Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
172/20.8T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EMPREITADA
OBRAS NOVAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
Data do Acordão: 11/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 479.º E 1217.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL, E ARTIGO 609.º, N.º 2, DO CPC
Sumário: Quando não estão determinadas as “balizas” dentro das quais vai funcionar o juízo de equidade – os “limites mínimo e máximo” – deve optar-se pela condenação «no que vier a ser liquidado», no quadro previsto no art. 609º, nº2 do n.C.P.Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

AA e mulher, BB, com os NIF´s, respetivamente, ... e ...79, residente na Estrada Nacional n.º ..., Lote ..., ... ..., interpuseram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “P..., Unip., Lda.”, pessoa colectiva com o NIPC ... e sede na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que a ação seja julgada procedente, porque provada e em consequência, que a ré seja condenada a indemnizar os autores pelo valor de € 16.000,00, ao qual acrescerá o correspondente valor que terão de pagar a titulo de IVA à taxa legal em vigor sobre aquele valor, e bem assim os juros vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegam, muito em síntese, que contrataram com a ré a realização de uns muros na sua propriedade e que os muros ruíram, por terem sido mal concebidos e construídos pela ré.

*

Regularmente citada a ré, confessa que efetivamente foi contratada para realização de uns muros de vedação da propriedade dos autores, tendo dado preço para os mesmos, tendo-os construído, e que depois de construídos uma parte deles foi destinada a muro de suporte de terras, função para os quais não forma concebidos e não haviam sido contratados.

Além disso realizou trabalhos não compreendidos no contrato, pedindo em via reconvencional que sejam os autores condenados a pagarem-lhe a quantia de €1.200,00 de tais trabalhos.

                                                           *

Os AA. replicaram pronunciando-se no sentido da não admissão da reconvenção ou, no limite, que a mesma devia ser julgada improcedente.

*

Procedeu-se ao saneamento e instrução do processo.

Foi realizada a audiência de julgamento, com a produção da prova requerida pelas partes, como consta das Atas.

*

Na sentença, considerou-se, em suma, que a causa da derrocada do muro não podia ou devia ser imputada à Ré, antes tinha sido consequência das finalidades que os Autores deram ao muro, a saber, como muro de suporte de terras, o que teve lugar depois de apresentada a proposta pela Ré de construção do mesmo como muro de vedação (como veio a ser por ela executado), face ao que era de excluir a responsabilidade contratual, e consequentemente tinha que se julgar improcedente a ação; já quanto ao pedido reconvencional, na medida em que dos factos provados resultava que havia trabalhos realizados pela reconvinda que importavam em € 1.200,00, esta quantia era devida à Ré.

Nestes termos, concluiu-se com o seguinte concreto “dispositivo”:

« III – Decisão:

Por tudo o exposto o tribunal julga parcialmente improcedente a presente acção e procedente a reconvenção, e em consequência disso:

A. Absolve a ré do pedido formulado pelos autores;

B. Condena os autores a pagar à ré a quantia de €1.200,00, a título de custos e mão de obra em que mesma incorreu nela se incluindo o IVA à taxa legal.

**

Custas pela autora.

**

Registe e notifique. »  

                                                            *

            Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1.ª- Os Autores, na posição de donos da obra, e a Ré, na posição de empreiteira, celebraram um contrato de empreitada – art.º 1218º, do C. Civil –, tendo por objecto a construção de um muro perimetral do logradouro da sua moradia, o qual deveria cumprir a função delimitação do logradouro em relação aos espaços exteriores e ainda funções de suporte de terras ali depositadas com a finalidade de nivelar a cota a que se encontrava toda a sua área.

2.ª- Dois meses após o inicio dos trabalhos da empreitada, uma vez já edificados os referido muro ( ou muros), quando já só faltava serem rebocados, os autores mandaram proceder ao aterro do logradouro e compactação do prédio, o que induziu uma carga acrescida no muro lateral esquerdo e de tardoz do lote, executado pela ré, provocando nos mesmos um arco curvatura para o exterior, que foi aumentando, acabando o muro do lado esquerdo por colapsar para o prédio vizinho, ameaçando o muro de tardoz o seu colapso eminente.

3.ª- Havendo necessidade de demolir e remover os segmentos do muro que haviam colapsado e/ou que ameaçavam colapsar, e bem assim proceder à construção de um novo muro que substituísse aqueles segmentos, a ré, depois de notificada para o efeito, recusou-se a fazê-lo.

3.ª- O que implicou que os autores tivessem mandado reconstruir o muro por uma entidade terceira, mediante previa remoção do que restava do muro executado pele ré na parte em que colapsou ou ameaçava colapsar, pretendendo agora ser compensados pela ré pelos custos acrescidos que tal operação representou para aqueles em face da recusa havida.

4.ª- Compensação essa que os autores consideram ter suporte legal no regime jurídico das “empreitadas de consumo” previsto no DL n.º 67/2003 de 08 de Abril.

5.ª- Preceitua o artigo 3.º do citado DL 67/2003 estatui que o “ vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue ” (aplicável também nas situações de empreitada, cfr. artigo 1.º nº 2 do mesmo diploma).

6.ª- Nos termos do referido regime, é sempre posta a tónica da falta de conformidade, sendo que tal conformidade ter-se-á que aferir pelo contratado, as expectativas dos contraentes e declarações negociais entre eles.

7.ª- Posto isto, para aferir o grau de responsabilidade da ré com base no cumprimento defeituoso da obrigação por ela assumida perante os autores no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre as partes importa, previamente, definir que obrigação foi essa assumida pela demandada, para depois se apurar se houve ou não desconformidade entre a execução e o contratado .

8.ª- No essencial o Tribunal considerou que, em face da prova produzida e analisada em julgamento, o “objeto mediato” do contrato de empreitada celebrado entre os autores, na qualidade de “donos da obra” e a ré ( na qualidade de empreiteira) consistia na obrigação assumida por esta de executar para aqueles uma muro perimetral de vedação e não um muro de suporte de terras que garantisse estabilidade em face do aterro que aqueles fizeram no logradouro do seu prédio, colocando-o todo a uma só quota.

9.ª- O que deu lugar à valoração como “não provados” dos factos vertidos no ponto 4 supra;

10.ª- Todavia, pelas razões que deixamos expostas no pontos 8 a 14 supra, cujo teor aqui damos por reproduzido, houve errada valoração da prova pelo Tribunal, o que justifica a revogação da sentença recorrida nessa parte, e a consignação como provada da matéria alinhada no ponto 15 das alegações;

11.ª- Da mesma forma que, pelas razões expostas nos pontos 17 e 18 das alegações, a matéria vertida no ponto 19 deverá ser valorada como “provada”;

12. ª Ao invés, pelas razões expostas no ponto 36.º das alegações, a matéria ali vertida no ponto 35 deverá ser valorada como “não prova”;

13.ª- Caso venha a obter acolhimento do Tribunal de recurso a pretensão recursória dos autores na parte em que impugnaram a decisão da matéria de facto proferida pela decisão recorrida nos termos sobreditos – o que se espera venha a acontecer - a matéria de facto que há-de suportar a decisão de direito será a que consta dos pontos 3, 15 e 19 das alegações.

14.ª- Subsumindo essa mesma factualidade à alegação de direito constante da petição inicial, que aqui damos por reproduzida por uma questão de economia processual, a decisão final da ação irá, necessariamente, no sentido da sua procedência;

15.ª- Pelas razões expostas nos pontos 20 a 33 das alegações, requer-se a revogação do despacho que admitiu liminarmente o pedido reconvencional e a sua substituição por outro que a indefira liminarmente;

Quanto assim se não entenda,

16.ª- Alterando-se a decisão acerca da matéria de facto proferida pela sentença recorrida nos termos pugnados nos pontos 35 a 37 das alegações, a decisão final acerca da pretensão da ré quanto ao pedido reconvencional será, implicará necessariamente um juízo de improcedência dessa pretensão;

17.ª – Juiz de improcedência que sempre se imporá, mesmo sem que haja alteração da matéria de facto nos termos pugnados, uma vez que não foi alegado e muito menos provado que alguma vez tenha ficado acordado que o preço que os autores/reconvindos se obrigavam a pagar à ré/reconvinte pelos trabalhos ali mencionados seriam de 1200,00 Euros ou qualquer outro;

Decidindo nos termos requeridos, far-se-á a necessária justiça.

O que se requer!»                                                          

                                                                       *

            Por sua vez, apresentou a Ré7reconvinte contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«1) A matéria de facto dada como prova nenhum reparo merece, pelo que deve manter-se inalterada .

2) Os AA solicitaram á Ré a construção de um muro de vedação.

3) A Ré comprometeu-se a executar esse muro de vedação, tal qual se mostra pelo orçamento apresentado por carta, junto aos autos como Doc. 3.

4) O muro de vedação tem regras de construção diferentes de muro de suporte, quer ao nível de estrutura, quer ao nível de alicerces, vigamentos laterais, pilares, travamentos… sendo para este ultimo muito mais exigente.

5) Entrementes os AA/Recorrentes alteraram a função do muro (para muro de suporte) encostando ao mesmo grandes quantidades de terras, e seu compactamente do mesmo com …retroescavadora de grande peso e com chuva que ali se depositaram, fazendo com que o mesmo caísse.

6) Foi assim, o encosto de grandes quantidades de terra, seu compactamente de maquinas de grandes peso em cima, grandes quantidades de água da chuva que ali se depositaram em cima do muro, que fizeram com que este caísse e não qualquer violação de legis artis / ou defeitos de construção.

7) Os AA Recorrentes, pretendem que a Ré lhes faça / ou pague ou indemnize a construção de um muro de suporte que computam num valor superior ao dobro do orçamento do que a Ré fez, (estando ainda em divida pelo menos em metade do valor orçamentado) fazem-no em manifesta má fé, abuso de direito, configurando tal conduta um enriquecimento sem causa., tal viesse a ser dado procedência.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, assim se mantendo a decisão recorrida com o que se fará

Justiça.»

                                                                      *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Autores nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - impugnação da matéria de facto, invocando o incorreto julgamento da matéria de facto quanto aos factos dados como “provados” sob os pontos “39.”, “40.” e “41.” [relativamente aos quais entendem que os mesmos deviam ser dados como “não provados”] e quanto aos factos dados como “não provados” sob os itens 1 a 4 e 6 a 8 e bem assim sob os itens 12 a 16 [os quais deviam figurar entre os “provados”];

- incorreto julgamento de direito [porquanto deferindo-se a impugnação à decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, «(…) a decisão final da ação irá, necessariamente, no sentido da sua procedência»; quanto à reconvenção, pugnam por que devia ter tido lugar o seu indeferimento liminar, por falta de fundamento legal para a sua admissibilidade; quando assim se não entenda, o deferimento da impugnação à decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, «(…) implicará necessariamente um juízo de improcedência dessa pretensão»; juízo de improcedência que sempre se imporá, isto é, mesmo sem que haja alteração da matéria de facto nos termos pugnados, «uma vez que não foi alegado e muito menos provado que alguma vez tenha ficado acordado que o preço que os autores/reconvindos se obrigavam a pagar à ré/reconvinte pelo trabalhos ali mencionados seriam de 1200,00 Euros ou qualquer outro.»]      

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de Factos Provados:

«1. A ré é uma sociedade comercial cujo objecto societário se traduz na execução de obras de construção civil e obras públicas por conta de outrem, mediante o recebimento uma retribuição.

2. Os autores são donos e legítimos possuidores de um lote de terreno correspondente ao prédio urbano sito em ... / ..., Estrada Nacional n.º..., freguesia ... e ..., composto por casa de habitação de um piso e logradouro com a área total de 965 m2, da qual 179,36 m2 é área coberta e 785,64 m2 é área descoberta, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...93 – P e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15 da dita freguesia (doc. fls. 13vs-14vs, cujo teor se dá por reproduzido);

3. Até finais de 2018 o prédio dos autores mais não era do que um lote para construção, desprovido de qualquer edificação ou muro de delimitação;

4. No decurso do ano de 2019 os autores edificaram ali uma moradia unifamiliar de um só piso com a área de179,36 m2 para habitação própria dos mesmos, que veio a receber o alvará de utilização n.º ...19 de 31.10.2019 (doc. fls. 15 cujo teor se dá por reproduzido);

5. O lote de terreno dos autores tem uma configuração rectangular, com uma orientação noroeste/sudeste, composto por uma frente junto à EN n. º2, uma parte de tardoz orientada noroeste, e dois segmentos laterais, mais cumpridos, orientados a oeste e a este;

6. Até Setembro de 2019, o lote de terreno dos autores apresentava um perfil inclinado, com uma cota mais elevada ao nível da EN n. º2 na zona de ligação a esta via, descendo até alcançar sua zona posterior, que se encontrava uma cota cerca de dois metros mais abaixo que aquela;

7. Também transversalmente o lote de terreno apresentava uma cota descendente no sentido este/oeste, estando a cota do lado oeste cerca de dois metros mais a baixo do que a cota do lado este;

8. Concluída a construção da moradia, os autores pretenderam aterrar o seu prédio por forma a coloca-lo a uma cota constante em toda a sua extensão e correspondente à cota de soleira daquela moradia;

9. Em Julho de 2019, a ré enviou um orçamento para construção de um muro de vedação de todo o tereno, que foi aceite pelos autores discriminando os trabalhos:

- Construção de um muro em bloco, alicerces, sapatas e pilares devidamente adequadas às exigências, com um metro de altura na parte frontal do terreno;

- Construção de um muro de bloco, alicerces, sapatas e pilares devidamente adequadas às exigências, com três metros de altura na parte traseira do terreno;

- Construção de dois muros em bloco, alicerces, sapatas e pilares devidamente adequados às exigências, com mais ou menos dois metros de altura em ambas as laterais do terreno;

- Todos os muros são rebocados e areados (conforme documento de fls. 16, cujo teor se dá por reproduzido);

10. O preço total acordado para a obra foi de 10.800 Euros, ao qual acrescia o IVA À taxa legal em vigor;

11. A quando da sua adjudicação os autores pagaram à ré a quantia de 4000,00 Euros, tendo procedido ao reforço do sinal pouco tempo após o inicio dos trabalhos, mediante a entrega àquela de mais 3000,00 Euros em numerário;

12. A ré iniciou a execução do muro contratado em Setembro de 2019;

13. A ré teve total liberdade na definição técnica do que entendia ser “…alicerces, sapatas e pilares devidamente adequados às exigências…” do muro, nos termos por ela própria referidos na proposta contratual que apresentou aos autores;

14. Aquando da execução dos trabalhos mencionados nos três primeiros pontos do contrato, a ré deixou uma abertura de cerca de 15 metros de largura no muro implantado na confrontação a este do prédio, destinada a permitir a entrada e saída dos veículos que iriam depositar as terras no lote e proceder aos trabalhos de terraplanagem (cfr. doc. n.ºs de fls. 16vs a 17vs.);

15. Dois meses após o inicio execução do contrato, a ré já tinha construído os muros referidos nos seus três primeiros pontos, faltando proceder ao seu reboco e areamento.

16. Entretanto os autores mandaram proceder ao aterro, e compactação do solo do prédio.

17. Por esse período ocorreu grande pluviosidade.

18. Por essa altura o muro de tardoz já evidenciava um arco de curvatura para o exterior significativo, e bem assim fissuras extensas reveladoras importantes deformações por efeito das forças que sobre ele estavam a ser exercidas (doc.s de fls. 18-20vs.).

19. E o mesmo sucedida com o muro lateral voltado a oeste, precisamente os dois muros que asseguravam o suporte das terras depositadas no lote (doc. fls. 21-24 vs.).

20. Em meados de Dezembro de 2019, o muro acabou por se esventrar para o prédio vizinho, entrando em derrocada numa extensão de cerca de 40 metros.

21. Em face do sucedido os autores contactaram o gerente da ré para que procedesse à reparação dos muros, colocando-os nas condições contratadas para a sua execução e concluísse a obra;

22. O que aquela se recusou terminantemente a fazer.

23. Em face do desinteresse da ré, os autores contactaram uma outra sociedade de construção civil com vista a apurar quais as características técnicas que os muros deveriam ter por forma a cumprir, naquele local, com a função a que os mesmos se destinavam.

24. Segundo os técnicos, em função da topografia do local, as características do solo e as cargas que o muro teria de suportar, para assegurar a sua estabilidade e integridade este deveria ser executado com as seguintes características técnicas:

- Aplicação de betão de limpeza, dosagem 200kg/m3, numa espessura medida de 5 cm em fundações;

- Sapata continua;

- Aplicação de betão C20/25 e aço do tipo A 400NR em elementos estruturais necessários à sapata contínua;

- Pilares de 0,25x0,25 espaçados de 3 em 3 metros;

- Construção de viga cinta a meio da altura do muro com dimensão de 0,25x0.50m;

- Construção de viga lintel no topo do muro com a dimensão de 0,25x0,30 m;

- Aplicação de blocos de cimento de 50x20x25 cm;

- Aplicação de sistema de drenagem de águas pluviais através do assentamento de tubo geo-dreno com secção de 110 mm, envolvido em brita e manta geotêxtil a tardoz; (doc. de fls. 25);

25. Características estas não existentes na construção.

26. O que constituiu causa adequada da derrocada do muro da confrontação a oeste, e bem assim das fissuras e deformações que apresenta o muro de tardoz, que ameaça colapsar;

27. Na posse da informação referida em 24, os autores, através de advogado, por carta registada com AR de 13.02.2020, notificaram a ré para, em 30 dias, proceder às reparações necessárias com vista à eliminação das anomalias da obra e à sua conclusão nos termos contratados e sem vícios (doc.s de fls. 25vs-26vs. cujo teor se dá por reproduzido);

28. Nessa notificação os autores advertiram, expressamente, a ré de que, a não execução das obras de reparação do muro no prazo fixado – 30 dias- implicaria a opção por mandar executar o serviço de reparação por outro empreiteiro, imputando-lhe os custos inerentes;

29. A esta interpelação respondeu a ré, através de advogado, declinando qualquer responsabilidade pelo sucedido; mais afirmando – como sinal de boa vontade – que apenas se disporia a reparar o muro eu havia entrado em derrocada, mediante o pagamento pelos autores de 2.000,00 Euros, ao que acresceria ao valor inicialmente contratado e ainda não pago (doc. de fls. 27);

30. Os autores, através de advogado, por carta de 24 de Março de 2020 voltaram a interpelar a ré para proceder à reparação e conclusão do muro no prazo de 15 dias, com a advertência de que caso o não fizesse, considerariam haver desinteresse na sua parte, tendo-se a obra por abandonada, diligenciando aqueles pela sua execução por terceiros;

31. A ré nada mais disse.

32. O gerente da ré tem o seu estaleiro nas imediações da habitação dos autores.

33. Ante o desinteresse manifestado pela ré na eliminação dos defeitos e na conclusão dos muros, os autores – que perderam de todo a confiança que haviam depositado naquela - consideram o contrato definitivamente incumprido por aparte daquela, e outra alternativa não lhes restou que não a de contratarem uma outra sociedade empreiteira com tal objectivo;

34. Os autores contrataram a sociedade de construções “V..., L.da.”, com sede na Estrada ..., ... em ....

35. O objecto deste outro contrato de empreitada é composto por duas fases:

Uma primeira fase ( a dos trabalhos preparatórios ) que consiste no desenvolvimento dos trabalhos de remoção do entulho resultante da derrocada do muro de suporte existente ( na confrontação a oeste), bem como a demolição do muro de tardoz, aqui se incluindo o movimento de terras necessário e transporte dos produtos sobrantes a vazadouro;

Uma segunda fase, que consiste na execução de dois novos muros (de tardoz e na confrontação a oeste), nos termos e com as características técnicas mencionadas supra na proposta.

36. A execução dos trabalhos preparatórios (primeira fase) implicará para os autores um custo de 3.000,00 Euros mais IVA à taxa legal em vigor;

37. A execução dos muros correspondentes à segunda fase do contrato celebrado pelos autores com a “V..., L.da.”, com as características técnicas adequadas aos fins para os quais os autores o destinam, implica a total (até ao alicerce) remoção dos muros contruídos pela ré nas confrontações a oeste e a noroeste ( vértice lateral esquerdo e traseiro do prédio);

38. A execução dos trabalhos de (re)construção integral dos dois referidos muros, que substituirão os executados pela ré e que serão removidos, ascenderá a um custo de 18.523,00 Euros mais IVA à taxa legal em vigor.

39. A ré executou, a pedido dos autores, os trabalhos de colocação e preparação de soleiras de granito nos portões de entrada.

40. Procedeu à abertura de roços e aplicou focos no interior do muro.

41. Tais trabalhos importaram na quantia de €1.200,00.

42. O autor é Eng. Electrotécnico exercendo a sua profissão numa empresa de construção Civil.

43. Os autores no tardoz do prédio, na zona de maior diferença de cotas com o terreno vizinho, optaram pela construção de um muro de alvenaria em granito que tem a área de 164m2.

44. A construção do muro de alvenaria em granito tem um custo de €11.480,00 (fls. 54).

45. Os custos de remoção de entulho importam em €1.457,40 – resposta ao quesito 9º da perícia.»        

¨¨

E o seguinte em termos de factos Não Provados:

«Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa nomeadamente que:

 O réu tivesse conhecimento, no momento em que apresentou o orçamento aceite pelos autores que estes pretendiam colocar o terreno todo à mesma cota.

 Para isso, seria necessário proceder ao deposito, movimentação de terras e terraplanagem, depositando mais terra nas zonas situadas mais a noroeste e a oeste do lote (ou seja, nas traseiras e na parte lateral esquerda do prédio), e bem assim à construção de um muro perimetral em blocos e cimento que delimitasse o prédio da área exterior envolvente e, junto aos locais onde o terreno apresentava uma cota mais baixa, suportasse as cargas inerentes ao aterro que ali se previa fazer

 Para o efeito os autores contactaram diversas empresas com vista à contratação da execução dos trabalhos de deposito e movimentação de terras e terraplanagem, e de construção do muro perimetral;

 Uma dessas empresas contactadas foi a sociedade ré;

 Porém, porque o preço cobrado pela ré para a execução dos trabalhos de aterro e terraplanagem era superior aos preços cobrados por outras empresas, os autores decidiram adjudicar àquela, apenas, a execução do muro perimetral do lote;

 Munido deste conhecimento, em Julho de 2019, a ré propôs-se executar por conta dos autores os seguintes trabalhos:

- Construção de um muro em bloco, alicerces, sapatas e pilares devidamente adequadas às exigências, com um metro de altura na parte frontal do terreno;

- Construção de um muro de bloco, alicerces, sapatas e pilares devidamente adequadas às exigências, com três metros de altura na parte traseira do terreno;

- Construção de dois muros em bloco, alicerces, sapatas e pilares devidamente adequados às exigências, com mais ou menos dois metros de altura em ambas as laterais do terreno;

- Todos os muros são rebocados e areados;

 O muro cuja execução foi adjudicada à ré destinava-se, como se disse, a servir de delimitador do logradouro da casa de habitação daqueles, e bem assim de suporte das terras depositadas nesse logradouro para o colocar a uma cota uniforme em toda a sua extensão;

 Para isso, a ré deveria ter tido em conta as condições do terreno no local, designadamente a sua topografia, e as forças que iriam ser exercidas sobre o próprio muro tendo em conta a função que os mesmos deveria cumprir; (conclusivo)

 É verdade que a própria forma como a ré apresentou a sua proposta de execução da obra – não um único muro, mas sim quatro, como se de unidades independentes se tratassem – já revela uma concessão técnica da empreitada a executar que não fazia adivinhar nada de bom (conclusivo).

 Porém, os autores confiaram em que o seu gerente estivesse à altura da obra a executar, e por isso com ele contrataram (conclusivo).

 O que revela o conhecimento que a gerência da ré tinha dos trabalhos de aterro e terraplanagem que os autores se propunham executar na parte traseira do seu prédio;

 Pela extensão e gravidade dos danos sofridos pelo muro que havia colapsado, e bem assim pelos vícios estruturais que evidenciava o muro de tardoz, a recusa da ré em executar as reparações necessárias à eliminação dos defeitos detectados no prazo fixado – na pratica a demolição e reconstrução de uma parte correspondente a mais de 50 % da obra – implicava, pela própria natureza da empreitada em causa, simultaneamente, uma recusa daquela em prosseguir com os trabalhos objecto da própria empreitada;

 Pois que a ré sabia que, não procedendo à reconstrução da parte dos muros que havia colapsado e que ameaçava colapsar, não poderia concluir a obra nos termos contratados e sem vícios;

 O que daria lugar a uma situação de incumprimento definitivo;

 Tanto mais que, naquela altura, faltava, ainda, executar cerca de 15 metros lineares de muro na confrontação do lote a nascente do lote, e bem assim, proceder ao reboco e areamento de toda a obra contratada;

 O que não poderia ser feito sem a prévia reparação das anomalias reclamadas.»

                                                                       *

           

3.2 – Os AA./recorrentes deduzem impugnação da matéria de facto, invocando o incorreto julgamento da matéria de facto quanto aos factos dados como “provados” sob os pontos “39.”, “40.” e “41.” [relativamente aos quais entendem que os mesmos deviam ser dados como “não provados”] e quanto aos factos dados como “não provados” sob os itens 1 a 4 e 6 a 8 e bem assim sob os itens 12 a 16 [os quais deviam figurar entre os “provados”].

            Que dizer?

            Apreciemos com o necessário pormenor e detalhe cada um dos pontos de facto questionados.

Sem prejuízo de esta apreciação ser feita conjuntamente, quando justificada in casu.

Começando, naturalmente, pela apreciação dos pontos de facto dados como “provados” sob os pontos “39.”, “40.” e “41.” [relativamente aos quais entendem que os mesmos deviam ser dados como “não provados”], rememoremos, antes de mais, o seu teor literal, a saber:

«39. A ré executou, a pedido dos autores, os trabalhos de colocação e preparação de soleiras de granito nos portões de entrada.»;

«40. Procedeu à abertura de roços e aplicou focos no interior do muro.»;

«41. Tais trabalhos importaram na quantia de €1.200,00.»

Fundamentam, em síntese, os AA./recorrentes a sua pretensão de que estes pontos de facto deviam ser dados como “não provados” «Para prova dos referidos factos, designadamente do valor atribuindo aos mesmos pela ré ( sem confirmação da sua aceitação por parte dos autores) o Tribunal atendendo, em exclusivo, ao depoimento da testemunha CC, filho do gerente da ré e ele próprio seu trabalhador, sem se preocupar de ponderar qual a sua razão de ciência, como foi obtido o referido valor, se o mesmo alguma vez foi apresentado aos autores e se estes o aceitaram.

Que dizer?

Em nosso entender, compulsada a “motivação” consignada na sentença recorrida referente a este particular, ressalta desde logo a afirmação de que a execução da soleira de granito e dos roços para colocação de iluminação na parede não foram colocados em causa pelos AA..

E de facto, se bem compulsarmos o articulado de Réplica por estes oportunamente apresentado, logo ressalta que os AA. efetivamente aceitaram a execução desses trabalhos, que já não o seu valor [cf. arts. 15º a 18º desse articulado].

Ora se assim é, não se encontra justificação lógica sequer para os AA./recorrentes estarem a questionar/impugnar os pontos “39.” e “40.”, sendo certo que se intui ter a expressão por eles utilizada “designadamente do valor atribuindo aos mesmos pela ré” e o enfoque apenas dado ao aspeto do “valor” dessas obras, o significado de que apenas verdadeiramente visavam o “valor” das obras, isto é, o que consta do subsequente ponto “provado”, o “41.”.

            À luz deste entendimento e pressuposto, importa agora dizer que é efetivamente de lhes dar razão no que a este ponto “41.” diz respeito, na medida em que, compulsando a “motivação” não se encontra outra fundamentação em seu abono do que a resultante do depoimento da dita testemunha “CC”, sucedendo que, atenta a razão de ciência deste [a saber, ser filho do gerente da ré e ele próprio seu trabalhador], à partida não estava garantida a isenção e objetividade do mesmo [antes se evidenciou o seu natural interesse pelo resultado da causa!], acrescendo que o mesmo no seu depoimento nem se mostrou muito convicto e perentório quanto à afirmação do dito valor de € 1.200,00 para os trabalhos em causa.

Na verdade, tendo-se procedido à audição integral da correspondente gravação, constata-se que o Exmo. Mandatário o questionou [ao minuto 14:40] “quanto é que custou esse serviço?”, ao que o mesmo respondeu [ao minuto 14:44], e após alguma hesitação, “mil … e alguma coisa”.

Nesta ponderação, não se vislumbram efetivamente elementos de prova consistentes e concludentes para se ter respondido que «Tais trabalhos importaram na quantia de €1.200,00», pelo que, operando a reapreciação dos meios de prova postos à disposição do Tribunal, se entende ser de reformular a redação deste ponto de facto, o qual passará doravante a figurar pelo seguinte modo:

«41. Tais trabalhos importaram em quantia não concretamente apurada.»

Nestes precisos e mais restritos termos se deferindo a impugnação à decisão sobre a matéria de facto no que concerne aos factos “provados”.

¨¨

            Vejamos, de seguida, da impugnação que visa os factos “não provados”.

             Um primeiro grupo é o que contempla os factos dados como “não provados” sob os itens 1 a 4 e 6 a 8, os quais podem ser aglutinados porquanto todos eles referentes ou tendo por pressuposto o mesmo aspeto de base, qual seja, o de que a Ré foi contactada para dar um orçamento para um muro de suporte de terras no logradouro da casa dos AA., e que a Ré sabia ser esse o objetivo do mesmo (suportar as cargas inerentes ao aterro que ali se previa fazer tendo em vista colocar o logradouro a uma cota uniforme em toda a sua extensão).

Sendo certo que foi por via da convicção alcançada quanto a essa temática que o Exmo. Juiz a quo os consignou no elenco dos factos “não provados”.

Tanto quanto é dado perceber pelo que se encontra expresso na “motivação” da sentença recorrida, o Exmo. Juiz a quo relevou decisivamente que o orçamento era explícito quanto a ser um muro de vedação e não de suporte de terras, tendo sido esse documento escrito o ponto de partida da inquirição das testemunhas, sendo igualmente no confronto do mesmo que foram prestados os esclarecimentos por parte do Exmo. Perito na audiência.

Ademais foi valorizada a circunstância de que «(…) o autor marido, que é engenheiro trabalhando em obras de construção civil, não obstante ser electrotécnico, não pode deixar de saber qual é a diferença entre um muro de vedação e um muro de suporte de terras (…)», tendo sido sobretudo a essa luz que se apodou as “declarações de parte” prestadas pelo mesmo [naturalmente no sentido da confirmação do que estava alegado na p.i.!] como “contraditórias” e não merecedoras de credibilidade.  

De referir que a versão sustentada na audiência por parte do gerente da Ré, DD [no seu “depoimento de parte”] foi a de que só teve conhecimento de que os AA. pretendiam aterrar o logradouro, e destinar o muro a suporte de terras, na fase final da construção deste [reboco e areamento do muro], no que foi corroborado pela testemunha CC, seu filho, o qual se assumiu como tendo elaborado ao computador o orçamento já referido e ter acompanhado/colaborado na execução das obras.

Ora, nas alegações recursivas, sustentam enfaticamente os AA./recorrentes o erro de julgamento nesta parte, com base e suporte no teor de 5 das fotografias juntas aos autos, porquanto particularmente face a uma delas (“documento nº 12”) «é possível verificar a altura até á qual a ré procedeu ao areamento dos muros por si contruídos na sua face interior; Altura que foi levada até cerca de 15 a 20 centímetros do seu topo, revelando assim que a ré, antes do aterro ser feito, estava bem ciente da altura que a terra iria atingir», e bem assim que nessa mesma fotografia era possível visualizar um “topo de Escoamento” de água, o qual teria sido deixado incrustado pela Ré na própria parede de tardoz (a mais alta de todas) e a um nível imediatamente acima do nível máximo do aterro, o que evidenciaria o conhecimento pela mesma Ré do destino e objetivo do muro como de suporte de terras, e aterrado até àquele preciso nível.

Será assim?

Salvo o devido respeito, das fotografias não se evidencia a área total ou parcial que foi areada, mas apenas um nível de reboco, sendo que, em todo o caso, no seu depoimento de parte, o legal representante da Ré, DD, esclareceu, quanto a esse particular, que executou em termos de reboco e areamento o que lhe foi solicitado nessa precisa fase da obra (e não o que estava perspetivado/orçamentado), assim como negou ter sido ele a colocar o dito “topo de Escoamento” de água.

Esta versão/explicação do legal representante da Ré é perfeitamente plausível, donde, s.m.j., na ausência de outros elementos de prova que permitissem concluir insofismavelmente no sentido pretendido pelos AA., estamos reconduzidos para a dúvida legítima relativamente à versão sustentada pelos mesmos.

O que idem se diga relativamente aos depoimentos invocados das testemunhas EE (pai do autor marido) e FF (o construtor da casa dos AA., a quem teria sido igualmente pedido um orçamento para a execução dos muros, que disse ter sido de “muros de suporte”), os quais não se vislumbra que seja legítimo credibilizar no sentido pretendido/sustentado pelos AA./recorrentes: o primeiro deles porque afirmou factos que não presenciou, isto é, porquanto não resulta que tivesse conhecimento direto e pessoal das condições em que foi pedido o orçamento à Ré (nomeadamente as finalidades que o muro teria), nem que tivesse assistido às negociações das partes contratantes a esse propósito; o segundo deles porque apenas logrou falar sobre o que se passou consigo próprio.

  Na verdade, fundamental, senão decisivo, para que se pudesse alcançar uma convicção no sentido pretendido/sustentado pelos AA./recorrentes seria a junção de orçamentos referindo expressamente um muro de suporte de terras e o aterro do logradouro, o que sendo deste em termos totais, efetivamente evidenciaria uma intenção e vontade por parte dos AA., logo no momento inicial, de que o muro viesse a ter condições estruturais de resistência para contenção do aterro até uma cota uniforme, igualmente a ter lugar.

Naturalmente que a prova consistente e concludente de que assim teria sucedido seria feita através da junção de eventuais orçamentos, nomeadamente da terraplanagem e aterro, e que tivesse data anterior à adjudicação da construção do muro à Ré.

Sucede que nenhum elemento de prova documental desta natureza se mostra junto aos autos.

Nem da Ré, nem de qualquer outro empreiteiro.

Ao invés, apenas se encontra junto aos autos o orçamento da Ré, com literal alusão a “muro de vedação” (e não de suporte de terras), para além da referência a elementos construtivos (alicerces, sapatas e pilares) “devidamente adequados às exigências”, o que, salvo o devido respeito, admite qualquer interpretação, maxime a reportada ao indicado “muro de vedação” … 

Sendo intuitiva esta linha de argumentação em termos de prova quanto a este particular, a circunstância de não se encontrar junto aos autos qualquer prova documental daquela natureza, revela-se determinante para fazer soçobrar a versão dos AA..

Sendo certo que não há nenhuma presunção, nem sequer judicial (em termos de regras da experiência e da normalidade das situações) de que, com os dados assentes e conhecidos, a Ré deu orçamento para um muro de “contenção de terras”, e de que estava ciente que era essa a pretensão/finalidade dos AA., vinculando-se à execução de tal.

O que tudo serve para dizer que se entende não ter sido feito prova consistente e concludente no sentido de que os AA. pretendiam ab initio aterrar o logradouro da casa, colocando-o todo ao mesmo nível, pelo que foi nesse sentido que contatou a Ré pedindo-lhe orçamento e transmitindo-lhe que os muros perimetrais que pretendia fossem executados deveriam servir de muros delimitadores e de suporte de terras, em termos adequados à contenção do aterro que ali pretendiam executar.

Nesta linha de entendimento, improcede esta impugnação à decisão sobre a matéria de facto ora em apreciação, sendo certo que essa impugnação nem sequer tem justificação jurídica no que ao facto dado como “não provado” sob o item 8, o qual é efetivamente “conclusivo” (como adequadamente qualificado pelo Exmo. Juiz a quo).

                                                           ¨¨

O segundo grupo é o que contempla os factos dados como “não provados” sob os itens 12 a 16.

Quanto a estes a nossa resposta é linear e direta: estes pontos de facto têm cariz claramente argumentativo, e remetem para factualidade meramente instrumental, pelo que não é sequer caso de ponderar o acolhimento da impugnação quanto aos mesmos.

                                                           *

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão neste particular supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, que ocorreu incorreto julgamento de direito [porquanto deferindo-se a impugnação à decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, «(…) a decisão final da ação irá, necessariamente, no sentido da sua procedência»; quanto à reconvenção, pugnam por que devia ter tido lugar o seu indeferimento liminar, por falta de fundamento legal para a sua admissibilidade; quando assim se não entenda, o deferimento da impugnação à decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, «(…) implicará necessariamente um juízo de improcedência dessa pretensão»; juízo de improcedência que sempre se imporá, isto é, mesmo sem que haja alteração da matéria de facto nos termos pugnados, «uma vez que não foi alegado e muito menos provado que alguma vez tenha ficado acordado que o preço que os autores/reconvindos se obrigavam a pagar à ré/reconvinte pelo trabalhos ali mencionados seriam de 1200,00 Euros ou qualquer outro.»].

Que dizer?

Desde logo que, tendo em conta a decisão vinda de proferir relativamente à impugnação quanto à decisão sobre a matéria de facto no tocante aos factos “não provados”, em que os AA./recorrentes não lograram qualquer ganho de causa, a decisão de improcedência, no que à ação diz respeito, se nos afigura apodítica e incontornável.

Já o mesmo se não diga no tocante ao pedido reconvencional – ainda que o acolhimento do recurso nessa parte não tenha propriamente lugar nos termos clamados pelos AA./recorrentes.

Senão vejamos.

Preliminarmente, até por precedência lógica e jurídica, cumpre apreciar a invocação de que devia ter tido lugar o seu indeferimento liminar, por falta de fundamento legal para a sua admissibilidade.

Sucede que não assiste qualquer razão aos AA./recorrentes neste particular.

É que a reconvenção na circunstância estava fundada no disposto no art. 266º, nº2, al.c) do n.C.P.Civil, a saber, a Ré pretendia o reconhecimento do seu contracrédito decorrente dos “trabalhos a mais” que alegadamente realizou, o que, para a melhor doutrina, determina até «(…) o ónus de reconvir formulando o pedido de mera apreciação da existência do contracrédito, com base no qual pode fazer valer, em exceção, a extinção do crédito do autor».[2]

Havendo, assim, tutela expressa no normativo em causa para uma situação como a ajuizada, não se reconhece qualquer valia à linha de argumentação expendida pelos AA./recorrentes quanto a este particular, fundada na alegação de que «(…) não verifica em relação à reconvenção por ela apresentada qualquer elemento de conexão desta à ação proposta pelos autores contra ré, dos elencados nas als. a), b), c) e d) do n.º2 do artigo 266.º do C.P.C., que permitam a admissão da reconvenção».

Mas vejamos agora o aspeto do enquadramento jurídico propriamente dito, começando pelo que resulta da matéria de facto.

Quanto à sua improcedência (total) como virtual consequência do deferimento da impugnação à decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, tal não pode obviamente ter lugar, pela liminar e decisiva razão de que o deferimento dado a essa impugnação foi muito restrito e residual, designadamente subsistindo apurado [cf. factos “provados” sob “39.” e “40.”] que a Ré executou, a pedido dos AA., os trabalhos em causa (preparação e colocação de soleiras de granito, abertura de roços e aplicação de focos).

Contudo, recorde-se que na sentença recorrida a condenação proferida quanto a este particular assentava precisamente na circunstância em que dos factos provados resultava que havia trabalhos realizados pela reconvinda que importavam em € 1.200,00[3] [donde, esta quantia era devida à Ré], sucedendo que por via do deferimento parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto a tal respeitante, tudo como melhor flui do supra determinado, o factualismo neste particular passou a ser «41. Tais trabalhos importaram em quantia não concretamente apurada.» [sublinhado nosso]

Daqui resulta naturalmente, em nosso entender, que não pode efetivamente subsistir a condenação em € 1.200,00 que teve lugar[4], embora haja um incontornável direito de crédito da Ré a este título.

Mas qual será ele?

Ou será que sempre se impunha – como sustentado pelos AA./recorrentes! – um juízo de improcedência da reconvenção, isto é, mesmo sem que tivesse havido alteração da matéria de facto nos termos pugnados, «uma vez que não foi alegado e muito menos provado que alguma vez tenha ficado acordado que o preço que os autores/reconvindos se obrigavam a pagar à ré/reconvinte pelo trabalhos ali mencionados seriam de 1200,00 Euros ou qualquer outro»?

A nossa resposta é diversa.

Vejamos.

O quadro legal nesta matéria, enquanto “obras novas “ que são, consta do art. 1217º do C.Civil.

É certo que este normativo, ao invés do que havia sido a proposta de Vaz Serra no anteprojecto do C.Civil, não preceitua expressamente que o dono de obra, que tenha aceite ou aprovado os trabalhos, fica obrigado para com o empreiteiro de harmonia com os princípios do enriquecimento sem causa, mas tal continua a ser uma das soluções possíveis, sendo mesmo, quanto a nós, a mais adequada para uma situação como a ajuizada.[5]

Assim sendo, estamos reconduzidos ao estatuído no art. 479º do mesmo C.Civil, com a epígrafe de “objeto da obrigação de restituir”, no qual se preceitua da seguinte forma:

«1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.»

A esta luz, o que será então devido pelos AA.?

Importa reconhecer que se desconhece quer o número, características e dimensões das soleiras de granito, quer a extensão em que teve lugar a abertura de roços, quer ainda o número de focos aplicados.

Como igualmente se desconhece o número de horas de trabalho despendidos pela Ré.

O art. 609º nº2 do n.C.P.Civil estipula que «Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».

A aplicação desta norma depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores; mas como pressuposto primeiro de aplicação do dispositivo, deverá ocorrer a prova de existência de trabalhos/obras; este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, a quantidade de condenação.[6]

Concretizando.

Ao abrigo do disposto no art. 609º, nº2 do n.C.P.Civil, porque nos parece ser possível vir a apurar os elementos de que depende a liquidação, importa proferir condenação, neste particular, no que se vier a liquidar como devido pelos trabalhos/obras realizados [melhor descritos e identificados nos factos “provados” sob “39.” e “40.”], embora com o limite máximo dos € 1.200,00 que haviam sido pedidos, por respeito ao princípio do dispositivo.

Sendo certo que a liquidação terá em vista apurar não só o valor devido pelos trabalhos efetivados, como igualmente as quantidades dos materiais/equipamentos aplicados.

Nestes termos e limites procedendo o recurso quanto ao pedido reconvencional.

                                                           *

(…)                                                                *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, no provimento do recurso e parcial revogação da sentença da 1ª instância, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pelos Autores AA e mulher, BB, em consequência do que, revogando-se a condenação dos mesmos no pedido reconvencional deduzido pela Ré “P..., Unip., Lda.”, se substitui a sentença proferida nessa parte pela seguinte:

«B. Condena os autores a pagar à ré a quantia que se vier a liquidar como devida pelos trabalhos/obras realizados [melhor descritos e identificados nos factos “provados” sob “39.” e “40.”], embora com o limite máximo dos € 1.200,00 que haviam sido pedidos.»;

– No demais, mantém-se a improcedência da ação.

Custas: em ambas as instâncias, por AA. e Ré, na proporção de 9/10 para os primeiros e 1/10 para a segunda, sendo, quanto à parte ilíquida ora determinada, provisória e antecipadamente.

Coimbra, 22 de Novembro de 2022

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Carlos Moreira





[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Citámos LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1.º, 3ª Edição, Livª Almedina, 2014, a págs. 522, na linha da posição expressa por RAMOS FARIA / LUÍSA LOUREIRO, in “Primeiras notas ao novo Código de Processo Civil”, Livª Almedina, 2013, em anotação ao art. 266º em referência.
[3] Cf. facto “provado” sob “41.”, a saber, «41. Tais trabalhos importaram na quantia de €1.200,00.»
[4] Aliás, nem se consegue divisar o como e porquê de se ter encontrado/fixado um tal montante, sem embargo de esse ter sido o valor concretamente peticionado…
[5] Sobre a questão vide PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora, 3ª ed., 1986, a págs. 812-813.
[6] cfr. ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, vols. I pág. 614 e segs. e V pág. 71; VAZ SERRA, in “RLJ”, ano 114.º, pág. 309 e RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao C.P.C”, vol. III, pág. 233.