Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
185/19.2TXCBR-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL OU DA ADAPTAÇÃO À LIBERDADE CONDICIONAL
DIREITO DE AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 09/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA - JUÍZO DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 61.º E 62.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 176.º A 186.º E 188.º, N.º 7, DA LEI N.º 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO/CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE/CEPMPL
ARTIGO 32.º, N.º 8, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGO 61.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - A adaptação à liberdade condicional depende da verificação de todos os pressupostos previstos para a concessão da liberdade condicional, à excepção do cumprimento de metade da pena, dado o seu carácter antecipatório, e do consentimento do condenado.

II - Concedida a adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a sua execução é efectuada de acordo com os artigos 183.º a 186.º e 188.º, n.º 7, do CEPMPL.

III - Tal como sucede quando está em causa a eventual revogação da suspensão da execução da pena, também no que respeita à revogação da liberdade condicional ou da adaptação à mesma impõe-se ao tribunal o dever de audição do condenado antes de proferir decisão e, por conseguinte, sobre a revogação da adaptação a essa liberdade, em respeito do direito de audiência consagrado nos artigos 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa e 61.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P.

IV - Depois da audição do condenado o juiz ordena as diligências complementares que entender necessárias e decide, após parecer do Ministério Público, quanto às consequências do incumprimento.

Decisão Texto Integral: Relator: Cristina Branco
Adjuntos: Alcina da Costa Ribeiro
Maria Alexandra Guiné

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito dos autos de Incidente de Incumprimento com o n.º 185/19.2TXCBR-I do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, Juízo de Execução das Penas de Coimbra - Juiz 1, o arguido , identificado nos autos, não se conformando com a decisão judicial, proferida em 23-07-2024, que revogou a adaptação à liberdade condicional que lhe havia sido concedida, veio dela interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«A. Porquanto se considera ter sido incorretamente determinado por erróneas subsunção dos factos ao Direito, violando-se assim o disposto no mencionado artigo,
B. De acordo com a disposição legal, a revogação da vigilância eletrónica ocorre quando o condenado revogar o consentimento; danificar o equipamento de monitorização com intenção de impedir ou dificultar a vigilância , ou por qualquer forma iludir os serviços de vigilância ou se eximir a esta e por fim se o condenado violar gravemente os deveres a que está sujeito,
C. Desde logo constatamos que a decisão ora recorrida é desde logo omissa no seu dispositivo na indicação das alíneas indicadas na norma e que determinaram a revogação da medida de execução da pena.
D. Do teor da fundamentação resulta a imputação da violação dos deveres inerentes à vigilância eletrónica referindo que por 9 vezes a unidade de monitorização foi movimentada, referindo que o fez em 35 dias, o que de acordo com a própria factualidade assente não é possível pois que dos factos assentes resulta o inicio da vigilância em 10 de Maio alínea c) dos factos assentes, tendo o processo sido autuado como incumprimento em 5 de Junho ..
E. A UML foi movimentada por 9 vezes mas do teor da fundamentação não resulta a violação grave dos deveres.. resulta sim a violação de deveres, o que só por si não permite a revogação da medida aplicada,
F. Mas mais,
G. Das 9 vezes o Tribunal conclui que existiu uma em que existiu um esforço de iludir os serviços de vigilância eletrónica por intermédio da colocação do equipamento num ponto da habitação [sala de estar] que não registaria ausência mesmo que o Requerido … se deslocasse para um espaço exterior ao seu domicílio.
H. Ora, de onde se afere o dolo, a intenção de iludir os serviços de vigilância? Não existe qualquer fundamentação para tal facto!
I. Como poderia o condenado saber que o A UML na sala de estar lhe permitia deslocar-se, qual o raio de distancia que permitiria deslocar-se??
J. Mas diga-se sem conceder que ainda assim o fez por uma única vez!!

L. Não resulta de forma alguma demonstrada, sustentada, fundamentada a violação grave dos deveres do condenado, nem tão pouco a intenção de iludir, ou qualquer outra das alíneas do normativo invocado ( art. 14º da Lei 33/2010),

O. A constatação da gravidade inequívoca é mero juízo conclusivo, pois que em lado nenhum da fundamentação se extrai a facticidade subjacente a tal gravidade
P. O regime de adaptação da Liberdade condicional foi concedido ao condenado em 9 de Maio, sendo ali sopesados os critérios de aplicabilidade e razoabilidade de tal decisão, fazendo então um juízo de prognose favorável com a consequente aplicação de tal regime,
Q. Ora numa fase muito inicial e de adaptação ao sistema é autuado em 5 de Junho o apenso de incumprimento,
R. Foi possível apurar que os alarmes do sistema não foram comunicados ao condenado que não nesta fase do processo,
S. Foi advertido uma única vez pelo técnico … que não podia mexer na unidade de monitorização, que deslocando-se ao local constatou estar tudo em conformidade,
T. Surge o incumprimento, é importante efetivamente realizar uma advertência ao condenado,
U. Mas tal não foi feito, nos presentes autos, volvidos tão só pouco mais de um mês após a concessão de regime de adaptação à liberdade condicional, sem mais, sem qualquer advertência, e no primeiro registo de incumprimento, é-lhe determinada a revogação de tal medida e determinado o seu reingresso ao EP,
…»

2. Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, …

3. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer …

4. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não foi oferecida resposta.

5. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


*

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

In casu, a única questão suscitada é a de saber se a decisão de revogação da adaptação à liberdade condicional de que beneficia o recorrente merece censura.


*

2. Da decisão recorrida

É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):
«I. Relatório
Os presentes autos foram autuados em 5 de Junho de 2024 com vista à ponderação da eventual revogação da adaptação de liberdade condicional concedida por decisão de 9 de Maio de 2024 ao Requerido …. Antecipação da liberdade condicional reportada ao marco temporal dos 2/3 da pena indexado a 24 de Novembro de 2024. Isto sendo que a conversão em liberdade condicional, a dar-se, vigoraria então até 25 de Julho de 2026 enquanto data prevista para o termo da pena. … O presente incidente justificou-se, ademais, na sequência do teor do relatório de adaptação da liberdade condicional datado de 28 de Maio de 2024 a dar nota que o Requerido … se encontrava em inobservância gravosa das condições impostas.
Procedeu-se à audição do libertado …. Peticionou-se complementar informação à DGRSP e operou-se ainda a audição dos depoentes …
A Ilustre Magistrada do Ministério Público, no seu elevado critério, emitiu parecer, … a pugnar pela revogação da liberdade condicional [Ref. 3780514].
Foi dada oportunidade ao libertado …, na pessoa da sua I. Defensora, para se pronunciar sobre o presente incidente na sequência desse parecer. Tendo a mesma pugnado pela manutenção da antecipação da liberdade condicional [Ref. 3780514].
II. Dos Factos e do Direito
1. Resulta provada a seguinte matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa:
a) O requerido … cumpria a pena de 5 anos de prisão … quando lhe foi concedida, por sentença proferida em 9 de Maio de 2024, a adaptação da liberdade condicional por referência ao marco temporal dos 2/3 da pena a ocorrer em 24 de Novembro de 2024,
b) A qual foi, ademais, sujeita aos seguintes deveres e regras de conduta:
a) Fixar residência na …, de onde não se poderá ausentar sem autorização do tribunal;
b) Manter boa conduta, não recebendo visitas de pessoas ligadas aos seus anteriores comportamentos criminosos;
c) Diligenciar por uma colocação laboral e, logo que obtida, manter assiduidade;
d) Efectuar avaliação e eventual tratamento, a ser divisado como necessário, à problemática aditiva;
d) Aceitar a tutela dos serviços de reinserção social da área de residência, cumprindo os deveres inerentes à medida, os quais lhe serão comunicados documentalmente, pelo respectivo técnico, logo que instalado o equipamento de V.E.
c) Na sequência da decisão mencionada em a), a DGRSP instalou os equipamentos de vigilância electrónica e iniciou a execução da adaptação à liberdade condicional no dia 10 de Maio de 2024, pelas 17h58m,
d) Tendo sido, no acto de instalação, entregue ao Requerido … o Guia do Arguido/Condenado junto sob Ref. 666829 e do qual consta, designadamente, que
(…)
3. Como funciona a Vigilância Electrónica?

(…)

A pulseira comunica com a unidade de monitorização local (caixa) instalada na habitação que, por sua vez, transmite todas as informações aos computadores centrais. Estes estão programados para saber exatamente se está ou não em casa e qual o estado de funcionamento dos equipamentos. Todos os dados são do conhecimento imediato da Equipas de Vigilância Eletrónica que reage a todas as ocorrências. A tecnologia incorporada na pulseira, na unidade de monitorização local e nos computadores centrais deteta os incumprimentos e as violações.

4. A que obrigações estou sujeito?

As obrigações gerais a que estou sujeito são as seguintes:

a. permanecer em casa durante os períodos de tempo fixados pelo juiz

(…)

h. evitar qualquer ato que prejudique o funcionamento do equipamento de vigilância eletrónica

O não cumprimento destas regras significa violação, que será transmitida ao tribunal.

(…)

6. O que acontece em caso de incumprimento?

(…)

Se eu sair durante o período de permanência em casa, sem motivo válido, a Equipa de Vigilância Eletrónica informa a polícia.

Para além disso, a Equipa de Vigilância Eletrónica informa sempre o tribunal.

A vigilância eletrónica pode ser revogada se:

(…)

· o equipamento for danificado com intenção de impedir ou dificultar a vigilância eletrónica ou tentar iludir ou esquivar-se ao controlo

7. Correcta utilização dos equipamentos

(…)

· não deslocar a caixa

(…)

O não cumprimento destas regras significa violação, que poderá ser transmitida ao tribunal.

8. Recomendações da equipa de Vigilância Electrónica

Ajude-se a si mesmo

· não tente enganar a vigilância eletrónica, os equipamentos estão preparados para detetar todas as violações e tentativas de violação.

(…)

e) Por ocasião do acto de instalação, foi, ademais, subscrito pelo Requerido … o documento constante da Ref. 666829 e no qual o mesmo declara, designadamente, que

(…)

2. Recebi o «guia do arguido/condenado» sujeito a vigilância electrónica que me foi entregue hoje e percebi as condições de execução da vigilância electrónica.

3. Comprometo-me a cumprir integralmente as regras de utilização do dispositivo de identificação pessoal (pulseira) e da unidade de monitorização local (caixa);

4. Fui informado(a) e percebi que se houver violação das obrigações impostas, posso ver a pena/medida revogada, podendo ser preso(a).

(…)

f) O recluso … tomou conhecimento, na sequência da leitura da decisão mencionada em a) e b) e do Guia do arguido/Condenado mencionado em d), que não podia mexer na Unidade de Monitorização Local sob pena de incorrer em violação das obrigações subjacentes à adaptação à liberdade condicional;

g) A Unidade de Monitorização Local instalada na residência do Requerido … registou alarmes referentes à deslocação do equipamento pelas 13h34m53s e 15h01m29s do dia 12 de Maio de 2024, pelas 00h31m08s do dia 17 de Maio de 2024, pelas 17h57m43s e pelas 21h05m20s do dia 19 de Maio de 2024, pelas 11h48m59s e pelas 16h21m46s do dia 22 de Maio de 2024, pelas 16h08m42s do dia 9 de Junho de 2024 e pelas 19h33m32s do dia 17 de Junho de 2024,

h) Tendo esses registos sido invariavelmente antecedidos de complementares alarmes de inclinação da Unidade de Monitorização Móvel e de falha de energia;

i) Os alarmes mencionados em g) derivaram de efectivas deslocações da Unidade de Monitorização Local;

j) Atentos os alarmes até então produzidos pela Unidade de Monitorização Local, foi concretizada deslocação ao Requerido … pela Equipa de Vigilância Electrónica no dia 22 de Maio de 2024, pelas 11h50m,

k) Tendo aquele sido então novamente advertido para a proibição de movimentar o equipamento e de o desligar da corrente eléctrica;

l) Atenta a ocorrência de complementar alarme de deslocação do equipamento pelas 16h21m desse mesmo dia, foi concretizada nova deslocação à residência do Requerido … pela Equipa de Vigilância Electrónica,

m) Tendo-se então constatado que o Requerido … se encontrava no exterior do prédio e na esplanada da pastelaria situada no rés-do-chão,

n) Isto sem que o sistema informático tivesse assinalado qualquer ausência do Requerido … da sua habitação pois que a Unidade de Monitorização Local havia sido deslocada do quarto onde havia sido instalada pela Equipa de Vigilância Electrónica para o chão da sala de estar.

A convicção do Tribunal em matéria de fundamentação de facto fluiu, desde logo, da prova documental constante das Refs. …

Já a matéria factual vertida em f) e i) a l) dos factos provados resultou da conjugação daqueles elementos documentais com os depoimentos de … Cuja inquirição foi determinada oficiosamente pelo Tribunal na sequência das declarações prestadas pelo próprio Requerido …! O qual, por ocasião da audição documentada sob Ref. 3753867, assumiu a movimentação do equipamento e a saída da habitação nos termos descritos em l) a n) do circunstancialismo demonstrado.  …

Falamos de narração que não colheu qualquer credibilidade e que, por isso mesmo, não foi transposta para a fundamentação de facto. …

Compreende-se, pois e em face do exposto, a factualidade dada como provada. E percepcionam-se, por igual forma, as razões pelas quais não se aceitou a narração apresentada pelo Requerido … nos termos supra escalpelizados. …

O Tribunal teve, nesse seguimento, o cuidado de inquirir aquela … para aferir da veracidade do exposto pelo Requerido …. E a mesma … tentou oferecer uma narração a isentar o seu companheiro de responsabilidade pelas demais movimentações da UML. Fê-lo, no entanto, de forma claramente inverosímil com propalação de versões não razoáveis.

2.a) Beneficiou o Requerido … da concessão da adaptação da liberdade condicional por sentença proferida em 9 de Maio de 2024. …

Da leitura do texto transcrito resulta imediato que, do ponto de vista substantivo, a adaptação à liberdade condicional não se reconduz à figura da própria liberdade condicional! A adaptação à liberdade condicional, porque executada em regime de permanência na habitação, é ainda uma forma de cumprir a pena de prisão com inerente privação de liberdade.

Trata-se, não obstante, de uma antecâmara da liberdade condicional. Pretendendo-se, com ela, permitir ao condenado uma via privilegiada de ingresso em tal instituto conquanto o mesmo preencha já os requisitos materiais da liberdade condicional em matéria de finalidades preventivas ainda que não tenha alcançado os marcos temporais definidos no artigo 61.º do Código Penal. E que, por esta razão, logra aceder a uma medida de flexibilização da sua pena de privação da liberdade [que se mantém em observância] que é, em si mesma, um período probatório do seu grau de reinserção social. Como refere Inês Horta Pinto[1],

Também o Tribunal Constitucional compartilha de tal visão quanto à teleologia da adaptação à liberdade condicional. Como se refere no Acórdão n.º 150/2013 do Tribunal Constitucional,

Cabe, como tal, deixar claro… A adaptação à liberdade condicional é ainda uma forma de execução de uma pena privativa de liberdade. Mas é também, não obstante, uma flexibilização da tradicional reclusão penitenciária que visa, num misto de regime probatório e de período de transição, testar e promover a reinserção comunitária do condenado enquanto fim último da própria liberdade condicional.

b) É, pois, neste prisma que deve ser percepcionada a natural necessidade de cumprimento das condições subjacentes ao regime de permanência na habitação. Que carecem, obviamente, de ser escrupulosamente respeitadas pelo beneficiário daquela mesma adaptação! Até porque a sua inadimplência significará, tendencialmente, que o condenado não estava, afinal, capacitado a beneficiar desse mesmo regime de transição para a liberdade condicional. E que o juízo de prognose formulado pelo Tribunal de Execução das Penas de que tal adaptação seria benéfica para o seu reenquadramento comunitário se fundou, ao fim e ao cabo, num equívoco.

Esta lógica encontra-se, parece-nos, subjacente ao disposto no artigo 14.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro [Lei dos Meios Técnicos de Controlo à Distância (Vigilância Electrónica)] …

Nem toda a preterição de uma regra ou dever subjacente às condições impostas em matéria de regime de permanência na habitação justificará, obviamente, a revogação da adaptação. O próprio legislador oferece, na própria Lei n.º 33/2010, manifestações de uma ideia de proporcionalidade na sindicância do grau de incumprimento daquela disciplina [veja-se, por exemplo, o artigo 13.º daquele diploma legal]. No que a revogação apenas se justificará quando a violação das condições da vigilância electrónica atinjam uma frequência e/ou gravidade que, de per se, coloquem em causa o processo gradativo de reintegração social que foi visado com a concessão da adaptação. Mostrando que, com isso, o condenado não justificava a superação do regime de reclusão penitenciária e que o seu processo de reenquadramento comunitário continua a clamar por um contexto prisional. Note-se, ademais, que se este juízo se mostra, as mais das vezes, próximo daqueloutro incidente sobre a avaliação do estado de reinserção social do condenado, não se confunde, ainda assim, com ele. Podendo bem ocorrer que um dado recluso mostre não estar capacitado para beneficiar da adaptação [por não conseguir, por exemplo, estar confinado à sua habitação] mas mantenha, ainda assim, bons indicadores de satisfação das finalidades preventivas da pena para efeitos de avaliação favorável da outorga da liberdade condicional.

c) São estes os vectores que devem presidir à sindicância da actuação do Requerido …. Por forma a aferir se o mesmo incorreu em incumprimento das condições subjacentes à adaptação da liberdade condicional [e, por inerência, do Regime de Permanência na habitação] e se tal inadimplemento, a existir, se mostra gravoso ao ponto de justificar a revogação daquela medida.

A resposta às duas questões não pode deixar de ser afirmativa… É, efectivamente, imediata a constatação que o Requerido … postergou de forma flagrante e ostensiva os deveres inerentes à vigilância electrónica. Fê-lo quando, tendo a percepção que não podia mexer ou deslocar a Unidade de Monitorização Local, a movimentou em 9 ocasiões distintas num lapso temporal de 35 dias. Fê-lo também porque tal actuação foi, pelo menos numa das ocasiões [não podendo o Tribunal, ainda que naturalmente desconfie de tal possibilidade, renovar tal afirmação com certeza absoluta para os demais registos de alarme], pré-ordenada a um esforço de iludir os Serviços de Vigilância Eléctronica por intermédio da colocação do equipamento num ponto da habitação [sala de estar] que não registaria ausência mesmo que o Requerido AA se deslocasse para um espaço exterior ao seu domicílio. E fê-lo, obviamente, porque o Requerido AA veio a concretizar tal saída do seu domicílio para ingresso e permanência num estabelecimento de restauração sem que esta ausência tivesse sido comunicada aos Serviços de Vigilância Electrónica ou por estes autorizada.

E é manifesto que tais condutas põem irremediavelmente em crise o juízo de prognose favorável desenvolvido por este Tribunal [que foi, diga-se, formulado pelo próprio signatário] quando concedeu a adaptação à liberdade condicional. Pois que a sua actuação se mostra de gravidade inequívoca no quadro da necessidade de observância do regime de permanência na habitação. O Requerido …, volvidos apenas 2 dias sobre o ingresso no seu domicílio, iniciou actuação sistematicamente dirigida a perturbar ou inviabilizar a sindicância de que estava a ser alvo. Operando recorrentes condutas de interferência ou intromissão física com a Unidade de Monitorização Local não obstante ter a manifesta percepção de que, com isso, poderia obstar a uma sindicância adequada da sua permanência na residência.

Acha-se, como tal, manifesto que, com esta conduta, o requerido … mostrou que não se encontrava, de todo, capacitado a beneficiar deste mesmo regime! Evidenciou, desde logo, que não é ainda capaz de adoptar integral postura normativa, ou seja, com plena adesão às regras e normas que, em cada momento, disciplinam a sua conduta. E mostrou, paralelamente, que não é capaz de prosseguir o seu processo de reinserção social neste regime de flexibilização. Ou seja, em permanência na sua habitação ainda que sob controle à distância. A reactividade do mesmo ao confinamento acha-se bem ilustrada nos inúmeros registos de movimentação e na ausência ilegítima. Sem que se justifique formular uma adicional advertência com carácter prévio a uma decisão de revogação. Pois que o Requerido AA tentou, por diversas vezes e logo desde o início da execução da medida, influir sobre o equipamento de monitorização. E fê-lo, note-se, na sua manifestação mais gravosa poucas horas após ter sido chamado à atenção dos seus deveres e das consequências a que tal actuação poderia conduzir. Bem mostrando que a prévia advertência [ainda que de cariz administrativo] que lhe foi endereçada se mostrou absolutamente inócua. Não sendo, pois, de esperar [e nem o requerido AA a merece] uma variação de comportamento futura no sentido de uma adesão normativa. Até porque, com excepção da vertente em que foi surpreendido pela própria Técnica no exterior do café, não se mostrou sequer capaz de reconhecer o carácter erróneo da conduta por si adoptada numa manifesta incapacidade de assunção dos seus erros [e, note-se, com um inverso esforço de imputar a actuação ilegítima à sua companheira].

No que, com o seu comportamento, o Requerido AA demonstrou que as finalidades que este instituto de adaptação à liberdade condicional visou não foram e não podem ser alcançadas.

Assim, impõe-se considerar incumprido a adaptação à liberdade condicional por inobservâncias das condições de vigilância electrónica. Com a consequente revogação dessa mesma adaptação nos termos e para os efeitos dos artigos 62.º do Código Penal e artigos 6.º e 14.º da Lei n.º 33/2010.

III. Decisão

Pelo exposto, e ao abrigo dos artigos 188.º, n.º 7 e 185.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, artigo 62.º do Código Penal e artigos 6.º e 14.º da Lei n.º 33/2010, decide-se julgar verificado o incidente de incumprimento da adaptação à liberdade condicional pelo condenado …. Determinando-se, consequentemente, a revogação dessa mesma adaptação com condução do Requerido …, após trânsito, ao E.P..

…»


*

3. Da análise dos fundamentos do recurso

A questão que se coloca nos autos é, como acima referimos, a de saber se a decisão de revogação da adaptação à liberdade condicional de que beneficia o recorrente merece censura.

O recorrente alega, em síntese, que do teor da fundamentação dessa decisão resulta a «violação de deveres» mas não a «violação grave dos deveres» inerentes à vigilância electrónica, pelo que não se justifica a conclusão de que as suas condutas põem irremediavelmente em causa o juízo de prognose favorável desenvolvido pelo Tribunal quando lhe concedeu a adaptação à liberdade condicional.

E conclui que não se mostram verificados os pressupostos do art. 14.º da Lei n.º 33/2010, de 02-09, pelo que ocorre a violação desse preceito legal, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a manutenção do regime de adaptação à liberdade condicional.

De acordo com o art. 42.º, n.º 1, do CP, «A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.»

Por seu turno, a liberdade condicional é um «incidente de execução da pena de prisão (…) que se justifica político-criminalmente à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da necessidade da tutela de bens jurídicos (artigo 40.º, n.º 1, do CP)»[2], sendo seu objectivo, expresso no ponto 9 do Preâmbulo do DL n.º 400/82, de 23-09 (que aprovou o Código Penal) «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

O art. 61.º do CP dispõe no seu n.º 1 que a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado e, no seu n.º 2, que o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se:

«a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem pública e da paz social.»

E o n.º 3 do mesmo preceito estabelece que «O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior».

E, conforme resulta da decisão recorrida, cuja fundamentação exaustiva dispensa alargadas considerações, a adaptação à liberdade condicional, consagrada nos arts. 62.º do CP, 138.º, n.º 4, e 188.º, ambos do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (aprovado pela Lei n.º 155/2009, de 12-10 e adiante designado por CEPMPL), é também um incidente da execução da pena de prisão, constituindo uma antecipação da liberdade condicional, até ao limite máximo de um ano antes da concessão desta última, desde que verificados determinado pressupostos, com sujeição do condenado a diversas condições e à aplicação do regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Dada a remissão para o art. 61.º do CP («verificados os pressupostos previstos no artigo anterior»), a aplicação deste regime depende da verificação de todos os pressupostos previstos nesse preceito para a concessão da liberdade condicional, à excepção do cumprimento de metade da pena, dado o seu carácter antecipatório, bem como, ainda, do consentimento do condenado.[3]

Uma vez concedida a adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a sua execução é efectuada de acordo com os arts. 183.º a 186.º do CEPMPL e nos demais termos previstos na lei (cf. art. 188.º, n.º 7, desse diploma).

O incidente relativo ao seu incumprimento processa-se, pois, em obediência a esses preceitos legais, havendo, no plano substantivo, que atender ao estatuído no art. 64.º, n.º 1, do CP, segundo o qual «é correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º, nas alíneas a) a c) do artigo 55.º, no n.º 1 do artigo 56.º e no artigo 57.º».

Daí que tenham aqui cabimento as considerações que normalmente têm lugar relativamente à revogação da suspensão da execução da pena.

Vejamos, então.

Estabelece o art. 56.º do CP, sob a epígrafe de “Revogação da suspensão”:

«1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:

a) Infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»

No caso dos condenados em regime de adaptação à liberdade condicional, necessariamente sujeitos à obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os deveres e regras de conduta que devem observar prendem-se, desde logo, com o respeito pelas regras atinentes a tal medida.

Entre os deveres que recaem sobre o condenado, elencados no art. 6.º da Lei n.º 33/2010, de 02-09 (que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica)), avultam, no que ora importa, os de permanecer nos locais onde é exercida vigilância electrónica durante os períodos de tempo fixados (al. a); Receber os serviços de reinserção social e cumprir as suas orientações, bem como responder aos contactos, nomeadamente por via telefónica, que por estes forem feitos durante os períodos de vigilância electrónica (al. d); e abster-se de qualquer acto que possa afectar o normal funcionamento dos equipamentos de vigilância electrónica (al. h).

Sendo que, de acordo com o disposto no art. 14.º do mesmo diploma, e sem prejuízo do disposto no CP, no CPP e no CEPMPL, «a decisão que fixa a vigilância electrónica é revogada quando:

a) O arguido ou condenado revogar o consentimento;

b) O arguido ou condenado danificar o equipamento de monitorização, com intenção de impedir ou dificultar a vigilância, ou, por qualquer forma, iludir os serviços de vigilância ou se eximir a esta;

c) O arguido ou condenado violar gravemente os deveres a que está sujeito.»

Do citado art. 56.º do CP resulta o não automatismo da revogação da suspensão da execução da pena, exigindo-se que, para além do cometimento de um novo crime ou da violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, se conclua que as finalidades almejadas com a suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Tal como sucede quando está em causa a eventual revogação da suspensão da execução da pena, também a necessária indagação no âmbito dos incidentes relativos à revogação da liberdade condicional ou da adaptação à mesma deverá ser feita dando-se ao condenado a possibilidade de expor as razões que estiveram na base da sua nova actuação criminosa ou da violação dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, impondo-se, por isso, ao tribunal o dever de audição do condenado antes de proferir decisão sobre a revogação da liberdade condicional – e por conseguinte, sobre a revogação da adaptação a essa liberdade –, a fim de, ponderadas as razões expostas por este para o desrespeito daquelas determinações, poder concluir se a possibilidade de atingir as finalidades que estiveram na base da concessão da liberdade condicional ou da adaptação a essa liberdade ficou irremediavelmente comprometida.

Só assim poderá ser salvaguardado o direito de audiência do arguido consagrado no art. 32.º, n.º 8, da CRP e vertido, na lei processual penal, no art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP[4], bem como o princípio do contraditório.

Daí que, uma vez comunicado ao tribunal da execução das penas o incumprimento, nos termos do art. 184.º do CEPMPL, a abertura do respectivo incidente seja notificada ao MP, aos serviços de reinserção social e demais serviços ou entidades que intervenham na execução da liberdade condicional ou da adaptação a ela, ao condenado e ao seu defensor, com indicação dos factos em causa e da data agendada para audição do condenado.

Depois de ter lugar essa audição, de acordo com os termos do art. 176.º do mesmo diploma, devidamente adaptados, o juiz ordena as diligências complementares que entender necessárias e decide, após parecer do MP, quanto às consequências do incumprimento (cf. art. 185.º do CEPMPL).

À luz destas considerações, atentemos agora no caso concreto.

Para além do quadro factual que a decisão recorrida teve por fundamento, que acima transcrevemos e nos dispensamos de aqui repetir, resulta ainda dos autos o seguinte:

Iniciado o incidente de incumprimento com a comunicação, por parte da DGRSP do relatório de incidentes no âmbito da adaptação à liberdade condicional datado de 28-05-2024, foi designada data para audição do condenado, nos termos do disposto no art. 185.º, n.ºs 2 e 3, do CEPMPL.

Na data agendada, 19-06-2024, e na presença da Ilustre defensora do arguido, procedeu-se à diligência, no decurso da qual aquele prestou declarações, tendo de seguida sido solicitada informação complementar à DGRSP (concretamente à equipa de vigilância electrónica), tendo sido determinada a inquirição da técnica subscritora do relatório acima mencionado.

Foram recebidos da DGRSP os elementos solicitados, a saber, cópia do «Guia do condenado», entregue ao ora recorrente no acto da instalação dos equipamentos de vigilância electrónica, cópia da declaração que o arguido, nesse acto, assinou, atestando ter tomado conhecimento das regras relativas à antecipação da liberdade condicional e ter recebido aquele guia, e lista dos alarmes registados pelo sistema de monitorização desde a sua instalação.

Foram ainda inquiridas quatro pessoas, sendo três delas técnicas da DGRSP da Equipa da Vigilância Eletrónica e a quarta a companheira do arguido, tendo de seguida sido dada a palavra ao Ministério Público, que promoveu a revogação da adaptação à liberdade condicional e o cumprimento do remanescente da pena em meio prisional, e à Defesa, que se pronunciou no sentido de ser dada nova oportunidade ao arguido, não sendo aquele regime revogado.

Na sequência, veio a ser proferida a decisão recorrida, já acima transcrita.

Tendo presentes estes dados, verifica-se que foram escrupulosamente cumpridas todas as diligências que se impunham antes de ser proferida decisão sobre a revogação ou não da adaptação à liberdade condicional: ao arguido foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre essa matéria, tendo o Tribunal cuidado de, em audição presencial, indagar das suas explicações sobre as circunstâncias que estiveram na origem deste incidente de incumprimento, e procurado ainda, em complemento, rodear-se de todos os elementos que o habilitassem a, conscienciosamente, decidir.

O recorrente centra a sua motivação na tentativa de demonstrar que os factos apurados não configuram uma violação grave dos deveres inerentes à vigilância electrónica, alegando que a decisão recorrida não indica quais as alíneas do art. 14.º da Lei n.º 33/2010, de 02-09, que determinaram a revogação da medida de adaptação à liberdade condicional e que, de todo o modo, não se verificam os pressupostos de tal preceito legal.

Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Que a decisão posta em crise se sustenta nas als. b) e c) daquela disposição é manifesto, já que as mesmas vêm assinaladas com um sublinhado no texto da decisão.

Por outro lado, a facticidade dada como assente, segundo a qual o arguido, bem sabendo que não podia deslocar a unidade de monitorização, no espaço de 35 (trinta e cinco) dias, entre 12-05 (meros dois dias após a instalação dos meios de vigilância electrónica) e 17-06, a movimentou em nove ocasiões distintas, sendo que na tarde do dia 22-05 (depois de pelas 11h50 um técnico da DGRSP se ler deslocado à sua residência e lhe ter endereçado nova advertência, perante um registo de alarme do equipamento) procedeu à colocação desse dispositivo num local (chão da sala de estar) que não registaria a sua ausência do domicílio, que veio a concretizar para se deslocar para uma esplanada, analisada à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas, é inequivocamente demonstrativa da intenção do arguido de iludir os serviços de vigilância, não permitindo outra conclusão que não seja a de que não se esforçou minimamente por ajustar a sua conduta ao cumprimento das regras de que dependia a sua manutenção em regime de adaptação à liberdade condicional.

O recorrente não quis ou não soube aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida, revelando indiferença pelos deveres de conduta decorrentes da concessão da adaptação à liberdade condicional e, com a sua violação grosseira e repetida, encarregou-se de demonstrar serem infundadas as expectativas de precoce reinserção nele depositadas.

Não temos, por isso, dúvidas em secundar o juízo conclusivo do Tribunal recorrido quando refere que

«é manifesto que tais condutas põem irremediavelmente em crise o juízo de prognose favorável desenvolvido por este Tribunal (…) quando concedeu a adaptação à liberdade condicional. Pois que a sua actuação se mostra de gravidade inequívoca no quadro da necessidade de observância do regime de permanência na habitação. O Requerido …, volvidos apenas 2 dias sobre o ingresso no seu domicílio, iniciou actuação sistematicamente dirigida a perturbar ou inviabilizar a sindicância de que estava a ser alvo. Operando recorrentes condutas de interferência ou intromissão física com a Unidade de Monitorização Local não obstante ter a manifesta percepção de que, com isso, poderia obstar a uma sindicância adequada da sua permanência na residência. (…) …»

Perante a constatação da insensibilidade do recorrente face às advertências que lhe foram endereçadas e da falta de vontade da sua parte em adequar o seu comportamento às regras estabelecidas para o funcionamento da vigilância electrónica, de que dependia a manutenção do cumprimento da pena em permanência na habitação, por sua vez indispensável à vigência do regime de adaptação à liberdade condicional, a única conclusão possível é a de que o recorrente não se mostrou merecedor do voto de confiança que nele foi depositado, estando irremediavelmente comprometidas as finalidades de prevenção e de ressocialização que haviam sustentado a decisão de concessão desse regime antecipatório da liberdade condicional.

O Tribunal recorrido, ao decidir-se pela sua revogação, fez a devida e correcta ponderação de todos os elementos em presença, não tendo violado qualquer preceito legal ou constitucional, não sendo, por isso, tal decisão merecedora de qualquer censura.

Improcede, assim, o recurso.


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III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, , confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).


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(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pelo segundo e pela terceira signatária, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)

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Coimbra, 25 de Setembro de 2024


[1] Inês Horta Pinto, Repartição de funções entre administração e juiz e tutela jurisdicional efetiva na execução da pena de prisão, Coimbra, 2022, pp. 306 e 307
[2] Cf. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime – Lições para os alunos da disciplina de Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007-2008, pág. 47.
[3] Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, Lisboa 2008, pág. 214.
[4] Segundo o qual o arguido goza, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que deva ser tomada qualquer decisão que pessoalmente o afecte.