Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1231/23.0T8FIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
APRESENTAÇÃO DE PROVAS
ALTERAÇÃO/ADITAMENTO AO ROL DE TESTEMUNHAS
Data do Acordão: 11/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º, N.º 4, DA PORTARIA N.º 280/2013, DE 26/8
ARTIGOS 292.º A 294.º; 411.º; 423.º, 1; 549.º, 1; 552.º, 6; 598.º; 1091.º; 1104.º, 1, E); 1105.º; 1109.º E 1110.º, DO CPC
Sumário: I-No actual modelo de processo de inventário, a dedução de reclamação à relação de bens, insere-se na tramitação normal deste processo, não constituindo já um incidente da instância, a processar de acordo com as regras específicas previstas nos artºs 1105 e 1109 do C.P.C. e as constantes dos artºs 292 e 293, ex vi do artº 1091 do C.P.C., mas antes pelas regras próprias do inventário e pelas regras gerais do processo comum em tudo o que não estiver estabelecido naquelas (ex vi do artº 549, nº1 do C.P.C.)

II-Deduzidas reclamações em sede de inventário, as provas devem ser apresentadas com o respectivo articulado e com a resposta a ele deduzida (artº 1105, nº2 do C.P.C.).

III-O disposto neste preceito, não obsta, no entanto, por via do disposto no artº 549, nº1 do C.P.C., à possibilidade de alteração do rol de testemunhas, tempestivamente apresentado, verificados os requisitos previstos no artº 598, nº2 do C.P.C.

IV-O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que efectivamente se realize ou se inicie a audiência final, conforme dispõe o artº 598 nº2 do C.P.C., sendo irrelevante para a contagem deste prazo, a data da junção de formulário electrónico, nos termos do artº 7 nº4 da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto, por a data relevante ser a da apresentação do requerimento de alteração deste rol.


(Sumário elaborado e da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Integral: ***

Proc. Nº 1231/23.0T8FIG-A.C1-Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra-Juízo Local  Cível da Figueira da Foz- J...

Recorrente: AA

Recorrida: BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira

                                         Hugo Meireles

                                        


*

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



*


RELATÓRIO

Nos presentes autos de inventário instaurados por BB para partilha das heranças deixadas por óbito de CC e DD, em que é interessado e cabeça-de-casal, AA, apresentada relação de bens, veio a requerente reclamar da mesma, indicando prova testemunhal. Após, realizada audiência prévia, em 05/07/2024, foi admitida a prova testemunhal e designada data para inquirição de testemunhas arroladas pela reclamante para o dia 17 de Setembro de 2024 pelas 14 horas.

*

Por requerimento de 10/07/2024, foi requerida pela reclamante BB “a substituição das testemunhas indicadas em 3, 4 e 5 - EE, FF e Representante legal de A..., Lda. - do requerimento probatório constante da reclamação à relação de bens, pelas seguintes, a notificar:

3 - GG, residente em Rua ..., ..., ..., ... ...;

4 - HH, com domicílio profissional na ... – ..., Largo ..., ... ...;

5 - II, com domicílio profissional na ... – ..., Largo ..., ... ....”

Opondo-se o cabeça-de-casal, veio a ser proferido despacho em 10/09/2024, que deferiu a requerida substituição.


*

Inconformado com esta decisão, dela apelou o cabeça-de-casal, concluindo da seguinte forma:

“A) O DOUTO DESPACHO PROFERIDO PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO E AQUI RECORRIDO, VEIO DEFERIR A SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHAS AO ROL DE TESTEMUNHAS APRESENTADO, PELA AUTORA, NO ÂMBITO DA RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS, JÁ APÓS A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE PARTES E DEFINIÇÃO DOS MEIOS DE PROVA.

B) EM 23/01/2024, A AUTORA VEIO APRESENTAR RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS APRESENTADO PELO RÉU, INDICANDO FACTOS E PROVA TESTEMUNHAL, MAIS PRECISAMENTE, CINCO TESTEMUNHAS.

C) EM 06/06/2024, FOI PROFERIDO DOUTO DESPACHO DESIGNANDO A DATA DE 05/07/2024 PARA A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA;

D) EM 05/07/2024, TEVE LUGAR A AUDIÊNCIA PRÉVIA DESIGNADA, TENDO SIDO ORDENADO PELA MERITÍSSIMA JUIZ DE DIREITO DO DOUTO TRIBUNAL A QUO, À AUTORA, ATRAVÉS DA SUA EXCELENTÍSSIMA MANDATÁRIA, QUE PROCEDESSE À INDICAÇÃO DE QUAIS AS TESTEMUNHAS QUE PRETENDIA OUVIR, UMA VEZ QUE AS INDICADAS EXCEDIAM O LIMITE LEGAL, O QUE A MESMA NÃO CONCRETIZOU, PUGNANDO PELA AUDIÇÃO DE TODAS, TENDO SIDO PROFERIDO DOUTO DESPACHO A INDEFERIR O REQUERIDO E DETERMINAR NÃO ESCRITAS AS TESTEMUNHAS QUE EXCEDAM O NÚMERO MÁXIMO INDICADO – NOS TERMOS DO ARTIGOS 294º Nº 1 E 511º, Nº 3 DO C. P. C.. E) FOI AINDA ORDENADO, PELA MERITÍSSIMA JUIZ, À AUTORA, QUE PROCEDESSE À IDENTIFICAÇÃO DE UMA DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS POR SI, SOB PENA DE NÃO SE TER POR INDICADA;

F) NO ÂMBITO DA DILIGÊNCIA REFERIDA, FOI AINDA DESIGNADA A DATA PARA INQUIRIÇÃO DAS REFERIDAS TESTEMUNHAS, PARA O DIA 17/09/2024.

G) EM 10/07/2024, VEIO A AUTORA, APRESENTAR REQUERIMENTO A REQUERER A SUBSTITUIÇÃO DE TODAS AS SUAS TESTEMUNHAS, POR OUTRAS QUE NUNCA HAVIA INDICADO, REQUERENDO A SUA NOTIFICAÇÃO PARA INQUIRIÇÃO, SEM QUE, PARA TAL, CONTUDO, AS TIVESSE INSERIDO NO ÂMBITO DO FORMULÁRIO NECESSÁRIO (PLATAFORMA CITIUS), CINGINDO-SE À SUA MENÇÃO NA PEÇA PROCESSUAL EM SI.

H) A TAL REQUERIMENTO, RESPONDEU, O AQUI RÉU, INVOCANDO, EM SUMA, A INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ARTIGO 598.º, N.º 2 CPC. AOS PRESENTES AUTOS, DEVENDO POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 1105.º, DO CPC, AS PARTES INDICAR AS PROVAS LOGO COM OS ARTICULADOS DE RECLAMAÇÃO E RESPOSTA.

I) EM 11/07/2024, VEIO A SECRETARIA DO DOUTO TRIBUNAL A QUO, NOTIFICAR A AUTORA PARA PREENCHER O REFERIDO FORMULÁRIO, SOB PENA DE SE CONSIDERAR APENAS O CONTEÚDO DO FORMULÁRIO INICIAL (Nº 4 DO ARTº 7º DA PORTARIA 280/2013 DE 26 DE AGOSTO).

J) SÓ EM 16/07/2024, VEIO A AUTORA PROCEDER AO PREENCHIMENTO DO REFERIDO FORMULÁRIO DISPONIBILIZADO PELA PLATAFORMA CITIUS, CORRIGINDO O ANTERIORMENTE PROCESSADO.

K) EM 04/09/2024, FOI FEITA A COBRANÇA DOS PRESENTES AUTOS A FIM DE SEREM APRESENTADOS À MERITÍSSIMA JUIZ A EXERCER FUNÇÕES EM REGIME DE SUBSTITUIÇÃO QUE, POR DOUTO DESPACHO DE 10/09/2024, NOTIFICADO VIA CITIUS ÀS PARTES EM 11/09/2024, VEIO DEFERIR A SUBSTITUIÇÃO DE TODAS AS TESTEMUNHAS, ARROLADAS PELA AUTORA, INDICADAS JÁ APÓS REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA, CONSIDERANDO O REQUERIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO LEGALMENTE ADMISSÍVEL E EM PRAZO, ISTO É,

L) ENTENDENDO SER DE APLICAÇÃO AOS PRESENTES AUTOS E À TRAMITAÇÃO DA RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS, O DISPOSTO NO ARTIGO 598.º, N.º2 DO CPC, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 549.º, N.º1, DO CPC.

M) SALVO O DEVIDO RESPEITO POR MELHOR E DOUTO ENTENDIMENTO, NÃO ASSISTE RAZÃO AO DOUTO TRIBUNAL A QUO. COM EFEITO

N) A AUTORA FOI NOTIFICADA, EM AUDIÊNCIA PRÉVIA E APÓS O RESPECTIVO ARTICULADO DE RECLAMAÇÃO, PARA VIR INFORMAR OS AUTOS, NO PRAZO DE CINCO DIAS, QUAL O NOME DO REPRESENTANTE LEGAL DA SOCIEDADE INDICADA POR SI COMO TESTEMUNHA, SENDO QUE, AO INVÉS, NO REFERIDO PRAZO, VEIO A AUTORA REQUERER A SUBSTITUIÇÃO DE TODO O SEU ROL DE TESTEMUNHAS.

O) NO TIPO DE INCIDENTES SUPRA REFERIDO, NÃO PODE TER APLICAÇÃO O DISPOSTO NO ARTIGO 598.º, Nº 2 DO CPC OU SEJA, NÃO PODE TER LUGAR O ADITAMENTO OU ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS ATÉ 20 DIAS ANTES DA DATA AGENDADA PARA A PRODUÇÃO DESSE MEIO DE PROVA AO INCIDENTE, OBRIGANDO-SE AS PARTES, A INDICAR AS PROVAS COM OS ARTICULADOS DE RECLAMAÇÃO E RESPOSTA, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 1105.º DO CPC.

P) ALIÁS, ATENDENDO AO MOMENTO TEMPORAL DA REDACÇÃO DO ARTIGO 1105.º DO CPC, DECORRENTE DO ENXERTO DO REGIME DE INVENTÁRIO NO REFERIDO DIPLOMA, CASO A VONTADE DO LEGISLADOR FOSSE A DE CRIAR ESSE ÚLTIMO MECANISMO DE ALTERAÇÃO DOS MEIOS PROBATÓRIOS – NOTE-

SE, JÁ APÓS A AUDIÊNCIA PRÉVIA E DESIGNAÇÃO DE DATA DA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS NO ÂMBITO DAQUELA – ANTES, TERIA PROCEDIDO À SIMPLES REMISSÃO PARA O REGIME GERAL DO ARTIGO 549.º, DO CPC, O QUE NÃO FEZ E EXPRESSAMENTE QUIS VER AFASTADO, CRIANDO UM REGIME ESPECIFICO/ESPECIAL.

Q) ESTE ENTENDIMENTO, ALIÁS, TEM VINDO A SER DEFENDIDO PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO, NO ÂMBITO DE OUTROS PROCESSOS DE INVENTÁRIO, PARA ALÉM DE PERFILHADO EM VÁRIOS DOUTOS ACÓRDÃOS DOS DOUTOS TRIBUNAIS SUPERIORES, TRANSCREVENDO-SE, AQUI, POR CLAROS,

R) O DOUTO ACÓRDÃO DO DOUTO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, PROFERIDO EM 21/02/2018, RELATOR JAIME CARLOS FERREIRA, NO ÂMBITO DO PROCESSO N.º 2301/10.0TJCBR-A.C1, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT: “I – COMO SE SABE O REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO ENTRE MAIORES (PARA PARTILHA DE UMA HERANÇA) PASSOU A ESTAR CONTEMPLADO NA LEI Nº 23/2013, DE 05/03, QUE ENTROU EM VIGOR EM 01/09/2013 E QUE REVOGOU AS NORMAS DO CPC DE 1961 ATINENTES, AS QUAIS, NO ENTANTO, AINDA TÊM APLICAÇÃO AOS PROCESSOS DE INVENTÁRIO QUE ESTIVESSEM PENDENTES À DATA DESSA ENTRADA EM VIGOR – VER O ARTº 7º DESSA DITA LEI -, COMO É O

CASO PRESENTE.

II - UMA VEZ SUSCITADO O INCIDENTE PROCESSUAL DE RECLAMAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS APRESENTADA, AS PROVAS SÃO INDICADAS COM OS REQUERIMENTOS E RESPOSTAS RESPETIVOS E EFETUAM-SE AS DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS NECESSÁRIAS E REQUERIDAS PELOS INTERESSADOS OU DETERMINADAS OFICIOSAMENTE PELO JUIZ – ARTºS 1340º, Nº 3; 1344º, Nº 2; 1345º, Nº 1; 1348º, Nº 1, E 1349º, Nº 3, TODOS DO CPC DE 1961.

III – O ANTERIOR ARTº 512º-A DO CPC E HOJE ARTº 598º DO NCPC DISPÕE SOBRE A ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS NOS PROCESSOS DECLARATIVOS COMUNS – NOMEDAMENTE DE TER DE SER REQUERIDO ATÉ 20 DIAS ANTES DA DATA EM QUE SE REALIZE A AUDIÊNCIA QUE DEVA TER LUGAR PARA APRECIAÇÃO DO INCIDENTE EM CAUSA.

IV - NO TIPO DE INCIDENTES SUPRA REFERIDO NÃO PODE TER APLICAÇÃO O DISPOSTO NO ARTº 598º, Nº 2 DO NCPC (ANTIGO ARTº 512º-A DO CPC), OU SEJA, NÃO PODE TER LUGAR O ADITAMENTO OU ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS ATÉ 20 DIAS ANTES DA DATA AGENDADA PARA A PRODUÇÃO DESSE MEIO DE PROVA AO INCIDENTE.”

S) O DOUTO ACÓRDÃO DO DOUTO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, PROFERIDO EM 19/02/2013, RELATOR MARIA JOSÉ GUERRA, NO ÂMBITO DO PROCESSO N.º 394/10.0TBSRE-C.C1, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT: “NO INCIDENTE DO PROCESSO DE INVENTÁRIO ATINENTE À RECLAMAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS, NÃO É POSSÍVEL ALTERAR OU ADITAR O ROL DE TESTEMUNHAS, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART. 512º-A DO CPC, NEM REQUERER A JUNÇÃO DE PROVAS DE ÍNDOLE DOCUMENTAL DEPOIS DO REQUERIMENTO EM QUE AQUELE É SUSCITADO.”

T) O DOUTO ACÓRDÃO DO DOUTO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, PROFERIDO EM 27/10/2022, RELATOR JUDITE PIRES, NO ÂMBITO DO PROCESSO N.º 827/20.7T8OAZ-A.P1, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT: “I - A REMISSÃO DO ARTIGO 1091.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PARA AS NORMAS GERAIS QUE DISCIPLINAM A TRAMITAÇÃO DOS INCIDENTES DE INSTÂNCIA, DESIGNADAMENTE O PRAZO PARA A INDICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA, SÓ VALE PARA AS SITUAÇÕES EM QUE NÃO EXISTAM NORMAS ESPECÍFICAS, NO PROCESSO DE INVENTÁRIO, QUE REGULEM OS INCIDENTES NELE SUSCITADOS.

II - O INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO DA LEGITIMIDADE DE INTERESSADO E DE RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS TEM, NO PROCESSO DE INVENTÁRIO, NORMA ESPECÍFICA QUE DEFINE QUAL O MOMENTO DA INDICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA, OS QUAIS DEVEM SER INDICADAS COM O RESPECTIVO REQUERIMENTO E RESPOSTA, COMO EXPRESSAMENTE DETERMINA O N.º 2 DO

ARTIGO 1105.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

III – DECORRIDO ESSE MOMENTO PROCESSUAL, FICA PRECLUDIDO O DIREITO DE A PARTE INDICAR PROVAS.

IV - NÃO TENDO A PARTE APRESENTADO ROL DE TESTEMUNHAS COM O REQUERIMENTO DO INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO DE LEGITIMIDADE DE INTERESSADO OU DE RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS, OU DE RESPOSTA AO MESMO, NÃO PODE, MAIS TARDE, INDICAR PROVA TESTEMUNHAL SOB A

ROUPAGEM DE ADITAMENTO AO ROL.”

U) PELO QUE, SALVO MELHOR OPINIÃO, O DOUTO DESPACHO RECORRIDO VIOLOU A NORMA PREVISTA NO ARTIGO 1105.º, N.º2.º DO CPC, PADECENDO DE NULIDADE INSANÁVEL.

MAIS, SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO, SEMPRE SE DIRÁ QUE, V) AINDA QUE SE APLICASSE O REGIME GERAL DO ARTIGO 598.º, DO

CPC E NÃO O ESPECIAL PREVISTO NO ARTIGO 1105.º, N.º2, DO CPC – O QUE NÃO SE CONCEDE NEM CONCEBE E AQUI APENAS SE APRESENTA À CAUTELA E NA DEFESA DO PATROCÍNIO, CERTO É, TAMBÉM, QUE TENDO A IDENTIFICAÇÃO DAS TESTEMUNHAS, SIDO CONCRETIZADA, POR PARTE DA AUTORA, EM SEDE DE FORMULÁRIO DISPONÍVEL ATRAVÉS DA PLATAFORMA CITIUS, APENAS EM 16/07/2024, E ESTANDO A INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DESIGNADA PARA O DIA 17/09/2024, O PRAZO DE 20 (ANTES DA DILIGÊNCIA) FOI LARGAMENTE ULTRAPASSADO PELA AUTORA, VERIFICANDO-SE, ASSIM, A VIOLAÇÃO DO PRAZO CONFERIDO PELO PRÓPRIO ARTIGO 598.º, N.º2 DO CPC

W) E SENDO O DOUTO DESPACHO PROFERIDO PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO, IGUALMENTE NULO.”

 


***


Não foram interpostas contra-alegações pela reclamante.


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Tendo este preceito em mente, as questões a decidir consistem em apurar:

a) Se o disposto no artº 598 do C.P.C. se aplica aos processos de inventário;
b) Se, em caso afirmativo, é tempestiva a alteração do rol de testemunhas, ao abrigo do artº 598 nº2 do C.P.C.


*

MATÉRIA DE FACTO


A matéria de facto a considerar é a constante do relatório que antecede.

*


  

DO DIREITO

Alega o recorrente como primeiro fundamento do seu recurso que o artº 598 nº2 do C.P.C. não tem aplicação ao processo de inventário, por o art 1105, nº2 deste diploma legal estipular que as provas são indicadas com os requerimentos e respostas.

Cumpre-nos assim decidir a primeira questão objecto de recurso, ou seja, se o regime específico do inventário obsta à aplicação das regras gerais de processo civil no que se reporta à possibilidade de alteração dos requerimentos probatórios.

Da aplicabilidade do artº 598 do C.P.C. aos processos de inventário.

Alega o recorrente que, a esta reclamação, se aplicam as normas especiais do processo de inventário não sendo aplicável o regime geral do artº 598 do C.P.C. Indica em abono da sua pretensão dois Acórdãos desta Relação, proferidos no âmbito do regime vigente no Código de Processo Civil de 1961 (nomeadamente na vigência dos revogados artigos 1340º, nº 3; 1344º, nº 2; 1345º, nº 1; 1348º, nº 1, e 1349º, nº 3 daquele código) e um da Relação do Porto, este último sem qualquer relevo para a decisão porque se reporta à ausência de indicação de prova e não à alteração da já indicada.

Não tem o recorrente razão, no entanto, como intentaremos demonstrar, com todo o respeito por opinião contrária, pois que o regime de inventário instituído pela Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro, não afasta a aplicabilidade das regras gerais de processo civil, no que não for contrário os fins visados pelo normas que regem sobre a partilha de bens nesta sede (artº 549, nº1 do C.P.C.). Há assim que definir o alcance e os princípios que se visaram com a introdução deste novo regime de inventário e com a revogação do RJPI instituído pela Lei nº 23/2013 de 5 de Março.

No actual modelo, apresentada relação de bens em sede de inventário, prescreve o artigo 1104.º, n.º 1, alínea e), do CPC, que o interessado pode apresentar reclamação à relação de bens, decorrendo do artigo 1105.º a tramitação a seguir para decisão desta reclamação, ou seja, a notificação da reclamação ao cabeça de casal, cabendo ao mesmo apresentar a respetiva resposta também no prazo de 30 dias.

No que se reporta à produção de prova, dispõe o nº2, do artº 1105 do C.P.C. que se for deduzida oposição, impugnação ao inventário ou reclamação da relação de bens nele apresentada, é no respectivo requerimento e na resposta subsequente que devem ser indicados os meios de prova.

Seguem-se após, a realização das diligências probatórias que couberem ao caso, requeridas ou ordenadas oficiosamente (n.º 3, do referido artigo 1105.º), com prévia realização de uma audiência prévia se o juiz o julgar necessário (artigo 1109.º) ou o saneamento do processo (artigo 1110.º), decidindo-se as questões suscitadas pelas partes que possam influenciar a determinação dos bens a partilhar e a partilha (de acordo com o artº 1110, nº1 alíneas a) e b)). Decididas estas questões, é ordenada a notificação dos interessados para, querendo, proporem a forma à partilha, designando-se dia para a conferência de interessados, seguindo-se a tramitação processual necessária à prossecução da finalidade última do inventário: a efectiva partilha de bens pelos interessados.

Trata-se de regime diverso do estipulado no Regime Jurídico da Lei do Inventário (RJPI), introduzido pela Lei nº 23/2013 de 5 de Março, comportando fases distintas e estanques, segundo o modelo de uma acção declarativa, procurando em cada fase a decisão das questões que possam influir na partilha dos bens e na definição dos interessados. Como refere Lopes do Rego[1]o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta: I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão) – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo.  Na verdade, nos arts. 1097.º/1108.º CPC procura construir-se uma verdadeira fase de articulados: o processo inicia-se tendencialmente (ao menos, quando requerido por quem deva exercer as funções de cabeça de casal) com uma verdadeira petição inicial (e não como o mero requerimento tabelar de instauração de inventário) de que devem constar todos os elementos relevantes para a partilha. (…) Após despacho liminar (em que o juiz verifica se o processo está em condições de passar à fase subsequente), inicia-se a fase seguinte, da oposição ou do contraditório, exercendo  os interessados citados o direito ao contraditório, cabendo-lhes impugnar concentradamente  no próprio articulado de  oposição tudo o que respeite à definição do universo dos interessados diretos e respetivas quotas hereditárias, à competência do cabeça de casal e à delimitação do património hereditário, incluindo o passivo (cuja verificação é, deste modo, antecipada – do momento da conferência de interessados – para o da dedução de oposição e impugnações); II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência  prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes – despacho contendo a forma à partilha (também ele agora  antecipado para esta fase de saneamento, anterior à conferência de interessados), em que define as quotas ideais dos vários interessados na herança, conferência de interessados; (…)”

Assim não acontecia no âmbito do RJPI, permitindo-se no que se reporta à reclamação da relação de bens, a dedução desta reclamação, quer no prazo fixado no nº1 do artº 30 (20 dias a contar da notificação da relação de bens), quer no início da audiência preparatória, conforme o permite o artº 32, nº5 do RJPI. Neste modelo, a reclamação da relação de bens, seguia o regime específico previsto para os incidentes do inventário, de acordo com os normativos expressos nos artºs 14 e 15 do RJPI (preceitos muito semelhantes ao disposto para os incidentes da instância em processo comum, nos artºs 293 e 294 do C.P.C.)

O actual modelo afastou-se da fluidez que regia o RJPI e veio estabelecer fases nas quais têm de ser decididas as questões fundamentais do inventário, nomeadamente a fase de oposição e saneamento do processo, com decisão de todas as questões relativas ao inventário (nomeadamente das reclamações de bens), sem a decisão das quais os autos não prosseguem.  

É nesta fase de oposição que devem ser apresentadas as provas necessárias à decisão, seguindo-se após a instrução com produção dos meios de prova necessários, quer os indicados pelos interessados quer os determinados oficiosamente pelo juiz da causa, seguindo-se o saneamento do processo.

Tendo em conta este novo modelo e as diversas fases estipuladas neste processo, a oposição, impugnação ou reclamação traduzem-se já não na dedução de um incidente no inventário (a que se aplicariam as regras específicas e as contidas nos artºs 292 e 293 do C.P.C., ex vi do artº 1091), mas “no exercício pelos citados de um direito de defesa que é processado nos próprios autos e inserido na tramitação normal e típica do processo de inventário. Também a resposta dos interessados a essa oposição, impugnação ou reclamação se insere na tramitação do processo de inventário (n.º 1)”[2],a que são aplicáveis as regras gerais previstas no C.P.C. (ex vi do artº 549 nº1 do C.P.C.), nomeadamente as que regem sobre a prova.

Ora, do disposto no nº 2 do artº 1105 do C:P.C. não resulta nenhum obstáculo à alteração posterior de meios de prova já indicados nos articulados em que são deduzidas as oposições, impugnações ao inventário ou reclamações relativamente à relação de bens apresentada.[3]   

É certo que a não dedução tempestiva de meios de prova, inviabiliza o direito de a parte produzir prova. É a consequência do princípio da preclusão e da auto-responsabilização das partes, sendo certo que, apesar do disposto no nº 3 do artº 1105 do C.P.C., que constitui um afloramento do princípio do inquisitório, o “exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes[4].

Ou seja, como refere exemplarmente Paulo Pimenta[5], a propósito da interpretação do princípio do inquisitório, característica essencial deste princípio é a vinculação do magistrado judicial à produção de um determinado meio de prova “desde que se convença da necessidade (…) (dessa) diligência probatória.” Este princípio não pode ser confundido com o princípio da auto-responsabilidade das partes uma vez que, esclarece este autor, sendo “evidente que as partes têm o ónus de indicar os meios de prova de que pretendam fazer uso nos autos” sob pena de verem precludido este direito, ainda assim, actuando as partes com um mínimo de zelo e verificados os demais pressupostos contidos no artº 411 do C.P.C. (neste caso no nº 3 do artº 1105) “é vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes.”    

No entanto, se a parte tiver indicado os meios de prova de que pretenda fazer uso, no respectivo articulado, as mesmas razões que permitem que o magistrado apenas produza as provas necessárias e obriga a que produza mesmo oficiosamente outras provas que, apesar de não indicadas, se lhe afigurem essenciais para decisão do litígio, por forma a possibilitar uma partilha igualitária e definitiva entre os interessados, impõem a possibilidade de a parte que requereu um determinado meio de prova de alterar esse requerimento caso o julgue necessário, seja porque outras testemunhas se apresentaram com conhecimentos sobre os factos, seja porque uma das testemunhas adoeceu, seja porque teve conhecimento de prova documental essencial à decisão do litígio.

Assim se conclui que comportando o actual modelo de processo civil, uma verdadeira fase instrutória, conforme resulta do artº 1109 do C.P.C., aplica-se por via do disposto no artº 549, nº1 do C.P.C., as disposições do processo civil que regem sobre a possibilidade de alteração dos meios de prova, nomeadamente o disposto no artº 598, nº2 do C.P.C.

Aliás, conforme assinala certeiramente o Acórdão do TRE de 11/05/2023[6] a disposição contida no artº 1105, nº2 do C.P.C., é afinal a mesma da prevista para o processo comum, conforme decorre do disposto no artº 552, nº6 e 423, nº1 do C.P.C.

Ainda que se considerasse que estas reclamações constituem verdeiros incidentes do processo de inventário, entendemos possível a alteração de requerimentos probatórios, embora condicionado à superveniência de factos que venham a ser alegados ou à junção de prova documental relevante[7].

Com efeito, conforme por nós já afirmado no Acórdão desta Relação de 01/02/2022[8], embora a respeito de um procedimento cautelar “dispõe o artº 365 nº1 do C.P.C que a prova do direito ameaçado e do receio de lesão deve ser oferecida como o r.i., à semelhança aliás do disposto para os acidentes da instância, conforme decorre do disposto no artº 293 do C.P.C., aplicável por via da remissão do nº3 do citado preceito legal.

Existindo contraditório do requerido prévio à decisão, na oposição deduzida deve este oferecer igualmente os seus meios de prova, seguindo-se após, sem mais articulados, a fase da audiência final.

Assim sendo, nos procedimentos cautelares, os meios de prova terão de ser requeridos com o requerimento inicial e com a oposição que lhe vier a ser deduzida. E, dada a natureza urgente deste procedimento, não são admitidos outros articulados, mormente de resposta a eventuais excepções, sem prejuízo do disposto no artº 3 nº4 do C.P.C, nem apresentação posterior de novos meios de prova.

Da conjugação destes preceitos legais resulta que o legislador estabeleceu momentos processuais para a apresentação de meios de prova pelas partes neste tipo de procedimentos, sob pena de preclusão deste direito para ambas as partes, sem prejuízo da produção de meios de prova pelo tribunal, oficiosamente, conforme decorre do disposto no artº 367 nº1 do C.P.C.

Não é assim aplicável aos procedimentos cautelares, pela sua urgência, o disposto no artº 598 do C.P.C., sem prejuízo da possibilidade de junção de documentos nos momentos processuais previstos no artº 423 do C.P.C.”

Mas mesmo a considerar esta reclamação um incidente do inventário, no sentido da admissibilidade da alteração dos meios de prova, a respeito dos artºs 1349 e 1334  (este último remetida para os artºs 302 a 304 daquele código, preceitos aplicáveis aos incidentes da instância), defendeu-se em Ac. do TRG de 04/06/2013[9], que “não se nos oferecem dúvidas de que, em matéria de apresentação das provas, continua a vigora o princípio da preclusão, devendo cada uma das partes, no incidente em causa, juntar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, sob pena de caducidade do direito.

Cumprido aquele ónus processual, já não nos parece que a parte não possa, ainda em tempo oportuno, substituir ou aditar testemunhas ao rol (regularmente) apresentado, em ordem a uma efetiva concretização de alguns dos princípios acima enunciados, sem prejuízo relevante de outros. Se o pode fazer no processo ordinário e também, por via da aplicação do art.º 463º, nº 1, in fine, ao processo sumário e aos processos especiais, porventura até ao processo declarativo sumaríssimo (art.ºs 464º, 794º, nº1 e 795º, nº 2), nada de particular ou específico em matéria de incidentes permite a negação daquele direito. As razões que justificam a alteração ou o aditamento ao rol de testemunhas na generalidade das formas de processo encontram a mesma pertinência no processo incidental (uma testemunha que morre ou adoece e não pode deslocar-se a Juízo, outra que tem que viajar e a parte prefere substituí-la, outra ainda importante de que a parte não se lembrou antes do oferecimento do rol, ou que, entretanto, se mostrou conhecedora de factos de grande relevância para a decisão da causa, etc.)”.

Apesar de não concordarmos na íntegra com este entendimento, sem prejuízo da possibilidade de apresentação de prova documental relevante ou de inquirição mesmo oficiosa de pessoas com conhecimento dos factos, na realidade o novo modelo de processo de inventário, ao estabelecer uma verdadeira fase instrutória para definição das questões que possam influir na partilha de bens, afasta-se do modelo incidental existente quer no CPC de 1961, quer no RJPI, não existindo actualmente razões que permitam considerar estarmos perante um incidente deste inventário, a tramitar de acordo com as regras específicas resultantes do artº 1105 do C.P.C. e as aplicáveis aos incidentes (ex vi do artº 1091 do CPC).

Improcede assim este argumento de recurso, considerando-se admissível a alteração do rol de testemunhas oportunamente apresentado, se verificados os demais requisitos previstos no artº 598, nº2 do C.P.C.

Em segundo lugar, alega o recorrente que a reclamante não está em prazo para requerer a alteração ao rol de testemunhas uma vez que fez entrega do formulário via citius, contendo o nome destas testemunhas, apenas em 16/07/2024.

Da tempestividade da pretendida alteração do rol de testemunhas

Resulta expressamente do disposto no artº 598 nº2 do C.P.C. que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.

O aludido preceito legal reproduz o anterior artigo 512.º-A do CPC de 1961, na versão do DL 180/96, de 25-09, decorrendo desta alteração um regime de prova mais permissivo que o regime de prova anterior que, conforme refere LOPES DO REGO[10], assentava numa “tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, mesmo nos casos em que decorriam largos meses ou anos entre a indicação das testemunhas e a realização da audiência, considerava-se como excessivamente restritivo, “amarrando”, sem justificação plausível, a parte a provas indicadas com enorme antecedência.

No entanto, este regime de prova mais permissivo exige, ainda assim, de molde a evitar constrangimentos e atrasos na produção de prova e realização do julgamento, uma antecedência de 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. Assim, o que releva para a contagem deste prazo é a data em que efectivamente se realize ou inicie a audiência final. Uma vez iniciada, é irrelevante para o efeito que esta se prologue por várias sessões ainda que entre as mesmas decorram mais de 20 dias.

Por outro lado, a jurisprudência[11] e doutrina maioritária têm entendido que este prazo deve ser contado tendo como referência a realização efectiva da audiência final e não a sua simples abertura, seguida de adiamento ou suspensão. Conforme LEBRE DE FREITAS et al[12], “A fixação de uma primeira data, havendo depois adiamento da audiência, ainda que depois de aberta, nos termos do art. 151-4 ou do art. 603-1, ou a suspensão da instância, nos termos do art.269, não releva para o efeito, uma vez verificado o adiamento ou a suspensão”.

Dos autos resulta que a audiência se mostrava designada para o dia 17/09/2024, tendo sido formulado o requerimento de substituição do rol de testemunhas em 10/07/2024.

Tendo em conta que se trata este de um prazo regressivo, contínuo e que se suspende durante as férias judiciais, temos que este requerimento poderia ser apresentado até ao dia 12 de Julho[13].

Alega, no entanto, o recorrente que o acto apenas foi validamente praticado com a junção do formulário contendo a indicação das testemunhas, em 16 de Julho, pelo que a alteração do rol de testemunhas era absolutamente intempestiva.

Refere-se o recorrente à Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto que rege a tramitação electrónica dos processos judiciais, nomeadamente ao disposto no artº 7, nº4 desta Portaria.

Dispõe este preceito, no seu nº 4, que “Nos casos em que o formulário não se encontre preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, constando tais elementos dos ficheiros anexos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, a secretaria procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respetivo formulário, sob pena de se considerar apenas o conteúdo do formulário inicial.”

Em relação à interpretação este preceito tem sido entendido que esta norma deve ser vista como integrando “um mecanismo que permite à parte suprir a omissão de inserção, no formulário, dos elementos de identificação das testemunhas”, mas sem que dele possa resultar cominações legais não existentes na lei do processo[14], afirmando-se mesmo no Ac. do TRL de 23/04/2024[15] que “esta norma do nº 4 do art.º 7º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 267/2018, de 20-09 é formal e organicamente inconstitucional, por consagrar uma cominação processual não prevista na Lei processual civil, violando por isso o disposto nos art.ºs 112º, 161º, al. c), e 198º, nº 1, al. a), todos da Constituição da República Portuguesa.”

No caso em apreço a questão não se coloca pois que notificada a parte pela secretaria, veio esta juntar o referido formulário. Ora, a junção de formulário devidamente preenchido visa assegurar a conformidade dos articulados com a informação electrónica que deve constar destes formulários, mas não constitui em si o acto que se visa ser praticado ou acolhido pelo tribunal. O acto, ou seja, a pretensão de alterar o rol de testemunhas, mostra-se praticado pelo articulado apresentado em 10 de Julho e não na data em que foi junto este formulário, contendo a rectificação do formulário já apresentado com o articulado de 10 de Julho.

Soçobra também este argumento de recurso, sendo assim a pretendida alteração perfeitamente tempestiva e sem qualquer impacto na data efectivamente designada para inquirição, tendo em conta que todas as testemunhas eram a apresentar (artº 598, nº3 do C.P.C.).

Soçobraria de todo o modo porque, conforme resulta da consulta do processo, a inquirição das testemunhas não se realizou naquela data, por causa não imputável à pretendida alteração, estando designada nova data para o dia 19 de Novembro de 2024.

Improcede assim na totalidade o recurso interposto.

 


*


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão proferida em primeira instância.
***
 
Custas pelo apelante (artº 527 do C.P.C.).

Coimbra 12 de Novembro de 2024


[1] REGO, Carlos Lopes do, “A recapitulação do inventário”, Julgar Online, Dezembro de 2019, pág. 15 e segs.
[2] SOUSA, Miguel Teixeira de, REGO, Carlos Lopes do, GERALDES, António Abrantes e TORRES, Pedro Pinheiro, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 86.
[3] Neste sentido vide Acs. da Relação de Guimarães de 11/01/2023, proc. n.º 487/21.8T8VCT-A.G1, de que foi relatora Alexandra Rolim Mendes; de 30/03/2023, proc. nº 215/21.8T8VVD-A.G1, de que foi relatora Anizabel Sousa Pereira; de 25.05.2023, proc. n.º 2525/21.5T8VCT-A.G1, de que foi relator Pedro Maurício; de 01/02/2024, proc. nº 2020/22.5T8VNF-A.G1 e de 14/03/2024, proc. nº 476/19.2T8MNC-C.G1, de que foi relator, em ambos, Jorge Santos; do TRE de 20/10/11, proc. nº 245/08.5TBELV-A.E1, de que foi relator Mata Ribeiro; do TRP de 22/02/2024, proc. nº 1020/22.0T8MTS-A.P1, de que foi relatora Anabela Morais; de 10/07/2024, proc. nº 645/21.5T8ALB-A.P1, relator João Proença, todos disponíveis no endereço www.dgsi.pt
[4] REGO, Carlos Lopes do, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2004, pág. 533.
[5] PIMENTA, Paulo, Processo Civil Declarativo, Almedina, 3ª edição, 2021, pág. 388.
[6] Proferido no proc. nº 186/20.8T8TVR-A.E1, de que foi relator José Lúcio, disponível no endereço www.dgsi.pt
[7] Estabelecendo uma distinção, consoante a reclamação seja considerada um incidente do inventário, ou incluída na tramitação normal do processo de inventário, vide o Ac. do TRG de 20/11/2023, proc. nº 299/22.1T8VVD-A.G1, de que foi relatora Maria João Matos, no sentido de que “se se adoptar o primeiro entendimento exposto (reclamação como incidente) apenas poderão ser depois considerados os requerimentos de prova justificados por factos supervenientes (nomeadamente, aqueles que a parte diligente não podia ter antecipado como necessários). Já se se adoptar o segundo entendimento referido (reclamação como fase da tramitação normal) poderão ainda: ser admitidos os documentos apresentados até vinte dias antes da data em que se realize a produção de prova testemunhal previamente arrolada (na fase instrutória do processo), por lhe ser aplicável o disposto no art.º 423º, n.º 2, do CPC [24], ex vi do art.º 549.º, n.º 1, do mesmo diploma [25]; e ser aditado o prévio rol de testemunhas com a designação da data para a sua inquirição ou pedida a prestação de declarações de parte até à realização da diligência.
[8] Proferido no proc. 488/21.6T8MGR-A.C1, disponível para consulta no endereço www.dgsi.pt
[9] Proferido no proc. nº 3418/10.7TBBCL-C.G1, de que foi relator Filipe Caroço, disponível no endereço www.dgsi.pt
[10] Comentários ao CPC, 1999, pág. 356
[11] Neste sentido vide Acs. do TRC de 8.9.2015, proferido no proc. 2035/09.9TBPMS-A.C1); do TRG de 17.12.2015, proferido no proc. nº 3070/09.2TJVNF-B.G1); do TRE de 28.6.2018 proferido no proc. nº 922/15.4T8PTM-A.E1; do TRC de 20/02/2019, proferido no proc. nº 7535/15.9T8VIS-B.C1; do TRL de 20.2.2019, proferido no proc. nº 7535/15.9T8VIS-B.C1 e do TRL de 26/09/19, proferido no Proc. nº 939/16.1T8LSB-G.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] LEBRE DE FREITAS; José, ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, pág. 675.

[13] Sendo, no caso em apreço irrelevante a questão de se saber se a este prazo se aplica ou não o disposto no artº 138, nº2 do C.P.C., questão tratada em sentido negativo por Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com (2-10-19)[12], que considerou “não ser aplicável o regime do art. 138º a prazos regressivos, ou seja a prazos que se contam de modo inverso, como se verifica no prazo de 20 dias previsto no nº2, do art.423º, nº2 e no nº2, do art. 598º.” Já no sentido de que este preceito é plenamente aplicável vide o Ac. do STJ de 12/09/2019, proferido na Revista nº 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1, de que foi relatora Catarina Serra, considerando que “nada na letra da lei impõe ou sequer sugere que ela se circunscreva aos prazos progressivos / exclua os prazos regressivos, não se vendo argumentos textuais para uma interpretação restritiva, como a que fez, inicialmente, o Tribunal recorrido. Tentando agora descortinar a teleologia normativa, é possível dizer que a regra disposta no artigo 138.º, n.º 2, do CPC tem em vista assegurar a integridade do prazo. No que respeita às partes, aquilo que está, fundamentalmente, em causa é assegurar que existe uma distribuição igualitária e uniforme do benefício do prazo e evitar que meras circunstâncias de calendário prejudiquem certos sujeitos, limitando-se, na prática, o exercício dos seus direitos processuais. Com efeito, dado que nos dias em que os tribunais estão encerrados não é possível praticar actos directamente na secretaria judicial, na ausência desta norma, os sujeitos que tivessem a má fortuna de ver o seu prazo terminar nestes dias ficariam reduzidos a uma alternativa: ou praticar o acto até ao dia anterior – o que configura uma redução de facto do prazo do que prescrito na lei – ou praticar o acto nesse mesmo dia mas por via electrónica – o que configura sempre uma limitação do direito de escolha, sendo a prática dos actos por via electrónica, em regra, uma faculdade (artigo 137.º, n.º 4, do CPC) e não um dever[9].

Em qualquer caso, a solução comportaria uma violação das legítimas expectativas dos sujeitos. Também a esta luz, não se vê, portanto, razão para negar ao beneficiário de prazos regressivos a tutela que é concedida na lei. Bem pelo contrário, se estes são os fins prosseguidos pelo artigo 138.º, n.º 2, do CPC, devem estar abrangidos pela norma todos os sujeitos pois todos eles têm igual razão para dela beneficiar.”

[14] Neste sentido Acs do TRL de 27-01-2016 proc. nº 390/15.0T8CSC-A.L1-4 de que foi relatora Albertina Pereira; de 23-09-2021, proc. nº 18412/20.1T8LSB-A.L1-8 de que foi relatora Carla Mendes; e de  27-01-2022, proc. nº 28044/20.9T8LSB-A.L1-8, de que foi relatora Carla Mendes, disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt
[15] Proferido no proc. nº 21761/22.0T8LSB-A.L1-7, de que foi relator Diogo Ravara, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt