Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
896/24.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CONTRAÇÃO A TERMO RESOLUTIVO
ADMISSIBILIDADE
NECESSIDADE TEMPORÁRIAS
CONCRETIZAÇÃO DO MOTIVO JUSTIFICATIVO DO TERMO
INVALIDADE
CONVERSÃO EM CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO
Data do Acordão: 04/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 140.º, N.ºS 1, 2, AL.ª G), E 5, 141.º, N.º 3, E 147.º, AL.ªS A) A C), DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A contração a termo resolutivo apenas é admitida para satisfação de necessidade temporárias e pelo período estritamente à satisfação dessas necessidades, designadamente, quando esteja em causa a execução de tarefa ocasional que não corresponda à normal atividade da empresa ou um serviço determinado precisamente definido e não duradouro (estranho ou não à atividade da empresa) com uma duração transitória pré-determinada, de duração limitada.

II – A indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo poder estabelecer-se uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

III – Um contrato a termo que seja celebrado para satisfação de necessidades não temporárias ou em que se omita ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo, considera-se celebrado por tempo indeterminado.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –  AA instaurou a presente ação de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL S.A. pedindo que a ação seja julgada procedente, devendo em consequência:

1 - Ser declarada nula a estipulação do termo aposto no contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a aqui A. e a R. no dia 03/04/2023, doc. 4, e em consequência se declare que nessa data foi celebrado e desde tal data vigora um contrato de trabalho por tempo indeterminado;

2 - Declarar-se ilícito o despedimento em que se traduziu a declarada caducidade do contrato de trabalho a termo certo, com produção de efeitos a 03/10/2023.

3 – Ordenar-se a imediata reintegração da Autora nos quadros de trabalhadores efetivos da Ré., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

4 – Ser condenada a Ré a pagar à Autora todas as retribuições salariais que deixou de auferir, desde 03/10/2023 até ao trânsito em julgado da sentença.

Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença recorrida, ter celebrado com a ré um contrato de trabalho, por escrito, a termo resolutivo certo, pelo prazo de 6 meses, por meio do qual a Autora se comprometia a prestar à Ré a sua atividade profissional, sob a sua autoridade e direção, no desempenho da Categoria de Carteira (CRT).

Mais alegou que já antes havia celebrado com a ré outros contratos de trabalho a termo, sendo que neste último a justificação nele aposta para o termo foi a “satisfação das necessidades temporárias da Empresa resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que não se encontra integrado nos programas normais de exploração ou conservação da empresa, e que consiste no Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas, criado em resposta as exigências urgentes e extraordinárias da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial e dos inerentes reflexos destas na menos, 31-01-2024 (…)”.

Defende por isso a autora a invalidade do termo aposto, por entender que no contrato em apreço não se identificam quaisquer factos concretos que representem ou determinem quaisquer necessidades temporárias, ou não, para a Ré, e, consequentemente, a conversão do contrato em contrato de trabalho sem termo, configurando por isso a cessação que lhe foi comunicada no dia 03 de outubro de 2023, um verdadeiro despedimento ilícito que lhe confere direito a ser reintegrada e a receber as retribuições salariais que deixou de auferir, desde 03/10/2023, termos em que conclui pedindo a condenação da ré nos termos referidos.


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Realizada, sem êxito, a audiência de partes, apresentou a ré contestação na qual, em muito breve síntese, alegou que para a contratação a termo certo da Autora respeitou em toda a sua extensão os requisitos de natureza material e formal exigidos para essa contratação a termo resolutivo.

Por fim, alega que pagou a indemnização por caducidade no contrato, que sempre deverá ser deduzida ao montante a receber pela autora, em caso de procedência da ação, no que, todavia, não consente, concluindo por isso pedindo a improcedência da ação.


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II. Findos os articulados, não se realizou a audiência prévia, dispensou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova tendo, a final, sido proferida sentença em cujo dispositivo se lê:

“Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação totalmente procedente, e, em consequência:

1. Declaro nula a estipulação do termo aposto no contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a aqui A. e a R. no dia 03.04.2023 e em consequência declaro que nessa data foi celebrado e desde tal data vigora um contrato de trabalho por tempo indeterminado;

2. Declaro ilícito o despedimento em que se traduziu a declarada caducidade do contrato de trabalho a termo certo, com produção de efeitos a 03.10.2023;

3. Ordeno a imediata reintegração da Autora nos quadros de trabalhadores efetivos da Ré., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

4. Condeno a Ré a pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da presente ação (03.05.2024) e até ao trânsito em julgado da sentença, somando as já vencidas (à data de 03.11.2024) 4.950€, montante a que acresce as retribuições referentes a férias, subsídios de férias e subsídios de Natal que se forem vencendo em idêntico período – e a que deverão ser deduzidas as importâncias que a trabalhadora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (designadamente a compensação por caducidade), bem como o montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido pela trabalhadora ou outros rendimentos do trabalho auferidos em tal período.

5. Condeno a ré a pagar à autora os juros de mora à taxa legal, sobre cada uma das retribuições vencidas, desde a citação quanto às vencidas antes desta, daí em diante, desde o vencimento de cada retribuição, até integral pagamento.


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II – Inconformado veio o réu apelar alegando e concluindo:

(…).


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O recorrido apresentou resposta, entendendo que no contrato em questão não é feita qualquer menção expressa e concreta dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo para a sua celebração.

Nem nada consta quanto à necessidade da contratação a termo, nem sequer a justificação invocada e o termo estipulado ou a relação entre ambos,

Nem se identifica qualquer facto concreto e objectivo que representem ou determinem quaisquer necessidades temporárias (ou não) para a empresa Ré.

Termos em que, conclui, deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais


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O Exmº PGA em fundamentado parecer entende que a apelação deve ser julgada improcedente.

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III. A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

Fatos alegados pela autora:

1) A Ré, tem como objecto –: a) Assegurar o estabelecimento, gestão e a exploração de infraestruturas e do serviço Público de Correios; b) A prestação de serviços de logística, de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, de atividades relacionadas com sistemas de segurança, de consultoria informática, de processamento de dados, domiciliação de informação, e outras actividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiarias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como da comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede publica de correios, designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação, redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo recursos e serviços conexos; c) A prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade parabancária a constituir na dependência desta sociedade, bem como a actividade de mediação de seguros na venda de apólices de seguros e resseguros. (cfr. Doc. 3).

2) A Ré outorgou com a aqui Autora em 03/04/2023, um contrato de trabalho a termo certo “(…) nos termos do artº 140º, nº 1 e nº 2, alínea g) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12-02, com as alterações entretanto introduzidas, que se regerá pelo regime de direito comum do trabalho, pelo AE/CTT 2015, cujo texto consolidado foi publicado no BTE, 1ª série, nº 27, de 22-07-2018, com as alterações salariais publicadas no BTE 1ª série, nº 20 de 29-05-2021, (…).”, doc. 4.

3) No qual a Autora se comprometia a prestar à Ré a sua actividade profissional, sob a sua autoridade e direcção, no desempenho da Categoria de Carteira (CRT) com conteúdo funcional de: “Executar tarefas inerentes à fase do ciclo operativo em que intervém. Executar as tarefas inerentes às atividades de carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado de objetos postais, assegurando igualmente as decorrentes da operação dos meios utilizados, bem como a recolha de elementos e outros indicadores de atividade. Assegurar a recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os CTT, no quadro da atividade e negócio postal, nomeadamente os associados a atividades de distribuição, entrega, cobrança, promoção, venda, recolha e tratamento de informação. Efetuar assistência e atendimento a clientes, em situações específicas, e colaborar na promoção e venda da gama de produtos e serviços comercializados pelos CTT. Colaborar em ações que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho ou dos serviços postais. Conduzir os veículos de serviço, comunicando as deficiências verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço.”

4) Como local de trabalho no CDP ... que era sito na Zona Industrial 1, ..., ... ..., mediante a retribuição de €760,00 mensais, ficando, para o efeito, sujeita a um período normal de trabalho de 39 horas semanais com um máximo de 8 horas diárias, mas, sujeita a todos os horários que se praticassem no CDP ..., mediante escala que constava do mapa de horários de trabalho. cfr. cláusulas 1º a 3º do aludido contrato junto como doc. 4.

5) Mais se aludindo, no referido contrato e conforme a sua cláusula 4ª (quarta) que: “1. O contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140º, n.º1, e n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com inicio em 03-04-2023 e término em 02-10-2023, período que se estima como necessário e, por ora, adequado, à satisfação das necessidades temporárias da Empresa resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que não se encontra integrado nos programas normais de exploração ou conservação da empresa, e que consiste no Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas, criado em resposta as exigências urgentes e extraordinárias da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial e dos inerentes reflexos destas na dinâmica do comércio postal nacional e internacional, que se estima durar até, pelo menos, 31-01-2024, nos termos descritos nos números seguintes. 2. As necessidades de recurso a contratação temporária pela Empresa, acima referidas, resultam da instabilidade da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial, e da consequente inconstância do mercado do setor postal, que se refletem na manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral, dependente e moldado ao sabor das ocorrências excecionais que condicionam o comércio de hoje, conhecidas de todos, mas absolutamente exteriores, alheias e não manipuláveis por qualquer entidade privada. A instabilidade supra referenciada acusa uma elevada intensidade e uma acentuada frequência nas movimentações dos valores, do sentido e das características do fluxo de objetos postais, e inviabiliza qualquer previsão da quantidade, da qualidade e da duração dos postos de trabalho que devem ser mantidos, terminados ou modificados, após uma estabilização consolidada, que se estima ocorrer num futuro não próximo. 4. Considerando a rede complexa de diversos fatores, infra melhor descritos, a Empresa não consegue prever o respetivo impacto sobre a economia portuguesa, sobre o mercado postal global e sobre o negócio em concreto, de modo a aferir as necessidades do tipo, das modalidades, do número e da duração dos vínculos que precisa manter, alterar ou outorgar-quadro que demonstra a existência de uma fase organizacional de contingência, o que, por sua vez, justifica o confinamento das opções de contratação as variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade surge como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária. 5. As circunstâncias descritas adivinham a prioridade de antecipação da transformação da Empresa e anunciam modificações na organização, na estrutura e no negócio, com impacto significativo nos Recursos Humanos e fortes implicações no recrutamento, envolvendo aspetos relativos a integração funcional e departamental e a distribuição geográfica, que se revelam mudanças incertas perante tantas variáveis. 6. A volatilidade do tráfego postal foi provocada e continua a ser mantida pela atual conjuntura mundial, caracterizada por ocorrências de força maior de caracter económico e geopolítico, destacando-se, conforme relatado por autoridades competentes, a pandemia e a guerra na Ucrânia, a que se soma o específico contexto nacional. Com efeito, o conflito bélico na Ucrânia, ainda sem prevista resolução, tem provocado alterações na dinâmica do comercio internacional e no quadro macroecon6mico, causando grande incerteza sabre a evolução económica futura mundial: diminuição das taxas de crescimento das potências comerciais; redução da criação de emprego e aumento do desemprego; agravamento da volatilidade do mercado financeiro e dos custos financeiros; reforço da rutura das cadeias de abastecimento e das interrupções do transporte marítimo; aumento da inflação já observado nos preços dos produtos básicos dependentes da energia; aumentos nas taxas de juros dos países desenvolvidos, e oneração da capacidade de financiamentos. 8. Por outro lado, permanecem como fatores interruptores nas cadeias de abastecimento e desaceleradores do comércio internacional, o contexto da pandemia Covid-19 que continua a constituir uma preocupação de saúde pública, atingindo pontos críticos, e os vários cenários de crise que se sucedem em diferentes geografias. 9. Em Portugal, a esta situação soma-se o crescendo da incerteza em relação à economia, atenta a vulnerabilidade ao ambiente internacional, a elevada dependência energética externa e o aumento dos preços internos; a diminuição do volume de tráfego postal; o crescimento do salário mínimo acima da inflação; a transformação tecnológica no setor postal e a exigência de investimento forte num mercado cada vez mais competitivo; e a imprevisibilidade dos efeitos das alterações da legislação laboral no mercado de trabalho. 10. Por conseguinte, a presente contratação e precária e não visa perdurar (para alem da data em que o referido projeto atingir os seus objetivos); tem como finalidade satisfazer as necessidades de contratação temporárias e transitórias (delimitadas pela duração do projeto delineado pela conjuntura excecional acima descrita); objetivamente definidas pela Empresa (no contexto particular do negócio postal atenta a conjuntura atual); pelo período estritamente necessário a satisfação dessas necessidades (até ao termo do Projeto que dependera da estabilização da conjuntura atual).”

6) À data da celebração do contrato de trabalho a termo certo sob apreciação, havia já mais de 5 (cinco) anos que a mesma trabalhadora, ora Autora, vinha a exercer as mesmas funções de distribuidora, ou seja, a exercer a categoria profissional de Carteira para a Ré.

7) Com efeito, a trabalhadora AA, ora Autora, exerceu as mesmas funções, sempre com a mesma categoria profissional – CRT (Carteira) -, ao serviço da Ré a coberto e ao abrigo de contratos de trabalho a termo certo, e, neles fazendo constar:

8) 13/04/2018 a 27/08/2018 – no CDP de ... – ao abrigo do nº 1 e da alínea a) do nº 2 do artº 140º e dos artºs 150º a 156º do Código do Trabalho –substituição de trabalhadores na situação de férias – Cláusulas 1ª, 3ª e 4ª (Doc. 5);

9) 05/11/2018 a 04/05/2019 – no CDP de ... - ao abrigo da alínea b) do nº 4 do artº 140º e dos artºs 150º a 156º do Código do Trabalho –trabalhadora à procura 1º emprego – Cláusulas 1ª e 4ª, (Doc. 6);

10) – adenda 05/05/2019 a 04/11/2019 – no CDP de ... - ao abrigo da alínea b) do nº 4 do artº 140º e dos artºs 150º a 156º do Código do Trabalho – - trabalhadora à procura 1º emprego – Cláusula 1ª, 2ª e 4ª (Doc. 7);

11) 11/11/2019 a 10/11/2020 – no CDP de ... - ao abrigo do artigo 140º nº 1 do Código do Trabalho – “ - 1 . O contrato (…) período que se estima como necessário e, por ora, adequado, à satisfação das necessidades temporárias da empresa identificadas na presente data. 2 . Estas necessidades temporárias resultam da atual tendência instável de quebra de tráfego postal e da indeterminável fixação do sentido da sua evolução, a que acresce a incerteza quanto à manutenção pelos CTT da concessão do serviço postal universal - que, em conjunto, provocam a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho permanentes durante um período qualificado objetivamente como de transição: de um mínimo estimado de 2 anos (de finais de 2019 até finais de 2021), considerando a atual tendência de queda de tráfego postal e a sua estabilização; e de um mínimo estimado deste a presente data até Abril de 2021, virgula atento o termo do contrato de concessão do serviço universal postal (Dezembro de 2020). 3. No que concerne a queda de tráfego postal, a genérica evolução negativa pode ser consultada nos dados oficiais em acesso livre disponibilizados pela ANACOM (nomeadamente, os relativos ao primeiro semestre de 2019, que atestam “uma revolução de 9,1% do tráfego total e de 1,5% das receitas”), resulta de fatores exógenos a CTT, e representa, no universo CTT, um cenário que indica, na margem de referência entre 2014 e 2028, uma diminuição do volume de correio de -4% é -8% por ano até 2028, atingindo nesse ano apenas 45% a 65% dos volumes de correio atuais, e, em 2019, os valores mais elevados de uma queda de tráfego na ordem dos 10%. 3.1 - constituindo a atividade postal um setor onde os recursos humanos assumem um peso fundamental na estrutura de custos, a incerteza relativamente à evolução do tráfego determina que a utilização rentável do potencial de trabalho possa adaptar-se ao fluxo das variações 10 necessidades sob o risco d ineficiências operacionais e de aumento de custos que afetam a sustentabilidade sabe económico financeira do negócio, a Acessibilidade dos serviços e o cumprimento pontual do contrato de concessão do serviço universal. 4. No que respeita a incerteza da manutenção pelos CTT da concessão do serviço postal universal, de acordo com o contrato em execução, salienta-se que os CTT são o prestador designado do serviço universal até dezembro de 2020, mas releva se que não se viabiliza a possibilidade de, para além dessa data, garantir-se que os CTT continuarão a ser o prestador designado e, se eu for, em que termos e condições e para que serviços. 4.1 - neste quadro, afigura-se incerta e desaconselhável a contratação a título permanente, para todas as áreas de negócio, de recursos humanos que, num espaço de cerca de 2 anos, podem vir a ser considerados desnecessários ou inadequados à nova realidade da organização e do negócio. 4.2 - mesmo se os CTT mantiverem a concessão do serviço postal universal, o desconhecimento dos termos e as inúmeras alternativas da sua contratação, em quantidade e qualidade, implicará sempre, após 2020, um período de adaptação e reestruturação da organização dos CTT que prolongará a incerteza de postos de trabalho permanentes durante, pelo menos, um período que por ora se estima em 4 meses (portanto, até abril de 2021). 5. Neste momento, considera se que esta situação precária - de incerteza sobre a necessidade de preenchimento de postos de trabalho, em quantidade, qualidade e duração-, em termos conjuntos, justifica a necessidade de contratação temporária.” Cláusula 1ª, 2ª e 4ª (Doc. 8).

12) Com contrato de trabalho por tempo incerto de: - 13/01/2021 que foi a 11/01/2023 - no CDP de ... - ao abrigo do nº 1 da alínea a) do nº 2 e do nº 3 do artº 140º do Código do Trabalho – - substituição de trabalhadora em baixa médica – Cláusulas 1ª, 2ª e 5ª (Docs. 9 e 10).

13) As funções exercidas pela trabalhadora AA são exatamente as mesmas que já vinha exercendo há mais de 5 anos.

14) Logo após cessar as funções inerentes ao contrato em causa nestes autos, foi a Autora convidada a renovar, o que não aceitou.

Factos alegados pela ré:

15) Na data de cessação do último contrato a aqui Ré liquidou à Autora montantes a título de caducidade.

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Factos não provados:

Não resultaram provados, com relevo para a decisão a proferir, os seguintes factos:

Factos alegados pela autora:

1) Porque não aceite a renovação por parte da Autora, a Ré procedeu à contratação de um outro trabalhador, BB, também contratado a termo certo, para a sua substituição e satisfação das mesmas necessidades da Ré, CTT Correios de Portugal SA.

2) Trabalhador esse que já foi integrado nos quadros da Ré, e, assim convolado o contrato de trabalho a termo certo para sem termo.


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IV – Como são as conclusões da alegação que, sem prejuízo das questões de que o tribunal conhece oficiosamente, delimitam o objeto do recurso, importa dilucidar e decidir se contrato de trabalho celebrado em 03.04.2023 a termo resolutivo certo deve considerar-se como contrato por tempo indeterminado

A 1ªinstãncia entendeu que o contrato a termo deve considerar-se como contrato por tempo indeterminado por duas razões.

Em primeiro lugar porque a justificação invocada pela ré não é subsumível à previsão da al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho, por não constituir uma tarefa ocasional ou um serviço determinado precisamente definido e não duradouro.

Em segundo lugar porque não se encontra cumprida a exigência de indicação dos factos concretos que integram a justificação pois, no dito contrato de trabalho a termo certo, não é feita qualquer menção concreta, expressa e objetiva dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo, não se identificando quaisquer factos concretos que representem ou determinem quaisquer necessidades temporárias, ou não, para a Ré.

Vejamos:

A contratação a termo reveste natureza excecional.

Nos termos da cláusula geral ínsita no nº 1 do artº 140º do CT “O contrato de trabalho a atermo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”.

Na determinação da necessidade e da temporaneidade deve recorrer-se a critérios objetivos de modo a possibilitar a sua sindicância por parte dos tribunais.

Exige-se ainda uma conexão entre a necessidade temporária e o termo inserido no contrato pois o termo há-de corresponder ao período estritamente necessário à satisfação das necessidades, embora não se exija uma coincidência exata entre o termo e o período “estritamente necessário” à satisfação das necessidades.

A indicação do motivo justificativo da oposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (nº 3 do artº 141º do CT).

Cabe ao empregador a prova dos factos que integram o motivo da contratação a termo (nº 5 do artigo 140.º do CT).

No que se refere à densificação do que seja a “execução de tarefa ocasional ou um serviço determinado precisamente definido e não duradouro” ( al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho) lê-se no acórdão da Relação de Lisboa de 20-12-2023, P. 13282/21.5T8LSB.L1.4, in www.dgsi.pt/jtrl que, “porque nos afigura esclarecedor reproduzimos aqui o teor do Ac. RP de 05/06/2023, acessível em www.dgsi.pt), onde se pode ler seguinte:

(…)

“No caso dos autos a recorrida fez apelo às disposições do art.º 140.º, n.º 2, al. g) do Código do Trabalho (…)

O art.º 140.º, nº. 2, al. g) do Código do Trabalho dispõe que:

«Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”.

(…)

Assim, importa aferir se foi cumprida a exigência de indicação do motivo justificativo, ou seja, se foi feita a indicação expressa no contrato dos concretos factos suscetíveis de se reconduzirem à previsão da al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho

Refere-se este preceito à execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. Trata-se de permitir a contratação a termo em dois núcleos de situações:

a) quando está em causa a execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa;

b) quando está em causa serviço (estranho ou não à atividade da empresa) que têm uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada[1].

A este respeito, transcreve-se o que ficou dito no Ac. STJ de 17/03/2016[2], citando Alice Pereira de Campos[3]: «Estas situações correspondem a todas aquelas em que está em causa uma actividade que não faz parte da actividade normalmente desenvolvida na empresa e que Abílio Neto definiu como trabalho eventual. Estas actividades contrapõem-se às previstas na alínea anterior, na medida em que naquelas está em causa o desenvolvimento da actividade normal da empresa, mas em quantidade anormal, enquanto nestas a própria actividade é anormal, atendendo ao tipo de trabalho habitualmente desenvolvido pelo empregador. Ali está em causa uma alteração quantitativa, aqui uma alteração qualitativa.

Conforme previsto nesta norma, uma vez que a actividade a desenvolver tem um carácter isolado, a mesma deve estar perfeitamente definida no contrato. É necessário identificar com a maior precisão possível a tarefa ou serviço que o trabalhador contratado a termo vai desenvolver na empresa, sob pena de não estar suficientemente relacionada a aposição do termo e a duração do contrato com a actividade contratada, o que levará à nulidade do termo.»

Considera-se sem termo, no que ao caso interessa, o contrato de trabalho em que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1, 3 ou 4 do artigo 140.º e em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo (alíneas a), b) e c) do artº 147º do CT).

O motivo justificativo do termo aposto no contrato em análise tem a seguinte redação:

“1. O contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140º, n.º1, e n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com inicio em 03-04-2023 e término em 02-10-2023, período que se estima como necessário e, por ora, adequado, à satisfação das necessidades temporárias da Empresa resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que não se encontra integrado nos programas normais de exploração ou conservação da empresa, e que consiste no Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas, criado em resposta as exigências urgentes e extraordinárias da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial e dos inerentes reflexos destas na dinâmica do comércio postal nacional e internacional, que se estima durar até, pelo menos, 31-01-2024, nos termos descritos nos números seguintes. 2. As necessidades de recurso a contratação temporária pela Empresa, acima referidas, resultam da instabilidade da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial, e da consequente inconstância do mercado do setor postal, que se refletem na manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral, dependente e moldado ao sabor das ocorrências excecionais que condicionam o comércio de hoje, conhecidas de todos, mas absolutamente exteriores, alheias e não manipuláveis por qualquer entidade privada. A instabilidade supra referenciada acusa uma elevada intensidade e uma acentuada frequência nas movimentações dos valores, do sentido e das características do fluxo de objetos postais, e inviabiliza qualquer previsão da quantidade, da qualidade e da duração dos postos de trabalho que devem ser mantidos, terminados ou modificados, após uma estabilização consolidada, que se estima ocorrer num futuro não próximo. 4. Considerando a rede complexa de diversos fatores, infra melhor descritos, a Empresa não consegue prever o respetivo impacto sobre a economia portuguesa, sobre o mercado postal global e sobre o negócio em concreto, de modo a aferir as necessidades do tipo, das modalidades, do número e da duração dos vínculos que precisa manter, alterar ou outorgar-quadro que demonstra a existência de uma fase organizacional de contingência, o que, por sua vez, justifica o confinamento das opções de contratação as variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária. 5. As circunstâncias descritas adivinham a prioridade de antecipação da transformação da Empresa e anunciam modificações na organização, na estrutura e no negócio, com impacto significativo nos Recursos Humanos e fortes implicações no recrutamento, envolvendo aspetos relativos a integração funcional e departamental e a distribuição geográfica, que se revelam mudanças incertas perante tantas variáveis. 6. A volatilidade do tráfego postal foi provocada e continua a ser mantida pela atual conjuntura mundial, caracterizada por ocorrências de força maior de caracter económico e geopolítico, destacando-se, conforme relatado por autoridades competentes, a pandemia e a guerra na Ucrânia, a que se soma o específico contexto nacional. Com efeito, o conflito bélico na Ucrânia, ainda sem prevista resolução, tem provocado alterações na dinâmica do comercio internacional e no quadro macroeconomico, causando grande incerteza sabre a evolução económica futura mundial: diminuição das taxas de crescimento das potências comerciais; redução da criação de emprego e aumento do desemprego; agravamento da volatilidade do mercado financeiro e dos custos financeiros; reforço da rutura das cadeias de abastecimento e das interrupções do transporte marítimo; aumento da inflação já observado nos preços dos produtos básicos dependentes da energia; aumentos nas taxas de juros dos países desenvolvidos, e oneração da capacidade de financiamentos. 8. Por outro lado, permanecem como fatores interruptores nas cadeias de abastecimento e desaceleradores do comércio internacional, o contexto da pandemia Covid-19 que continua a constituir uma preocupação de saúde pública, atingindo pontos críticos, e os vários cenários de crise que se sucedem em diferentes geografias. 9. Em Portugal, a esta situação soma-se o crescendo da incerteza em relação à economia, atenta a vulnerabilidade ao ambiente internacional, a elevada dependência energética externa e o aumento dos preços internos; a diminuição do volume de tráfego postal; o crescimento do salário mínimo acima da inflação; a transformação tecnológica no setor postal e a exigência de investimento forte num mercado cada vez mais competitivo; e a imprevisibilidade dos efeitos das alterações da legislação laboral no mercado de trabalho. 10. Por conseguinte, a presente contratação e precária e não visa perdurar (para alem da data em que o referido projeto atingir os seus objetivos); tem como finalidade satisfazer as necessidades de contratação temporárias e transitórias (delimitadas pela duração do projeto delineado pela conjuntura excecional acima descrita); objetivamente definidas pela Empresa (no contexto particular do negócio postal atenta a conjuntura atual); pelo período estritamente necessário a satisfação dessas necessidades (até ao termo do Projeto que dependera da estabilização da conjuntura atual).”

Analisando esta extensa motivação concordamos inteiramente com a sentença quando nela se escreveu que “o que consta do contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida como justificação da contratação não pode subsumir-se à primeira parte da previsão legal em apreço, já que a contratação da autora para o exercício das funções de carteira, ainda que considerando o contexto assinalado, não constitui uma qualquer alteração qualitativa relativamente à normal atividade da ré, antes correspondendo à sua atividade normal[4].

Mas também não resulta do contrato que estivesse em causa uma situação transitória que, mesmo que não fosse estranha à normal atividade da recorrida, tivesse duração pré-determinada. Pelo contrário, parece estar em causa uma situação com duração desconhecida, sendo a própria ré a referir quese estima durar até, pelo menos, 31-01-2024”, sendo inviável “qualquer previsão da quantidade, da qualidade e da duração dos postos de trabalho que devem ser mantidos, terminados ou modificados, após uma estabilização consolidada, que se estima ocorrer num futuro não próximo”, não conseguindo a empresa prever o respetivo impacto sobre a economia portuguesa, sobre o mercado postal global e sobre o negócio em concreto, de modo a aferir as necessidades do tipo, das modalidades, do número e da duração dos vínculos que precisa manter, alterar ou outorgar-quadro que demonstra a existência de uma fase organizacional de contingência, o que, por sua vez, justifica o confinamento das opções de contratação as variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade surge como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária”.

Conclui-se, pois, que a justificação invocada pela ré não é subsumível à previsão da al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho, por não constituir uma tarefa ocasional ou um serviço determinado precisamente definido e não duradouro”.

Por outro lado, também conforme se refere na sentença no “contrato de trabalho a termo certo não é feita qualquer menção concreta, expressa e objetiva dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo, não se identificando quaisquer factos concretos que representem ou determinem quaisquer necessidades temporárias, ou não, para a Ré.

Na verdade, o que consta do contrato celebrado como justificação da contratação é uma indicação vaga e genérica que não constitui qualquer concretização das necessidades de contratação, da sua excecionalidade, nem de necessidades temporárias de contratação”.

Com efeito, não se concretiza em que consiste o “Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas”, e a conjuntura económica e social internacional ou nacional não pode servir de justificação da contratação a termo sob pena desta contratação se tornar a regra e não a exceção, sendo que a contratação da autora não constitui uma qualquer alteração qualitativa relativamente à normal atividade da ré, antes correspondendo à sua atividade normal.

O contrato celebrado pelas partes em 03.04.2023 considera-se celebrado por tempo indeterminado tal como foi decidido pelo tribunal a quo.


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V Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

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Custas a cargo da apelada.

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Sumário[5]:

(…).


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Coimbra, 30 de abril de 2025

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto



[1] A este propósito veja-se Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pag. 629, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pag. 596 e Jorge Leite, Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito comunitário, questões laborais, Ano XIII, 2006, pag. 12.
[2] Acessível em www.dgsi.pt.
[3] Contrato de Trabalho a Termo, Universidade Católica, 2013, pag. 79.
[4] O sublinhado é nosso.
[5] Da exclusiva responsabilidade do relator.