “Conflito Laboral” e não “Assédio Laboral”. Muito doutamente refere David Carvalho Martins, na ob.cit. a fls 190 a 191, que: “A tarefa de catalogar os comportamentos ou atos típicos de assédio com uma vocação de completude e perfeição é manifestamente inglória. A realidade – e a criatividade – superam todas as tentativas de recolha e sistematização de casos ou situações subsumíveis à noção de assédio. É, por isso, importante conhecer os requisitos, sem esquecer que, nas palavras de PP, no ambiente de trabalho sempre houve humilhação, violência física e psíquica, stress e nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um mobbing. As relações laborais não se distinguem das demais relações humanas no que toca à existência de conflitos. Os sujeitos laborais procuram igualmente resolvê-los a contento. Contudo, o campo laboral pode ser mais propício a conflitos ou à sua sobrevalorização ou intensificação, nomeadamente atendendo a dois factores: (i) a sujeição jurídica e económica de uma das partes em relação à outra e (ii) a partilha do mesmo espaço geográfico (o local de trabalho) durante uma parte muito significativa da vida (tempo de trabalho e duração do contrato).”. Aplicando esta tese à relação laboral sub iudice, entendemos não estar provada a prática de assédio pela autora/superior hierárquica que pudesse justificar a resolução do contrato de trabalho com justa causa. Com efeito, não se apuraram factos que determinassem a impossibilidade prática e imediata de manutenção do contrato de trabalho. A simples aspereza da superior hierárquica da ré no contacto com os trabalhadores (não só com a ré), não revela intuitos persecutórios contra a ré (não era o seu alvo), mas simplesmente um mau relacionamento com os trabalhadores, que conduziu a um mal-estar e desconforto de todo o Departamento, confrontado com uma chefia mais “dura” e “rude”. Em douto Ac. do TRCoimbra, datado de 07.03.2013, relatado pelo MMo Juiz Desembargador Jorge Manuel Loureiro, in www.dgsi.pt, foi decidido que: “Não constituem assédio moral as seguintes situações que devem ser consideradas simples conflitos existentes nas organizações: o stress; as injúrias dos gestores e do pessoal dirigente; as agressões (físicas e verbais) ocasionais não premeditadas; outras formas de violência como o assédio sexual, racismo, etc.; as condições de trabalho insalubres, perigosas; os constrangimentos profissionais, ou seja o legítimo exercício do poder hierárquico e disciplinar na empresa,… Só pode ter-se por registada uma situação de mobbing naqueles casos em que subjacente ao comportamento indesejado do empregador ou dos superiores hierárquicos esteja a pretensão de forçar o trabalhador a desistir do seu emprego.” Portanto, o assédio moral distingue-se do mero “conflito laboral” por ser necessária a prova da existência de uma “conduta persecutória intencional”, sistemática, repetitiva e premeditada, com o fim de forçar o trabalhador a “desistir do seu emprego” Concluindo que a ré não provou que a autora/superior hierárquica tivessem consigo comportamentos suscetíveis de serem integrados no instituto de mobbing. Existe sim uma nítida situação de “conflito laboral”, normal em todas as empresas ou organizações por serem o palco de relacionamentos interpessoais muitas vezes conflituosos entre as chefias e os seus subordinados (mais intensos quando na mesma secção ou Departamento), com personalidades diversas e por vezes antagónicas, e que se relacionam entre si no mesmo local, durante a maior parte do dia. Não consubstanciando também assédio moral a decisão da autora de colocar a trabalhadora em Lay Off, por ser uma decisão de gestão que a ré não provou ser discriminatória ou tomada com a intenção de lhe causar uma situação económica difícil. Por fim, também a não ministração de formação profissional não revela qualquer perseguição. Com efeito, atendendo à situação de Pandemia, com as inerentes restrições de contactos, não foi permitido à generalidade dos trabalhadores a possibilidade de gozar de tal direito nesse período. A ré não provou que a atitude da autora fosse intencionalmente discriminatória ou tivesse o fim de a “quebrar”. Pelo que também não é indicador da existência de assédio moral. A acresce que o empregador sempre poder deferir por 2 anos a efetivação da formação anual desde que o plano de formação o preveja, conforme dispõe o art 131º, nº 6 do C.T. Concluindo que, se outros motivos não houvesse, a resolução do contrato de trabalho operada pela ré sempre seria ilícita por falta de prova de factos que consubstanciassem assédio moral, com relevância tal que determinassem a impossibilidade prática e imediata de manutenção da relação laboral. Dos danos morais: Quanto a esta questão há que atender que, o princípio geral em matéria de indemnização de danos causados por condutas ilícitas está previsto no art 562º do CCivil que refere: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação”. Por sua vez o art 496º do CCivil determina que existe obrigação de indemnizar estes danos desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Conforme Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, a págs 571: “Danos não patrimoniais são os prejuízos (como as dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação…) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a honra, o bom nome…) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. O critério para a sua determinação tem em atenção princípios de equidade, atende à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa do lesado e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta – cfr arts 496º, nº 3 e 494º do CCivil. Por definição, a indemnização por danos morais pressupõe a prática de uma conduta ilícita e culposa por parte do lesante. Portanto, não tendo a ré logrado provar a ilicitude do comportamento da autora, nomeadamente não ter provado a prática de assédio moral, como lhe competia por força do disposto no art 342º, n 1 do CCivil, improcede o pedido de pagamento de indemnização por danos morais. Aliás, no que a danos morais respeita, a ré apenas faz alegações abstratas, não concretizadas, constituindo simples conclusões e juízos de valor, que, como tal, nunca poderiam fundar a condenação da autora ao pagamento de uma indemnização.» Sufragamos no essencial esta apreciação, devidamente apoiada em doutrina e jurisprudência deste tribunal. Nas conclusões do recurso, a apelante diverge da sentença recorrida e assenta os seus argumentos na verificação efectiva de uma situação de assédio moral que fundamentaria suas pretensões indemnizatórias. Vejamos: O art. 29.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, dispõe que se entende por “assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” Conforme se sublinhou no Acórdão desta Relação de 7 de Março de 2013 (relator: Jorge Loureiro, in www.dgsi.pt, proc. 236/11.9TTCTB.C2) o assédio moral pode concretizar-se numa de duas formas: o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório; e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa (mobbing). No caso, não está em causa um qualquer comportamento indesejado e hostil baseado num qualquer factor de descriminação do tipo dos enunciados no art. 24. n.º 1 do Código do Trabalho, pelo que importaria determinar se ocorreram comportamentos do réu subsumíveis ao assédio moral na sua forma não discriminatória ou mobbing. Como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, Volume 1, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 428 a 430) o que caracteriza o mobbing são “três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Quanto aos comportamentos em causa, para Leymann tratar-se-ia de qualquer comportamento hostil. Para Hirigoyen, por seu turno, tratava-se de qualquer conduta abusiva manifestada por palavras (designadamente graçolas), gestos ou escritos e muitos outros comportamentos humilhantes ou vexatórios. Daí a referência a uma polimorfia do assédio e, por vezes, a dificuldade em distingui-lo dos conflitos normais em qualquer relação de trabalho. (...) tais comportamentos são, frequentemente, ilícitos, mesmo quando isoladamente considerados; mas sucede frequentemente que a sua ilicitude só se compreende, ou só se compreende na sua plena dimensão atendendo ao seu carácter repetitivo. E esta é a segunda faceta que tradicionalmente se aponta no mobbing... é normalmente o carácter repetitivo dos comportamentos, a permanência de uma hostilidade, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. A terceira nota característica do assédio, pelo menos para um sector da doutrina, consiste nas consequências deste designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. O assédio pode produzir um amplo leque de efeitos negativos sobre a vítima que é lesada na sua dignidade e personalidade, mas que pode também ser objecto de um processo de exclusão profissional, destruindo-se a sua carreira e mesmo acabando por pôr-se em causa o seu emprego...". E mais adiante, a páginas 431/433, acrescenta “O assédio converte-se em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar. As práticas e os procedimentos para o fazer são praticamente inumeráveis; a título de exemplo, refira-se apenas a mudança de funções do trabalhador, por exemplo, para funções muito superiores à sua experiência e competência para levá-lo à prática de erros graves, a atribuição de tarefas excessivas, mas também, e frequentemente, o seu inverso, como seja a atribuição de tarefas inúteis ou o esvaziamento completo de funções. Como se disse, os meios empregues podem ser os mais diversos: frequentemente adoptam-se medidas para impor o isolamento social do trabalhador, que podem consistir em proibir aos outros trabalhadores que lhe dirijam a palavra, em reduzir-lhe os contactos com os clientes ou mesmo em impor-lhe um isolamento físico....”. De acordo com Guilherme Drey, Código do Trabalho Anotado, obra colectiva, 4ª, pág. 124, o mobbing consiste numa “…prática persecutória reiterada, contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem como objectivo ou como efeito afectar a dignidade do visado, levando-o eventualmente ao extremo de querer abandonar o emprego.” De acordo com Margarida Barreto, o assédio moral no trabalho define-se como “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.” (Uma Jornada de Humilhações, 2000 PUC/SP, disponível em http://www.assediomoral.org/site/assedio/AMconceito.php.). No mesmo Acórdão citado referiu-se o seguinte: «Qual o critério em função do qual se há-de distinguir uma situação de mobbing de outra de mero conflito laboral? Respondendo, diremos que o que verdadeiramente diferencia o conflito laboral do assédio moral é a intencionalidade que está por detrás de um e de outro, sendo que neste último existe, como motivação da conduta, uma clara e manifesta intenção do agressor se livrar da pessoa assediada, ao passo que no primeiro não existe da parte do agressor uma intenção deliberada de livrar-se do trabalhador; sem essa intenção do agressor não existe assédio moral – no sentido de que a verificação de uma situação de mobbing exige a demonstração de uma conduta persecutória intencional da entidade empregadora sobre o trabalhador, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 29/3/2012, proferido no âmbito do processo 429/09.9TTLSB.L1.S1, e da Relação de Lisboa de 13/4/2011, proferido no âmbito do processo 71/09.4TTVFX.L1-4. A acrescer a essa intenção, o comportamento subsumível ao conceito de assédio moral há-de ser sistemático, repetitivo e com clara premeditação de realização daquela intenção. Resulta de tudo quanto vem de referir-se que, conquanto isso não resulte explícito do art. 29º/1 do CT/09, só pode ter-se por registada uma situação de mobbing naqueles casos em que subjacente ao comportamento indesejado do empregador ou dos superiores hierárquicos esteja a pretensão de forçar o trabalhador a desistir do seu emprego». Ou seja, a conduta integradora do assédio tem necessariamente de ser cometida sob a forma dolosa, ou intencional como se referiu no mesmo Acórdão, já que subjacente a uma conduta integrável no mobbing estará sempre uma intenção persecutória da entidade empregadora, designadamente com vista a furtar-se às proibições de despedimento sem justa causa, socorrendo-se de um mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores, ou seja, a intenção da entidade empregadora forçar o trabalhador a desistir do seu emprego. No caso dos autos, não se provou que a autora pretendesse que a ré desistisse do emprego. A apenas se estabeleceu com relevo para a sua apreciação (facto 2., 3., 4., 10., 11., 12.,) que a ré foi admitida ao serviço da autora em para o exercício das funções de controlo de qualidade (“funções de preparação e execução de controlo de qualidade de peças plásticas, utilizando conhecimentos técnicos adequados, respeitando as normas de higiene, segurança e ambiente, bem como outras que aquela o possa legalmente incumbir”, que até Janeiro de 2019, nesse quadro, tinha as funções descritas em 3. com a supervisão e validação dos seus superiores hierárquicos e que em janeiro de 2019, após reorganização do Departamento da Qualidade, a ré passou a executar essencialmente as funções de controlo da qualidade de fornecedores em resultado de uma reorganização interna promovida pela engª CC, funções essas que se inserem nas funções de “Controladora de Qualidade.” Quanto a estes factos, não verificamos qualquer esvaziamento ilícito de funções, correspondendo as que a ré passou a desempenhar, em reorganização legítima do âmbito do poder de direcção do empregador, a funções integradas na categoria da ré. Claro que também se provou (factos 14.,15., 17., 18. e 21.) que a engª CC fala de forma agressiva, em voz alta e exaltada., que comentou o facto de a ré não se disponibilizar para fazer horas extra, que corrige e rasura os documentos que lhe são apresentados pelos trabalhadores do Departamento de Qualidade, por vezes com tinta vermelha, que por vezes deixava recados escritos na secretária da ré, que em dia não determinado a equipa da Qualidade tirou uma fotografia para colocar numa rede social, onde a ré não foi incluída. Mas deste quadro não se retira qualquer quadro discriminatório ou situação que não atingisse também desagradavelmente outros trabalhadores num contexto de conduta indelicada por parte da dita engª CC. Por outro lado, no que toca à orientação da actividade do trabalhador não nos podemos esquecer, que ao empregador compete o poder de direcção, podendo alterar o modo de exercício das funções do trabalhador também em função das actividades que prosseguir e que estiverem ao seu real alcance. E, como refere Júlio Gomes (Direito do Trabalho, Vol. I, pag. 436), nem todos os conflitos no local de trabalho são um “mobbing”, sendo, até, “importante evitar que a expressão assédio se banalize”. Nas suas palavras, “nem todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um mobbing, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante quer porque não são realizados com tal intenção”. No caso o carácter repetitivo, descriminatório e assediante não pode ter-se por demonstrado. E como se referiu no acórdão desta Relação citado, no trecho acima transcrito, o que “verdadeiramente diferencia o conflito laboral do assédio moral é a intencionalidade que está por detrás de um e de outro, sendo que neste último existe, como motivação da conduta, uma clara e manifesta intenção do agressor se livrar da pessoa assediada, ao passo que no primeiro não existe da parte do agressor uma intenção deliberada de livrar-se do trabalhador; sem essa intenção do agressor não existe assédio moral”. No caso, não podemos inferir aquela intenção. Neste caso, não podemos reconhecer à ré qualquer direito de indemnização, por ilícita violação culposa dos seus direitos. Por isso, terá de improceder o recurso de apelação, entendendo-se como adequada a decisão da 1ª instância. * Sumário:(…) * Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação. Custas no recurso a cargo da apelante. * Coimbra, 28 de Setembro de 2022(Luís Azevedo Mendes) (Felizardo Paiva) (Paula Maria Roberto) |