Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE JACOB | ||
Descritores: | APREENSÃO DE VEÍCULO PEDIDO DE LEVANTAMENTO DA APREENSÃO TRAMITAÇÃO FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO FALTA DE AUDIÇÃO DO TITULAR INSCRITO NO REGISTO IRREGULARIDADE PROCESSUAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 09/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 123.º, 178.º, N.ºS 1 E 7 A 10, 374.º, N.º 2, E 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – A apreensão de bens no decurso do inquérito pode servir finalidades muito diversas: apreensão para conservação da prova, apreensão para garantia de não dissipação dos bens, apreensão para garantia de ulterior confisco, apreensão para prevenir criação de perigo para a segurança, ou mesmo para garantia da preservação da ordem pública. II – Os bens apreendidos em processo penal, independentemente das razões que determinem a sua apreensão, tanto podem pertencer ao arguido como a um terceiro, traduzindo-se a sua apreensão numa restrição ao direito de propriedade. III – Encontrando-se um veículo apreendido em inquérito registado em nome de terceiro não arguido, pode o titular inscrito opor-se à apreensão e pedir a sua restituição, lançando mão do expediente previsto no artigo 178.º, n.º 7, do C.P.P. IV – Vigorando o princípio do numerus clausus relativamente às nulidades em processo penal, a omissão da audição do requerente antes da decisão gera uma irregularidade, que deve ser arguida perante o próprio juiz de instrução criminal, nos termos e prazo previstos no artigo 123.º do C.P.P., considerando-se sanada se o não for. V – Não estando em causa uma sentença que conheça a final do objecto do processo (aliás, a apreensão é, por natureza, provisória), não são exigíveis os requisitos de fundamentação previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), sem embargo de se exigir que o despacho conte com uma fundamentação que permita compreender as razões que determinam o sentido da decisão proferida. Sumário elaborado pelo Relator | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Jorge Jacob 1.ª Adjunta: Maria pilar Oliveira 2.º Adjunto: José Eduardo Martins
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO:
No âmbito do Inquérito nº 261/21.... da secção do DIAP ... foi apreendido o veiculo automóvel ligeiro de passageiros com a matricula ..-TZ-.., marca ..., 520, registado em nome de AA. A titular inscrita veio aos autos na qualidade de interveniente acidental peticionar o levantamento dessa apreensão, bem como Documento Único Automóvel nº ...40, também apreendido e consequente restituição O Mmº Juiz de Instrução Criminal indeferiu o pedido de levantamento de apreensão. Recorre a interveniente, formulando as seguintes conclusões: 1 - No âmbito do Inquérito nº 261/21.... a correr termos na secção do DIAP ... foi apreendido o veiculo automóvel ligeiro de passageiros … de que é legitima proprietária a Recorrente, registado em seu nome, que naquela data se encontrava com o arguido nos autos de Inquérito constituído. 2 - Por requerimento entrado em juízo a 02/11/2022 veio a Recorrente na qualidade de Interveniente Acidental e legitima proprietária invocar o levantamento da apreensão a restituição do veiculo, juntando documentos de Registo, e ao abrigo do disposto no artigo 178 nº 7 C.P.Penal … 3 - … o Meretissimo Juiz de Instrução Criminal a quo DECIDIU INDEFERIR O PEDIDO DE LEVANTAMENTO DA APREENSÃO … 4 - … O Meretissimo Juiz de Instrução Criminal decidiu manter a apreensão sem proceder á audição da Requerida, nem das Testemunhas arroladas, violando assim o disposto no Artigo 178º nº 9 CPP. … 7 - Analisado o douto Despacho recorrido, o mesmo padece de Nulidade, nos termos preceituados nos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. c) do C.P.Penal, porquanto, o Digníssimo Tribunal "a quo" não fundamentou, nos termos legais, aquela sua Decisão. Tão pouco se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado... 8 - Deveria, ao contrário do que fez, o Digníssimo Tribunal "a quo" ter apreciado e decidido, concretamente, relativamente à factualidade vertida pela Recorrente naquele seu requerimento, bem como, quanto à questão do enquadramento jurídico da factualidade presente nos autos em razão do aduzido quanto a tal matéria pela ora Recorrente, pois que, a dar-se tal factualidade como assente ou a decidir-se como correcto o enquadramento ora "indicado" sempre implicaria decisão diametralmente oposta àquela que veio então a ser proferida pelo Digníssimo Tribunal “a quo”. 9 - Ao arrepio do que é de direito, na medida em que, atento o ali decidido, uma tal Decisão se revela como legalmente "equiparável" a uma qualquer Sentença, … 10 -Os factos relevantes constantes no Despacho de que se recorre não são verdadeiros, por isso se impugnam, se Recorre e se poêm em causa. … 13 - Foi a Recorrente que comprou e pagou o referido veiculo. 14 – O veiculo foi comprado pela Recorrente para transportar cadeira de rodas de seu marido que se encontra impossibilitado de andar e que já não pode conduzir para o levar aos tratamentos de fisioterapia. … 17 - Sem conceder quanto a uma tal Nulidade, sempre se entende que, da matéria carreada para os autos, no requerimento sobre o qual "incidiu" o douto Despacho sob recurso, sempre se impunha decisão diversa daquela que veio a ser proferida pelo Digníssimo Tribunal "a quo". 18 - Na verdade, com todo o devido e merecido respeito, ao contrário do vertido no douto Despacho recorrido, nunca o veículo automóvel apreendido nos autos poderá ser considerado como um qualquer instrumento e/ou produto de um crime, mormente, o crime de abuso de confiança. 19 - Para além de a Recorrente ser uma TERCEIRA DE BOA FÈ em relação à matéria em causa nos presentes autos, a verdade é que, a utilização do aludido veículo automóvel, naquele propalado dia 01 de Novembro de 2022, pelo identificado foi meramente ocasional e isolada. 20 - Não oferecendo, por isso, tal veículo automóvel, de propriedade da ora Recorrente, qualquer perigosidade para a segurança das pessoas, para a moral ou a ordem públicas, até porque, nunca foi por si destinado à prática de um qualquer ilícito penal, além do que, porque não voltará a ser facultado o seu uso a quem quer que seja, designadamente ao arguido..., não existe risco de poder ser utilizado para o cometimento de um qualquer ilícito penal. 21 - Não sendo a ora Recorrente sequer visada na Acção de Apreensão de tal veículo automóvel, e, não sendo visada, por qualquer forma, nos presentes autos, entende-se modestamente que não existem, tão pouco alguma vez existiram, no caso presente, quaisquer pressupostos legais que justificassem tal apreensão, tal como preceituados no art. 178.º, do C.P.Penal. 22 - O veículo apreendido não constitui um qualquer meio de prova do tipo de ilícito indiciado (independentemente de estarmos perante ilícito criminal ), o que desde logo retira justificação à sua apreensão como meio de protecção e conservação da prova – art. 186.º, do C.P.Penal. … Tendo em conta tudo o preceituado no art. 109.º, n.º 1, do C.Penal, mas, essencialmente, a ratio desse normativo legal, pois que, ainda que se debatam razões de índole preventiva, na declaração de perda, tem que estar obrigatoriamente presente o principio da proporcionalidade, permitindo-se que aquela não seja decretada quando se mostre desproporcionada para com a importância, natureza ou a gravidade do facto ilícito praticado. … 32 - Tratando-se de um Incidente Judicial enxertado no Inquérito, o mesmo deve ser nesses termos instruído e a decisão deve ser fundamentada de facto e de direito. … 33 - Por outro lado, logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, nos termos do art. 186.º, n.º1 do CPP. No caso dos autos, estando o veículo apreendido registado em nome da Recorrente, não indiciado pela prática de qualquer crime e como tal Interveniente Acidental, presume-se que o veículo lhe pertence, por força do art. 7.º, do C.R.Predial e só deve manter-se a apreensão, uma vez verificados os requisitos para tal. … 35 - A Decisão recorrida não contém os requisitos exigidos no art. 374.º, n.º 2, verificando-se assim, na sua opinião, a Nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP. A falta de fundamentação alegada, tem apoio legal no princípio constitucional do art. 205.º da CRP "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei". … 47 - Tal falta de fundamentação, nos termos do artigo 97.°, n.º 5, do CPP e do artigo 205.0, n.º 1, da CRP, tem como consequência a irregularidade prevista no artigo 123.º do CPP, determinando a sua invalidade por afetar o valor daquele ato decisório. …
O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, …
Nesta instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se também pela improcedência do recurso, …
Foram colhidos os vistos legais.
… O âmbito do recurso cinge-se ao seguinte: 1. O despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação? 2. Assenta em factos que não correspondem à verdade? 3. Decorrendo irregularidade da circunstância de não ter sido ouvida a prova arrolada pela ora recorrente? 4. Não se justificando a manutenção da apreensão?
II – FUNDAMENTAÇÃO:
O despacho recorrido tem o seguinte teor: AA vem requerer o levantamento da apreensão. Alega ser dona do veículo apreendido e alheia à investigação. Uma vez requerente, prescinde-se da sua audição. * Os elementos documentais são suficientes para a decisão, não se inserindo a matéria fáctica relevante no âmbito da prova testemunhal, sendo assim inútil a audição. * Ora, resulta relevantemente que: A - BB procedeu ao levantamento de 34.208,18 euros da conta bancária que era titulada pelo seu filho CC em 16.3.2021 e colocou em conta sua, cfr. fls. 9 vº, e fls. 28; B - O arguido era casado com DD, mãe de CC, estando separados desde início de março de 2021, …, não posta em causa. C - O veículo ... ..-TZ-.., avaliado em 18000 euros, tem o seguro em nome de BB, com início em 30.4.2021, estando registada como titular a Requerente AA, mãe de BB … D - É BB que usa o mencionado veículo, fls. 95. E - AA, mãe, de BB, não é titular de carta de condução … * A apreensão é um meio de obtenção de prova e de garantia de execução. No caso, há indícios fortes que o veículo pertence a BB. É BB quem diligenciou pelo seguro da viatura, e a usa, como qualquer dono. A posse material é sua. Não se mostra documentado nos autos que tamanha quantia da compra viesse dos meios económicos da requerente. Não se percebe qual é o interesse de a requerente comprar um veículo, a não ser para fazer o favor a BB para dissipar o valor em causa no ilícito sob investigação. Pois não pode conduzir. É também o que resulta da coincidência da altura da compra e da altura da apropriação, aquela seguida de esta. Por fim, a presença destes autos, de onde é possível prever a obrigação de BB indemnizar. Assim, estes elementos reunidos impõem a conclusão fácil que o veículo é de BB. * Decide-se indeferir o pedido de levantamento da apreensão. Notifique. Devolva.
Apreciando e decidindo: Conforme resulta dos autos de inquérito, na sequência de denúncia apresentada contra o arguido, o M.P. determinou a apreensão do veículo cuja restituição vem pedida por se indiciar que teria sido adquirido com quantias monetárias pertencentes a menor filho do arguido e de DD e abusivamente levantadas da respectiva conta bancária. Encontrando-se o referido veículo registado em nome da recorrente AA, mãe do arguido, veio esta opor-se à apreensão e pedir a restituição do veículo, lançando mão do expediente previsto no art. 178º, nº 7, do CPP (diploma a que se reportam todas as demais normas citadas sem menção de origem). Alega, desde logo, que o Mmº Juiz de Instrução Criminal decidiu manter a apreensão sem proceder à audição da Requerida nem das testemunhas arroladas, em violação do disposto no art. 178º, nº 9. Apreciando e decidindo, diremos que o procedimento de reacção contra a apreensão de bens de terceiros constante do art. 178º, tendo sido introduzido pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, que veio prever procedimentos tendentes à salvaguarda dos interesses de terceiros, foi mantido com as alterações decorrentes da Lei nº 30/2017, de 30 de Maio, que transpôs a Diretiva 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia (com reflexo ainda em outras normas do CPP e de diversos outros diplomas). Na verdade, os bens apreendidos em processo penal, independentemente das razões que determinem a sua apreensão, tanto podem pertencer ao arguido como a um terceiro. Traduzindo-se a apreensão desses bens numa restrição ao direito de propriedade, não tendo os terceiros ao seu alcance os meios de defesa de que dispõe o arguido no processo e podendo dessa apreensão resultar consequências patrimoniais de relevo para o terceiro afectado, havia que criar um mecanismo que assegurasse aos terceiros titulares dos bens ou direitos abrangidos pela apreensão a possibilidade de fazerem valer os seus direitos. Assim, a lei processual penal veio facultar para o efeito um procedimento claramente regulamentado, de célere execução, tramitado por apenso. Reportamo-nos ao disposto nos nºs 7 a 10 do art. 178º, normativos que dispõem nos termos seguintes: Art. 178º: (…) 7 - Os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos podem requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida. 8 - O requerimento a que se refere o número anterior é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição. 9 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos forem suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado e não pertencerem ao arguido, a autoridade judiciária ordena a presença do interessado e ouve-o. 10 - A autoridade judiciária prescinde da presença do interessado quando esta não for possível. (…) Assim, os titulares dos bens apreendidos, independentemente de serem ou não arguidos, podem requerer ao Juiz de Instrução Criminal a modificação ou revogação da medida de apreensão. Esse requerimento é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para deduzir oposição no prazo de 10 dias. Se os instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos forem suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado e não pertencerem ao arguido, a autoridade judiciária ordena a presença do interessado e ouve-o. Esta audição tem lugar oficiosamente, ainda que não seja requerida pelo interessado na modificação ou levantamento da apreensão, apenas se dispensando a presença do interessado quando esta não for possível, como claramente resulta do nº 10 do art. 178º. Trata-se na verdade, de estabelecer direitos de defesa mínimos, que dão corpo ao embrião do estatuto jurídico-processual do terceiro, com desenvolvimento no art. 347º-A [1]. Como refere João Conde Correia, para este efeito «deve considerar-se interessado, com poder para requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida com direito a ser ouvido ex officio, todo aquele que formalmente é titular do direito de propriedade afetado com a apreensão. Não é necessário que ele também seja materialmente considerado com tal. Ainda que seja um mero testa de ferro, deverá poder defender os seus pretensos direitos, sob pena de, se assim não for, se interferir com a própria defesa do arguido, impedindo-o de se defender devidamente» [2]. No caso vertente, a simples leitura do despacho em crise revela o atropelo da tramitação legalmente prevista, uma vez que o despacho recorrido se inicia precisamente com a seguinte afirmação: «AA vem requerer o levantamento da apreensão. Alega ser dona do veículo apreendido e alheia à investigação. Uma vez requerente, prescinde-se da sua audição». Ora, a audição da requerente constituía precisamente a diligência a efectuar por força da lei. O Mmº Juiz de instrução até poderia ter deixado de ouvir a prova testemunhal, como de facto dela prescindiu, sem que daí resultasse qualquer censura, porquanto nada na lei a impõe ou, sequer, a autoriza, e o legislador quis manter este expediente de modificação ou levantamento da apreensão no domínio da simplicidade e celeridade extremas. Quando muito, sendo complexa e controvertida a apreensão, poderia a sua apreciação ser relegada para os meios comuns. Assim, reclamando a requerente o estatuto de terceiro titular de bens apreendidos, impunha-se proceder à sua audição, que apenas poderia ser afastada se se revelasse impossível, o que no caso não sucedia. Nessa medida, o Mmº Juiz de Instrução Criminal não tramitou o requerimento de levantamento de apreensão suscitado pela requerente pela forma legalmente exigível, tendo omitido a única diligência que, à luz da lei aplicável, se oferecia como obrigatória. De todo o modo, vigorando o princípio do numerus clausus relativamente às nulidades em processo penal, a omissão daquela diligência gera uma mera irregularidade, que deveria ter sido arguida perante o próprio juiz de instrução criminal nos termos e prazo previstos no art. 123º do CPP. Não o tendo sido, considera-se sanada.
Numa outra perspectiva, entende a recorrente que o despacho proferido é nulo por falta de fundamentação, mas sem razão. O despacho em crise indica coerentemente quais os factos que considera assentes para efeitos de decisão e explicitou as razões que determinaram a decisão. Na verdade, dele consta que «No caso, há indícios fortes que o veículo pertence a BB. É BB quem diligenciou pelo seguro da viatura, e a usa, como qualquer dono. A posse material é sua. Não se mostra documentado nos autos que tamanha quantia da compra viesse dos meios económicos da requerente. Não se percebe qual é o interesse de a requerente comprar um veículo, a não ser para fazer o favor a BB para dissipar o valor em causa no ilícito sob investigação. Pois não pode conduzir. É também o que resulta da coincidência da altura da compra e da altura da apropriação, aquela seguida de esta. Por fim, a presença destes autos, de onde é possível prever a obrigação de BB indemnizar. Assim, estes elementos reunidos impõem a conclusão fácil que o veículo é de BB». A jurisprudência vem coincidindo em que não estando em causa uma sentença que conheça a final do objecto do processo, não são exigíveis as exigências de fundamentação previstas no art. 379.º, n.º 1, al. a), sem embargo de se exigir que o despacho conte com uma fundamentação que permita compreender as razões que determinaram o sentido da decisão proferida. No caso vertente, a motivação exarada permite compreender sem margem para dúvida os fundamentos em que assentou essa decisão, não padecendo, por essa via, de qualquer nulidade.
Sustenta ainda a recorrente que os factos em que assenta aquela decisão não são verdadeiros, nomeadamente, na parte em que afirma que o arguido foi casado com a mãe do menor, DD. Esse facto, no entanto, é absolutamente irrelevante para a decisão, assim como não releva o facto de o arguido também ser titular da conta bancária em nome do filho. Quanto aos demais factos que o recorrente vem agora suscitar, de modo algum estão demonstrados ou colidem com a restante factualidade que se teve por assente na decisão proferida. O que releva é que a quantia em causa não pertencia ao arguido, mas sim ao seu filho e, de todo o modo, não foi oferecida prova documental tendente à demonstração de que a quantia entregue para pagamento do veículo era pertença da recorrente (não seria prova a fazer de forma credível por recurso a testemunhas), sendo certo que como bem refere o M.P., não basta a existência de contrato de compra e venda em seu nome para demostrar a proveniência do dinheiro que serviu para pagar o veículo. A recorrente sustenta ainda em abono do levantamento da apreensão que não se afigura viável uma qualquer conclusão objectiva do relacionamento do veículo com a prática de um qualquer ilícito penal, não se configurando o veículo automóvel como um qualquer meio de prova, de uma qualquer actividade alegadamente ilícita indiciada nos autos, para além de não existir risco de puder vir a ser utilizado para o cometimento de um ilícito penal, assim como não oferece qualquer perigosidade para a segurança das pessoas, para a moral ou ordem públicas. Ora, a apreensão de bens pode servir finalidades muito diversas; apreensão para conservação da prova, apreensão para garantia de não dissipação dos bens, apreensão para garantia de ulterior confisco, apreensão para prevenir criação de perigo para a segurança, ou mesmo para garantia da preservação da ordem pública. No caso vertente, indiciando os autos que o veículo apreendido foi abusivamente adquirido com dinheiro pertencente a menor filho do arguido, a apreensão sempre encontraria justificação na necessidade de evitar a dissipação ou deterioração do bem, que poderiam sobrevir quer da sua alienação, quer da sua continuada utilização. De todo o modo, a apreensão tem carácter meramente provisório, contrariamente ao que sucede com o confisco ou com a declaração de perda e, tratando-se de bens pelo menos formalmente pertencentes a terceiro, a lei impõe particulares cautelas para a declaração de perda a final (veja-se o já citado art. 347º-A do CPP). Consequentemente, o recurso oferece-se como improcedente.
III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Fixa-se a taxa de justiça devida em 3 UC.
*
Coimbra, 27 de Setembro de 2023 (Processado e revisto pelo relator a assinado electronicamente)
|