Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1233/24.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA
URGÊNCIA
JUSTO RECEIO
MURO DE SUPORTE
PRÉDIOS CONFINANTES
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 419.º E 420.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A produção antecipada da prova pode ser intraprocessual, constituindo um incidente de uma acção, ou extraprocessual, enquanto procedimento autónomo, tendo por objectivo, em qualquer um dos casos, garantir o direito à prova de factos relativos a um direito e destinando-se a possibilitar a constituição da prova antecipadamente.

II – Exige-se como requisito específico da produção antecipada de prova o justo receio de que a prova se possa tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil, requerendo-se para o seu deferimento um juízo de prognose sobre essa impossibilidade ou dificuldade.

III – Na eventualidade da antecipação da prova ser anterior à propositura de uma acção, o requerente tem o ónus de identificar o pedido e a causa de pedir dessa futura acção, devendo, em regra, identificar a pessoa contra quem pretende utilizar a prova, para que esta possa estar presente no momento da sua produção e exercer o contraditório.

IV – Justifica-se a produção antecipada de prova, previamente à instauração de uma acção, se a separar dois prédios confinantes existe um muro de suporte, destinado a conter terras, o qual não sofre quaisquer obras de conservação, manutenção ou recuperação há várias décadas e se a protecção civil vistoriou o local e concluiu que “o muro apresenta sinais de deformação «barriga» o que pode indicar um risco de queda e desmoronamento que pode causar danos na habitação confinante” referindo, adicionalmente, que existe “um sério risco de queda”, para mais aproximando-se o período de inverno, e se na futura acção se pretende, além do mais, a condenação do seu proprietário na reposição do muro ao seu estado original.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção)[1],


A..., Lda., veio requerer a produção antecipada de prova, contra AA e mulher BB, todos devidamente identificados, consistente na realização de prova pericial para verificação do estado de iminente ruína/desmoronamento de um muro que separa as propriedades da requerente e dos requeridos, concluindo da seguinte forma:
Nestes termos e nos mais de Direito, ao abrigo do disposto no artigo 419.º e seguintes do Código de Processo Civil, requer-se seja ordenada a produção antecipada de prova aqui requerida, concretamente a realização de perícia colegial, nos termos do que dispõem os artigos 467.º e seguintes, 477.º e 478.º, todos do Código de Processo Civil, para prova dos factos alegados nos artigos 1.º a 22.º deste articulado, indicando a requerente, desde já, como perito, CC, viúvo, engenheiro civil, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... ..., perícia essa que terá por objeto o dito muro de suporte e as terras que o mesmo contém, enunciando-se, para o efeito, conforme prescreve o número 1 do artigo 475.º do CPC, as seguintes questões de facto (quesitos) que a requerente pretende ver esclarecidas:
(i) Qual o estado em que se encontra o muro de suporte dos autos?
(ii) Tal muro encontra-se em estado de iminente ruína e, ou desmoronamento?
(iii) Quais as patologias que evidencia o referido muro?
(iv) Quais as causas ou as origens de tais patologias?
(v) Quais as obras ou os trabalhos de reparação de que o muro dos autos carece tendo em vista evitar que rua ou se desmorone?
(vi) Quais as obras ou os trabalhos necessários executar se, entretanto, antes de executadas quaisquer obras, o dito muro ruir ou se desmorone?
(vii) A ruína ou desmoronamento do muro é suscetível de provocar danos na propriedade da requerente e, em caso afirmativo, quais?
PROVA para a presente produção antecipada de prova, no caso de se reputar necessária a produção de prova no âmbito da presente produção antecipada de prova, nomeadamente tendo em vista apurar-se a necessidade da mesma:
Inspeção Judicial:
No caso de se reputar necessária a produção de prova no âmbito da presente produção antecipada de prova, nomeadamente tendo em vista apurar-se a necessidade da mesma, requer-se a inspeção judicial ao muro dos autos, conforme previsto no artigo 490.ª do mesmo compêndio normativo, tendo em vista para se verificação judicial do iminente estado de ruína do muro de contenção de terras referido.
Testemunhas:
No caso de se reputar necessária a produção de prova no âmbito da presente produção antecipada de prova, nomeadamente tendo em vista apurar-se a necessidade da mesma, requer-se a inquirição das seguintes testemunhas (testemunhas cuja notificação, para comparecerem em juízo ou para serem inquiridas através de videoconferência, a fim de prestarem depoimento em audiência de julgamento, se requer ao abrigo do disposto nos artigos 498.º, n.º 1, 502.º, n.º 1 e 507.º, n.º 2, todos do CPC): (…)” (sic).


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Os requeridos responderam invocando, em síntese, que o “muro tem dezenas/centenas de anos e nunca foi posto em causa a sua solidez – e, foi na sequência dum acto de ocorrência levada a cabo pela “Protecção Civil Municipal” levado ao conhecimento dos Requeridos pela Requerente, auto esse de 09.10.2023 que estes tiveram conhecimento desta factualidade (…)”, pelo que a requerente tem conhecimento do estado do muro, pelo menos, desde a data em que adquiriu o seu imóvel (2021), e somente agora, depois de decorrido um ano sobre o alerta da protecção civil é que instaura o presente pedido, pelo que só por omissão ou desleixo é que vem agora alegar urgência, persistindo tal situação há anos, de forma consecutiva.
Para além de considerarem que a requerente não logrou demonstrar a urgência da produção antecipada de prova, os requeridos impugnaram alguma da factualidade.
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Por decisão judicial de 30 de Setembro, p.p., o tribunal a quo, após enquadrar sumariamente o instituto da produção antecipada de prova, escreveu:
“Revertendo ao caso concreto, embora a Requerente refira a iminência de desmoronamento do aludido muro – por referência ao qual pretende a perícia – não alega os factos sobre os quais alcançou essa conclusão.
Efectivamente, ainda que se considere a alegada falta de obras de conservação, manutenção ou recuperação do muro, bem como o facto de o mesmo se apresentar desaprumado para a face exterior, em cerca de 17 centímetros, evidenciando uma forma convexa; tais factos não são idóneos a demonstrar – por não serem causa-efeito de um desmoronamento iminente do muro – uma urgência de obtenção de prova que não se compadeça com a propositura e subsequente tramitação da acção que a Requerente pretende instaurar contra os Requeridos, sendo aí o momento oportuno para requerer a produção da prova em causa.
Na verdade, apesar de no requerimento inicial ter a Requerente demonstrado a potencialidade de o muro poder vir a desmoronar no caso de não vir a ser reparado, nenhum dos factos alegados faz necessariamente concluir que o aludido risco de ruína é iminente e que, por isso, não se compadece com a tramitação de uma acção judicial que a Requerente ainda nem sequer intentou e já o poderia ter feito; não se alcançando, também, tal conclusão com recurso a presunções baseadas na experiência da vida comum.
Para além do mais, veja-se que este procedimento não poderá servir para acautelar a obtenção de determinada prova com vista a viabilizar à Requerente o recurso à acção directa de forma a reparar, a suas expensas, o muro propriedade dos Requeridos, submetendo-o a obras de conservação, e, após, recorrer à acção judicial para peticionar o pagamento dos custos que, para tal, suportou.
Conforme referido supra, por revestir carácter de excepcionalidade, o incidente de produção antecipada de prova apenas está previsto para dar cobro às situações de urgência ou necessidade de preservar prova pelo risco da sua perda ou criação de intolerável dificuldade na sua obtenção – perigo esse que tem que resultar evidente dos factos e da prova apresentada, o que não ficou demonstrado.
Pelo exposto, indefere-se a requerida antecipação da produção da prova pericial por se julgar não estar devidamente justificada”.

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Inconformada, recorreu a requerente para este Tribunal da Relação, alinhando as seguintes conclusões na apelação:
              “A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 30.09.2024, que indeferiu a produção antecipada de prova requerida pela Recorrente;
B) A decisão judicial recorrida não pode ser mantida, porquanto, não pode a ora Recorrente conformar-se de que não demonstrou o periculum in mora na prova que pretende antecipar;
C) A Recorrente alegou factos que não foram tidos em conta na decisão recorrida, e que são, de forma clara, idóneos a demonstrar a urgência na obtenção antecipada da prova requerida, para além de serem, todos eles, causa-efeito do desmoronamento iminente do aludido muro;
D) A Recorrente alegou e provou factos bastantes que demonstram a necessidade de antecipar a prova requerida, bem como o fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil realizar a correspondente prova no momento normal em que ela se devia produzir;
E) Existindo a premência de desmoronamento do muro, torna-se impossível de, na ação principal a propor, verificar o estado em que o muro se encontra atualmente, quais as patologias que o mesmo evidencia, a origem dessas patologias e até mesmo atribuir-lhe os danos que a respetiva ruína possa provocar;
F) A não produção imediata da prova requerida pode vir a comprometer, no futuro, aquando da propositura da ação, a apreciação da sua existência, extensão e significado, atendendo à grande dificuldade de, então, obter a produção da prova indispensável para tanto;
G) A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que defira a produção antecipada de prova requerida, porquanto a Recorrente demonstrou a totalidade dos requisitos indispensáveis para a procedência da produção antecipada da prova requerida;
Isto porque:
H) A decisão judicial recorrida viola o disposto no artigo 419.º e nos números 1 e 2 do artigo 420.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos demais de Direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, a sentença proferida nos autos, pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por decisão que defira a produção antecipada de prova requerida, como é de inteira JUSTIÇA”.
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              A. Fundamentação de facto.
Por prova documental, admissão por acordo e por ser facto notório, está provada a seguinte factualidade (cf. art. 607.º, n.º 4 ex vi art. 663.º, n.º 2, do CPC):
1. A requerente tem inscrito a seu favor o direito de propriedade sobre um prédio urbano, sito em ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...30 da freguesia ..., concelho ..., distrito ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...22, daquela freguesia, com a área total de 3520 m2.
2. A 24 de Novembro de 2021, foi emitido pela Câmara Municipal ..., o alvará de autorização de utilização n.º ...1, autorizando a edificação de uma moradia unifamiliar com rés-do-chão, com a área de 571,69 m2, 5 lugares de estacionamento e piscina de 57,60m2.
3. A norte do referido prédio, situa-se um prédio rústico que é propriedade dos requeridos.
4. Na parte em que confina com o prédio da requerente, o prédio rústico dos requeridos é constituído por um muro de suporte ou contenção de terras.
5. O muro integra o prédio rústico dos requeridos.
6. O muro é constituído por alvenaria de granito, com cerca de vinte metros de comprimento e cerca de cinco metros de altura.
7. O muro destina-se a conter as terras que compõem o prédio dos requeridos, tendo sido erigido de modo a permitir evitar que tais terras, situadas a cerca de cinco metros de altura do prédio da requerente, se desmoronem e caiam.
8. Desde há muitas décadas que o referido muro não sofre quaisquer obras de conservação, manutenção ou recuperação.
9. A Protecção Civil Municipal da ... emitiu, em 9 de Outubro de 2023, o Relatório de Ocorrências  n.º ...32, com o seguinte teor na parte relevante:



10. As condições atmosféricas no decurso do Outono/Inverno, traduzem-se, por regra, num aumento da pluviosidade.

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A questão a decidir é uma só: indagar se estão ou não verificados, no caso concreto, os pressupostos legais para determinar a produção antecipada de prova.

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B. Fundamentação de Direito.
Os arts. 419.º e 420.º do Código de Processo Civil (CPC) regulam a produção antecipada da prova (prova ad perpetuam rei memoriam), nos seguintes termos:
– Artigo 419.º
“Produção antecipada de prova
Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação”.
– Artigo 420.º
              “Forma da antecipação da prova
1. O requerente da prova antecipada justifica sumariamente a necessidade da antecipação, menciona com precisão os factos sobre que há de recair e identifica as pessoas que hão de ser ouvidas, quando se trate de depoimento de parte ou de testemunhas.
2. Quando se requeira a diligência antes de a ação ser proposta, indica-se sucintamente o pedido e os fundamentos da demanda e identifica-se a pessoa contra quem se pretende fazer uso da prova, a fim de ela ser notificada pessoalmente para os efeitos do artigo 415.º; se esta não puder ser notificada, é notificado o Ministério Público, quando se trate de incertos ou de ausentes, ou um advogado nomeado pelo juiz, quando se trate de ausentes em parte certa”.
A produção antecipada da prova pode ser intraprocessual, i.e., constituir um incidente de uma acção, ou extraprocessual, enquanto procedimento autónomo, tendo por objectivo, em qualquer um dos casos, garantir o direito à prova de factos relativos a um direito e destinando-se a possibilitar a constituição da prova antecipadamente.
Conforme escreve Miguel Teixeira de Sousa, “[e]m concreto: em vez de a prova ser produzida durante a instrução da causa – como acontece com a prova pericial e a prova por inspecção judicial – ou na audiência final – como sucede com a prova por depoimento de parte e com a prova testemunhal (art. 604.º, n.º 3, al. a) e d)) –, essa produção é antecipada para antes da propositura da acção ou para um momento anterior da tramitação da causa”Código de Processo Civil Online, 2024, Livro II, p. 35.
Para a produção antecipada de prova exige-se, como requisito específico, o justo receio de que a sua produção se possa tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil, pelo que o seu deferimento requer um juízo de prognose sobre essa impossibilidade ou dificuldade.
Na senda da lição de Alberto dos Reis, a impossibilidade ou a dificuldade da produção da prova tem de decorrer de razões objectivas reconduzíveis a casos de força maior, de que dá os seguintes exemplos: “Tratando-se de prova por inspecção (…), o justo receio traduz-se no perigo de se apagarem os vestígios dos factos que se pretendem verificar. Tratando-se de prova por depoimento, o justo receio pode resultar: a) da iminência ou risco de morte da pessoa cujo depoimento se pretende obter; b) da idade avançada dessa pessoa; c) de doença grave que ela esteja sofrendo e que seja susceptível de a impossibilitar de depor; d) da previsão de ausência do depoente” –  Código de Processo Civil anotado, III, 1950, p. 332.
O n.º 1 do art. 420.º do CPC define o regime geral aplicável a qualquer produção antecipada da prova, e o n.º 2 define o regime aplicável quando a acção está proposta ou quando isso ainda ocorreu.
Em qualquer das situações, o requerente tem de justificar sumariamente a necessidade da antecipação, demonstrando, a verosimilhança/plausibilidade de que a sua produção posterior será impossível ou muito difícil, devendo indicar, de forma objectiva, os factos sobre os quais recairá a produção da prova e, se for o caso, identificar a parte ou as testemunhas que devem ser ouvidas.
Na eventualidade da antecipação da prova ser anterior à propositura da acção, o requerente tem o ónus de mencionar o pedido e a causa de pedir da futura acção, devendo, em regra, identificar a pessoa contra quem pretende utilizar a prova, para que esta possa estar presente no momento da sua produção e exercer o contraditório, tal como decorre da leitura concertada dos arts. 420.º, n.º 2, 1.ª parte, e 415.º, n.º 2, do CPC.[2]
Importa sublinhar, como anota Miguel Teixeira de Sousa – op. cit. p. 37:
“O controlo do tribunal no qual é requerida a produção da prova é bastante restrito. Para além de controlar a sua competência (mesmo a relativa: art. 104.º, n.º 1, al. a)) e a razão do justo receio invocado pelo requerente, cabe-lhe essencialmente excluir a prova ilícita e a prova proibida.
Verificados os requisitos estabelecidos no art. 419.º, a parte contra a qual se pretende utilizar a prova pode requerer no procedimento ou no incidente uma produção antecipada destinada a impugnar a prova produzida pela parte requerente ou a provar um facto impeditivo, modificativo ou extintivo”.
Revertendo ao caso em apreço.
A requerente veio alegar, em síntese, a seguinte factualidade:
(i) O prédio urbano da requerente e o prédio rústico dos requeridos, sitos em ..., ..., ..., confinam um com o outro, através de um muro de suporte ou contenção de terras existente no terreno dos segundos;
(ii) Esse muro, constituído por alvenaria de granito, com cerca de vinte metros de comprimento e cerca de cinco metros de altura, desde há muitas décadas que não sofre quaisquer obras;
(iii) O muro está desaprumado para a face exterior, em cerca de 17 centímetros, tendo a face uma forma convexa, faltando-lhe escassilhas nos interstícios das pedras ou juntas, e tem trepadeiras e arbustos enraizados;
(iv) O muro revela-se instável e na iminência de ruir, desmoronando, invadindo o prédio da requerente e destruindo tudo quanto neste esteja adjacente;
(v) Adjacente ao referido muro, encontra-se uma moradia e logradouro, que presentemente se encontra habitado, sendo susceptível de pôr em sério risco a vida de pessoas, para além de poder destruir parte do imóvel e de afectar seriamente a estabilidade do mesmo;
(vi) Durante o tempo que demorará a obter decisão judicial numa futura acção declarativa de condenação que instaurará contra os requeridos, a fim de obter a reposição do muro ao seu estado original, devolvendo-lhe estabilidade, reparando-o, ou suportando os respectivos custos, tal ruína e desmoronamento inevitavelmente ocorrerá se tais obras não forem executadas prontamente;
(vii) Para ter sucesso nessa acção, a requerente terá de demonstrar em juízo o estado actual do referido muro, a origem das patologias de que o mesmo presentemente padece e, simultaneamente, o trabalho que é necessário executar tendo em vista conservar o muro e evitar o respectivo desmoronamento;
(viii) O decurso do tempo, a que se somam as condições atmosféricas, com o aumento da pluviosidade, com chuvas que se espera no Outono e no Inverno que se avizinham, e até mesmo a própria gravidade, contribuem para a ruptura do muro.
(ix) Existe o fundado receio de se vir a tornar impossível a verificação do estado em que se encontra o muro de suporte através de uma perícia, atento o facto de o aludido muro se encontrar na iminência de ruir a qualquer momento.
Como é ostensivo a factualidade acima narrada pela requerente, e aquela que está apurada, é demonstrativa de que estão reunidos os pressupostos legais suficientes para determinar a produção antecipada de prova, nos termos em que foram peticionados, consistente na realização de perícia colegial, porquanto os prédios da requerente e dos requeridos, sendo confinantes a Norte do prédio da primeira, evidenciam que, no prédio dos segundos, existe um muro de suporte, constituído por alvenaria de granito, com cerca de vinte metros de comprimento e cerca de cinco metros de altura, que se destina, precisamente, a conter as terras que compõem esse prédio, evitando que as terras se desmoronem e caiam, sendo certo que há muitas décadas, confessadamente, tal muro não sofre quaisquer obras de conservação, manutenção ou recuperação.
Acresce que, há cerca de um ano, a Protecção Civil Municipal da ... fez uma vistoria ao local tendo concluído que “o muro apresenta sinais de deformação «barriga» o que pode indicar um risco de queda e desmoronamento que pode causar danos na habitação confinante” (da requerente), acrescentando que havia “um sério risco de queda” (sic).
Mais alegou a requerente que pretende intentar acção de condenação sob a forma de processo comum contra os requeridos, com vista à reposição do muro ao seu estado original, devolvendo-lhe estabilidade, reparando-o, ou suportando os respectivos custos.
O facto da requerente não ter, de imediato, encetado aquela acção e só agora, decorrido mais de um ano, vir pedir a produção antecipada de prova, não alija, de forma alguma, a situação de perigosidade relatada (e demonstrada) a qual, aliás, é presumível que se agrave com o passar do tempo e, especialmente, em face do habitual agravamento das condições atmosféricas no decurso do Outono/Inverno, com um expectável aumento da pluviosidade.
A gravidade da situação, aliada ao risco do seu agravamento e em especial o receio de mais tarde – no decurso de acção a instaurar – ser muito difícil ou até impossível fazer prova do estado em que o muro está(va), permite dizer que o periculum in mora está demonstrado e justificado ab initio.
Nestes termos, procede o recurso, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a produção antecipada de prova nos termos que vêm solicitados.
Por se terem oposto à produção de antecipada de prova, são os requeridos responsáveis pelo pagamento das custas do recurso – cf. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.

*
Sumariando:
(…).

Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que admitida a produção antecipada de prova nos sobreditos termos.
Custas pelos recorridos, nos termos do artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC.

Coimbra, 11-12-2024

Luís Miguel Caldas

Anabela Marques Ferreira

           Francisco Costeira da Rocha




[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Anabela Marques Ferreira e Dr. Francisco Costeira da Rocha.
[2] Se não for possível notificar o futuro réu, dever-se-á atender ao prescrito na 2.ª parte do n.º 2 do art. 420.º.