Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARTUR DIAS | ||
Descritores: | ARRESTO CONVERSÃO EM PENHORA RECUSA DO REGISTO | ||
Data do Acordão: | 09/20/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE NELAS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 56º E 406º DO CPC | ||
Sumário: | I – O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são, “grosso modo”, aplicáveis as disposições relativas à penhora (artº 406º, nº 2) - funciona como pré-penhora Ac. STJ de 18/05/95, in CJ, STJ, III, II, 92. - e o seu decretamento há-de fundamentar-se no justificado receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito (artº 406º, nº 1).
II - Não merece censura a recusa do registo, por averbamento, da conversão do arresto em penhora, se não coincidem as identidades do arrestado e dos executados, nem a instauração da execução contra estes, que não figuram no título executivo como devedores, encontra fundamento no artigo 56º do Cód. Proc. Civil. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da relação de Coimbra:
1. RELATÓRIO M…, solicitadora de execução, com domicílio profissional na Rua … e J… e mulher H…, residentes na Rua …, interpuseram recurso contencioso da decisão proferida em 07/05/2010 pela Ex.ma Conservadora do Registo Predial de … de recusa do registo (conversão de arresto em penhora) a que respeita a apresentação nº 1861 de 30 de Abril de 2010. A Ex.ma Conservadora sustentou a sua decisão. Remetido o processo a Juízo, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de não merecer provimento o recurso e dever ser mantida a decisão impugnada. Foi depois proferida a sentença de fls. 153 a 157 julgando o recurso improcedente e mantendo na íntegra a decisão da Ex.ma Conservadora. Inconformados, os recorrentes interpuseram novo recurso, agora para esta Relação, encerrando a alegação que apresentaram com as conclusões seguintes: ... O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do julgado. Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.
*** Tendo em consideração que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil[1]); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a verdadeira questão a decidir resume-se a saber se no caso concreto em análise havia ou não fundamento para a recusa do registo de conversão do arresto em penhora. *** 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. A factualidade e incidências processuais com relevo para a decisão são as que resultam do relatório antecedente, que aqui se dá por reproduzido, e ainda as seguintes: A) Através da apresentação 5 de 2002/10/15 foi registado como provisório por natureza o arresto do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o nº … da freguesia de …, figurando como sujeitos activos J… e mulher H…, casados no regime de comunhão de adquiridos, como sujeito passivo “B …, Lda” e como quantia € 15.462,73; B) Aquele registo foi convertido em definitivo pela apresentação 1 de 2005/04/29; C) Em 2003/01/06, através da apresentação 13, foi registada a constituição da propriedade horizontal do prédio referido em A), o qual ficou a ser integrado pelas fracções A1 a A9, B1 a B9, C1 a C9, D1 a D9, E1 a E9, F1 a F9, G1 a G9 e H1 a H4; D) A “B…, Lda” foi declarada falida nos autos de falência nº …; E) Em 23/01/2006, dando à execução a sentença condenatória proferida na acção declarativa nº 599/2002, em que foram AA. J… e mulher H… e R. B…, Lda, aqueles instauraram acção executiva para pagamento de quantia certa (€ 39.728,48) contra o Banco …, a quem a “B…” fez dação em cumprimento de algumas das fracções referidas em C) e contra 50 (cinquenta) pessoas singulares, enquanto adquirentes, por compra e venda, de outras das fracções autónomas referidas em C); F) Nessa execução foi, por despacho de 02/10/2009, afirmado que “nada obsta ao prosseguimento dos autos, com conversão do arresto em penhora, sem prejuízo do que se vier a decidir nos apensos C e D”. E, ponderando que “em virtude da alteração operada pelo DL 38/2003, de 8 de Março, no disposto no artigo 846º do CPC, aplicável aos presentes autos, a conversão do arresto em penhora não depende de despacho judicial”, foi ordenada a notificação da Srª Solicitadora de Execução para agir em conformidade; G) Em 23/03/2010, através da apresentação 419, a Srª Solicitadora de Execução pediu o registo da conversão em penhora do arresto referido em A) e B); H) O que foi recusado pela Ex.ma Conservadora do Registo Predial de … por despacho de 07/04/2010; I) Em 30/04/2010, através da apresentação 1861, a Srª Solicitadora de Execução pediu novamente o registo da conversão em penhora do arresto referido em A) e B); J) O que foi recusado por despacho da Ex.ma Conservadora de 07/05/2010; k) Foi esse despacho de recusa que a Srª Solicitadora e os arrestantes/exequentes impugnaram judicialmente, incidindo o presente recurso sobre a decisão que negou provimento à dita impugnação.
*** 2.2. De direito O arresto, do ponto de vista do direito processual, é um procedimento cautelar especificado que se rege pelas normas que lhe são próprias (artºs 406º a 411º) e, quando estas sejam omissas, ainda pelas do procedimento cautelar comum, com excepção do preceituado no artº 387º, nº 2 (artº 392º, nº 1). Consiste tal procedimento numa apreensão judicial de bens, à qual são, “grosso modo”, aplicáveis as disposições relativas à penhora (artº 406º, nº 2) - funciona como pré-penhora[2] - e o seu decretamento há-de fundamentar-se no justificado receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito (artº 406º, nº 1). Ao requerente do arresto compete, nos termos do artº 407º, nº 1, deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devam ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência. Para o decretamento do arresto basta que sumariamente (“summaria cognitio”) se conclua pela séria probabilidade da existência do crédito (“fumus boni iuris”) e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio conduza à perda da garantia patrimonial (“periculum in mora”).
Mas também o direito substantivo, nos artigos 619º a 622º do Cód. Civil, se refere ao arresto, como forma de conservação da garantia patrimonial do credor. É dos princípios gerais e consta do artº 601º do Cód. Civil, que a garantia do credor é o património do devedor. Assim, quanto menor for tal património, menos garantido está o credor, a quem, por isso, não interessa a respectiva diminuição. Daí que a própria lei substantiva tenha previsto que “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”- artº 619º, nº 1 do Cód. Civil. E, efectuado o arresto, o credor fica seguro da sua garantia pois os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação a si, de acordo com as regras próprias da penhora (artº 622º, nº 1 do Cód. Civil). Inclusivamente, nos termos dos artºs 846º e 838º do Cód. Proc. Civil e 101º, nº 2, al. a) do Cód. Reg. Predial, a penhora de bens imóveis arrestados concretiza-se através de comunicação electrónica à conservatória do registo predial competente, ali se fazendo o pertinente averbamento. Os averbamentos têm por objectivo completar, actualizar ou restringir a inscrição, não sendo o meio adequado para registar factos que ampliem o objecto ou os direitos e os ónus e encargos nela definidos, já que tais factos apenas poderão ser registados mediante nova inscrição (artº 100º, nºs 1 e 2 do Cód. Reg. Predial). No caso concreto que nos ocupa, o objecto do arresto registado e o objecto da penhora que, por conversão daquele, se quer ver averbada, são juridicamente diferentes. Registou-se o arresto de um prédio em propriedade singular e quer ver-se averbada a conversão do mesmo na penhora de parte das fracções autónomas que, mercê da constituição em propriedade horizontal entretanto ocorrida, passaram a integrar aquele. E os sujeitos passivos relativamente ao registo do arresto e ao pretendido registo, por averbamento, da penhora resultante da conversão daquele são também diferentes. No arresto era a sociedade comercial “B…, Lda”, então dona do imóvel, e na almejada penhora são os diversos adquirentes das fracções autónomas em que aquele, entretanto, por força da constituição em propriedade horizontal, foi dividido. A questão que naturalmente se coloca é a de saber se as apontadas diversidades de objectos e de sujeitos passivos se traduzem num completamento, actualização ou restrição da inscrição do arresto, passível, pois, de averbamento, ou se, pelo contrário, integram uma ampliação que apenas poderá ser registada mediante nova inscrição. A referenciada diversidade de objectos poderá, cremos nós, enquadrar-se na previsão do nº 1 do artº 100º do Cód. Reg. Predial e ser considerada simultaneamente uma actualização e uma restrição da inscrição do arresto. Actualização, porque reflecte a instituição do regime da propriedade horizontal relativamente ao prédio arrestado e a alienação das fracções autónomas assim criadas. Restrição, porque não abrange todas as fracções autónomas que, devido à instituição daquele regime, passaram a constituir o prédio. Outro tanto, contudo, não é, a nosso ver, possível afirmar relativamente à diversidade de sujeitos passivos. Com efeito, na execução onde se pretende realizar a penhora através da conversão do arresto a identidade dos executados não coincide com a identidade do arrestado, nem sequer com a do devedor constante da sentença judicial apresentada como título executivo. É certo que, de acordo com o nº 1 do artº 56º[3], tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. Mas os adquirentes das fracções não sucederam, por qualquer forma, na obrigação da “B…” perante os arrestantes/exequentes, não lhes assentando, com tal fundamento, o papel de executados. É igualmente certo que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor. E aqui surge a questão de saber se o arresto, enquanto não convertido em penhora, constitui ou não uma garantia real de que é titular o arrestante e que incide sobre os bens arrestados. A jurisprudência tem maioritariamente entendido que não[4]. A doutrina divide-se[5]. Por nós, aderimos à posição sufragada pela maioria da jurisprudência e entendemos que o arresto não convertido em penhora não tem a natureza de um direito real de garantia. Com efeito, o arresto é apenas, a par com a declaração de nulidade, a sub-rogação do credor ao devedor e a impugnação pauliana, um meio de conservação da garantia patrimonial, não integrando causa legítima de preferência em caso de concurso de credores (artºs 604º e seguintes do Cód. Civil) e tendo como principal efeito a ineficácia em relação ao arrestante dos actos de disposição dos bens arrestados (artº 622º do Cód. Civil). Os actos praticados após o registo do arresto sobre o prédio arrestado – nomeadamente a constituição da propriedade horizontal e a alienação das fracções autónomas – são ineficazes relativamente aos arrestantes, o que significa que não produzem, quanto a eles, qualquer efeito, não lhes sendo oponíveis. Por isso, e porque no título executivo de que entretanto se muniram (sentença proferida na acção declarativa nº 599/2002) era a “B…” que figurava como devedora, impunha-se aos credores (apelantes J… e mulher H…) instaurar a execução contra a arrestada/devedora e, pretendendo beneficiar do arresto, indicar para penhora o prédio arrestado. A conversão do arresto em penhora, ficando a anterioridade desta a reportar-se à data do arresto (artº 822º, nº 2 do Cód. Civil), levaria à caducidade de todos os registos posteriores, regressando o prédio ao regime de propriedade singular. É certo que a actuação referida depara com um obstáculo de monta: a declaração da falência da “B…”, entretanto ocorrida, com os consequentes impedimento de instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva contra a falida (artº 154º, nº 3 do CPEREF) e irrelevância, na graduação de créditos a fazer em sede de verificação do passivo, da preferência proveniente da penhora em que, porventura, o arresto viesse a ser convertido (artº 200º, nº 3 do CPEREF). Tal, contudo, não legitima os arrestantes/exequentes a direccionar a execução contra quem não detém as qualidades de arrestado e/ou de executado, não sucedeu ao devedor na obrigação, nem é titular de bens sobre os quais recaia garantia real da dívida. Em suma, não se encontra motivo para censurar a recusa do registo, soçobrando as conclusões da alegação dos recorrentes[6], com as consequentes improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.
Nos termos do artº 713º, nº 7 do Cód. Proc. Civil, elabora-se o seguinte sumário: Não merece censura a recusa do registo, por averbamento, da conversão do arresto em penhora, se não coincidem as identidades do arrestado e dos executados, nem a instauração da execução contra estes, que não figuram no título executivo como devedores, encontra fundamento no artigo 56º do Cód. Proc. Civil. *** 3. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em manter a sentença recorrida. As custas são a cargo dos apelantes.
[5] Entendem que não Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 333, Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, ano 1992, 203, Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, Regime Jurídico e Sua Influência no Concurso de Credores, 143 e Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 246. Entendem que sim Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 608, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2ª edição, págs. 13, 274 e 299/300, Carvalho Martins, Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, 150 e Lebre de Freitas e Outros, CPC Anotado, Volume 3º, pág. 505. |