Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | PENA DE MULTA SUBSTITUIÇÃO POR TRABALHO CORRESPONDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 01/19/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE BAIXO VOUGA, AVEIRO – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 3 – 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 48º,49º, 2,58º,3 | ||
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Sumário: | O artigo 48º, nº 2 do Código Penal quando remete para a correspondente aplicação do artigo 58º, nº 3 não deve ser interpretado no sentido de que a cada dia de multa corresponde um dia de trabalho mas deve ser considerada a correspondência estabelecida no artigo 49º, nº 1 entre multa e prisão com a prévia redução do tempo a dois terços para cálculo das horas de trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. Relatório No processo comum singular 2249/08.9PTAVR da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro – Juízo de Média Instância Criminal – Juiz 3, o arguido S... foi condenado por sentença transitada em julgado em 13.5.2010, pela autoria de um crime de desobediência, na pena de 60 dias de multa. O arguido requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade. Por despacho proferido em 15.9.2010, a Mmª Juiz a quo decidiu substituir a pena de multa em que o arguido foi condenado por 40 horas de trabalho a favor da comunidade. Inconformado com este despacho dele recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Pela prática de um crime de desobediência, foi o arguido S... condenado na pena de sessenta dias de multa, à razão diária de € 6,00. 2. A requerimento do arguido, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade. 3. Assim, e "ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 3, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 48.º, n.º 2 do mesmo diploma" foi determinado que o arguido cumpra 40 (quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade, em substituição daquela pena de 60 dias de multa. 4. Com efeito, entendeu a Exma. Juiz que, tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 60 dias de multa, a que correspondem 40 dias de prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal), teria este de cumprir 40 horas de trabalho a favor da comunidade. 5. Entendemos que, no presente caso, não foi devidamente aplicado o disposto no citado artigo 48.°, n.º 2, do Código Penal. 6. Na verdade, quando aí se diz "é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3" quer-se dizer que este último normativo se aplica mutatis mutandis, ou seja, com as necessárias adaptações. 7. O que se pretende é que se aplique a regra da correspondência aí prescrita, ou seja, uma hora de trabalho para cada dia de multa. 8. Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48.°, n.º 2 que era aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, sem a palavra "correspondentemente". 9. Ao dizer expressamente e sem mais "é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.°, n.º 3, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deverá aplicar-se a regra e proporção aí referidas, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa). 10. A regra deverá ser, pois, a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.o 3, ou por força da remissão do artigo 48.°, n.º 2). 11. Não sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que "era aplicável o disposto no artigo 58.°, n.º 3, depois de feita a conversão do artigo 49.°, n.º 1". 12. Não tendo utilizado esta fórmula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuadas pela Exma. Juiz. 13. Assim, a decisão recorrida deveria ter ordenado o cumprimento, não de 40 horas de trabalho, mas antes, de 60 horas de trabalho. 14. Não o tendo feito, entendemos que violou o disposto no citado artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal. Nos termos expostos e nos demais que V. Exas. Doutamente suprirão, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a substituição da pena de 60 dias de multa aplicada ao arguido S..., pela prestação de 60 horas de trabalho a favor da comunidade, far-se-á Justiça. Notificado, o arguido não respondeu ao recurso. A Mmª Juiz a quo manteve a decisão recorrida e admitiu o recurso interposto. Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento. Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo havido resposta. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, importando apreciar e decidir. *** II. Fundamentos da Decisão Recorrida O despacho recorrido é do seguinte teor: S... foi neste processo condenado pela prática de crime de desobediência, por sentença de 12.04.2010, transitada em julgado em 13.05.2010, na pena de 60 dias de multa à razão diária de € 6,00. Antes de iniciado o prazo para pagamento voluntário da multa, requereu a substituição da mesma por trabalho a favor da comunidade (fls. 76). O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser deferida a requerida substituição por dias de trabalho, nos termos de fls. 79 e 99. Foi solicitado aos Serviços de Reinserção Social a realização de relatório, que consta de fls. 91 e seguintes, de acordo com o qual, além do mais, o arguido e seu agregado familiar têm condição económica difícil, o arguido completou o 7º ano de escolaridade, já trabalhou como pintor de construção civil e desempenha trabalhos ocasionais de recolha de sucata, será portador de um "pacemaker" e manifesta disponibilidade e vontade para prestar trabalho, sendo que pela Junta de Freguesia da K... (área de residência do arguido) foi já expressa disponibilidade para dar ocupação ao arguido em pequenos trabalhos de limpeza de espaços públicos, eventual guarda de equipamentos e instalações sob tutela da Junta ou outros trabalhos para os quais denote capacidades físicas e profissionais. Atento o teor da referida informação dos Serviços de Reinserção Social, bem como o considerado na sentença acerca da situação do arguido (cfr. fls. 70 e 73), afigura-se que a substituição da multa por trabalho realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral e especial que no caso se suscitam, nada obstando à substituição da multa por trabalho nos termos do artigo 48º, n.º1, do Código Penal. Estabelece o n.º 2 do citado artigo 48º que "é correspondentemente aplicável o disposto n.ºs 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º". Nos termos de tais disposições, "para efeitos do disposto no n.º 1 [substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade], cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas", "o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável"; "a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses": Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a aplicação "correspondente" do disposto no citado n.º 3 do artigo 58º do Código Penal (por remissão pelo artigo 48º, n.º2) não equivale à conversão de cada dia da pena de multa em uma hora de trabalho a favor da comunidade. Com efeito, afigura-se que tal resultado conflituaria com a necessária unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9º, n.º1, do Código Civil), considerando a correspondência legalmente estabelecida entre a pena de multa e a eventual prisão subsidiária (esta equivalente ao número de dias daquela reduzido a 2/3 - artigo 49º, n.º1, do Código Penal), sendo que no presente caso, em que foi aplicada a pena de 60 dias de multa, o eventual incumprimento de tal pena poderia implicar a conversão da mesma em 40 dias de prisão. A 40 dias de prisão, de acordo com o critério legal estabelecido no artigo 58º, n.º3 (norma de que resulta que são legalmente equiparáveis punições de um dia de privação da liberdade e de uma hora de prestação de trabalho a favor da comunidade), corresponderiam 40 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade. A consideração da diversa natureza dogmática da pena (principal) de prisão a substituir por trabalho nos termos do artigo 58º do Código Penal e da prisão subsidiária que hipoteticamente poderia substituir a pena (principal) de multa não pode fazer esquecer que em qualquer das hipóteses, "(. . .) na sua execução, quer uma quer outra têm exactamente o mesmo conteúdo material ( .. ): a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo"(Acórdão da Relação de Coimbra de 09.12.2009 - em que se aprecia questão diversa - que pode ler-se em www.dgsi.pt/jtrc com o n.º de processo 126/05.4GTCBR.C1). Ora - sempre ressalvando o devido respeito por diverso entendimento - não se afigura coadunável com o princípio da unidade do sistema jurídico e a presunção de (além do mais) coerência das soluções legislativas (artigo 9º, n.º1 e n.º3, do Código Civil) aceitar que da remissão pelo artigo 48º, n.º3, para o artigo 58º, n.º3, possa resultar a conversão da pena de 60 dias de multa em 60 horas de trabalho (como resultaria da interpretação de tal remissão como implicando que aqui devesse ler-se que para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 48º [substituição, a requerimento do condenado, da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade] cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas). Com efeito, a 60 dias de multa a lei equipara 40 dias de privação da liberdade e a mesma lei a 40 dias de prisão equipara 40 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade. Pelo exposto, decide-se substituir a pena de multa em que S... foi condenado no presente processo por 40 (quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar executando para a Junta de Freguesia da K... tarefas em pequenos trabalhos de limpeza de espaços públicos, eventual guarda de equipamentos e instalações sob tutela da Junta, ou outros trabalhos para os quais denote capacidades físicas e profissionais, trabalho esse a prestar entre as segundas e as sextas-feiras e entre as 09.30 e as 17.30 horas, em datas e horários a ajustar (dentro daqueles limites) com a entidade beneficiária do trabalho quando se iniciar a respectiva prestação. Comunique-se, nos termos do artigo 490º, n.º 3, do Código de Processo Penal, sendo o arguido com a advertência de que deverá no prazo máximo de cinco dias após trânsito desta decisão apresentar-se perante a Equipa do Baixo Vouga da Direcção-Geral de Reinserção Social, devendo esta entidade informá-lo da data exacta em que iniciará a execução da pena (faça-se constar da notificação ao arguido todos os elementos necessários à contagem do prazo de apresentação). Notifique-se Ministério Público e II. Defensor. *** III. Apreciação do RecursoComo é jurisprudência constante e pacífica, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. o Acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro). Resulta das conclusões do recurso interposto e acima transcritas que no caso em apreço se suscita apenas a questão de saber se o artigo 48º, nº 2 do Código Penal quando remete para a correspondente aplicação do artigo 58º, nº 3 deve ser interpretado no sentido de que a cada dia de multa corresponde um dia de trabalho (tese do recorrente) ou, porque o artigo 58º, nº 3 se refere apenas à pena de prisão deve ser considerada a correspondência estabelecida no artigo 49º, nº 1 entre multa e prisão com a prévia redução do tempo a dois terços para cálculo das horas de trabalho. Apreciando:
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