Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
267/21.0T8GVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: DANO DA PERDA DE CHANCE PROCESSUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PEDIDO RECONVENCIONAL
FALTA DE APRESENTAÇÃO DE RÉPLICA
ÓNUS DA PROVA
JULGAMENTO DENTRO DO JULGAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
SEGURO
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 406.º, 566.º, N.º 2, 762.º, 1161.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 97.º, 100.º, N.º 2, AL. BESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA), APROVADO PELA LEI N.º 145/2015, DE 09-09-2015, EM VIGOR À DATA DOS FACTOS.
ART. 12.º, N.º 3, DA LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO, APROVADA PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO
Sumário: 1. A responsabilidade civil do advogado pode resultar quer da violação da obrigação principal decorrente do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente ou da sua nomeação como patrono, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo Estatuto da Ordem do Advogados, sendo seus pressupostos a conduta ilícita do réu-advogado – consistente na inexecução ou execução defeituosa do mandato –, a culpa, a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e tal acção/omissão ilícitas.

2. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022 uniformizou jurisprudência obrigatória no sentido de, no dano da perda de chance processual, para haver lugar a indemnização, caber ao lesado o ónus da prova da consistência e seriedade dessa chance.

3. Para apurar o dano da perda de chance há que realizar, primeiro, o julgamento dentro do julgamento, que consiste num juízo de prognose póstuma através do qual se pretende alcançar a decisão hipotética que o processo judicial teria tido, sem a falta do mandatário/advogado, devendo o tribunal da acção de indemnização adoptar a perspectiva do tribunal que decidiu o processo primitivo, reconstituindo o curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo.

4. Se uma advogada, devidamente notificada, não apresentou réplica a uma reconvenção, nem transmitiu à sua cliente o teor dessa reconvenção, não lhe solicitando quaisquer esclarecimentos ou documentação adicional, tendo tomado essas decisões sem o conhecimento e/ou consentimento da cliente, além de lhe ter omitido as consequências e efeitos jurídicos da revelia que, por sua exclusiva culpa, conduziram à condenação de preceito da sua cliente, está inequivocamente demonstrada a prática, pela advogada, de um facto ilícito e culposo.

5. Concluindo-se, após realizar o julgamento dentro do julgamento pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade civil da advogada – ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à sua conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada –, proceder-se-á, num segundo momento, à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566.º, n.º 2, do Código Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 deste mesmo artigo.

6. O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória e no confronto das cláusulas previstas nas condições particulares da apólice desse contrato de seguro com a norma imperativa do art. 101.º, n.º 4, da Lei do Contrato de Seguro, prevalece esta última, pelo que não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as excepções de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, contra BB, advogada, e A..., pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe as quantias de € 29 295,20 (vinte e nove mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos) a título de danos patrimoniais, e de € 5000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros legais de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral cumprimento do mesmo.

Como causa de pedir alegou factualidade que, no seu entendimento, consubstancia responsabilidade civil da 1.ª ré, pelo facto de, no exercício da sua actividade de advocacia, ter actuado de forma negligente e omissiva, no patrocínio da autora, numa acção judicial resultante de um litígio emergente de um contrato de empreitada, não tendo a 1.ª ré agido com a diligência que lhe era devida e de que era capaz, em violação dos arts. 97.º, n.º 2, e 100.º, n.º 2, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Especificamente menciona que, ao não ter sido deduzida contestação/réplica à reconvenção apresentada no âmbito do Proc. n.º 1639/18...., que correu termos Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz ..., por CC, empreiteiro, contra a autora, e ao não lhe ter comunicado atempadamente a evolução desse processo, a 1.ª ré, enquanto advogada, agiu com violação das normas estatutárias e das suas obrigações profissionais, sendo civilmente responsável pelos prejuízos causados. Por sua vez, a 2.ª ré é responsável na qualidade de seguradora.


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Em contestação a 1.ª ré defendeu-se invocando que, enquanto patrona nomeada no âmbito daquela acção, detinha uma obrigação de meios (e não de resultado), tendo cumprido integralmente as suas funções e alertado a autora para os riscos daquela demanda judicial, designadamente por ilegitimidade da autora e caducidade do direito de acção. Sustentou, ainda, quanto à omissão da apresentação de réplica, a falta de colaboração da autora, por não lhe ter facultado todas as informações e documentos necessários, e, confrontada com o pedido reconvencional, na alegada confissão da autora de alterações ao contrato e da existência da dívida peticionada ao empreiteiro. Impugnou, ainda, os alegados danos sofridos pela autora e o fundamento para a atribuição de qualquer indemnização, pugnando, a final, pela improcedência da acção e pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé.

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            A 2.ª ré, seguradora, contestou, aceitando a existência do contrato de seguro profissional celebrado com a Ordem dos Advogados, invocando, todavia, a exclusão da cobertura da apólice pelo conhecimento que a 1.ª ré tinha dos factos em que se funda a responsabilidade civil profissional, no início da vigência do seguro, sem os ter comunicado num prazo razoável, não podendo desconhecer e/ou desconsiderar a existência desse risco, pelo que o sinistro profissional em análise se encontra excluído das coberturas e garantias previstas na(s) apólice(s) de seguros referida(s). No mais, invocou que, quer por falta de legitimidade, quer por caducidade do direito, a acção intentada pela autora sempre teria de improceder, acrescentando que não fôra apresentada contestação à reconvenção, naquela acção, pois, apesar da 1.ª ré ter dado conhecimento desta à autora, não lhe foram fornecidas instruções para a sua apresentação, nem oferecidos meios de prova bastantes, por parte da autora, razão pela qual a 2.ª ré conclui que não estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil (ilicitude, culpa, nexo causal e dano), nem sequer por via da perda de chance, na medida em que a autora ainda estaria em tempo de accionar o empreiteiro CC, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato de empreitada celebrado entre ambos. Subsidiariamente, aduz que a demonstrar-se a responsabilidade civil da 1.ª ré: i) esta é responsável pelo pagamento do valor convencionado a título de franquia (€ 5000,00), nessa parte não sendo a 2.ª ré responsável pelo seu pagamento, e ii) os juros apenas são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida.

Concluiu pela total improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.


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Realizada audiência final foi proferida sentença, em 07-02-2024, na qual se decidiu:

“I. julgar totalmente improcedentes, por não provadas, as excepções peremptórias de exclusão de responsabilidade por pré-conhecimento do sinistro e de existência de franquia invocadas pela 2ª Ré A...;

II. julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decidindo:

a) Condenar, solidariamente, as Rés BB e A... ao pagamento à Autora AA da quantia global de 14.094,45EUR (catorze mil e noventa e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos) acrescida de juros à taxa legal desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento.

b) absolver as Rés, dos demais pedidos contra si deduzidos pela Autora.

III. absolver a Autora do pedido de condenação como litigantes de má-fé deduzido pela 1ª Ré BB.

(…) Valor: 34.295,20EUR (trinta e quatro mil duzentos e noventa a cinco cêntimos), nos termos dos artigos 297º, n.º 1 e 306º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil e fixados no despacho saneador.

Custas pela Autora e pelas Rés na proporção do decaimento resultado do mero cálculo aritmético (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6º do Regulamento das Custas Processuais)” (sic).


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            Inconformadas com a decisão, todas as partes recorreram, tendo os recursos de apelação sido admitidos por despacho de 20-05-2024, no modo e efeito devidos.

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(I) Nas alegações de recurso, a autora formulou as seguintes conclusões:

“1ª) Para se fazer operar a responsabilidade adveniente do dano de perda de chance impõe-se, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria de obtenção de uma vantagem ou benefício não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado julgamento dentro do julgamento, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável para o tribunal em causa.

2ª) Num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual, proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no artº 566º, nº 2 do C. Civil, lançando mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.

3ª) Com base neste iter metodológico, entende a recorrente que na douta decisão recorrida foi absolutamente omitida a apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado e, por isso, não foi concretizado o grau de probabilidade de êxito, necessário à quantificação do dano da perda de chance.

Com efeito,

4ª) Relativamente ao juízo de prognose póstuma, baseado no instituto do julgamento dentro do julgamento, o Tribunal a quo limita-se a determinar, de forma categórica, sem qualquer fundamentação que a sustente, que não é possível fixar a probabilidade da chance, motivo por que o tribunal julgará com recurso à equidade.

5ª) Salvo o devido respeito, entende a recorrente que o Tribunal a quo dispunha de todos os elementos necessários para realizar esse juízo de prognose, tendo em conta aliás a matéria de facto dada como provada, permitindo-lhe assim, com um elevado grau de segurança determinar a probabilidade da chance.

6ª) No processo que está na origem dos presentes autos, o ali R./reconvinte CC veio alegar e peticionar na sua reconvenção que:

a) A ora A./recorrente lhe deu instruções para alterar as características das janelas, pretendendo que fossem colocadas janelas em PVC e não em alumínio como estava inicialmente contratado, o que determinou um custo de € 15.750,00 e não de € 10.000,00, como previsto no orçamento, melhor identificado no ponto 48 dos factos provados, encontrando-se, assim, por liquidar a quantia de € 5.750,00, fundamentando o seu pedido na factura identificada no ponto 49 dos factos provados;

b) Executou, a pedido da mesma, um muro de pedra, uma calçada em granito e lancil que não estariam incluídos no orçamento e que teve um custo de € 18.000,00; e

c) Construiu um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão/anexo para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo devido o valor da mão de obra no montante de € 1.000,00.

7ª) Acontece porém que, como doutamente decidiu a MMª Juiz a quo, a factura referida no ponto 49 não corresponde às características, quantidades e dimensões das janelas e portas existentes na casa da recorrente, que aliás se encontram melhor discriminadas no orçamento a que alude o ponto 48 dos factos provados (v.g ponto 50, conjugado com os pontos 48 e 49 dos factos provados), aliás,

8ª) A factura corresponde a uma obra com apenas 4 janelas e 3 painéis de porta de entrada (fls. 133), sendo que o orçamento, que corresponde à obra da ora recorrente, contemplava o fornecimento de 14 janelas e 4 portas.

9ª) Ou seja, como é evidente, de forma documental, a factura onde se sustentou esta pretensão não dizia respeito à obra da ora recorrente.

10ª) Mas, mais grave ainda, como resulta da confrontação directa entre o orçamento de fls. 134 a fls. 136 e a factura de fls. 133, verifica-se que este último documento foi emitido em 09/03/2009, sendo que o orçamento que foi fornecido pelo empreiteiro à ora recorrente quanto às janelas é datado de 22/05/2009, ou seja, Nunca a factura apresentada poderia respeitar à obra da ora recorrente considerando a precedência da mesma em relação ao orçamento.

11ª) Caso a 1ª Ré tivesse informado a ora recorrente da dedução da reconvenção e tivesse solicitado as devidas informações à mesma, facilmente poderia ter apresentado réplica e demonstrado em tribunal, através de simples prova documental, que, relativamente ao pedido das janelas, o documento que sustentava a alegação do empreiteiro CC não encontraria qualquer correspondência com o caso daquele processo e que a alegação vertida na reconvenção improcederia na totalidade, neste capítulo.

12ª) Nestes termos, a probabilidade de chance de a ora recorrente impugnar e obter ganho de causa relativamente à questão das janelas era de 100%, o que se traduziu num dano directo e imediato para esta última de € 5.750,00.

13ª) Na reconvenção apresentada nos autos primitivos, o empreiteiro CC invocou que a execução de um muro de pedra, uma calçada em granito e lancil não estavam incluídos no orçamento e que tais trabalhos importaram um custo de € 18.000,00, valor que a ora recorrente foi condenada a pagar de preceito. Ora,

14ª) Por contrato de empreitada, celebrado em 16/Dez/2006, o aludido empreiteiro CC comprometeu-se perante a ora recorrente a fazer a “reconstrução de uma moradia, conforme o projecto aprovado e caderno de encargos, que me foi entregue” (sublinhado nosso) (v.g fls. 20).

15ª) Nos termos do mencionado projecto e caderno de encargos, constante de fls. 122 e ss, ficou estabelecida, entre o mais, a execução dos seguintes trabalhos:

a) Arranjos exteriores – nos passeios exteriores definidos na planta de implantação está previsto um pavimento em cubos de granito assentes sobre uma betonilha pobre de cimento e areia grossa bem desempenada – v.g pág. 5

b) Serão executados muros no terreno conforme o projecto de exteriores, destinados a regularização e nivelamento do mesmo, sendo executados em pedra de granito com juntas calçadas – v.g pág. 5

16ª) Assim sendo, pelo mero cotejo do caderno de encargos associado à obra da ora recorrente, onde estão reproduzidas as diversas plantas e a memória descritiva da obra e onde são detalhadas todas as intervenções, materiais e trabalhos para execução da obra, verifica-se que a alegação de que os trabalhos de calcetamento e muros não estariam contemplados no orçamento é redondamente falsa. Com efeito,

17ª) Compulsado o teor do mencionado caderno de encargos no ponto “Arranjos exteriores” da memória descritiva, verifica-se que estes trabalhos já ali se encontravam previstos.

18ª) Em função do exposto, mais uma vez, facilmente demonstrável por simples prova documental, era por demais evidente que estes trabalhos se encontravam previstos inicialmente no caderno de encargos, motivo por que estavam devidamente orçamentados e por isso nada mais haveria a pagar pelos mesmos.

19ª) Caso a 1ª Ré tivesse informado a ora recorrente da dedução da reconvenção e tivesse solicitado as devidas informações à mesma, facilmente poderia ter deduzido réplica e demonstrado em tribunal, através de simples prova documental, que estes trabalhos estavam incluídos na memória descritiva do caderno de encargos que suportaram o contrato de empreitada.

20ª) Nestes termos, a probabilidade de chance de a ora recorrente impugnar e obter ganho de causa relativamente à questão dos trabalhos de calcetamento e muros era, mais uma vez, de 100%, o que não sucedeu por falta de cuidado e profissionalismo da ora 1ª Ré, e que se traduziu num dano directo e imediato para a recorrente de € 18.000,00.

21ª) Sobre a probabilidade de ganho de chance relativamente à questão da mão de obra para construção de um telheiro, duas garagens e um anexo para colocação da caldeira de aquecimento central, verifica-se que, também aqui, não assistia qualquer razão ao empreiteiro.

22ª) Resulta directamente do início do depoimento da testemunha/empreiteiro CC que foi ele quem fez a obras, que nunca pediu qualquer dinheiro a recorrente sobre estas trabalhos, nunca o tendo feito mesmo depois de a ter terminado, o que sucedeu em 2009.

23ª) Por outro lado, mas também sobre este capítulo, a confissão do empreiteiro demonstra que, a aqui recorrida 1ª Ré, enquanto advogada, tinha possibilidade e obrigação de invocar a prescrição de qualquer crédito do empreiteiro resultante da prestação de serviços por ele prestada na obra ao abrigo do disposto no artº 317, al. b) do CC.

24ª) Sem necessidade de demais prova, também este crédito reclamado reunia todas as condições para ser julgado improcedente na reconvenção, de resto como a MMª Juiz a quo considerou no capítulo da fundamentação de Direito da sentença recorrida.

25ª) Nestes termos, a probabilidade de chance de a ora recorrente impugnar e obter ganho de causa relativamente à da mão de obra era, mais uma vez, de 100%, o que se traduziu num dano directo e imediato para esta última de € 1.000,00.

26ª) Perante a confissão supra referida resulta que a 1ª Ré, tinha a possibilidade e obrigação de deduzir réplica à reconvenção apresentada pelo empreiteiro invocando também e desde logo a prescrição de qualquer crédito que o mesmo ali reclamava, resultante da prestação de serviços por ele prestada na obra concluída em 2009, ao abrigo do disposto no artº 317, al. b) do CC, o que conduziria, com elevada segurança e certeza, a uma probabilidade da chance de total improcedência do pedido reconvencional, juros legais e demais custos executivos em que entretanto a recorrente foi condenada.

27ª) A conjugação de todos estes factos, em consonância com os meios de prova que poderiam suportar a improcedência do pedido da reconvenção, designadamente a mobilização de prova documental de natureza objectiva, permitiam, assim, que a MMª Juiz a quo, com base, aliás, também, na matéria de facto dada como provada, aferir e fixar com elevada segurança e certeza a probabilidade da chance, que nunca seria inferior a 100%, correspondente ao valor a que a recorrente foi condenada pela procedência da reconvenção, acrescido de juros legais e custos prováveis da acção executiva, o que totalizava à data da instauração da presente acção a importância de € 29.295,20.

28ª) Este valor constitui assim um dano directo, objectivo e firmemente demonstrável que correspondeu a um prejuízo directo, consequente da conduta omissiva e culposa da 1ª Ré no exercício do seu mandato profissional.

29ª) Tendo por referência o ponto 56 dos factos provados e a fundamentação de direito da sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo incorreu num flagrante juízo de contradição entre estes elementos e chegado o momento de fixar a decisão hipotética do processo primitivo e, consequentemente, a percentagem da probabilidade da chance, escudou-se na equidade pare praticar uma justiça salomónica, em absoluta oposição à prova produzida e dada como provada nos presentes autos.

30ª) Por outro lado, tendo por base o ponto f) dos factos não provados é por demais evidente que este facto, dado como não provado, está em absoluta contradição com os pontos 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 dos factos provados, o que demonstra uma errada apreciação dos factos pelo Tribunal a quo, devendo mesmo ser retirado dos factos não provados da sentença.

31ª) Em função de toda a matéria carreada para os autos, mormente a extensa prova documental do processo primitivo, da prova testemunhal arrolada pela ora recorrente, que mereceu total credibilidade pelo Tribunal a quo, e bem assim da própria matéria de facto dada como provada, impunha-se que a MMª Juiz a quo tivesse fixado a percentagem da chance da ora recorrente, devendo a mesma ser agora fixada pelo Tribunal ad quem, o que se requer.

32ª) Ao omitir em absoluto o iter metodológico da figura do julgamento dentro do julgamento, que deve presidir à determinação do dano de perda de chance e fixação do quantum indemnizatório e ao não fundamentar a obliteração desta etapa, o Tribunal a quo violou ostensivamente o dever de fundamentação das decisões, impondo-se assim a fixação da percentagem da chance da ora recorrente à luz deste critério em 100%.

33ª) Atento o disposto no artº 566º, nºs 2 e 3 do Código Civil e bem assim à matéria de facto provada, é por demais evidente que o dano a fixar deveria ter sido determinado de acordo com o disposto no nº 2 da norma legal supra citada, porquanto o dano sofrido está concretamente fixado, pela procedência da reconvenção, em € 24.750,00, acrescido de juros e custos prováveis com a acção executiva, tudo no montante global de € 29.295,20, sendo que em face da natureza excepcional do preceituado no nº 3 do mesmo normativo, não tinha o Tribunal a quo razão para sequer recorrer à equidade, requerendo-se assim que seja este o valor a fixar em termos indemnizatórios por danos patrimoniais.

34ª) Admitindo-se porém, por mero exercício académico, o recurso à equidade e tendo por base o preceituado no nº 3 do aludido artº 566º do CC, considerando os pontos 42, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 da matéria de facto dada como provada, em consonância com os meios de prova que poderiam suportar a improcedência do pedido da reconvenção, designadamente a mobilização de prova documental de natureza objectiva, ao Tribunal a quo deveria, ainda assim, ter fixado uma percentagem nunca inferior a 100%, pelo que a indemnização a atribuir deverá ser a indicada no ponto anterior.

35ª) Em função do exposto, deve a sentença recorrida ser alterada fixando uma percentagem de êxito da chance perdida da ora recorrente em 100%, condenando assim as Rés a pagar uma indemnização a título de danos patrimoniais à recorrente no montante global de € 29.295,20, correspondente aos € 24.750,00, acrescida de juros de mora e das despesas prováveis com o processo executivo entretanto instaurado.

36ª) Em consequência deverá o ponto 56 dos factos ser alterado passando a constar o seguinte: “se a 1ª ré tivesse atuado com a diligência devida e informado a Autora da tramitação do processo judicial que instaurou, mormente da dedução de contestação com reconvenção pelo réu CC, solicitando-lhe os esclarecimentos e elementos necessários e/ou convenientes à elaboração de réplica e da sua defesa e não tivesse omitido a apresentação daquele articulado em juízo, por força do referido em 1) a 52), haveria uma probabilidade, séria e consistente, que se fixa em 100% de o pedido reconvencional ser julgado total improcedente”.

37ª) O Tribunal a quo incorreu também numa incorrecta apreciação e valoração dos factos, relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela ora recorrente entrando em flagrante contradição entre os factos provados e o sentido decisório vertido na sentença quanto a esta matéria. Com efeito,

38ª) Não obstante ter dado como provada a matéria constante dos pontos 53, 54 e 55 dos factos provados, o Tribunal a quo decidiu não arbitrar qualquer indemnização por entender que não se mostra preenchido o critério do nexo causal, uma vez que considerou que tais danos advieram da circunstância de ter sido instaurada uma acção executiva e, por isso, não se poder concluir que tais sentimentos sejam directamente imputáveis e resultantes da conduta da 1ª Ré. Ora,

39ª) Também quanto a este ponto o Tribunal a quo fez uma errada valoração dos factos pois desde logo dos factos provados não resulta qualquer conexão que relacione tais sentimentos com o curso e tramitação da acção executiva para, na fundamentação de direito, se passar a estabelecer esse nexo entre eles e, por outro lado, no ponto 53 dos factos provados, em consonância com os pontos 34 e 35 dos factos provados, é inclusivamente fixado um marco temporal estabelecendo-se que os danos não patrimoniais se repercutiram na esfera da ora recorrente no momento em que tomou conhecimento do despacho saneador sentença de 24/10/2019.

40ª) Não corresponde, por isso, à verdade que os sentimentos elencados apenas se tivessem repercutido na esfera da ora recorrente na ocasião em que foi instaurada a acção executiva, pois obviamente que tais sentimentos foram despoletados directamente pela conduta da 1ª Ré e logo se manifestaram no momento em que a Autora tomou conhecimento das consequências da omissão da 1ª Ré, motivo por que não se compreende como é que na sentença recorrida se desconsiderou a própria matéria dada como provada, sendo assim flagrante a contradição vertida naquela decisão.

41ª) Neste sentido, considerando que se deu como provado os danos não patrimoniais sofridos pela autora, ora recorrente, e não resultando provado, por sua vez, que esses danos apresentam uma delimitação temporal posterior à instauração do processo executivo, deveria o Tribunal a quo ter julgado totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização formulado pela Autora a titulo de danos não patrimoniais, no montante de € 5.000,00, o que desde já se requer seja decidido.

42ª) Ao decidir em sentido diverso o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 496º e 563º do CC..”


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(II) Por sua vez, a 1.ª ré, Dra. BB, formulou, no seu recurso, as seguintes conclusões:

“1. A factualidade provada não permite a condenação da mandatária/Ré.

2. A Autora não provou que não tinha dívidas para com o empreiteiro.

3. Não documentou os estados de ansiedade alegados.

4. Não se fez prova de que a reconvenção não tinha ganho de causa, independentemente de ser apresentada contestação.

5. O tribunal não pode assegurar sem qualquer dúvida razoável que a Autora ganharia a acção que interpôs contra o empreiteiro.

6. A obrigação que assume o advogado é de empregar a diligência necessária no sentido de obter um determinado resultado, e não a de obter um resultado preciso, de ter uma conduta de cumprimento do serviço contratado, e, na sua execução, adotar as boas práticas que, no caso, sejam as postuladas e adequadas pela leges artis ad hoc e pelas regras da experiência, e, para tanto, agindo sem culpa, ou seja, usando da diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso - art.º487º do C. Civil.

7. Sem a assunção prévia do “dano de ilicitude”, não haverá a “obrigação de indemnizar”, por uma eventual repercussão negativa da conduta do advogado na esfera jurídica, patrimonial ou extrapatrimonial do mandante  ou do beneficiário do apoio judiciário, pois quando se tata de “dano de perda de chance”, o mandato forense integra a primeira subespécie que consubstancia a lesão dum direito ou dum bem juridicamente protegido, existente no património do mandante que, em si, é possuidor da probabilidade de obter um resultado favorável, um ganho, uma vantagem, “resultado” esse que, com a lesão causada (ilícita e culposamente), pelo mandatário, não se vem a concretizar na esfera jurídica do mandante.

8. A consistência e seriedade da oportunidade perdida é que permite dizer que há dano da perda de chance suscetível de indemnização, sendo que para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo visto que a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar, uma vez que, repete -se, segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal ato/facto ilícito.

9. Autora, e tribunal a quo, centram as suas considerações e a sua decisão na atuação da mandatária, naquilo que consideram que deveria ter sido a mais correta atuação desta, à luz da sua (subjetiva) interpretação do Estatuto da Ordem dos advogados, sem nunca, no entanto, anteciparem qual seria a solução dos autos iniciais, e se aqueles teriam um resultado favorável para a mandante. Não há por parte quer da Autora/mandante, qualquer demonstração de que se a mandatária tivesse seguido todos os passos que por si eram pretendidos, mormente aqueles que mostra pretender nestes autos, os resultados seriam para si favoráveis, nem não se vislumbra na Sentença do tribunal a quo qualquer “julgamento dentro do julgamento”  desenhando este tribunal uma solução diversa daquela que os autos iniciais tiveram.

10. Houve pelo tribunal a quo uma má interpretação da prova, ao dar como não-provados factos que efetivamente foram objeto de prova nos autos, quer documentalmente, por através das declarações constantes nos autos, o que levou a uma distorção na análise da realidade factual, não correspondendo a decisão do tribunal a quo à realidade ontológica.

11. Concluindo-se assim que andou mal o Tribunal a quo na decisão que proferiu.

Termos em que devem V. Exas, Exmos Senhores Juízes Desembargadores dar provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta sentença recorrida, absolvendo-se a Ré, Recorrente, com todas as legais consequências, fazendo assim a costumada.”


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(III) Por fim, a recorrente/2.ª ré, A..., formulou as seguintes conclusões:

“i. Evidenciando-se que o facto provado descrito em 56. - IV. Fundamentação de Facto, A. Dos Factos Provados, constante da sentença recorrida não poderia ser incluído na matéria de facto provada, pois se trata de um facto manifestamente conclusivo;

ii. Devendo ser removido o facto 56. da IV. Fundamentação de Facto – A. Dos Factos Provados constante na sentença recorrida, por formular um juízo jurídico valorativo da responsabilidade da Ré mandatária;

iii. Não resulta que a A. aqui Recorrida tenha demonstrado, através da prova cujo ónus recaía sobre si, a consistência e seriedade da chance que invoca ter perdido devido à conduta da Drª BB no exercício do mandato forense: a oportunidade de contestar a reconvenção formulada contra si, nos autos nº 1639/18....;

iv. Decorre dos factos provados que a A. apenas logra apontar algumas incongruências na versão apresentada pela parte contrária no processo originário, sem que as mesmas tenham a virtualidade de demonstrar a total ou sequer parcial improcedência do pedido reconvencional em que foi condenada;

v. A própria sentença recorrida reconhece que “não é possível estabelecer o grau de probabilidade da amplitude ou em percentagem falando do êxito da acção ou inexistindo qualquer outra base lógica para realizar um particular juízo de prognose póstuma (…) considerando a materialidade fáctica julgada provada e não provada e não logrando a Autora o ensejo de provar pela total improcedência do pedido reconvencional e/ou à(s)s Ré(s) que sem prejuízo da omissão de tal acto/informação sempre aquela reconvenção procederia”;

vi. A sentença recorrida aplicou erradamente a jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2022, ao aplicar um critério de equidade à probabilidade de sucesso da chance perdida, concretamente, de 50%;

vii. Uma chance com 50% de sucesso não deverá ser entendida como necessariamente elevada, nos termos em que o afirma a jurisprudência uniformizada sobre a teoria da perda de chance.

viii. Também, caso houvesse aplicação do critério de equidade para estabelecer o quantum indemnizatório, teria previamente que se estabelecida a probabilidade séria e consistente, o que não foi;

ix. Salvo o devido respeito, não poderia nunca vingar a condenação, nos termos decididos, pelo Tribunal a quo, nomeadamente a título de perda de chance.

x. Quanto à responsabilidade decorrente do contrato de seguro, a douta sentença recorrida entendeu que a apólice temporalmente aplicável nos presentes autos é a apólice nº ...1..., conforme decorre da fundamentação de facto, sob a epígrafe A. Factos Provados 59. e 60.;

 xi. Trata-se de uma apólice cuja cobertura funciona com base da data da ocorrência da reclamação – “claims made” – por factos, primeiramente conhecidos do segurado e do tomador do seguro, ainda que, ocorridos antes do seu âmbito temporal, conforme previsto no Ponto 7 das Condições Particulares e no art. 1º, Ponto 12, das Condições Especiais;

 xii. Tais cláusulas contratuais são cláusulas delimitadoras do objeto do contrato de seguro e não de exclusão, podendo ser opostas ao terceiro lesado sem que tal contenda com a natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil profissional de advogado, estabelecido no art. 104º EOA, de acordo com o art. 147º da Lei nº 72/2008 de 16/04.

xiii. Neste âmbito a sentença recorrida considera, na matéria de facto provada e na sua motivação ao facto provado 60. que a 1ª R., Drª BB, conhecia e devia ter dado conhecimento à 2ª R. Seguradora, de que ao não dar conhecimento à A. e não responder ao pedido reconvencional, estaria a incorrer em responsabilidade profissional;

xiv. Tendo tido, necessariamente, conhecimento dos factos aquando da notificação do despacho-saneador nos autos nº 1639/18.... ou em momento próximo, nos anos de 2018 e 2019;

xv. Daí se extraindo que, à data da entrada em vigor da apólice nº ...1..., a R. tinha conhecimento dos factos reclamados na presente ação, os quais não se encontram cobertos por essa mesma apólice.

Como tal, deverá ser revogada a douta Sentença proferida, alterando-se a matéria de facto provada em conformidade com o alegado, absolvendo-se as Rés, ou apenas a 2ª Ré Recorrente, da totalidade dos pedidos formulados e em que foram/foi condenada(s).

Com o que se fará a costumada Justiça!”


*

Contra-alegou a 1.ª ré, Dra. BB, relativamente ao recurso da autora, apresentando as seguintes alegações:

“1- A factualidade provada não permite a condenação da mandatária/Ré

2- A Autora não provou que não tinha dívidas para com o empreiteiro, tendo no recurso apenas transcrito parte das alegações do empreiteiro, Sr. CC, sem qualquer contexto.

3- Afirmando o Sr. CC nas suas declarações que havia dívidas por parte da Autora, por obras que realizou como, garagem, anexos e troca de janelas e porta.

4- Afirmou também que o Sr. DD, companheiro da Autora, prometera por várias vezes efectuar os pagamentos, o que nunca aconteceu.

5- Não se compreende a razão pela qual nunca a Autora apresentou um recibo comprovativo dos pagamentos efectuados, razão pela qual não se aceita que considere que nada devia.

6- Para além de ser um exagero o valor peticionado a título de indemnização, porque não fez prova de que realizou algum pagamento e,

7- Não documentou os estados de ansiedade alegados, desconhecendo-se se teve necessidade de acompanhamento médico.

8- Não se fez prova de que a reconvenção tinha ganho de causa, independentemente de ser apresentada contestação.

9- O tribunal não pode assegurar sem qualquer dúvida razoável que a Autora ganharia a acção que interpôs contra o empreiteiro.

10- A obrigação que assume o advogado é de empregar a diligência necessária no sentido de obter um determinado resultado, e não a de obter um resultado preciso, de ter uma conduta de cumprimento do serviço contratado, e, na sua execução, adotar as boas práticas que, no caso, sejam as postuladas e adequadas pela leges artis ad hoc e pelas regras da experiência, e, para tanto, agindo sem culpa, ou seja, usando da diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso - art.º487º do C. Civil

11- Sem a assunção prévia do “dano de ilicitude”, não haverá a “obrigação de indemnizar”, por uma eventual repercussão negativa da conduta do advogado na esfera jurídica, patrimonial ou extrapatrimonial” do mandante ou do beneficiário do apoio judiciário, pois quando se trata de “dano de perda de chance”, o mandato forense integra a primeira subespécie que consubstancia a lesão dum direito ou dum bem juridicamente protegido, existente no património do mandante que, em si, é possuidor da probabilidade de obter um resultado favorável, um ganho, uma vantagem, “resultado” esse que, com a lesão causada (ilícita e culposamente), pelo mandatário, não se vem a concretizar na esfera jurídica do mandante

12- A consistência e seriedade da oportunidade perdida é que permite dizer que há dano da perda de chance suscetível de indemnização, sendo que para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo visto que a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar, uma vez que, repete -se, segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal ato/facto ilícito

13 - Autora, e tribunal a quo, centram as suas considerações e a sua decisão na atuação da mandatária, naquilo que consideram que deveria ter sido a mais correta atuação desta, à luz da sua (subjetiva) interpretação do Estatuto da Ordem dos advogados, sem nunca, no entanto, anteciparem qual seria a solução dos autos iniciais, e se aqueles teriam um resultado favorável para a mandante. Não há por parte quer da Autora/mandante, qualquer demonstração de que se a mandatária tivesse seguido todos os passos que por si eram pretendidos, mormente aqueles que mostra pretender nestes autos, os resultados seriam para si favoráveis, nem não se vislumbra na Sentença do tribunal a quo, qualquer “julgamento dentro do julgamento”, desenhando este tribunal uma solução diversa daquela que os autos iniciais tiveram.

14- Houve pelo tribunal a quo uma má interpretação da prova, ao dar como não-provados factos que efetivamente foram objeto de prova nos autos, quer documentalmente, por através das declarações constantes nos autos, o que levou a uma distorção na análise da realidade factual, não correspondendo a decisão do tribunal a quo à realidade ontológica

15- Concluindo-se assim que andou mal o Tribunal a quo na decisão que proferiu.

Termos em que devem V. Exas, Exmos Senhores Juízes Desembargadores dar provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta sentença recorrida, absolvendo-se a Ré, Dra. BB, com todas as legais consequências, fazendo assim a costumada”.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar os recursos interpostos, sendo as seguintes as questões a decidir:

(I) Do recurso da autora

1. Fixação do quantum indemnizatório da perda de chance no valor de € 29 295,20 (vinte e nove mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos), a título de danos patrimoniais, e de € 5000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais (conclusões 1.ª a 28.ª e 37.ª a 42.ª);

2. Impugnação da matéria de facto: eliminação do facto não provado correspondente à alínea f) – por contradição com os factos provados n.ºs 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 – e alteração da redacção do facto n.º 56 (conclusões 30.ª a 36.ª).

3. Fixação dos danos não patrimoniais (conclusões 37.ª a 42.ª).

(II) Do recurso da 1.ª ré

Má interpretação da prova, porquanto a factualidade provada não permite a condenação da ré e foram dados como não provados factos que foram objecto de prova (conclusões 1 a 10);

(III) Do recurso da 2.ª ré

1. Impugnação da matéria de facto – o facto n.º 56 é conclusivo (conclusões i e ii);

2. Erro de julgamento – Falta de prova da probabilidade séria e consistente de perda de chance e errada aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022 (conclusões iii a ix);

3. Cobertura do seguro (conclusões x a xv).


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A. Fundamentação de facto.

Na sentença sob recurso consignou-se:

“A. Dos factos provados

Com relevância para a decisão a proferir resultaram provados os seguintes factos:

1. No ano de 2006, a Autora decidiu fazer uma obra de reconstrução e ampliação da casa de habitação, correspondente ao prédio urbano sito na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...02º da União das freguesias ... e ..., que teve origem no artigo ...17... que, por sua vez, proveio do primitivo artigo ...97º da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...37 à data registado a favor de EE e que, entretanto adquiriu, na sequência de partilha por óbito de FF, casado sob o regime da comunhão geral com EE.

2. Para o efeito, a Autora contactou CC, empresário em nome individual na área da construção civil, a fim de executar a pretendida obra.

3. Por documento escrito denominado “Orçamento”, datado de 16.12.2006, de fls. 20 cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, assinado e emitido por CC constando, além do mais, do seu teor “comprometo-me a fazer reconstrução de uma moradia, conforme o projecto aprovado e caderno de encargos, que me foi entregue” (…) declaro fazer os seguintes trabalhos: portas interiores folheadas em madeira clara bem como aros e guarnições; escadas forradas em madeira, com balaústres e corrimão; quartos em lamparqué e carvalho, tubagem para aquecimento central em cobre, águas frias e quentes em multicamada, a caldeira será por conta do proprietário; uma lareira em granito velho, rústica; janelas de alumínio, série 40, rotura térmica e com xilobatente. (…) Este orçamento tem um custo de 115.000EUR com IVA incluído. Formas de pagamento: início – 20.000,00EUR, 1ª placa: 10.000EUR, 2ª placa: 10.000EUR, telhado: 15.000EUR, águas e esgotos: 5.000EUR, electricidade: 5.000EUR, materiais cerâmicos aplicados: 10.000EUR, janelas: 10.000EUR, aquecimento: 10.000EUR; carpintaria: 8.500EUR, pinturas e vernizes:11.500,00EUR.

4. Os trabalhos iniciaram-se em 15.07.2008 e foram dados como concluídos em 13.07.2009.

5. Após execução da obra, no ano de 2011, a Autora verificou e reportou ao empreiteiro o surgimento de diversos defeitos, havendo ainda trabalhos por executar em relação ao contratado.

6. O aludido em 5) determinou um litígio entre a Autora e o empreiteiro, que não foi possível solucionar extrajudicialmente.

7. Uma vez que se frustrou a resolução extrajudicial do litígio, a Autora requereu apoio judiciário junto da Segurança Social a fim de solicitar a nomeação de um advogado para a aconselhar e instaurar a necessária acção judicial.

8. Por ofício da Segurança Social, com a referência 26583/2017, de 23.02.2017, foi comunicado à Autora que o seu pedido de apoio judiciário havia sido deferido nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono.

9. Através do ofício nº 2842/2017, datado de 29.11.2017, a Autora foi notificada pela Ordem dos Advogados de que havia sido nomeada sua defensora/advogada a 1ª Ré – Sra. Dra. BB.

10. A 1ª Ré é advogada, inscrita na Ordem dos Advogados com a cédula n.º ...83 à data com domicílio profissional na Praça ..., na cidade ..., possuindo também escritório na Av. ..., ..., na cidade ....

11. Por carta datada de 7.12.2017 a 1ª Ré contactou a Autora, a fim de agendarem uma reunião para que aquela se inteirasse da pretensão da Autora e do objecto da eventual acção a intentar.

12. Em data não concretamente apurada, mas em Dezembro de 2017, a Autora juntamente com o seu companheiro DD, compareceram no escritório da 1ª Ré a fim de lhe transmitirem todos os elementos necessários para intentar a aludida acção, tendo-lhe entregue diversa documentação para o efeito, incluindo orçamento aludido em 3).

13. Nessa circunstância a 1ª Ré informou a Autora que a acção aludida poderia ver o desfecho comprometido, por motivo e ilegitimidade na medida em que o contrato de empreitada inicial e a propriedade de imóvel se encontrar em nome da mãe desta – EE e pelo facto de as cartas de interpelação ao empreiteiro CC - dando-lhe conta dos defeitos da obra -, terem sido remetidas pelo companheiro da Autora.

14. A 1ª Ré informou igualmente a Autora de que a instauração de uma acção com vista à reparação dos defeitos da obra não era possível, por decurso dos prazos legalmente previstos para o efeito e, pois, por caducidade do referido direito, mas que poderia tentar satisfazer a sua pretensão, instaurando a acção com fundamento em cumprimento defeituoso do contrato celebrado com o empreiteiro.

15. Em 6.10.2018, a 1ª Ré, no exercício de patrocínio e em representação da Autora, intentou contra CC a aludida acção, sob a forma de processo comum, que deu origem ao processo nº 1629/18...., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz ..., no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda.

16. Em 14.11.201 o aí Réu CC, apresentou contestação, impugnando os factos, invocando a caducidade do direito de acção e, deduzido reconvenção, veio alegar e reclamar o pagamento de “trabalhos a mais” ali realizados, alegadamente não incluídos no orçamento inicial, no valor global de 24.750,00EUR (vinte e quatro mil setecentos e cinquenta euros).

17. Na reconvenção deduzida o aí Réu CC veio alegar que:

a) A ora Autora lhe deu instruções para alterar as características das janelas, pretendendo que fossem colocadas janelas em PVC e não em alumínio como estava inicialmente contratado;

b) Executou a pedido da mesma um muro de pedra, uma calçada em granito e lancil que não estavam incluídos no orçamento; e

c) Construiu um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão/anexo para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo devido o valor da mão de obra.

18. A 1ª Ré foi notificada do teor da aludida contestação/reconvenção em 19.11.2018 e dispunha do prazo de 30 dias para oferecer contestação relativamente aos factos alegados na reconvenção, mediante a apresentação de réplica.

19. Não obstante o pedido reconvencional deduzido, a 1ª Ré não deu conhecimento do teor da reconvenção à Autora, não lhe solicitou esclarecimentos ou eventual documentação adicional ou necessária para apurar o sentido do merecimento da mesma, nem reuniu com a Autora para poder apresentar réplica.

20. A 1ª Ré não impugnou a mencionada reconvenção, através da respectiva réplica, em absoluta revelia da vontade e posição da Autora.

21. Em 07.02.2019 realizou-se a audiência prévia no âmbito daqueles autos de processo comum.

22. Em face da matéria de excepção deduzida na contestação a Mmª Juiz concedeu à ora 1ª Ré a oportunidade de se pronunciar quanto à mesma, sendo que, a 1ª Ré pronunciou-se quanto à excepção de caducidade do direito de acção, mas nada disse ou requereu quanto à reconvenção ou ao restante alegado na contestação.

23. Não obstante a presença da Autora na audiência prévia, a 1ª Ré nada lhe transmitiu relativamente à reconvenção deduzida pelo aí Réu CC, nem lhe explicou quais os efeitos e consequências jurídicas decorrentes da falta de apresentação de réplica, antes lhe tendo comunicado que o andamento do processo estava favorável à sua pretensão.

24. Em 26.02.2019 foi proferido Despacho Saneador-Sentença que veio julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, a admitir o pedido reconvencional e a determinar o prosseguimento dos autos apenas para apreciação do pedido reconvencional.

25. Na parte final do despacho aludido é ainda concedido o prazo de 10 dias para se pronunciar quanto à sua intenção no prosseguimento dos autos relativamente ao pedido reconvencional.

26. Por requerimento datado de 28.03.2019, veio o aí Réu CC informar que mantém interesse no prosseguimento dos autos, mais invocando que a Autora não deduziu defesa quanto à matéria da reconvenção, mediante apresentação de réplica no prazo de 30 dias a contar da notificação da contestação, concluindo no seu requerimento alegando que a falta de contestação aos factos alegados na reconvenção determina a sua admissão e, por isso, confissão, peticionando pela imediata procedência do pedido reconvencional.

27. Por despacho datado de 8.05.2019 o Tribunal concedeu o prazo de 10 dias às partes para se pronunciarem quanto à delimitação dos termos do litígio no que concerne ao pedido reconvencional e ulteriores termos do processo.

28. Por requerimento datado de 22.05.2019 a 1ª Ré apresentou requerimento pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

29. Em momento prévio à apresentação em juízo do requerimento referido em 28), a Autora e a 1ª Ré agendaram uma reunião, onde foi preparada pronúncia em relação aos factos constantes da reconvenção, tendo o companheiro da Autora efetuado anotações escritas pelo seu próprio punho na referida peça processual, de fls. 177 a 178v e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

30. Em reacção, veio o aí Réu CC manter a posição já assumida nos autos, invocando que o requerimento apresentado pela 1ª Ré referido em 28) em que toma posição relativamente à matéria da reconvenção é extemporâneo e, por isso, não deve ser admitido, peticionando, uma vez mais, a imediata procedência do pedido reconvencional.

31. Por despacho datado de 19.06.2019 veio o Tribunal pronunciar-se quanto à falta de apresentação da réplica, decidindo deferir o requerido pelo réu reconvinte e, em consequência, julgar confessados os factos alegados na reconvenção, terminando o despacho concedendo o prazo de 10 dias para as partes alegarem por escrito, nos termos do artº 567º, nº 2 do Código de Processo Civil.

32. A 1ª Ré não informou a Autora e não deu conhecimento do teor do despacho referido em 31).

33. Em 11.07.2019 o aí Réu CC apresentou alegações e a 1ª Ré não apresentou alegações.

34. Em 24.10.2019 foi proferido Despacho Saneador Sentença - de fls. 97 a 107, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido constando do seu teor - em que se decidiu julgar totalmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenar a ora Autora, a pagar ao réu/Reconvinte CC, a quantia de 24.750,00EUR (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), constando do seu teor, além do mais, que, “a matéria de facto dada como provada resultou da posição assumida pelas partes nos seus articulados (confissão expressa ou ficta)” conjugada com a restante prova documental junta e que não foi colocada em causa pelas partes».

35. Só nesta ocasião é que Autora tomou conhecimento do desfecho final do aludido processo e da sua condenação no pedido reconvencional.

36. Na sequência a Autora confrontou a 1ª Ré com a falta de contestação à reconvenção que implicou a confissão dos factos e subsequente condenação da Autora, a qual negou que não o tivesse feito, invocando que havia respondido à reconvenção através do requerimento apresentado em juízo em 22.05.2019.

37. Nesta ocasião a 1ª Ré transmitiu à Autora que iria interpor recurso da mesma.

38. A Autora confiou e acreditou que, através do recurso, a situação se poderia reverter.

39. Em 03.12.2019, a 1ª Ré interpôs recurso do Despacho Saneador Sentença de 23.09.2019, alegando, no essencial, que os factos vertidos na reconvenção não podem ser considerados confessados, uma vez que apenas podem ser provados por documentos que sustentem que tais quantias se encontram efectivamente em dívida para com o empreiteiro CC.

40. Por Acórdão de 31.03.2020 o Tribunal da Relação de Coimbra - de fls. 108 a 114 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - decidiu julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida, constando, além do mais, do seu teor que “(…) na lista de factos dados como apurados na decisão recorrida não se descortina, neste plano, qualquer facto para cuja prova fosse legalmente exigido documento escrito, sendo o preço invocado – e os inerentes trabalhos, incluindo materiais e mão de obra – passível de prova, no seu substrato fáctico, por testemunhas ou outro meio probatório legalmente admissível, designadamente a confissão.” e concluindo que «(…) ao contrário do pretendido pela recorrente, não estamos perante «factos que não admitam confissão e que só possam ser provados por documentos escritos» como as alegadas quantias devidas pela Autora/Apelante ao Réu, e que totalizam o valor de € 24.750,00».

41. Na sequência a 1ª Ré interpôs recurso de revista do Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 115 a 117 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual não foi admitido em face da verificação da dupla conforme, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671º, nº 3 do CPC.

42. Na sequência da sentença condenatória e após trânsito em julgado do Acórdão do STJ, em 22.10.2020, o réu/Reconvinte CC instaurou execução de decisão judicial condenatória peticionando o pagamento da aludida quantia de 24.750,00EUR, acrescida de juros de mora e das despesas prováveis com o processo, num valor global inicial de 29.295,20EUR (vinte e nove mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos).

43. No âmbito da acção executiva aludida em 42) foram penhorados, até à presente data, os seguintes bens da Autora: - depósito bancário, no valor de 429,40EUR; - depósito bancário no Banco 1..., no valor de 1.500,50EUR; - parte penhorável do salário da Autora; - prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...02º da freguesia ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... no artigo nº ...37; - prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...38º da freguesia ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... no artigo n.º ...36.

44. No âmbito da acção executiva referida em 42), encontra-se, ainda, em curso a penhora do salário da Autora, de dois imóveis e do reembolso do IRS.

45. O valor obtido por força das penhoras já realizadas no âmbito da ação executiva cifra-se em 14.965,29EUR (catorze mil novecentos e sessenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos).

46. O valor atualmente em dívida na acção executiva, considerando a quantia exequenda, custas e despesas previsíveis, cifra-se em 20.151,66EUR (vinte mil cento e cinquenta e um euros e sessenta e seis cêntimos).

47. Na execução da obra foi acordado entre a Autora e empreiteiro, aí Reu CC a colocação de janelas em PVC.

48. Por documento escrito denominado “Orçamento” emitido pela empresa “B... Ldª, janelas e portas em PVC”, datado de 22.05.2009, de fls. 134 a 136 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foram apresentadas as condições para fornecimento e montagem de caixilharia em PVC, designadamente 7 janelas com 1400x1100; 2 portas com 1400x2000; 2 portas com 1000x2000; 4 janelas com 1000x800; 3 janelas com 1400x110 pelo preço global de 10,994,18EUR, sendo que com o desconto final passou a 9.900,00EUR (nove mil e novecentos euros).

49. Na contestação/reconvenção o aí Réu CC veio alegar que a alteração das janelas para PVC lhe determinou um custo de 15.750,00EUR, juntando para o efeito documento denominado “factura” emitida pela empresa “B... Ldª, janelas e portas em PVC”, datada de 09.03.2009 de fls. 133, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do seu teor o fornecimento de painéis e porta de entrada em PVC: portas e painéis de porta de entrada: 1 janela com 1185 x 1722; 1 janela com 964 x 1685; 1 janela com 974 x 830 e 3 painéis de porta de entrada.

50. A fatura referida em 49) em que o aí Réu CC suporta a exigência do pagamento da quantia de 5.750,00EUR (cinco mil setecentos e cinquenta euros), com referência à diferença do valor entre as janelas em alumínio previsto no orçamento (10.000,00EUR) e as janelas em PVC (15.750,00EUR) não correspondem às mesmas características, quantidades e dimensões de janelas identificadas no orçamento referido em 48).

51. Nos termos aludidos em 17) o aí Réu CC reclamou da Autora o pagamento da quantia de 18.000,00EUR pela execução do muro de pedra, uma calçada em granito e lancil, mas na memória descritiva constante do caderno de encargos, no campo «arranjos exteriores» da memória descritiva, em conformidade com a qual se obrigou a proceder à reconstrução da moradia (cfr. referido em 3.), consta que «Nos passeios exteriores definidos na planta de implantação está previsto um pavimento em cubos de granito assentes sobre betonilha pobre de cimento e areia grossa bem desempenhada. Serão executados muros no terreno conforme projecto de exteriores, destinados a regularização e nivelamento do mesmo, sendo executadas em pedra de granito com juntas calçadas».

52. Após a conclusão da obra, o empreiteiro CC nunca apresentou qualquer factura à Autora no sentido de esta lhe pagar os valores reclamados em sede de reconvenção.

53. Quando se apercebeu que não só havia perdido a acção que instaurara como passou a ser Ré e foi condenada a pagar a quantia 24.750,00EUR (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), a Autora sentiu revolta, desespero e angústia.

54. A Autora sentiu-se manipulada, enganada, desapontada, desiludida, causando-lhe ansiedade, vergonha, constrangimento, humilhação e transtorno por ver o seu património a ser penhorado, nomeadamente, o seu vencimento, contas bancárias e casa de habitação.

55. A Autora passou por um período em que sentia triste e acabrunhada.

56. Se a 1ª Ré tivesse atuado com a diligência devida e informando a Autora da tramitação do processo judicial que instaurou, mormente da dedução de contestação com reconvenção pelo réu CC, solicitando-lhe os esclarecimentos e elementos necessários e/ou convenientes à elaboração de réplica e da sua defesa e não tivesse omitido a apresentação daquele articulado em juízo, por força do referido em 1) a 52), haveria uma probabilidade, séria e consistente, de o pedido reconvencional ser julgado total ou parcialmente improcedente. (eliminado)

57. A 1ª Ré tinha a sua inscrição da Ordem dos Advogados em vigor, pelo que a responsabilidade pelos danos provocados no exercício da advocacia se encontra transferida para a 2ª Ré.

58. A 2ª Ré celebrou com a Ordem dos Advogados um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice de n.º ES00013615E021A, por força do qual a primeira assume o risco decorrente de acção ou omissão, de todos os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, com o limite de 150.000,00EUR por sinistro.

59. Do contrato de seguro correspondente à apólice nº ...1..., de fls. 140 e ss./ 195 e ss. cujo teor se dá integralmente reproduzido, resulta, das respectivas condições, além do mais, que:

a) Ponto 7. das Condições Particulares da apólice  «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade».

b) Ponto 10. das Condições Particulares da apólice em causa, estabelece-se «uma franquia de 5.000,00EUR por sinistro, não oponível a terceiros lesados».

c) Ponto 11. das referidas Condições Particulares, sob a epígrafe «Período de Cobertura», estabelece-se que a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01 de janeiro de 2021 às 00h e vencimento às 00h de 01 de janeiro de 2022.

d) Ponto 12. do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação «Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este ao Segurador, de que possa: i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou, iii) fazer funcionar as coberturas da apólice».

e) artigo 3º das Condições Especiais da Apólice estabelece-se que ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações «a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido do segurado à data de Início do período seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação»

f) Artigo 10º n.º 1 das Condições Especiais da Apólice em análise «O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º desta Condição Especial, deverá comunicar ao Corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação».

60. À data do início da vigência do Contrato de Seguro em causa até à presente data a 1ª Ré não comunicou à 2ª Ré qualquer facto e circunstâncias em causa, nomeadamente, do conhecimento de factos e circunstâncias potencialmente geradores da sua responsabilidade civil profissional.

B. Factos não provados

Da prova produzida e junta aos autos, o Tribunal julga não provado que:

a) Os trabalhos de reconstrução da moradia da Autora se tivessem iniciado em 15 de Janeiro de 2008.

b) Nas circunstâncias aludidas em 12) a Autora forneceu à 1ª Ré cópia do projecto e caderno de encargos.

c) A Ré não comunicou à Autora o despacho proferido em 24).

d) Apenas em Novembro de 2020, quando a Autora foi notificada para a execução com o processo nº 1629/18...., é que tomou conhecimento que nenhum dos recursos foi procedente e que, por essa razão, a ora 1ª Ré não havia conseguido reverter a situação prejudicial que criara ao não apresentar impugnação da reconvenção.

e) Que a 1ª Ré, aquando da realização da audiência prévia, não se tenha pronunciado a acerca da exceção de caducidade invocada na contestação apresentada por CC.

f) A autora liquidou integralmente todas as quantias em dívida a CC, inexistindo trabalhos a mais por liquidar (redacção introduzida pela Relação).

g) Que, após a conclusão da obra e até à instauração do processo judicial pela Autora, o empreiteiro CC nunca tivesse interpelado a Autora para pagamento dos trabalhos peticionados no pedido reconvencional.

h) Que a conduta da 1ª Ré tivesse impedido a Autora de oferecer embargos de executado ou oposição à penhora com os fundamentos previstos na lei.

i) A Autora sentiu necessidade de se isolar, não querendo sair à rua e evitando o contacto com os amigos e até com os familiares, situação que ainda hoje se verifica.

j) A Autora e o seu companheiro DD tinham o seu próprio entendimento sobre a forma como os autos deveriam prosseguir, e nesse contexto era difícil fazê-los entender que havia prazos a cumprir e formas próprias de elaborar as peças processuais a Autora e o seu companheiro DD tinham o seu próprio entendimento sobre a forma como os autos deveriam prosseguir, e nesse contexto era difícil fazê-los entender que havia prazos a cumprir e formas próprias de elaborar as peças processuais.

k) A Autora e o seu companheiro DD confrontados com a reconvenção, não conseguiram argumentos nem provas para contestar, nem consideraram importante.

l) Após a Audiência Prévia a Autora e o seu companheiro DD perceberam que as coisas não estavam a correr bem, decidindo que iriam pensar no assunto e a contactariam.

m) A reconvenção foi comunicada à Autora e ao seu companheiro, o qual fez questão de escrever na própria reconvenção que lhe foi apresentada, os factos e a forma como deveriam ser contestados.

n) Era o companheiro da Autora que tratava de tudo o que dizia respeito ao processo, sendo o processo dirigido entre este (que não figurava como parte da acção) e a 1ª Ré.

o) A Autora nada tinha de alegar porque a Autora não tinha provas, nem documentos, segundo afirmou perante si para contestar os factos apresentados.

p) A Autora confessou perante a 1ª Ré que houve verbalmente alterações ao contrato, dando-se por confessadas as dívidas do empreiteiro.

q) Tanto a Autora como o seu companheiro sempre omitiram diversas informações relevantes para composição do litígio, sendo que algumas informações só vieram a revelar já em sede de preparação do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

r) O andamento da acção era comunicado à Autora, na sua pessoa ou na do seu companheiro.

s) À data em que a 1ª Ré deu entrada da acção, não tinham documentos, nem testemunhas, para a reconvenção não tinham provas, a Ré tentava obter elementos sem sucesso, por não lhe terem sido indicados/entregues pela Autora.

t) Não foram indicados factos e disponibilizados documentos probatórios que afastassem a posição dos Réus/Reconvintes no processo, não dispondo a 1ª Ré de argumentos e meios de prova para avançar com a reposta por impugnação.

u) A 1ª Ré informou e explicou quais seriam as consequências da não apresentação da Contestação à reconvenção, bem como explicou que o desfecho do pedido reconvencional era independente e autónomo da decisão da ação “principal” e, não obteve instruções por parte da Autora no sentido de apresentar contestação/réplica.
· Também está provado (art. 662.º, n.º 1, do CPC – ponto n.º 34 e certidão judicial a fls. 97 a 107):

No Proc. n.º 1629/18.... foram considerados provados os seguintes factos:
1. O réu dedica-se à atividade de construção civil.
2. No exercício de tal atividade celebrou com a mãe da autora um contrato de empreitada, comprometendo-se no âmbito do mesmo a realizar a reconstrução da moradia de que esta era proprietária, sita na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., e que, entretanto, veio a ser adquirida pela autora.
3. A obra contratada tinha um orçamento inicial de €115.000,00, com IVA incluindo, que se mostra pago pela autora.
4. No decorrer da obra, a autora pretendeu alterar as caraterísticas das janelas, pretendendo que as janelas a colocar fossem em PVC e não em alumínio.
5. Em tal rubrica, o orçamento inicial era 10.000,00 euros, tendo o réu suportado um custo de 15.750,00 euros, valor superior ao que estava definido para a colocação das janelas na casa de habitação da autora, sem que esta tenha pago a respetiva diferença (5.750,00 euros).
6. No decurso da obra, o marido da autora solicitou ao réu que lhe construísse também um muro na zona traseira da casa de habitação, uma calçada em granito e lancil, tendo o réu consentido em realizar tais serviços, para além do orçamento contratado, suportando os custos do acréscimo do material necessário para o efeito, sem que a autora alguma vez lho tivesse pago, até à presente data.
7. O réu construiu o mencionado muro, procedeu ao nivelamento do terreno e construção de uma calçada em granito com lancil, que não estavam incluindo no orçamento inicial.
8. O material gasto pelo réu para construção da referida calçada em granito, que inclui o lancil e nivelamento do terreno, e ainda o mencionado muro e mão de obra importou um custo de 18.000,00 euros.
9. Até à presente data, nem o material, nem a mão de obra de tal serviço foi pago pela autora ao réu.
10. Para além disso, a autora e o seu marido solicitaram ainda ao réu que lhes contruísse um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão em anexo à moradia para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo que nenhuma destas construções se encontrava contemplada no orçamento inicial, nem tão pouco no projeto elaborado pelo engenheiro.
11. Para a construção dos serviços mencionados em 10) dos factos assentes, a autora e o seu marido adquiriram o material necessário, tendo o réu consentido em realizar tais obras.
12. Na execução da obra mencionada em 10) dos factos assentes, o réu despendeu do seu tempo e dos seus funcionários.
13. O serviço de mão de obra mencionado em 12) dos factos assentes ascende à importância de 1.000,00 euros, que a autora não pagou até à presente data”.


*

Recapitulando nos vários recursos suscitam-se as seguintes questões, sendo algumas delas repetidas; vejamos:

(I) Do recurso da autora

1. Fixação do quantum indemnizatório da perda de chance no valor de € 29 295,20 (vinte e nove mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos) a título de danos patrimoniais, e de € 5000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais (conclusões 1.ª a 28.ª e 37.ª a 42.ª);

2. Impugnação da matéria de facto: eliminação do facto não provado correspondente à alínea f) – por contradição com os factos provados n.ºs 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 – e alteração da redacção do facto n.º 56 (conclusões 30.ª a 36.ª).

(II) Do recurso da 1.ª ré

Má interpretação da prova (conclusões 1 a 11).

(III) Do recurso da 2.ª ré

1. Impugnação da matéria de facto (conclusões i e ii);

2. Erro de julgamento – Falta de prova da probabilidade séria e consistente de perda de chance e errada aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022 (conclusões iii a ix);

3. Cobertura do seguro (conclusões x a xv).
· Impugnação da Matéria de Facto.

Por razões metodológicas e de precedência lógica, comecemos pela apreciação da impugnação da matéria de facto, sendo inequívoco que em todos os recursos é colocado em causa, de modo mais ou menos amplo, o julgamento de facto empreendido pela 1.ª Instância, especificamente: (a) má interpretação da prova (recurso da 1.ª ré); (b) atendibilidade do ponto de facto n.º 56 (recursos da autora e da 2.ª ré); e, por fim, (c) contradição da alínea f) dos factos não provados com os factos provados n.ºs 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 (recurso da autora).

Vejamos, pois, esta questão recursiva, analisando conjuntamente os vários recursos, começando pelo recurso da 1.ª ré.

(a) De um modo muito genérico, a 1.ª ré, nas suas conclusões, após tecer algumas considerações sobre o julgamento da causa (conclusões 1 a 9) cinge-se a afirmar, concretamente na conclusão 11: “Houve pelo tribunal a quo uma má interpretação da prova, ao dar como não provados factos que efetivamente foram objeto de prova nos autos, quer documentalmente, por através das declarações constantes nos autos, o que levou a uma distorção na análise da realidade factual, não correspondendo a decisão do tribunal à realidade ontológica.”  (sic). Nada mais se refere.

A interposição de um recurso jurisdicional exerce-se através de requerimento que contenha a fundamentação e o pedido, de modo a delimitar o objecto do recurso, estabelecendo o n.º 2 do art. 637.º do CPC que “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade” e impondo o n.º 1 do art. 639.º ao recorrente, o dever de “apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão”.

Com este regime, pretende-se que seja rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem de forma genérica contra a decisão do tribunal a quo, designadamente no âmbito da matéria de facto, devendo ser detalhados os exactos pontos da matéria de facto que foram erradamente decididos, e indicados, também com precisão, os factos que se considera deverem ser dados como provados, impedindo-se recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto da 1.ª instância, restringindo a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

Nesta senda, os n.ºs 1 e 2 do art. 640.º do CPC, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estipulam:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (…)”.

Os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC assentam nos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, e têm por finalidade garantir a seriedade do recurso.

Destarte, sendo impugnada a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, o recorrente, além de ter de cumprir os ónus de alegação, de especificação e de conclusão, deve obrigatoriamente circunscrever, no requerimento recursivo, sob pena de rejeição: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios para proferir nova decisão, (iii) e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida, de harmonia com as alíneas a), b) e c), do n.º 1 do art. 640.º do CPC – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2024, Proc. n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1.

Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 165-169, explica, com detalhe:

“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;

d) (…)

e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)

A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));

b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a));

c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)

d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)”.

Por seu turno, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-09-2024, Proc. n.º 4667/20.5T8VIS.C1.S1: “Não cumpre o ónus de especificação previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o recorrente que se limita a consignar a hora do início e do termo de cada depoimento, indicando uma súmula de excertos do teor de tais depoimentos”.

Em linha com este citado aresto (de 17-09-2024), vejam-se, entre outros:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2019, Proc. n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1: “Não cumpre os ónus da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da ata da audiência”; e

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-03-2019, Proc. n.º 2293/10.6TBVIS.C1.S1: “I. Não satisfaz a exigência, constante do art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, no sentido de que, sendo invocados meios probatórios gravados, se faça a indicação exata das passagens da gravação em que o recurso se funda, a mera referência à hora a que começou a respetiva sessão de julgamento. II. A propósito destes ónus a cargo de quem impugna a decisão sobre a matéria de facto tem-se distinguido entre, por um lado, um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente e, por outro, um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”.

Por conseguinte, a exigência legal imposta ao recorrente de enunciar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação”, indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, importa a necessidade de se assinalar as passagens relevantes do depoimento, “não se satisfazendo com o consignar o início e o termo de cada depoimento considerado relevante para a alteração da matéria de facto visada” (sic) – passagens do citado aresto de 17-09-2024, consonante, também, com os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2015, Proc. n.º 724/09.7TBAMT.P1.S1, e de 26-01-2017, Proc. n.º 599/15.7T8CLD.C1.S1.

No Acórdão do Supremo Tribunal, de 18-02-2021, Proc. n.º 20592/16.1 T8SNT.L1.S1, decidiu-se lapidarmente: “A remissão genérica das conclusões para “como melhor acima alegado e demonstrado” ou para “tudo quanto ficou supra alegado e demonstrado” não é suficiente para que o Recorrente cumpra os ónus processuais do art. 640.º do Código de Processo Civil”.

Acresce referir que a autonomia decisória do Tribunal da Relação, no julgamento da matéria de facto, mediante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo – sem prejuízo dos temas de conhecimento oficioso está confinada, no que toca à identificação da matéria objecto de discordância, à observância do princípio do dispositivo.

Essa sindicância da decisão de facto, a realizar pela 2.ª Instância não tem como objectivo efectuar um segundo julgamento da causa, mas sim proceder à reapreciação dos juízos de facto impugnados – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-09-2017, Proc. n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1.

Por esse motivo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-01-2024, Proc. n.º 3674/21.5T8VIS.C1.S1, exara-se que: “O regime relativo ao ónus de impugnação importa, desde logo, que o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, 640.º, n.º 1, a), também deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, numa relacionação clara dos meios de prova com cada um dos pontos de facto que se pretende alterar e quando a impugnação se funde, no todo ou em parte em prova gravada, indicar em termos precisos, as passagens da gravação relevante ou proceder à sua transcrição, art.º 640 n.º 1, b) e n.º 2, e ainda deixar de forma expressa e inequívoca a indicação da decisão que a devia ter sido proferida quanto às questões de facto impugnadas, no atendimento dos meios de prova produzida, art.º 640, n.º 1, c), todos do CPC” – sublinhado nosso.

Isto dito, revertendo ao caso sub judicio,  e centrando-nos no recurso da 1.ª ré, tendo-se a mesma cingido a mencionar na 1.ª conclusão que “[a] factualidade provada não permite a condenação da mandatária/Ré”, e na 10.ª conclusão que “[h]ouve pelo tribunal a quo uma má interpretação da prova, ao dar como não-provados factos que efetivamente foram objeto de prova nos autos, quer documentalmente, por através das declarações constantes nos autos, o que levou a uma distorção na análise da realidade factual, não correspondendo a decisão do tribunal a quo à realidade ontológica”, sendo certo que, percorrendo o corpo das alegações de recurso, a 1.ª ré nunca identificou, como lhe era imposto, por reporte à prova gravada, quais as passagens da gravação em que funda o seu recurso, nem, tão-pouco, procedeu à transcrição dos excertos dos depoimentos que considerava relevantes, limitando-se a aludir, nessas alegações, mas sem a concretização que a lei exige, e de forma desgarrada, às declarações de parte da autora e da própria ré e aos depoimentos, designadamente da testemunha DD, é ostensivo que o recurso, na vertente da impugnação de facto, tem de ser rejeitado, por não ter sido cumprido o estatuído no art. 640.º, n.ºs 1, al. d), e 2, al. b), do CPC.

Paralelamente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 17-10-2023 – que estabeleceu: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações” – não é susceptível de qualquer adaptação ao caso em apreço, pois, mesmo que se recorresse às alegações de recurso constantes dos artigos n.ºs 33 a 38 – onde são referenciados os factos provados sob os n.ºs 52, 53 e 56 –, e às alegações de recurso dos artigos n.ºs 39 a 54 – onde são visados os factos não provados sob as alíneas f), m), n), p), r), u) q), s) e t) –, não seria possível colmatar a total ausência de cumprimento dos requisitos legais enunciados no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, que refere, por reporte ao n.º 1, alínea b), que “[q]uando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (sic).

Sendo assim, quanto ao recurso da 1.ª ré impõe-se a sua rejeição, no que concerne à impugnação de facto que visava os factos provados e não provados antes enumerados, sendo certo que a prova documental não legitima qualquer alteração dos factos em sentido diverso daquele que consta da sentença recorrida.

(b) Nos recursos da autora e da 2.ª ré ambas se insurgiram, em diferentes perspectivas, quanto ao teor do facto provado sob o n.º 56, cuja redacção acolhida na sentença sob recurso é a que segue:

“Se a 1ª Ré tivesse atuado com a diligência devida e informando a Autora da tramitação do processo judicial que instaurou, mormente da dedução de contestação com reconvenção pelo réu CC, solicitando-lhe os esclarecimentos e elementos necessários e/ou convenientes à elaboração de réplica e da sua defesa e não tivesse omitido a apresentação daquele articulado em juízo, por força do referido em 1) a 52), haveria uma probabilidade, séria e consistente, de o pedido reconvencional ser julgado total ou parcialmente improcedente”. (sic).

A este respeito, a autora defende que a redacção do ponto 56 dos factos provados deve ser alterada, passando a constar o seguinte: “Se a 1ª ré tivesse atuado com a diligência devida e informado a Autora da tramitação do processo judicial que instaurou, mormente da dedução de contestação com reconvenção pelo réu CC, solicitando-lhe os esclarecimentos e elementos necessários e/ou convenientes à elaboração de réplica e da sua defesa e não tivesse omitido a apresentação daquele articulado em juízo, por força do referido em 1) a 52), haveria uma probabilidade, séria e consistente, que se fixa em 100% de o pedido reconvencional ser julgado total improcedente”.

Por sua vez, a 2.ª ré considera que o referido ponto n.º 56 deve, pura e simplesmente, ser retirado do elenco da factualidade provada.

Apreciando.

Na escolha e enunciação da factualidade relevante para a decisão da causa, em sede de selecção da matéria de facto provada – cf. art. 607.º, n.º 4, do CPC –, o Juiz tem de atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas os factos simples, naturalísticos, afastando da decisão de facto os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2021, Proc. n.º 2999/08.0TBLLE.E2.S1, que: “Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação”.

Sintetiza-se, por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28-06-2018, Proc. n.º 170/16.6T8MMN.E1:

I. No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.

II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.

III. A supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova.”.

Como é evidente, regressando ao caso em tela, o teor do ponto n.º 56 da factualidade provada não pode, de todo, manter-se na enumeração daquela factualidade pois não traduz mais do que uma conclusão ao formular um juízo jurídico valorativo sobre a responsabilidade da 1.ª ré, sendo precisamente esse o âmago da causa.

O que se afirma não contraria, de modo algum, que o designado “julgamento dentro do julgamento” traduza ele mesmo uma questão de facto, mas as conclusões sobre essa questão, emergentes da análise da globalidade da factualidade apurada em julgamento, em termos de verificar a probabilidade do resultado favorável que se perdeu, integram já a fase do raciocínio lógico dedutivo a empreender pelo julgador/tribunal, sob pena de se encorpar na factualidade a conclusão a extrair dos factos.

Ou seja, o dito ponto n.º 56 não é mais do que um juízo de prognose póstuma que o Tribunal é chamado a fazer, decorrente da concatenação e valoração de todos os demais factos, não sendo, em si mesmo, um facto mas sim uma conclusão a extrair dessa avaliação. 

Por conseguinte, é manifesto que tal frase, integrando um juízo de carácter puramente jurídico-conclusivo, tem de ser expurgada da matéria de facto provada.

Destarte, o ponto n.º 56 deve ser totalmente retirado do elenco dos factos provados.

(c) Por fim, a autora sustenta que o “ponto f) dos factos não provados é por demais evidente que este facto, dado como não provado, está em absoluta contradição com os pontos 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 56 dos factos provados, o que demonstra uma errada apreciação dos factos pelo Tribunal a quo, devendo mesmo ser retirado dos factos não provados da sentença”.

Vejamos.

Nos sobreditos pontos de facto ficou consignado, como matéria provada, o seguinte:

47. Na execução da obra foi acordado entre a autora e empreiteiro, aí réu CC a colocação de janelas em PVC.

48. Por documento escrito denominado “Orçamento” emitido pela empresa “B... Ldª, janelas e portas em PVC”, datado de 22-05-2009, de fls. 134 a 136 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foram apresentadas as condições para fornecimento e montagem de caixilharia em PVC, designadamente 7 janelas com 1400x1100; 2 portas com 1400x2000; 2 portas com 1000x2000; 4 janelas com 1000x800; 3 janelas com 1400x110 pelo preço global de 10,994,18EUR, sendo que com o desconto final passou a 9.900,00EUR (nove mil e novecentos euros).

49. Na contestação/reconvenção o aí Réu CC veio alegar que a alteração das janelas para PVC lhe determinou um custo de 15.750,00EUR, juntando para o efeito documento denominado “factura” emitida pela empresa “B... Ldª, janelas e portas em PVC”, datada de 09.03.2029 de fls. 133, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do seu teor o fornecimento de painéis e porta de entrada em PVC: portas e painéis de porta de entrada: 1 janela com 1185 x 1722; 1 janela com 964 x 1685; 1 janela com 974 x 830 e 3 painéis de porta de entrada.

50. A fatura referida em 49) em que o aí Réu CC suporta a exigência do pagamento da quantia de 5.750,00EUR (cinco mil setecentos e cinquenta euros), com referência à diferença do valor entre as janelas em alumínio previsto no orçamento (10.000,00EUR) e as janelas em PVC (15.750,00EUR) não correspondem às mesmas características, quantidades e dimensões de janelas identificadas no orçamento referido em 48).

51. Nos termos aludidos em 17) o aí Réu CC reclamou da Autora o pagamento da quantia de 18.000,00EUR pela execução do muro de pedra, uma calçada em granito e lancil, mas na memória descritiva constante do caderno de encargos, no campo «arranjos exteriores» da memória descritiva, em conformidade com a qual se obrigou a proceder à reconstrução da moradia (cfr. referido em 3.), consta que «Nos passeios exteriores definidos na planta de implantação está previsto um pavimento em cubos de granito assentes sobre betonilha pobre de cimento e areia grossa bem desempenhada. Serão executados muros no terreno conforme projecto de exteriores, destinados a regularização e nivelamento do mesmo, sendo executadas em pedra de granito com juntas calçadas».

52. Após a conclusão da obra, o empreiteiro CC nunca apresentou qualquer factura à Autora no sentido de esta lhe pagar os valores reclamados em sede de reconvenção.”

Por sua vez, na alínea f) dos factos não provados consta: “A autora não deve, nem nunca deveu a quantia aí aludida ao réu CC, tendo liquidado integralmente todas as suas obrigações e inexistindo trabalhos a mais por liquidar”.

Para fundamentar a sua resposta à matéria não provada na alínea f) o tribunal a quo considerou que a autora não fez prova cabal e suficiente do alegado.

Por seu lado, em sede de contra-alegações, a 1.ª ré pugnou pela improcedência desta questão recursiva, suscitada pela autora, referindo, que “a autora não provou que não tinha dívidas para com o empreiteiro, tendo no recurso apenas transcrito parte das alegações do empreiteiro, Sr. CC, sem qualquer contexto”. “afirmando o Sr. CC nas suas declarações que havia dívidas por parte da autora, por obras que realizou como, garagem, anexos e troca de janelas e porta” e “afirmando o Sr. DD, companheiro da Autora, prometera por várias vezes efectuar os pagamentos, o que nunca aconteceu”.

Em face da alegação da recorrente/autora e as contra-alegações da 1.ª ré, o tribunal procedeu à audição integral das declarações de parte da autora e dos depoimentos das testemunhas DD e CC, empreiteiro.

Vejamos.

Na redacção da alínea f) dos factos não provados o tribunal a quo reproduziu parte da alegação constante do art. 59.º da petição inicial, onde a autora narrou:

“Ao contrário do sentido decisório que determinou a condenação da ora A. ao pagamento da quantia global de € 24.750,00, cujo desfecho foi determinado por culpa e responsabilidade exclusiva da ora 1ª R., a verdade é que a A. não deve, nem nunca deveu tal quantia ao então R. CC, tendo liquidado integralmente todas as suas obrigações, como a 1ª R. podia e devia ter demonstrado em juízo (…)”.

Salvo o devido respeito pela posição expressa pela autora/recorrente, tendo invocado o facto antes reproduzido, incumbia-lhe inerentemente o ónus da prova da correspondente alegação, o que não resultou das declarações de parte da autora, nem do testemunho de DD, tendo aliás sido contraditado pela testemunha CC que, por um lado, corroborou a existência de dívidas por parte da autora, por obras realizadas na garagem, anexos e com troca de janelas e porta, além de afirmar, por outro lado, que DD, companheiro da Autora, lhe prometeu várias vezes efectuar os pagamentos, o que não veio a acontecer. Acresce, outrossim, inexistir qualquer prova documental, v.g., recibos, que permitam dilucidar este ponto. 

Recorda-se que à luz do art. 342.º do Código Civil, tal como se explana no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-03-2021, Proc. n.º 3424/16.8T8CSC.L1.S1: “(…) [R]esulta que desde que se trate de factos constitutivos do direito invocado pelo A, quer esses factos sejam positivos, quer sejam negativos, é ao requerente que compete fazer a sua prova (artigo 342.º, n.º1, do Código Civil). Tratando-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, quer sejam positivos, quer sejam negativos é ao R que cabe fazer a prova da sua verificação (n.º2 do artigo 342.º do Código Civil) (…) Ou, como refere Pereira Coelho, este artigo não dá relevância à distinção entre factos positivos ou negativos na distribuição do ónus da prova, só podendo admitir-se que a natural dificuldade da prova de factos negativos torne aconselháveis menores exigências quanto à prova dos mesmos factos.”

Nesta consonância, e resumindo, do cotejo daqueles depoimentos não resulta que tenha sido produzida prova bastante de que a autora tenha liquidado todos os trabalhos da empreitada ao empreiteiro e esta testemunha corroborou que tal não ter ocorreu, inexistindo outra prova – v.g., recibos de pagamento – que confirme tais pagamentos na íntegra.

Ademais, não se antevê, contrariamente ao enunciado pela autora, que o ponto f) dos factos não provados esteja em contradição com os pontos de facto provados n.ºs 47, 48, 49, 50, 51 e 52.

Não obstante, considerando que a expressão “a autora não deve, nem nunca deveu a quantia aí aludida (…)” é uma mera conclusão, sendo equívoca a formulação da alínea f) dos factos não provados,  altera-se a redacção desta alínea dos factos não provados que passa a ser: “A autora liquidou integralmente todas as quantias em dívida a CC, inexistindo trabalhos a mais por liquidar”.

Resumindo, mantém-se a matéria de facto provada e não provada nos precisos termos que constam da decisão da 1.ª Instância, expurgando-a, porém, do ponto n.º 56, que tem natureza conclusiva, e alterando-se a redacção da alínea f) dos factos não provados que passa a ser a seguinte: “A autora liquidou integralmente todas as quantias em dívida a CC, inexistindo trabalhos a mais por liquidar”.


*

B. Análise da Matéria de Direito.

As partes dissentem, fundamentalmente, no que tange à vertente da aplicação do direito, com os seguintes entendimentos, que se sintetizam:

Para a autora a sentença omitiu o julgamento de prognose póstuma sobre o resultado do processo frustrado, por falta de concretização do grau de probabilidade de êxito, necessário à quantificação do dano da perda de chance, o qual, na sua óptica, era de 100%, correspondendo a € 29 295,20, à data da instauração da acção (cf. conclusões 3.ª a 29.ª), conforme enuncia:

            - A factura indicada no ponto de facto n.º 49 não correspondia às características, quantidades e dimensões existentes na casa da autora (cf. ponto de facto n.º 48), pelo que a probabilidade de ganho era de 100% (conclusões 7.ª a 12.ª)

            - A execução de um muro de pedra, calçada em granito e lancil constava da memória descritiva, pelo que a probabilidade de ganho era de 100% (conclusões 13.ª a 20.ª)

            - A mão de obra relativa ao telheiro, duas garagens e anexo para caldeira e aquecimento central estava paga, pelo que a probabilidade de ganho era de 100% (conclusões 21.ª a 26.ª).

            Diversamente para a 1.ª ré, advogada, e para a 2.ª ré, seguradora, a autora claudicou na prova da existência e seriedade da perda de chance, tendo o tribunal a quo aplicado erradamente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022 (cf., em especial, conclusões 1.ª a 9.ª, e conclusões iii a ix).

Vejamos, pois, o enquadramento jurídico da factualidade apurada, recordando que o tribunal não esta sujeito às alegações das partes no que concerne à aplicação do Direito.

(i) Da perda de chance

No processo sob recurso suscita-se, fundamentalmente, a questão da indemnização pelo denominado dano da perda de chance, em face da alegada falta de cumprimento de deveres profissionais por parte de uma advogada/patrona oficiosa, por não ter replicado a um pedido reconvencional deduzido numa acção, tendo o resultado final desse processo, no qual a omissão da patrona foi cometida, acabado por ser desfavorável à sua cliente/patrocinada, aqui autora – que veio a ser condenada, na íntegra, no pedido reconvencional –, não se conseguindo afirmar, com absoluto rigor, qual teria sido o desfecho daquela acção acaso a 1.ª ré tivesse procedido diligentemente, apresentando a réplica.

Concretamente, a 1.ª ré, na qualidade de advogada, foi nomeada patrona da autora, pela Ordem dos Advogados, em Novembro de 2017.

Não obstante na situação de nomeação oficiosa de patrono não existir um contrato base entre o cliente e o advogado, não se pode deixar de conferir ao advogado/patrono o mesmo conjunto de direitos e obrigações profissionais que competem a um advogado/mandatário judicial constituído mediante procuração forense.

Assim, a actividade dos advogados rege-se, por um lado, pelo regime do contrato de mandato civil, previsto nos arts. 1157.º e ss. do Código Civil, e, por outro lado, pelas regras constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09-09-2015, em vigor à data dos factos.

Nos termos do art. 12.º, n.º 3, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto: “No exercício da sua atividade, os advogados devem agir com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão”.

Com efeito, além das obrigações gerais do mandatário, enunciadas no art. 1161.º do Código Civil, para cujo cumprimento pontual, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé, segundo se alcança dos arts. 406.º e 762.º do Código Civil, há que atender aos deveres estatutários emergentes do EOA, designadamente o dever de praticar os actos de execução do mandato com zelo e diligência.

No caso, a 1ª ré, por via da sua nomeação para representar a autora, por força da regulamentação própria da actividade profissional dos advogados, ficou sujeita, no cumprimento do seu mandato forense/judiciário, à obrigação de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, tal qual resulta do art. 97.º, n.º 2, do EOA: “O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas”.

Paralelamente o art. 100.º, n.º 2, alínea b), do EOA concretiza que o advogado, nas relações com o cliente, deve “[e]studar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade”.

A responsabilidade civil do advogado poderá, pois, resultar quer da violação da obrigação principal decorrente do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente ou da sua nomeação como patrono, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo citado Estatuto profissional, sendo seus pressupostos a conduta ilícita do réu-advogado – a qual consistirá, em geral, na inexecução ou execução defeituosa do mandato –, a culpa do mesmo – que se presume nos termos do art. 799.º do Código Civil –, a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e tal acção/omissão ilícitas.

No fundo, trata-se de aplicar os princípios gerais da responsabilidade civil, tal qual prevê o art. 483.º do Código Civil.

As duas responsabilidades – responsabilidade civil e deontológica – não se excluem, podendo coexistir com consequências diversas, motivo pelo qual o advogado que falte culposamente aos deveres resultantes da assunção do mandato/patrocínio pode, em princípio, incorrer em responsabilidade disciplinar e civil.

Nos presentes autos, reitera-se, o que se debate é apurar se ocorre responsabilidade civil da senhora advogada, 1.ª ré, pelo alegado incumprimento dos seus deveres profissionais e deontológicos no âmbito de uma acção judicial, em que patrocinou a autora, e cuja conduta processual motivou, a final, a condenação da sua cliente num pedido reconvencional.

Por outro lado, há que indagar se esse incumprimento poderá fazer incorrer a 1.ª ré na obrigação de indemnizar a autora por via da figura do dano da perda de chance, que vem sendo “construída” pela doutrina e jurisprudência.

No fundo, como se exarou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-07-2014, Proc. n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1: “Importa saber se, revelando em si mesmo a não apresentação da contestação, perda de chance do Réu fazer valer em juízo a sua versão dos factos, essa omissão da Ré, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável da acção para o Autor.”

Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-03-2017, Proc. n.º 389/14.4T8EVR.E1.S1:

I. O advogado, no exercício das suas funções, deve agir na defesa dos interesses do cliente de acordo com as boas regras da profissão (leges artis) mas sempre com independência e autonomia técnica; a obrigação que assume, enquanto mandatário, perante o seu mandante é uma obrigação de meios e não de resultado.

II. Não se deve considerar que o advogado incorre em falta do dever de diligência profissional nas situações em que ele assume, no exercício do seu múnus, opções de natureza jurídica, processual ou substantiva, que se inserem no âmbito da sua autonomia técnica em conformidade com os interesses do mandante que representa.

III. Importa atentar que os comportamentos positivos ou omissivos que traduzem falta de diligência profissional devem constituir «conditio sine qua non» do insucesso da ação ou da defesa, obstando «per se» a que o autor ganhe o que reclamava ou perca o que lhe era reclamado, pois só se assim for se perspetiva a atribuição de indemnização por perda de chance.

IV. Os comportamentos suscetíveis de integrar violação culposa do dever de diligência que a lei comete ao advogado nas relações com o cliente (artigo 95.º/1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro e 100.º/1, alínea b) do EOA aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro) devem restringir-se, em regra, às atuações graves, quase sempre omissivas (v.g. injustificadas faltas de contestação, de não interposição de recurso contra a vontade do mandante, de não interposição de ação antes do decurso do prazo de caducidade, de não apresentação do requerimento probatório etc.), situações estas que estão manifestamente fora do âmbito das opções técnicas, designadamente de natureza jurídica, que o advogado, enquanto jurista particularmente qualificado, tem de assumir no seu patrocínio.

V. A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.”

A situação sub judice, como se constata, é facilmente enquadrável no instituto da perda de chance processual que abrange, entre outras situações, os casos em que um advogado/mandatário judicial, por esquecimento ou outro motivo:

(i) não intenta uma acção antes de o direito prescrever ou caducar, sendo invocada triunfantemente a prescrição ou caducidade, improcedendo a acção;

(ii) não contesta a acção no prazo legal, determinando a confissão dos factos alegados e a condenação do cliente;

(iii) deixa passar o prazo para requerer a produção dos meios de prova, impedindo que se faça prova dos factos alegados;

(iv) não interpõe recurso da decisão final desfavorável ao cliente.

Acompanhando Patrícia Cordeiro da Costa, A Perda de Chace – dez anos depois, “Julgar” n.º 42, Set./Dez. 2020, p. 166: “A perda de chance é um dano autónomo, substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela propiciado (…). É também um dano emergente, visto que, aceite a configuração da chance como uma realidade autónoma e parte integrante do património do lesado, então a sua perda ocorre necessariamente com referência a um bem já existente; um dano atual, por oposição a dano futuro, pois a chance fica logo afastada, em regra, aquando da prática do facto ilícito, e um dano certo, pois tem por objeto a perda da possibilidade atual de conseguir um resultado determinado, possibilidade que existia no momento da lesão”

Prossegue, mais adiante, a citada autora: “Sendo o dano da perda de chance distinto do dano final, a indemnização a atribuir pela sua reparação deve refletir essa diferença. Esse reflexo é dado pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado. A reparação deve ser medida, pois, com relação à chance perdida, não podendo ser igual à vantagem que se procurava. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se afirmasse o nexo causal entre o facto e o dano final. A indemnização deve, sim, corresponder ao valor da chance perdida.

Para tanto, devemos realizar uma tarefa de dupla avaliação: em primeiro lugar, proceder à avaliação do dano final; seguidamente, fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra traduzido num valor percentual. Saliente-se, porém, que o cálculo da probabilidade não pode ser deixado para momento posterior ao da decisão que aprecia o invocado direito à indemnização, nomeadamente para o incidente de liquidação previsto no art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), visto que tal operação é, desde logo, necessária para apurar se a chance perdida é séria e real. Obtidos tais valores, resta aplicar ao valor a que corresponde a avaliação do dano final o valor percentual apurado e representativo do grau de probabilidade.”

            E na mesma obra, nas pp. 167/168, continua: “Não sendo possível determinar com rigor nomeadamente o grau de probabilidade, pode o tribunal recorrer à equidade para fixação do quantum indemnizatório, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil (CC)? Cremos que sim, tal como o já afirmámos anteriormente, mas importa deixar claro o seguinte: para o poder fazer, o tribunal já tem de ter por demonstrado um grau de probabilidade mínimo que eleve a chance perdida à categoria de chance séria e consistente.

Dito de outro modo, a intervenção do art. 566.º, n.º 3, do CC só pode operar num momento em que o tribunal já estabeleceu a existência de uma chance séria e consistente, ainda que num intervalo de probabilidade mínima e máxima, mas permitindo o limite mínimo desse intervalo afirmar a existência de uma chance séria, faltando apenas quantificar a indemnização. Se persiste a dúvida quanto à existência de uma chance e à seriedade da mesma, o art. 566.º, n.º 3, não pode, a nosso ver, ser convocado para, com recurso à equidade, resolver um problema de falta de prova, nomeadamente em termos salomónicos. Esta norma destina-se a estabelecer um critério de quantificação de indemnização, não de prova dos factos. (…)

Nos casos particulares da responsabilidade dos profissionais forenses, a avaliação da probabilidade de sucesso no litígio passa pela realização do juízo dentro do juízo. Nas palavras de Medina Alcoz, o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo. Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso imaginar é o curso do processo judicial que não chegou a começar, ou não foi contestado, ou relativamente ao qual não foi interposto o recurso, etc.”.

Este juízo dentro do juízo é essencial quer para a determinação da existência de uma chance séria de vitória no processo, quer posteriormente na fixação do quantum indemnizatório. Questão a ponderar será, porém, a de saber se a avaliação da probabilidade de vitória no processo deve ser feita segundo o ponto de vista do juiz da ação de responsabilidade civil movida contra o advogado, ou se passa por averiguar como teria presumivelmente decidido o juiz da ação falhada ou omitida. Tal distinção pode ser determinante quanto a questões jurídicas relativamente às quais os juízes em causa tenham opiniões conhecidas divergentes. Parece-nos que o segundo prisma de avaliação (o do juiz da ação frustrada) é o que melhor se coaduna com a oportunidade perdida, a qual deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto. (…)

De realçar que este julgamento dentro do julgamento, passando pelo apuramento do percurso decisório que o tribunal da ação falhada realizaria no julgamento da mesma, é, no essencial, uma questão de facto, a depender, pois, desde logo da alegação e prova dos factos de onde se possa extrair qual teria sido a decisão que, em termos de probabilidade suficientemente séria para afirmar a existência de uma chance relevante, seria proferida caso não tivesse interferido o facto ilícito do profissional forense.

Aliás, importa reforçar, agora em termos gerais, pois que não exclusiva da perda de chance processual, que a questão da probabilidade de verificação do resultado favorável que se perdeu é, no essencial, uma verdadeira questão de facto, a ter de ser alegada e provada pelo lesado, sob pena de o tribunal que julga o pedido de indemnização com base na perda de chance não ter elementos seguros onde possa apoiar a decisão de atribuição da indemnização, quer quanto à existência do dano de perda de chance em si, quer quanto, num segundo momento, à quantificação da indemnização.”

Por sua vez, Paulo Mota Pinto, Direito Civil – Estudos, Perda de Chance Processual, 2021, p. 806, refere: “Para avaliar se existe ou não nexo de causalidade e qual é a consistência da chance frustrada, o tribunal da ação de indemnização deve realizar uma espécie de “julgamento dentro do julgamento” (…) tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou. Nesse “julgamento dentro do julgamento” … o tribunal da ação de indemnização deve, pois, adotar a perspetiva do tribunal do processo frustrado, para apurar como este teria decidido o processo (o que poderá ser particularmente relevante quanto a questões jurídicas sobre as quais existiam opiniões divergentes) no que constituiu uma apreciação de uma questão de facto e não uma questão de direito” (sublinhados nossos)

Em face de alguma flutuação jurisprudencial, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022[2], veio, por sua vez, uniformizar como jurisprudência obrigatória:

“O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.

Na fundamentação deste aresto, que acompanhamos, escreve-se: “A responsabilidade civil (…) tem em vista “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (cf. art. 562.º do C. Civil), visando, no caso, colocar o lesado/mandante na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo do seu mandatário, razão pela qual, é pacífico, o dano causado pela perda de chance não poderá ser superior ao direito que o seu representado tinha originariamente, ou seja, caso este direito (do representado) não existisse ou não tivesse qualquer consistência, não haverá (não pode haver) qualquer dano pela perda de chance suscetível de ser indemnizado.”

Por outro lado: “Se, como é o caso, em razão do comportamento indevido dum mandatário, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas).

A aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano.”

Prossegue-se, depois: “A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a “chance”, para poder ser indemnizável, seja “consistente e séria” e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético.

Só assim a “chance” preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou.

Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar.”

“(…) [A] questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.

Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.

Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.

Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo (Mesmo quem reconhece o dano da perda de chance como dano autónomo, acaba a admitir, em sede de cálculo, que o mesmo depende da verificação e extensão do dano final.).

Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este – face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cf. 342.º/1 do C. Civil) – que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).

            Ou seja, no “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose ex post que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (procurando reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), devendo o tribunal da acção de indemnização adoptar a perspectiva do tribunal que teve que decidir o processo primitivo, uma vez que o que está em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo.

De resto, também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-07-2021, Proc. n.º 3573/16.2T8AVR.P1.S1, se enfatizou que:

“I. O dano da perda de chance processual traduz-se numa certa probabilidade de ganhar a ação, afirmação que é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade e é independente de se qualificar a perda de chance como dano emergente ou lucro cessante.

II. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho de causa há-de ser razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou, competindo ao lesado a alegação e prova dessa probabilidade de êxito.

III. E tem de verificar-se um nexo de causalidade entre a aludida perda de chance e os prejuízos patrimoniais demonstrados em concreto.

IV. Não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, a perda de chance que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.”

Aqui chegados e revertendo ao caso dos autos, impõe-se, uma vez mais, salientar detalhadamente a seguinte matéria de facto provada para empreender o “julgamento dentro do julgamento”:

– A 1.ª ré, advogada, no exercício de patrocínio forense e em representação da autora, intentou contra CC, a 06-10-2018, acção sob a forma de processo comum, com fundamento em cumprimento defeituoso de contrato de empreitada, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz ..., sob o Proc. n.º 1629/18.... (pontos n.ºs 14 e15).

– O réu CC contestou, impugnando e invocando a caducidade do direito de acção e deduziu reconvenção, reclamando o pagamento de “trabalhos a mais” realizados, supostamente não incluídos no orçamento inicial, no valor global de € 24 750,00 (vinte e quatro mil setecentos e cinquenta euros), alegando que:

a) A autora deu-lhe instruções para alterar as características das janelas, pretendendo que fossem colocadas janelas em PVC e não em alumínio como estava inicialmente contratado;

b) Executou a pedido da autora um muro de pedra, uma calçada em granito e lancil que não estavam incluídos no orçamento; e

c) Construiu um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão/anexo para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo devido o valor da mão de obra (pontos n.º 16 e 17).

– A 1.ª ré foi notificada da contestação/reconvenção em 19-11-2018, não deu conhecimento do seu teor à autora, não lhe solicitou esclarecimentos ou eventual documentação adicional ou necessária para apurar o sentido do merecimento da mesma, nem reuniu com a autora, não tendo apresentado réplica, permanecendo em absoluta revelia (pontos n.ºs 18, 19 e 20).

– Aquando da realização da audiência prévia, em 07-02-2019, a 1.ª ré nada disse ou requereu quanto à reconvenção ou ao restante alegado na contestação e, não obstante a presença da autora, nada lhe transmitiu relativamente ao pedido reconvencional deduzido na acção, nem lhe explicou quais os efeitos e consequências jurídicas decorrentes da falta de apresentação de réplica, tendo-lhe comunicado que o andamento do processo era favorável à sua pretensão (pontos n.ºs 21, 22 e 23).

– Em 26-02-2019 foi proferido despacho Saneador-Sentença que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, admitindo a reconvenção e determinando o prosseguimento do processo para apreciação do pedido reconvencional, tendo o réu CC manifestado interesse na sua prossecução, invocando, ainda, que por falta de contestação aos factos alegados na reconvenção, ocorria confissão (pontos n.º 24, 25 e 26).

– Por despacho datado de 19-06-2019 o tribunal pronunciou-se quanto à falta de apresentação da réplica, julgando confessados os factos alegados na reconvenção, concedendo o prazo de 10 dias para as partes alegarem por escrito, nos termos do art. 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não tendo a 1.ª ré informado ou dado conhecimento do teor desse despacho à autora (pontos n.ºs 31 e 32).

– Em 24-10-2019, após apenas o réu CC ter apresentado alegações, foi proferido despacho Saneador Sentença, em que se decidiu julgar totalmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenar a autora, a pagar ao réu/reconvinte CC, a quantia de € 24 750,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), aí se exarando, inter alia, que, “a matéria de facto dada como provada resultou da posição assumida pelas partes nos seus articulados (confissão expressa ou ficta)” conjugada com a restante prova documental junta e que não foi colocada em causa pelas partes», tendo ficado assentes os seguintes factos:
1. O réu dedica-se à atividade de construção civil.
2. No exercício de tal atividade celebrou com a mãe da autora um contrato de empreitada, comprometendo-se no âmbito do mesmo a realizar a reconstrução da moradia de que esta era proprietária, sita na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., e que, entretanto, veio a ser adquirida pela autora.
3. A obra contratada tinha um orçamento inicial de €115.000,00, com IVA incluindo, que se mostra pago pela autora.
4. No decorrer da obra, a autora pretendeu alterar as caraterísticas das janelas, pretendendo que as janelas a colocar fossem em PVC e não em alumínio.
5. Em tal rubrica, o orçamento inicial era 10.000,00 euros, tendo o réu suportado um custo de 15.750,00 euros, valor superior ao que estava definido para a colocação das janelas na casa de habitação da autora, sem que esta tenha pago a respetiva diferença (5.750,00 euros).
6. No decurso da obra, o marido da autora solicitou ao réu que lhe construísse também um muro na zona traseira da casa de habitação, uma calçada em granito e lancil, tendo o réu consentido em realizar tais serviços, para além do orçamento contratado, suportando os custos do acréscimo do material necessário para o efeito, sem que a autora alguma vez lho tivesse pago, até à presente data.
7. O réu construiu o mencionado muro, procedeu ao nivelamento do terreno e construção de uma calçada em granito com lancil, que não estavam incluindo no orçamento inicial.
8. O material gasto pelo réu para construção da referida calçada em granito, que inclui o lancil e nivelamento do terreno, e ainda o mencionado muro e mão de obra importou um custo de 18.000,00 euros.
9. Até à presente data, nem o material, nem a mão de obra de tal serviço foi pago pela autora ao réu.
10. Para além disso, a autora e o seu marido solicitaram ainda ao réu que lhes contruísse um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão em anexo à moradia para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo que nenhuma destas construções se encontrava contemplada no orçamento inicial, nem tão pouco no projeto elaborado pelo engenheiro.
11. Para a construção dos serviços mencionados em 10) dos factos assentes, a autora e o seu marido adquiriram o material necessário, tendo o réu consentido em realizar tais obras.
12. Na execução da obra mencionada em 10) dos factos assentes, o réu despendeu do seu tempo e dos seus funcionários.
13. O serviço de mão de obra mencionado em 12) dos factos assentes ascende à importância de 1.000,00 euros, que a autora não pagou até à presente data” (ponto n.º 34 e certidão judicial).

– Em 03-12-2019, a 1.ª ré interpôs recurso daquele despacho Saneador Sentença, alegando, no essencial, que os factos vertidos na reconvenção não podem ser considerados confessados, uma vez que apenas podem ser provados por documentos que sustentem que tais quantias se encontram efectivamente em dívida para com o empreiteiro CC, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 31-03-2020, julgado improcedente a apelação e mantido a decisão recorrida, aludindo, além do mais, que “(…) na lista de factos dados como apurados na decisão recorrida não se descortina, neste plano, qualquer facto para cuja prova fosse legalmente exigido documento escrito, sendo o preço invocado – e os inerentes trabalhos, incluindo materiais e mão de obra – passível de prova, no seu substrato fáctico, por testemunhas ou outro meio probatório legalmente admissível, designadamente a confissão.” e concluindo que «(…) ao contrário do pretendido pela recorrente, não estamos perante «factos que não admitam confissão e que só possam ser provados por documentos escritos» como as alegadas quantias devidas pela Autora/Apelante ao Réu, e que totalizam o valor de € 24.750,00” (ponto n.º 40).

– A 1.ª ré interpôs recurso de revista deste Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido em face da verificação da dupla conforme, à luz do art. 671.º, n.º 3, do CPC (ponto n.º 41).

– Na sequência da sentença condenatória e após trânsito em julgado da decisão do STJ, em 22-10-2020, o réu/Reconvinte CC instaurou execução de decisão judicial condenatória peticionando o pagamento da mencionada quantia de € 24 750,00, acrescida de juros de mora e das despesas prováveis com o processo, num valor global inicial de € 29 295,20 (vinte e nove mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos) (ponto n.º 42).

O relato factual supra reproduzido é bem esclarecedor da situação, não se suscitando qualquer tipo de dúvida que a 1.ª ré, advogada, no âmbito da acção judicial instaurada, na qualidade de patrona da autora, contra CC, que correu termos sob o n.º 1629/18...., foi notificada do teor da contestação em 19-11-2018, pelo que, nos termos conjugados dos arts. 584.º, n.º 1, e 585.º do CPC, dispunha do prazo de 30 dias para replicar relativamente aos factos alegados na reconvenção.

Contudo, em absoluta e grosseira violação dos deveres de zelo profissional a que estava adstrita e de que era capaz, a 1.ª ré não apresentou réplica à reconvenção, nem transmitiu à autora o teor da reconvenção, não lhe solicitando quaisquer esclarecimentos ou documentação adicional, tendo tomado essas decisões sem o conhecimento e/ou consentimento da autora.

Concomitantemente, a 1.ª ré omitiu à autora as consequências e efeitos jurídicos da revelia que, por sua exclusiva culpa, se operou no processo, com a consequente condenação de preceito da autora.

Está, por conseguinte, inequivocamente demonstrada a prática, pela 1.ª ré, de um facto ilícito e culposo, corroborando-se, por acertadas, as considerações da sentença recorrida:[3]

“Ao actuar nos termos em que o fez, em termos objectivos, desconforme ao padrão de conduta zeloso e diligente a que um Advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com a necessidade de alegar e provar factos essenciais à não procedência do pedido reconvencional contra si deduzido, actuando, assim, de modo negligente (v.g. culposo) violando os deveres a que se encontrava obrigada no exercício do patrocínio judiciário que lhe eram, casuisticamente, exigíveis, causando com tal conduta dano com consequências para a Autora, como assim, e desde logo, a sua condenação in tottum do peticionado no pedido reconvencional - a quantia global de 24.750,00EUR (vinte e quatro mil setecentos e cinquenta euros). Concluímos, pois, pelo preenchimento e verificação do pressuposto pela 1ª Ré BB de facto ilícito e culposo.”.

Além do facto ilícito e culposo e do dano, exige-se que entre ambos exista uma relação, sendo apenas de ressarcir aqueles danos que aquele facto tenha gerado. O nexo de causalidade constitui, pois, ao mesmo tempo, pressuposto e medida dos danos a ressarcir. Conforme promana do art. 563.º do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

In casu, é indubitável o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo da 1.ª ré e o dano da autora, na medida em que a ré, na qualidade de advogada, não podia deixar de saber que a ausência de réplica/contestação ao pedido reconvencional geraria a confissão dos factos articulados pelo reconvinte, tendo a sua omissão cerceado, de modo irremediável, a possibilidade da autora ver satisfeita a sua pretensão de defesa no âmbito do Proc. n.º 1629/18...., em particular, de contestar o pedido contra si deduzido e os montantes aí elencados e, por via disso, lograr a improcedência da condenação requerida pelo empreiteiro.

Destarte, a 1.ª ré, advogada, além de ter incorrido em responsabilidade profissional ao violar os deveres de zelo/diligência profissional e de informação para com a sua cliente/representada, provocou com a actuação ilícita e culposa a perda de chance de lograr a improcedência do pedido reconvencional deduzido contra a autora, determinando – por via desse comportamento omissivo – a procedência integral do pedido de condenação da autora a pagar ao réu/reconvinte a quantia de € 24 750,00, verificando-se, inequivocamente, o nexo de causalidade adequada entre essa conduta e o dano ulterior.

E sopesando os dados de facto concretos apurados nesta acção, desde já se afirma que, em consonância com a jurisprudência obrigatória do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, o grau de probabilidade de obtenção de uma decisão favorável era “consistente e sério”, caso tivesse sido apresentada réplica ao pedido de reconvenção, conforme provado pela autora/lesada

Neste conspecto, acompanha-se, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-11-2018, Proc. n.º 196/16.6T8GRD.C1.S2:

“A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.

Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa. / E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.

Volvendo, novamente, ao caso em apreço, cumpre averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria, de obtenção de uma vantagem ou benefício – o sucesso da réplica ao pedido reconvencional – não fôra a chance perdida, importando fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa:

– Na execução da obra que esteve subjacente ao litígio a que corresponde o Proc. n.º 1629/18.... foi acordado entre a autora e empreiteiro/réu CC a colocação de janelas em PVC (ponto n.º 47).

– Por documento escrito denominado “Orçamento” emitido pela empresa “B... Ldª, janelas e portas em PVC”, datado de 22-05-2009, de fls. 134 a 136 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foram apresentadas as condições para fornecimento e montagem de caixilharia em PVC, designadamente 7 janelas com 1400x1100; 2 portas com 1400x2000; 2 portas com 1000x2000; 4 janelas com 1000x800; 3 janelas com 1400x110 pelo preço global de 10,994,18EUR, sendo que com o desconto final passou a 9.900,00EUR (nove mil e novecentos euros) (ponto n.º 48).

– Na contestação/reconvenção no Proc. n.º 1629/18.... o réu CC veio alegar que a alteração das janelas para PVC lhe determinou um custo de € 15 750,00, juntando para o efeito documento denominado “factura” emitida pela empresa “B... Ldª, janelas e portas em PVC”, datada de 09-03-2009 de fls. 133, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do seu teor o fornecimento de painéis e porta de entrada em PVC: portas e painéis de porta de entrada: 1 janela com 1185 x 1722; 1 janela com 964 x 1685; 1 janela com 974 x 830 e 3 painéis de porta de entrada (ponto n.º 49).

– Aquela factura em que o réu CC suporta a exigência do pagamento da quantia de € 5750,00 (cinco mil setecentos e cinquenta euros), com referência à diferença do valor entre as janelas em alumínio previsto no orçamento (€ 10 000,00) e as janelas em PVC (€ 15 750,00) não correspondem às mesmas características, quantidades e dimensões de janelas identificadas no orçamento de 22-05-2009 (ponto n.º 50).

– Na contestação/reconvenção ao Proc. n.º 1629/18.... o réu CC reclamou da autora o pagamento da quantia de € 18 000,00 pela execução do muro de pedra, uma calçada em granito e lancil, mas na memória descritiva constante do caderno de encargos, no campo «arranjos exteriores», em conformidade com a qual se obrigou a proceder à reconstrução da moradia, consta que «Nos passeios exteriores definidos na planta de implantação está previsto um pavimento em cubos de granito assentes sobre betonilha pobre de cimento e areia grossa bem desempenhada. Serão executados muros no terreno conforme projecto de exteriores, destinados a regularização e nivelamento do mesmo, sendo executadas em pedra de granito com juntas calçadas» (ponto n.º 51).

– Após a conclusão da obra, o empreiteiro CC nunca apresentou qualquer factura à Autora no sentido de esta lhe pagar os valores reclamados em sede de reconvenção (ponto n.º 52).

Perante esta factualidade provada no âmbito da presente acção, importa, então, fazer um juízo de prognose póstuma relativamente aos três pedidos que o réu/reconvinte formulou no Proc. n.º 1629/18...., hipotisando a situação em que a 1.ª ré ficaria, naquela acção, se porventura tem apresentado réplica; vejamos:

a) No que tange às características das janelas ficou a constar na memória descritiva que: “De um modo geral a caixilharia de janelas e portas exteriores serão executadas em alumínio lacado termo lacado branco (…) levando portadas exteriores em alumínio termo lacado (…)”.[4]

Durante a execução da obra foi acordado entre a autora e o empreiteiro/réu CC a colocação de janelas em PVC.

Para estribar o valor peticionado naquela acção, quanto à alteração das características das janelas inicialmente contratadas, i.e., € 5750,00 (cinco mil setecentos e cinquenta euros), o réu/reconvinte CC, enquanto empreiteiro, aduziu que a mudança para janelas em PVC e não em alumínio, determinou um custo de € 15 750,00 e não de € 10 000,00, como previsto no orçamento, melhor identificado no ponto 48 dos factos provados, fundamentando o seu pedido na factura identificada no ponto 49 dos factos provados.

Na sentença, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação, lavrada no Proc. n.º 1629/18...., consignou-se no ponto n.º 5 dos factos provados, a respeito desta matéria: “Em tal rubrica, o orçamento inicial era 10.000,00 euros, tendo o réu suportado um custo de 15.750,00 euros, valor superior ao que estava definido para a colocação das janelas na casa de habitação da autora, sem que esta tenha pago a respetiva diferença (5.750,00 euros)”.

Como facilmente se constata, a factura referida no ponto 49 – correspondente a uma obra com apenas 4 janelas e 3 painéis de porta de entrada –, além de não corresponder às características, quantidades e dimensões das janelas e portas existentes na casa da autora, que estão melhor discriminadas no orçamento a que alude o ponto 48 – e que contemplava o fornecimento de 14 janelas e 4 portas –, contém uma data que é anterior àquele orçamento: na verdade, a factura está datada de 09-03-2009 e o orçamento apenas foi elaborado em 22-05-2009… Ou seja, a factura em apreço não pode corresponder à alteração das características das janelas introduzidas na obra da autora, porquanto é anterior ao orçamento solicitado e entregue à autora.

Razão pela qual, se a 1.ª ré tivesse informado a autora/recorrente da dedução da reconvenção e lhe tivesse solicitado as devidas informações, facilmente poderia ter apresentado réplica e demonstrado em tribunal, através, designadamente, da prova documental, que, relativamente ao pedido das janelas, o documento que sustentava a alegação do empreiteiro CC não tinha qualquer correspondência com o caso daquele processo e que a alegação vertida na reconvenção improcederia, neste capítulo.

Nestes termos, e quanto a este item (cobrança do valor das janelas em PVC), a probabilidade de chance da autora impugnar aquele valor, caso a 1.ª ré tivesse deduzido réplica, era bastante séria e elevada.

Porém, contrariamente ao pugnado pela autora/recorrente, daqui não se pode extrair que o dano por si sofrido corresponda, directa e imediatamente, àquela quantia de € 5750,00, posto que não é possível afirmar que se o processo tivesse seguido para a fase de saneamento e de julgamento, e se fosse produzida prova testemunhal, o réu/reconvinte não lograria fazer prova, pelo menos parcial, do seu pedido. Trata-se, todavia, de uma probabilidade séria e consistente de obter ganho de causa quanto a esta questão.

b) O empreiteiro, alegou, ainda, que no âmbito do contrato de empreitada, a pedido da autora, executou um muro de pedra, uma calçada em granito e lancil, que não estavam incluídos no orçamento, e que teve um custo de € 18.000,00.

Na sentença, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação, proferida no Proc. n.º 1629/18...., expendeu-se nos pontos de facto n.ºs 6 a 9:
“6. No decurso da obra, o marido da autora solicitou ao réu que lhe construísse também um muro na zona traseira da casa de habitação, uma calçada em granito e lancil, tendo o réu consentido em realizar tais serviços, para além do orçamento contratado, suportando os custos do acréscimo do material necessário para o efeito, sem que a autora alguma vez lho tivesse pago, até à presente data.
7. O réu construiu o mencionado muro, procedeu ao nivelamento do terreno e construção de uma calçada em granito com lancil, que não estavam incluindo no orçamento inicial.
8. O material gasto pelo réu para construção da referida calçada em granito, que inclui o lancil e nivelamento do terreno, e ainda o mencionado muro e mão de obra importou um custo de 18.000,00 euros.
9. Até à presente data, nem o material, nem a mão de obra de tal serviço foi pago pela autora ao réu”.

Nesta senda, a autora foi condenada a pagar o valor peticionado na reconvenção de € 18 000,00 (dezoito mil euros).

Uma vez mais, há elementos nos autos, existentes à data do Proc. n.º 1629/18...., que permitiriam refutar este pedido com um elevado grau de consistência.

No documento intitulado “orçamento”, com data de 16-12-2016 (doc. nº 3 junto à petição inicial), que corresponde ao contrato de empreitada, explanou-se: “A firma CC (…) compromete-se a fazer a reconstrução de uma moradia, conforme projecto aprovado e caderno de encargos que me foi entregue, pertencente a EE (…). / Declaro fazer os seguintes trabalhos: “portas interiores folheadas em madeira clara com aros e guarnições; escadas forradas em madeira, com balaústres e corrimão; quatros em lamparquê e carvalho; tubagem para aquecimento central em cobre, águas frias e águas quentes em multicamada, a caldeira será por conta do proprietário; uma lareira em granito velho, rústica, janelas em alumínio, série 40 com rotura térmica e com xilobatente. / Os materiais cerâmicos serão até ao preço de 10,00€ o metro quadrado, à escolha do proprietário, bem como louças e torneiras./ Este orçamento tem um custo de € 115.000€ com IVA incluído (…)”

Consultando o caderno de encargos (doc. n.º 21 junto à petição inicial), na parcela“Arranjos exteriores” da memória descritiva, lê-se a seguinte informação: Nos passeios exteriores definidos na planta de implantação está previsto um pavimento em cubos de granito assentes sobre betonilha pobre de cimento e areia grossa bem desempenhada. Serão executados muros no terreno conforme projecto de exteriores, destinados a regularização e nivelamento do mesmo, sendo executadas em pedra de granito com juntas calçadas.” (sublinhados nossos).

Do exposto decorre que, cotejando o caderno de encargos associado à obra, onde estão reproduzidas as diversas plantas e a memória descritiva da obra, bem como as diversas

intervenções, materiais e trabalhos para execução da obra, os trabalhos de calcetamento e muros faziam parte da obra contratada ab initio, mormente no citado item Arranjos exteriores” da memória descritiva.

Do que deflui que se a 1.ª ré tivesse informado a autora/recorrente da dedução da reconvenção e lhe tivesse pedido as devidas informações, poderia ter replicado e demonstrado em tribunal, com grande probabilidade, que aqueles trabalhos realizados estavam já incluídos na memória descritiva do caderno de encargos que alicerçaram o contrato de empreitada.

Nestes termos, e quanto a este segmento – execução de um muro de pedra, de uma calçada em granito e de um lancil –, a probabilidade de chance da autora impugnar aquele valor, caso a 1.ª ré tivesse deduzido réplica, era bastante elevada.

Também aqui não se pode especular que o valor do dano directo e imediato para a autora, contrariamente ao que invoca, corresponda aos € 18 000,00, dado que não se pode afirmar, peremptoriamente, que se fosse deduzida réplica no Proc. n.º 1629/18...., o réu CC não lograria demonstrar, em ulterior fase do processo, designadamente na audiência final, através de prova testemunhal, que apesar do caderno de encargos/memória descritiva aludir àqueles elementos de construção – muro, calçada e lancil – ocorreu a realização de trabalhos a mais, relativamente àqueles elementos da obra, e que os mesmos não estavam especificamente orçamentados no documento de 16-12-2016, na medida em que aí ficou, apenas, dito que CC “compromete-se a fazer a reconstrução de uma moradia, conforme projecto aprovado e caderno de encargos que me foi entregue”.

c) Por fim, na reconvenção ao Proc. n.º 1629/18...., o réu/reconvinte CC alegou, ainda, que construiu um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão/anexo para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo devido o valor da mão de obra no montante de € 1000,00.

Na sentença, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação, cuja prolação ocorreu no Proc. n.º 1629/18...., afirmou-se nos pontos de facto n.ºs 10 a 13:
“10. Para além disso, a autora e o seu marido solicitaram ainda ao réu que lhes contruísse um telheiro ao lado da moradia, duas garagens e ainda uma divisão em anexo à moradia para colocação da caldeira de aquecimento central, sendo que nenhuma destas construções se encontrava contemplada no orçamento inicial, nem tão pouco no projeto elaborado pelo engenheiro.
11. Para a construção dos serviços mencionados em 10) dos factos assentes, a autora e o seu marido adquiriram o material necessário, tendo o réu consentido em realizar tais obras.
12. Na execução da obra mencionada em 10) dos factos assentes, o réu despendeu do seu tempo e dos seus funcionários.
13. O serviço de mão de obra mencionado em 12) dos factos assentes ascende à importância de 1.000,00 euros, que a autora não pagou até à presente data”.

Neste ponto concorda-se que resultou do depoimento da testemunha/empreiteiro CC, neste julgamento, que foi ele quem fez a obra e que não pediu qualquer dinheiro à autora por estes trabalhos, nunca o tendo feito mesmo depois de a ter terminado, o que sucedeu em 2009. Com base nesta confissão do empreiteiro a 1.ª ré, enquanto advogada, teria em princípio a possibilidade de excepcionar a prescrição de qualquer crédito do empreiteiro resultante da prestação de serviços por ele efectuados na obra, ao abrigo do art. 317.º, al. b), do Código Civil.

Neste aspecto – mão de obra – a probabilidade de chance de autora/recorrente impugnar e obter ganho de causa era bastante elevada, mas, mais uma vez, desconhece-se qual seria o resultado final do julgamento no processo primitivo, na eventualidade de ter sido produzida testemunhal.

Aqui chegados estamos, pois, em situação de poder concluir que, pese embora seja possível estabelecer que a autora/lesada cumpriu o ónus da prova da elevada consistência e seriedade da sua perda de chance – contrariamente ao que pugnavam as rés/recorrentes –, daí não se pode extrapolar, como pretende a autora/recorrente, que o dano sofrido por essa perda de chance corresponda a 100%.

Na verdade, apenas se pode concluir que se a 1.ª ré tivesse actuado com a diligência devida e informado a autora da tramitação do processo judicial, mormente da dedução de contestação com reconvenção pelo réu CC, solicitando-lhe os esclarecimentos e elementos necessários e/ou convenientes à elaboração de réplica e da sua defesa e não tivesse omitido a apresentação daquele articulado em juízo, haveria uma probabilidade, séria e consistente, superior a 50%, de o pedido reconvencional ser julgado total ou parcialmente improcedente.

Tendo-se concluído afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade civil da 1.ª ré – ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada –, proceder-se-á, agora, à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566.º, n.º 2, do Código Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 deste mesmo artigo.

Retomando as palavras de Patrícia Cordeiro Costa – op. cit., pp. 168/169: “A chance indemnizável não é, como se acima procurou salientar, uma chance abstrata ou filosófica, no campo das possibilidades gerais, mas uma chance séria, concreta e consistente, apoiada numa probabilidade igualmente séria e consistente de ocorrência da vantagem perdida não fora o facto ilícito. Sob pena de se transformar a perda de chance num mecanismo de atribuição irrestrita de indemnizações, bastando a presença de uma mera suspeita de probabilidade, a ação de indemnização deve ser preparada, em termos de alegação de facto e de produção de prova, de forma a que o tribunal, na decisão a tomar, tenha dados de facto suficientes para, desde logo, concluir pela existência de uma chance séria.

Nem os arts. 566.º, n.º 3, e 569.º do CC e 609.º, n.º 2, do CPC permitem outra leitura. A indemnização pela chance perdida depende da prova efetiva da existência de uma chance séria; a avaliação do requisito de seriedade depende, por sua vez, da demonstração do grau de probabilidade de concretização da

vantagem perdida, não fora o facto ilícito. A medida da probabilidade está, assim, indissociavelmente ligada à existência do próprio dano, e não só à medida da indemnização (para a qual, na falta de outros elementos, e provado que esteja já o se do dano, poderá ser fixada com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC), não sendo, por outro lado, o seu aferimento uma pura questão de direito a resolver pelo tribunal, mas antes, e no essencial, repete-se, uma verdadeira questão de facto”.

            No caso em epígrafe, desde já se adianta, considera-se que não é possível fixar a indemnização devida pelo dano da perda de chance se não através do recurso à equidade, por via do preceituado pelo art. 566.º, n.º 3, do Código Civil, concordando-se plenamente com o referido na sentença ora sindicada, no que tange ao modo de cálculo do quantum indemnizatório da perda de chance no caso dos autos:

“(…) [N]o caso do dano da perda de chance a indemnização não se reporta ao dano e valor final, razão pela qual, importa, desde logo, consignar-se pela ausência da procedência [total], nesta parte do pedido.

Assim sendo e reiterando-se que a ulterior tramitação dos autos, determinaria, além do julgamento de facto e de direito, – sem prejuízo do alegado e provado nestes autos dentre “aqueloutro  julgamento neste julgamento”, afigura-se-nos que não é possível estabelecer o grau de probabilidade da amplitude ou em percentagem falando do êxito da acção ou inexistindo qualquer outra base lógica para realizar um particular juízo de prognose póstuma sendo que, vem sendo entendimento dos Tribunais Superiores que no caso de estar em causa um risco que assenta, além do julgamento de facto e de direito a apreciar em juízo, a indemnização – ainda que não sendo forçosa mas de acordo com a natureza das coisas – deve ser julgada de acordo com a equidade, divisível em 50% para cada uma das partes, em razão de equivalente grau de procedência ou improcedência – total ou parcial – do pedido reconvencional (já que é quanto a este que se reporta o facto ilícito e culposo).

Neste sentido se tem pronunciado, em termos exemplificativos os acórdãos do STJ 05.02.2013 (Relator: Des. Hélder Roque), do Tribunal da Relação do Porto de 27.10.2009, Relatora: Des. Maria do Carmo Domingues; do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2012, Relatora: Des. Lúcia Sousa, de 15.05, Relator: Des. Granja da Fonseca, de 23.06.2015, Relatora: Des. Rosa Ribeiro Coelho; do Tribunal da Relação do Porto de 27.10.2009, Relatora: Des. Maria do Carmo Domingues; do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.04.2014, Relator: Des. Carlos Moreira e, em particular, pela similitude com caso dos autos (ausência de contestação – rectius, in casu, réplica):

– o acórdão do S.T.J. de 28.9.2010, Relator: Cons. Moreira Alves, que, estando em causa um caso em que o mandatário não apresentou contestação e foram considerados provados os factos alegados pelo Autor, se concluiu pelo juízo de equidade, exarando-se, para o efeito, «[C]omo tal não aconteceu pelas razões já por demais referidas, a aqui A. (ali Ré) ficou privada dessa defesa e, consequentemente, do inerente direito a contraditar a factualidade alegada pelo A., de modo que, não tendo sido apreciada qualquer prova, é impossível concluir que a A. ou a Ré obteriam ganho de causa, total ou parcial. Todavia, em termos de equidade, que é agora o critério a ter em conta, o grau da possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência – total ou parcial), não pode deixar de fixar-se em 50% para cada uma das partes, visto que, salvo melhor opinião, qualquer outra percentagem se nos afigura arbitrária, por falta de base lógica em que assentar.”:

– o acórdão do TRG de 19.05.2016, Relator: Des. Jorge Seabra, concluindo que - «[E]ste tipo de situações, em que, de facto, na ausência de contestação, não é possível prefigurar ou prever, com o rigor e certeza exigíveis, a sorte da contestação falhada – atenta a sobredita impossibilidade de prever qual o julgamento de facto e, por inerência deste, o próprio julgamento de direito –, estamos em crer que se justificará um critério de equidade de 50%, para cada parte.”

Assim, no caso sub judice, considerando a materialidade fáctica julgada provada e não provada e não logrando a Autora o ensejo de provar pela total improcedência do pedido reconvencional e/ou à(s)s Ré(s) que sem prejuízo da omissão de tal acto/informação sempre aquela reconvenção procederia  pelos fundamentos a que aludimos na fundamentação de facto e que aqui damos por integralmente reproduzidos, outrossim, mostrando-se dependente de julgamento de facto e de direito da questão submetida a juízo, nos termos ora redigidos e tendo por alicerce o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta um juízo de equidade (cfr. artigos 4º e 566º, n.º 3 do Código de Processo Civil) os cânones das regras da experiência comum e a referência a situações e casos análogos (v.g. decisões do Tribunais Superiores), afigura-se-nos adequado, proporcional, equilibrado e equitativo  a fixação em 50% para cada uma das partes, o que equivaleria ao montante de 12.375,00EUR (doze mil trezentos e setenta e cinco euros)”.

Relembra-se que no ordenamento jurídico português, o princípio geral que enforma o sistema indemnizatório é o da reparação natural do dano – as coisas atingidas pelo evento lesivo devem ser repostas com exactidão na situação anterior –, consagrado no art. 562.º do Código Civil: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” . Porém, de acordo com o n.º 1 daquele preceito legal, “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

Emerge destes dispositivos legais que a obrigação de indemnizar se traduz numa reposição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (restituição natural), sendo que, nos casos dessa restituição não ser possível, ou ser insuficiente ou ser excessiva, a indemnização se concretizará, por sucedâneo, numa quantia monetária.

Nessa fixação rege o princípio da teoria da diferença – “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 2 do art. 566.º do Código Civil) – e, subsidiariamente, o recurso à equidade – “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do art. 566.º do Código Civil).

A data mais recente a que se refere o art. 566.º, n.º 2, é, nos termos do art. 611.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a correspondente “à situação existente no momento do encerramento da discussão”.

Em suma, reiterando o raciocínio antes empreendido sobre o juízo de prognose póstuma atinente ao “julgamento dentro do julgamento”, concorda-se com a sentença recorrida na parte em que fixou em € 12 375,00 o valor do dano patrimonial decorrente da perda de chance, correspondente a 50% do valor total do pedido reconvencional e, atendendo à actualização daquele valor, mantém-se a indemnização a título de dano de perda de chance em € 14 094,45 (catorze mil e noventa e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos).

Apreciemos, agora, os invocados danos não patrimoniais decorrentes da situação carreada aos autos, cuja indemnização a autora peticionou – tendo decaído na 1.ª instância essa pretensão –, recordando os seguintes factos:

–  Quando se apercebeu que não só havia perdido a acção que instaurara como passou a ser ré e foi condenada a pagar a quantia € 24 750,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), a autora sentiu revolta, desespero e angústia (ponto n.º 53).

–  A autora sentiu-se manipulada, enganada, desapontada, desiludida, causando-lhe ansiedade, vergonha, constrangimento, humilhação e transtorno por ver o seu património a ser penhorado, nomeadamente, o seu vencimento, contas bancárias e casa de habitação (ponto n.º 54).

– A Autora passou por um período em que se sentia triste e acabrunhada (ponto n.º 55).

Tal como escreve Patrícia Cordeiro da Costa, op. cit., p. 169: “Não se confunda, ainda, a perda de chance processual com o dano não patrimonial eventualmente causado pela atuação do mandatário ao não praticar o ato devido (por exemplo, o desgosto, ansiedade, etc., que o mandante sofreu por não ver o seu caso devidamente apreciado pelo tribunal na ação frustrada, agora independentemente do resultado da ação frustrada). Esse dano, a verificar-se, não é uma perda de chance, e sim um dano não patrimonial final, cuja ressarcibilidade dependerá da prova, entre outros elementos factuais, dos sofrimentos morais do mandante e do nexo de imputação objetiva entre esses sofrimentos e o facto ilícito; e, noutra vertente, da aceitação da ressarcibilidade de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual e da verificação dos requisitos exigidos pelo art. 496.º do CC.”.

Acompanhando Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6.ª edição, 1.º Volume, p. 571, os danos não patrimoniais são “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.

Esses danos, repete-se, só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1, do CC –, apurando-se essa gravidade caso a caso, em função da factualidade provada e seguindo um critério objectivo, de normalidade e bom senso prático.

Retomando a lição de Antunes Varela – op. cit., p. 600 – a gravidade dos danos não patrimoniais deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.”.

É hoje consensual o entendimento de que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas; tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. Está ultrapassada a época das indemnizações reduzidas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.

Nesta esteira, admitindo-se a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais nesta tipologia de acção, procede nesta parte o recurso da autora, reputando-se adequado fixar em € 5000,00 (cinco mil euros), como vem peticionado, o valor dos danos patrimoniais por si sofridos como consequência da situação relatada.

Concluindo: considerando-se verificados os pressupostos legais para indemnização do dano da perda de chance, mantém-se em € 14 094,45 (catorze mil e noventa e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), a indemnização pelo dano patrimonial, estabelecida na 1.ª Instância, e fixa-se em € 5000,00 (cinco mil euros) o valor dos danos patrimoniais.
(ii) Da cobertura do seguro

Em sede de recurso, a 2.ª ré, seguradora, veio sustentar, no que se reporta ao contrato de seguro, fundamentalmente, que “à data da entrada em vigor da apólice nº ...1..., a R. tinha conhecimento dos factos reclamados na presente ação, os quais não se encontram cobertos por essa mesma apólice”.

O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória, dispondo o art. 104.º do EOA, na redacção emergente da Lei n.º 145/2015, de 09-09:

1. O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250 000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.

2. Quando a responsabilidade civil profissional do advogado se fundar na mera culpa, o montante da indemnização tem como limite máximo o correspondente ao fixado para o seguro referido no número anterior, devendo o advogado inscrever no seu papel timbrado a expressão «responsabilidade limitada».

3. O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.º 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de (euro) 50 000, de que são titulares todos os advogados não suspensos.”.

Na situação vertente, a Ordem dos Advogados celebrou com a 2.ª ré um seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice nº ...1..., tendo a 1.ª ré transferido a responsabilidade profissional infortunística de advogada para a 2.ª ré, através daquele contrato de seguro de responsabilidade civil, com rectroactividade ilimitada, com um limite de € 150 000,00 por sinistro, e uma franquia de € 5000,00 por sinistro, tendo sido estipuladas as seguintes condições na apólice:

a) Ponto 7. das Condições Particulares da apólice  «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade».

b) Ponto 10. das Condições Particulares da apólice em causa, estabelece-se «uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados».

c) Ponto 11. das referidas Condições Particulares, sob a epígrafe «Período de Cobertura», estabelece-se que a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01 de janeiro de 2021 às 00h e vencimento às 00h de 01 de janeiro de 2022.

d) Ponto 12. do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação «Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este ao Segurador, de que possa: i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou, iii) fazer funcionar as coberturas da apólice».

e) artigo 3º das Condições Especiais da Apólice estabelece-se que ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações «a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido do segurado à data de Início do período seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação»

f) Artigo 10º n.º 1 das Condições Especiais da Apólice em análise «O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º desta Condição Especial, deverá comunicar ao Corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação».

A respeito desta questão recursiva, como bem se refere na sentença recorrida, o início da vigência da apólice ocorreu em 01-01-2021, com duração de 12 meses renovável e a reclamação foi formulada em 02-12-2021, tendo a 1.ª ré sido citada em 11-01-2022, durante o período de vigência do seguro.

            Tal como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-07-2019, Proc. n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1, a propósito de  um contrato de seguro com cláusula similar:       “[E]stabelece o ponto 7 destas mesmas Condições Particulares da Apólice, sob a epígrafe “Âmbito temporal”, que: «O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação».

Estamos, assim, perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), que, no dizer do citado Acórdão do STJ, de 14.12.2016, «condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato».

Dito de outra forma e tal como se escreve no acórdão recorrido, estamos perante um contrato de seguro em que «o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base» – cf. José Vasques in “Lei do Contrato de Seguro”, anotada, pág. 479..

Mas se é certo o artigo 3º, al. a) das Condições Particulares desta mesma apólice excluir da cobertura do contrato de seguro em causa as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação, a verdade é que, estando-se perante uma apólice de reclamação e deixando esta mesma cláusula na dependência do comportamento do segurado o acionamento do contrato de seguro, importa indagar quais as consequências que poderão advir para o lesado (cliente) da falta de cumprimento, por parte do segurado (advogado), do dever de reclamação do sinistro, após ter conhecimento dos factos suscetíveis de gerar essa mesma reclamação.

E a este respeito diremos, desde logo, que uma tal cláusula não pode deixar de ser conjugada com o regime previsto na Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (por ser o vigente à data dos factos aqui em discussão), cujo art. 100º, nº1 faz impender sobre o segurado e/ou beneficiário o dever de participação do sinistro «no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento», estabelecendo o art. 101º, a propósito da “falta de participação do sinistro”, no seu nº4, que as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos seus nºs 1 e 2 do citado artigo, não são oponíveis aos lesados «em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números».

Ora, assente, em face do disposto no art. 99º, nº1 do citado EOA, a natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados, temos por certo, tal como se afirmou no recente Acórdão do STJ, de 16.05.2019 (processo nº 236/14.7TBLMG.C1.S1), que, no  confronto da cláusulas contratual prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Particulares da Apólice nº 60…58, com a norma imperativa do art. 101, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL nº 72/2008, de 16 de abril, prevalece esta última.

Com efeito, trata-se de uma norma imperativa cuja ratio prende-se com a salvaguarda do interesse público de conferir uma especial proteção aos lesados no âmbito dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.

Vale tudo isto por dizer que, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, nos termos do art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro, não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente,  nos  nºs 1 e 2 do citado artigo.

Daí a cláusula de exclusão invocada pela recorrente para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir a autora pela ocorrência do risco coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional não operar no caso dos autos, não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido ao condenar a ré seguradora no pagamento da indemnização devida à autora” (sic).

Deste modo, tendo a presente acção sido instaurada a 02-12-2021, no período de vigência da apólice (de 01-01 2021 a 01-01-2022), a 2.ª ré está obrigada a indemnizar a autora, independentemente da prova de que a 1.ª ré não tenha comunicado à seguradora factos de que tinha conhecimento em data anterior à entrada em vigor da apólice e que eram susceptíveis de potenciar a sua responsabilidade civil profissional.

Acresce que, muito embora o contrato de seguro analisado preveja a exclusão da responsabilidade da seguradora nos casos em que, em data anterior ao início da vigência da apólice, o segurado tenha conhecimento de factos susceptíveis de poderem vir a fundar a sua responsabilidade civil profissional e não os comunique atempadamente à seguradora, a verdade é que, nos termos do art. 101.º, n.º 4, da Lei do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril), tal circunstância é inoponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador apenas com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.

Como sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no confronto das cláusulas previstas nas condições particulares da apólice com a norma imperativa do art. 101.º, n.º 4, da Lei do Contrato de Seguro, prevalece esta última, pelo que não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as excepções de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respectivamente, nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo.

Por fim, na questão da franquia, por absolutamente correcta reproduz-se a sentença aqui posta em crise, nada mais havendo a acrescentar:

“In casu, de acordo com a apólice objecto dos presentes autos foi definida – ao abrigo do princípio da liberdade contratual das partes e do artigo 49º, n.º 3 da LCS – uma franquia no valor de 5.000,00EUR por sinistro como a importância que fica a cargo do segurado.

Todavia, de acordo com aquela apólice, aquela franquia não é oponível a terceiros – cfr. artigo 10º das Condições Particulares, pelo que não sendo a segurada a credora nestes autos da indemnização atribuída mas, outrossim, um terceiro, a franquia não lhe é oponível.

De sinalizar, ademais – além da estatuição contratual -, estamos perante um contrato de seguro de natureza obrigatória, estabelecendo o artigo 146º, nº 1, do LCS que o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador.

Tal entendimento vem sendo sustentado pela doutrina ao considerar que a franquia, quando seja válida a sua contratação, não é, em regra, oponível ao lesado, como, igualmente, pela jurisprudência e pelos Tribunais Superiores, referindo-se a título meramente enunciativo:

– acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.11.2019, Relator: Moreira do Carmo «a seguradora e o advogado, ambos RR, no contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória, relativa a actividade profissional de advogado, acordaram numa franquia, a cargo do advogado, num determinado montante, cláusula, todavia, não oponível a terceiros lesados, a seguradora não tem direito a ver deduzida tal franquia do montante em que foi condenada a indemnizar a A.»;

– acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.05.2015 «tratando-se de seguro obrigatório de responsabilidade civil, dispondo o terceiro de acção contra a seguradora, deverá esta indemnizar com base na reclamação daquele, a quem é inoponível a excepção da falta de participação referida em III, sem prejuízo do direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar»; de 17.10.2019: Relatora: Catarina Serra «o seguro de responsabilidade civil profissional do advogado é um seguro obrigatório - art° 104° E.O.A. II - Desta forma, a previsão de uma franquia no contrato de seguro de responsabilidade civil profissional do advogado, celebrado entre tomador e seguradora, não é oponível ao lesado Autor, nos termos do disposto no art° 101° n°4 LCS”» e, mais recente, de 17.11.2020 «Quando num contrato de seguro de Responsabilidade Civil se está perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), a cláusula em causa afasta a regra geral de delimitação da responsabilidade ao tempo de vigência do contrato. (...) A responsabilidade da Seguradora deve ser limitada ao capital seguro (€150 000,00), sem a devida dedução da franquia contratualmente estabelecida, por esta não ser oponível a terceiros lesados».

Sendo assim, não deve ser deduzido no pagamento da indemnização pela 2.ª ré a quantia de € 5.000,00 correspondente à franquia, devendo a mesma suportar o pagamento integral da quantia indemnizatória fixada.

As custas dos recursos interpostos configuram encargo das recorrentes e recorridas nas proporções dos respectivos decaimentos, o que se extrai dos arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.


*

Sumariando:

1. A responsabilidade civil do advogado pode resultar quer da violação da obrigação principal decorrente do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente ou da sua nomeação como patrono, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo Estatuto da Ordem do Advogados, sendo seus pressupostos a conduta ilícita do réu-advogado – consistente na inexecução ou execução defeituosa do mandato –, a culpa, a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e tal acção/omissão ilícitas.

2. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022 uniformizou jurisprudência obrigatória no sentido de, no dano da perda de chance processual, para haver lugar a indemnização, caber ao lesado o ónus da prova da consistência e seriedade dessa chance.

3. Para apurar o dano da perda de chance há que realizar, primeiro, o julgamento dentro do julgamento, que consiste num juízo de prognose póstuma através do qual se pretende alcançar a decisão hipotética que o processo judicial teria tido, sem a falta do mandatário/advogado, devendo o tribunal da acção de indemnização adoptar a perspectiva do tribunal que decidiu o processo primitivo, reconstituindo o curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo.

4. Se uma advogada, devidamente notificada, não apresentou réplica a uma reconvenção, nem transmitiu à sua cliente o teor dessa reconvenção, não lhe solicitando quaisquer esclarecimentos ou documentação adicional, tendo tomado essas decisões sem o conhecimento e/ou consentimento da cliente, além de lhe ter omitido as consequências e efeitos jurídicos da revelia que, por sua exclusiva culpa, conduziram à condenação de preceito da sua cliente, está inequivocamente demonstrada a prática, pela advogada, de um facto ilícito e culposo.

5. Concluindo-se, após realizar o julgamento dentro do julgamento pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade civil da advogada – ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à sua conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada –, proceder-se-á, num segundo momento, à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566.º, n.º 2, do Código Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 deste mesmo artigo.

6. O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória e no confronto das cláusulas previstas nas condições particulares da apólice desse contrato de seguro com a norma imperativa do art. 101.º, n.º 4, da Lei do Contrato de Seguro, prevalece esta última, pelo que não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as excepções de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora.


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Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

Em julgar parcialmente procedente a apelação da autora/recorrente, e, em consequência, alterar a sentença recorrida, condenando solidariamente as rés/recorridas ao pagamento de € 5000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, confirmando-se no demais a decisão da 1.ª instância.

            – Em julgar integralmente improcedentes os recursos da 1.ª e da 2.ª rés.

Custas da apelação da autora pela recorrente e pelas rés recorridas, na proporção dos seus decaimentos.

Custas das apelações das rés pelas respectivas recorrentes.


Coimbra, 18-02-2025

Luís Miguel Caldas

Cristina Neves

Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Cristina Neves e Dr. Hugo Meireles.
[2] Publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 26-01-2022, pp. 20-42.
[3] Cf. fls. 487 do suporte físico do processo.
[4] Fls. 445 do suporte físico do processo.