Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREITAS NETO | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA AVALIAÇÃO SOLOS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS | ||
Data do Acordão: | 11/18/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CELORICO DA BEIRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.º 26 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES | ||
Sumário: | 1. Tendo em conta o condicionalismo actual, tendente para uma quebra notória da procura conjugado com o incremento da oferta, que vem caracterizando o mercado dos solos com aptidão construtiva fora dos grandes centros urbanos, não repugna que, na avaliação da sub-parcela 2.1 e da área sobrante como solo apto para a construçã, se introduza factor correctivo de 15%, correspondente ao custo de construção (nº 6 do art.º 26), por o mesmo se afigurar consentâneo com o elevado risco comercial desse mercado. 2. Na determinação do valor das benfeitorias, designadamente dos poços existentes nas parcelas,afigura-se-nos preferível a opção pela metodologia de carácter transparente dos peritos, que, partindo de várias premissas enunciadas, chega a um valor bruto total, em detrimento do insondável caminho percorrido pelos Senhores árbitros, que apresenta um valor mediante um método praticamente ininteligível. 3. No cálculo do valor do solo da parcela do prédio destinado à cultura agrícola ou agro-florestal faz todo o sentido que a perda do rendimento lenhoso não seja atendível uma vez que a compensação pela perda das árvores já foi contabilizada na determinação do correspondente valor. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Nos autos de expropriação por utilidade pública, a correr termos pelo 1º Juízo da Comarca de Águeda, em que é Expropriante o Instituto de Estradas de Portugal e são Expropriados A.... e B... , foi adjudicada ao Expropriante a propriedade das parcelas n°s 2.1. e 2.2. da Obra A25/IP5 Mangualde-Guarda – Sublanço Fornos de Algodres / Ratoeira Nascente, sitas em Pomar, freguesia de Açores, concelho de Celorico da Beira, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o art. 989° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Celorico da Beira como prédio urbano com o n.° 575/20050812, cuja utilidade pública foi declarada com carácter de urgência por despacho datado de 11/08/03, publicado no DR n.º 205 - II Série, de 05.09.03. O valor atribuído pelos árbitros, em função da qualificação das parcelas, uma como solo apto para construção, a outra como solo para outros fins (espaço natural) foi de € 39.400,00, já depositado nos autos, conforme fls. 135 e 136. Expropriante e o Expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral, por discordarem do valor atribuído, pretendendo que o mesmo fosse fixado, respectivamente, em € 201.654,82 e € 23.989,84.
Os Peritos divergiram na avaliação das parcelas. Assim, os três Peritos nomeados pelo tribunal optaram pelo valor de € 33.718,97. A Perita dos Expropriados propendeu para a avaliação das áreas expropriadas em 128.114,77, ao passo que o Perito da Expropriante firmou o seu laudo em € 27.911,00.
Na sentença veio a atribuir-se o valor global final da indemnização de € 44.358,97, a actualizar "de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor publicado pelo INE desde 05-09-2003 até 11-01-2007 e, a partir desta data, sobre a quantia de vinte mil trezentos e sessenta e nove euros e treze cêntimos (€ 20.369,13) até à data da decisão final do processo".
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Expropriante IEP, admitido como apelação, a subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
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A apelação. No recurso o apelante IEP, termina as respectivas alegações enunciando um conjunto de conclusões em que restringe o objecto do conhecimento desta Relação - art.ºs 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC – às questões de saber se:
1º - Há que aplicar sobre o valor do metro quadrado de construção na parcela 2.1 e na área sobrante depreciada o factor correctivo de 15%, correspondente à inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva; 2º - Deve ser corrigido para o montante do relatório pericial maioritário o valor atribuído pela sentença aos poços existentes nas parcelas, computado nas benfeitorias a indemnizar; 3º - Importa não valorizar autonomamente as árvores existentes na parcela 2.2, dado que elas contribuem para o rendimento líquido que serve de base ao cálculo do valor do solo.
Os Expropriados contra-alegaram, pugnando pela manutenção da indemnização fixada na sentença.
Sobre a aplicação do factor correctivo do art.º 26, nº 10 do CE.
O recorrente não controverte a classificação dos solos das parcelas pelo acórdão arbitral, pelos peritos e pela sentença. Nestas conclusões, pugna a apelante tão só pelo abatimento, no cômputo do valor da sub-parcela 2.1 e da parte do prédio depreciada, dos montantes relativos aos custos com a organização (infra estruturas, projectos e licenciamento), marketing, impostos, etc., ao valor achado pelos peritos, ao abrigo do disposto no art.º 26, nº 10 do CE aplicável, aprovado pela Lei nº 168/99 de 8/09, cujo texto é o seguinte: "O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto de um factor correctivo pela inexistência de risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação". Vejamos.
Nos termos do nº 4 do art. 26 do CE "Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.°2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes". Nos números subsequentes regula-se um conjunto de factores que modificam a percentagem base de 15% atribuída ao valor do solo por referência ao custo de construção (nº 6 do art.º 26). Um desses factores é, precisamente, o da ausência de risco e esforço inerente à actividade construtiva, elemento que se destina a colocar o expropriado numa situação de custo semelhante ou próxima daquela que lhe adviria se tivesse de promover a venda do solo no mercado. Não emerge do complexo fáctico a atender que qualquer das parcelas já se encontrasse, à data da declaração de utilidade pública, ou mesmo da avaliação dos peritos, com algum dos mencionados itens do processo de urbanização e comercialização. Por outro lado, nem o laudo dos peritos pressupôs, nem a lei previu que a avaliação do imóvel expropriado deveria ter por objecto o respectivo solo com construção projectada e licenciada, pronta a ser comercializada (o que só seria compreensível se essa situação já então se verificasse). O loteamento, sendo caso disso, e, bem assim, o licenciamento construtivo, quando ainda inexistentes à data da DUP, são mesmo requisitos essenciais a ter em conta na valorização de um terreno para construção, embora esta dependa, naturalmente, dos interesses e objectivos casuísticos de cada utilizador, sendo o respectivo investimento nesse domínio algo aleatório e mesmo impossível de quantificar em abstracto. Do que se trata nos presentes autos é do cálculo do valor bruto para fins edificativos, a que apenas se devem descontar a percentagem atinente ao risco e esforço construtivo, até 15% (nº 10 do art.º 26 do CE) e, eventualmente, o encargo com a necessidade de reforço ou complemento das infra estruturas já existentes (nº 9 do art.º 26 do mesmo Código). No entanto, tendo em conta o condicionalismo actual, tendente para uma quebra notória da procura conjugado com o incremento da oferta, que vem caracterizando o mercado dos solos com aptidão construtiva fora dos grandes centros urbanos, não repugna que, na avaliação da sub-parcela 2.1 e da área sobrante, se introduza o mencionado factor correctivo de 15%, por o mesmo se afigurar consentâneo com o elevado risco comercial desse mercado. Pelo que se atende a questão suscitada, atinente à aplicação da referida percentagem do proposto factor correctivo.
Sobre a determinação do valor das benfeitorias, designadamente dos poços existentes nas parcelas.
Os poços para fins agrícolas integram o conceito de benfeitorias úteis, segundo o conceito do art.º 216, nºs 2 e 3 do Código Civil, por se tratarem de melhoramentos que, embora não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor. O método valorativo que o colégio pericial maioritariamente sufragou tomou como premissas os custos de escavação por m3 – de € 20,00 o m3 para o poço forrado a pedra, de € 35,00 para o não forrado e de € 50,00 para o escavado na rocha – e de revestimento por m2 – a € 100,00 o m2 para o forrado a pedra – chegando, desse modo, a um valor total de € 5.520,00. O Acórdão Arbitral, por seu turno, limitou-se a apresentar os valores de € 12.000,00 para o poço empedrado, € 1000,00 para o não empedrado e € 2.500,00 para o escavado, mediante um método praticamente ininteligível. Neste quadro, e acompanhando o recorrente, afigurar-se-nos-ia preferível a opção pela metodologia de carácter transparente dos peritos, em detrimento do insondável caminho percorrido pelos Senhores árbitros, seguido sem mais pelo aresto recorrido. É que neste nem sequer aparece fundamentada a escolha do valor atribuído a estas benfeitorias pelo Acórdão Arbitral, e, muito menos, se consegue perceber a razão da rejeição das bases que, especificadamente – com maior ou menor fiabilidade - haviam conduzido à estimativa proposta pelo colégio pericial maioritário. Donde que também aqui sejam de acolher as conclusões do recurso.
Quanto ao cômputo do valor das árvores no "quantum" indemnizatório.
Insurge-se o apelante IEP contra a circunstância de haver dupla indemnização dos Expropriados relativamente à parcela 2.2, dado que o valor desta se baseou na aptidão para a produção florestal/pinhal e nesse valor está incluído o rendimento que adviria para aqueles das árvores, tornando incompatível e indevida a valoração própria e "a se" de cada uma destas, como se procedeu na sentença. Que dizer?
Na verdade, a sentença tomou em consideração a presença, na parcela agora em causa, de 4 sobreiros DAP 25, 30 sobreiros DAP 10, 12 pinheiros DAP 40, 12 pinheiros DAP 30, 10 pinheiros DAP 15 e 30 pinheiros DAP 10, imputando uma determinada importância pecuniária à perda de cada uma dessas árvores. Sendo também certo que, para a mesma parcela, levando em linha de conta o destino efectivo ou possível da mesma numa utilização económica normal, de acordo com o critérios enunciados nos art.ºs 25 e 27 do CE, concluiu aquela por um valor de € 1,28/m2, em função da possibilidade de se virem a "obter 10 m3 de madeira por hectare, a € 40,00 por m3, com 20 % de encargos de produção e uma taxa de capitalização de 3%". À luz da definição do art.º 216 do CC, uma árvore pode ser uma benfeitoria necessária, útil, ou até voluptuária, consoante o papel que concretamente desempenhe no prédio em que se localize. Num prédio destinado à cultura agrícola ou agro-florestal, as árvores integrarão a categoria de benfeitorias necessárias sempre que componham a respectiva estrutura produtiva, principal ou complementarmente. Apenas se não tiverem qualquer influência na capacidade produtiva do prédio é que deixarão de integrar esse conceito. Os sobreiros e os pinheiros em causa produziam madeira - e eventualmente cortiça – que constituía o rendimento efectivo do prédio, aliás já contabilizado na determinação do correspondente valor. Por isso, faz todo o sentido que a compensação pela perda das árvores enquanto tais não deva acrescer ou somar-se à da perda do respectivo rendimento lenhoso, pois que nenhuma outra função económica relevante aquelas podiam desempenhar.[1] Em consequência, mostram-se ajustadas as conclusões do recorrente no que concerne à vertente questão, devendo notar-se que, no cômputo global das benfeitorias (€ 11.360,00), não vêm impugnados no recurso os valores de € 3.200 e € 600, que a sentença imputou à arrecadação da sub-parcela 2.1. e à "rede ovelheira" da sub-parcela 2.2.
Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam em parte a sentença recorrida, fixando o valor a pagar pelo Expropriante pela sub-parcela 2.1 em € 13.401,00 (7.445,00x € 1,80/m2), pela desvalorização da área sobrante em € 1.053,00 (€1,80/m2 x 20% = €0,36/m2 x 2.925m2), pela sub-parcela 2.2 € 3.691,52, e pelas benfeitorias € 11.880,00, perfazendo a indemnização total de € 30.025,52, a actualizar nos precisos termos definidos na 1ª instância. Custas da apelação pelos apelados.
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