Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARLINDO OLIVEIRA | ||
Descritores: | QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA OCULTAÇÃO DE PATRIMÓNIO PESSOA AFETADA COM A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA CULPOSA | ||
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Data do Acordão: | 10/11/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 185.º, 186.º, N.º 2, ALÍNEA A), E 189.º, TODOS DO CIRE | ||
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Sumário: | I – Nas al.ªs a) a g) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE estão em causa factos/atos em que há um denominador comum de delapidação do património do devedor, existindo (em abstrato) um nexo lógico entre os respetivos factos/atos e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, âmbito em que o legislador se limitou a presumir a causalidade (que era latente) entre eles e a insolvência.
II – Não há ocultação de património da devedora, a que alude o art. 186.º, n.º 2, al.ª a), do CIRE, se os bens foram vendidos, por ocorrida diminuição da respetiva atividade, devido ao surgimento da pandemia Covid-19, mas o produto da venda deu entrada nas contas daquela e foi utilizado, na íntegra, para pagar aos seus credores, o que afasta a qualificação da insolvência como culposa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Arlindo Oliveira Adjuntos: Emídio Francisco Santos Catarina Gonçalves
Processo n.º 3078/21.0T8LRA-B.C1 – Apelação Comarca de Leiria, Leiria, Juízo de Comércio
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
Por sentença datada de 02.09.2021, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “M..., Unipessoal, L.da.”. *** Pelo credor “IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P.” foi apresentado requerimento requerendo a abertura do incidente de qualificação da insolvência, pugnando que seja declarada como culposa a insolvência de M..., Unipessoal, L.da., identificando o gerente, AA como a pessoa que deve ser afetada pela qualificação da insolvência. Com o fundamento em que o insolvente celebrou consigo um contrato de concessão de incentivos financeiros, tendo recebido a quantia de 372.263,97 €, destinada à aquisição de bens e equipamentos, que não podiam ser onerados ou vendidos sem a sua autorização. Contudo, quando foi declarada a insolvência da requerida, os bens em causa não faziam parte dos activos da sociedade insolvente, tendo sido alienados, sem o seu conhecimento e/ou autorização, a uma outra sociedade, cujo único sócio e gerente é irmão do gerente da insolvente, o que potenciou a situação de insolvência em que caiu a requerida. * Em consequência, pelo despacho proferido a 30.11.2021 foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência e ordenou-se o cumprimento do disposto no artigo 188.º, n. º3, do CIRE. *** A Exma. Administradora da Insolvência, emitiu o parecer a que alude o artigo 188.º, n.º 2, do CIRE, propondo a qualificação da insolvência como culposa, e identificou o gerente, AA como a pessoa que deve ser afetada pela qualificação da insolvência. Pugnou pela qualificação da insolvência por força do disposto no artigo 186.º, n. º 2, alíneas f) e g) e n.º 3, alínea a), do CIRE, resumidamente, com base na factualidade alegada pelo IAPMEI. Complementando o seu Parecer (cf. fl.s 168 e v.º), com o facto de já em 2019, a insolvente apresentar prejuízos no montante de 1.032,86 € e, em finais de 2020, de 407.472,98 €, só vindo o seu gerente a requerer a insolvência em 30 de Agosto de 2021. * Também o Digno Magistrado do Ministério Público, em sede de parecer, pugnou pela qualificação da insolvência nos termos das disposições conjugadas dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2 a), d) e f), do CIRE. Aduz, para tal, que a insolvente vendeu os seus equipamentos para outra sociedade, que desenvolvia idêntica actividade, com quem partilhava o mesmo espaço e cujo sócio e gerente era irmão do gerente da insolvente, por preços inferiores aos de mercado e colocando-se numa situação que a impossibilitou de levar a cabo a sua actividade, caindo em situação de insolvência e sem que o produto da venda tinha servido os interesses da insolvente. Notificada a insolvente e citado pessoalmente o seu gerente, para, querendo e no prazo de 15 dias, deduzirem oposição, conforme disposto no artigo 188.º, nº 5, do CIRE, pelo Requerido AA foi deduzida oposição, pugnando pela declaração de insolvência como fortuita. Alegou para tal, em resumo, que teve de vender os equipamentos em causa, dada a queda abrupta de encomendas, no ano de 2020, dado o surgimento da epidemia de Covid-19, para satisfazer compromissos da insolvente e que ambas as empresas (insolvente e a gerida pelo irmão) sempre mantiveram relações comerciais entre si. Que vendeu tal equipamento pelo melhor preço que lhe foi oferecido.
Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e despacho de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova (cf. fl.s 373/374 v.º). Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, após o que foi proferida a sentença de fl.s 396 a 408 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final, se decidiu o seguinte: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, e em face do disposto no art.º 186º, nº 2, al. f), do CIRE qualifico a presente insolvência de “M..., Unipessoal, L.da. como culposa e, nessa conformidade, decido: 1) - Declarar AA como afetado com a declaração da insolvência como culposa; 2) - Declará-lo inibido para a administração de patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, por um período de três anos, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo mesmo período; 3) –Condená-lo a indemnizar os credores da insolvente no correspondente ao valor dos prejuízos causados à insolvente pela venda dos equipamentos (à data da declaração de insolvência), e até ao limite dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente, tudo sem prejuízo do limite associado ao património pessoal do responsável, a quantificar em incidente de liquidação, nos termos da parte final do nº 4 do art.º 189º do CIRE. *** Nos termos do disposto no artigo 303º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a atividade processual relativa ao incidente de qualificação da insolvência, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objeto de tributação autónoma.”.
Inconformado com a sentença proferida, dela interpôs recurso o requerido AA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 466), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Juiz 1, do Juízo de Comércio de Leiria, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, que decidiu qualificar como culposa a insolvência da empresa M..., Unipessoal, L.da., afetando pela qualificação a AA . 2. O Recorrente não se conforma com tal decisão, pelo que, recorre da matéria de facto e de direito. 3. Existe erro notório na sentença ora recorrida, na parte da Decisão (página 25), que refere: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, e em face do disposto no art.º 186º, n.º 2, al. f), do CIRE qualifico a presente insolvência de “M..., Unipessoal, L.da.” como culposa…”, o que desde já se impugna, pois a insolvência foi qualificada culposa nos termos do art.º 186.º, n.º 2, al. a) do CIRE, conforme referido na sentença, na parte da fundamentação de Direito / Da qualificação da Insolvência (nas páginas nºs 12, 13, 14, 15 e16); 4. Não resultaram provados factos que permitissem preencher os requisitos da al. f), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE, (conforme referido na sentença, na página 19), requerendo-se assim a correção deste erro. 5. A sentença que ora se recorre, relativamente, a qualificação da insolvência como culposa, peca, por excesso, perante os factos dados como provados na fundamentação da sentença, concatenados com os factos que não foram dados como provados, isto tendo em conta toda a prova documental junta aos autos, conjuntamente com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento. 6. Não se encontram preenchidos os requisitos da al. a), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE, pois na situação concreta, não existe culpa do Recorrente, nem nexo de causalidade entre a atuação do Recorrente enquanto gerente da Insolvente e a criação e/ou agravamento do estado de Insolvência da M..., Unipessoal, L.da.; 7. A situação de insolvência não foi criada nem agravada pelo gerente/Recorrente, pois a culpa da insolvência foi do surgimento da pandemia de SARS-COV-2, que afetou gravemente a situação económica da Insolvente. 8. Atentos os factos dados como provados em confronto com os não provados, a Insolvência deveria ter sido julgada fortuita e não culposa. 9. Existe erro na apreciação do facto dado como provado no ponto 9., que refere: “No Balancete Geral, à data de 31-8-2021, a insolvente apresentava, de ativos fixos tangíveis o valor de € 119.722,27”, pois não foi tido em atenção pelo Tribunal a quo, ao analisar o documento – balancete analítico – junto aos autos a fls. 132 a 133, que, os ativos fixos tangíveis não só eram compostos pelos bens apreendidos (indicados no facto provado n.º 10), como também neles estavam compreendidos as instalações elétricas e de rede, assim como, as instalações da sapata e instalações de escada do pavilhão, sito na anterior sede da Insolvente; 10. Ativos fixos tangíveis estes que, quando a Insolvente mudou de instalações, não os pode retirar do imóvel, pois faziam parte dele, e o imóvel não era propriedade da Insolvente; 11. Deve proceder-se a alteração do facto dado como provado no n.º 9, o qual deverá ser alterado para a seguinte redação: - No Balancete Geral, à data de 31-8-2021, a insolvente apresentava, de ativos fixos tangíveis o valor de € 119.722,27, sendo que, parte desses ativos faziam parte do pavilhão da anterior sede da Insolvente, por se tratarem de obras no prédio, razão pela qual, o valor de ativos fixos tangíveis era inferior. 12. O Tribunal a quo, julgou incorretamente o facto dado como provado no ponto n.º 10, que refere: “No seguimento das diligências de apreensão efetuadas, a Sra. Administradora da Insolvência logrou apreender os seguintes bens para a massa insolvente: - Uma máquina de moldes, marca ..., modelo ..., no estado de sucata, à qual atribuiu o valor de € 600,00 – verba n.º 1 do auto de apreensão. - uma máquina de moldes marca ..., modelo ..., em estado de sucata, à qual atribuiu o valor de € 200,00 – verba n.º 2 do auto de apreensão. - três PC´s cpm CPU, marca ... e teclados, ao qual atribuiu o valor de € 90,00 – verba n.º 3 do auto de apreensão. - setecentas acções nominativas, representativas do capital social da “N..., SA”, no valor individual de € 1,00.”; 13. Este facto está parcialmente incorreto, na parte que refere que as máquinas e PC´s/teclados apreendidos eram sucata, pois o termo “sucata” foi atribuído pela Administradora de Insolvência, sem que, aos supra referidos bens lhes tenha sido realizada qualquer avaliação por entidade ou pessoa idónea para tal; 14. As máquinas apreendidas estavam em bom estado de conservação e em pleno funcionamento, pois a Insolvente trabalhou com esse equipamento até ao seu encerramento no mês de agosto de 2021; 15. A supra referida factualidade, foi dada como provada pelo Tribunal a quo, tendo em conta o auto de apreensão junto aos autos, o qual é vago, assim como, pelas declarações da Administradora de Insolvência na audiência de julgamento, o que se impugna, pelo que, se impõe alterar o facto dado como provado n.º 10., onde deverão ser retirados os termos “no estado de sucata”. 16. O Tribunal a quo, julgou incorretamente o facto dado como provado n.º 15, que refere: “Nos termos da informação prestada pela Segurança Social BB, era também trabalhador da Insolvente M..., Unipessoal, L.da, com vínculo comunicado em 04.07.2018”, pois BB, apesar de ser proprietário de uma empresa, sempre foi trabalhador por conta de outras empresas, na categoria profissional de comercial, situação esta que foi referida na oposição do ora Recorrente, comprovada pela informação documental junta aos autos a fls. 163, pela Segurança Social; 17. Pelo que, o facto dado como provado n.º 15, deverá ser alterado para a seguinte redação: - Nos termos da informação prestada pela Segurança Social, BB, não só foi trabalhador da Insolvente M..., Unipessoal, L.da., com vínculo comunicado em 04.07.2018, assim como o foi anteriormente de outras empresas, sendo que, atualmente está a trabalhar para a empresa D.... 18. Também, foi julgado incorretamente, o facto dado como provado no n.º 24, que refere: “Atendendo à diminuição da sua atividade de 2019 para 2020, a insolvente, por decisão de AA, nos anos de 2020 e 2021, procedeu à venda de diversos bens para a empresa, assim discriminados…” (só nesta parte); 19. Discorda-se e impugna-se parcialmente este facto, pois à diminuição da atividade da Insolvente dá-se em 2020 e 2021, e não em 2019, sendo que tal diminuição é ocasionada pelo surgimento da pandemia de SARS-COV- 2, que gerou no ano de 2020, uma quebra da faturação da Insolvente, na ordem de aproximadamente 50%, onde os clientes cancelaram encomendas, deixaram de solicitar os serviços prestados pela Insolvente, situação agravada pelos sucessivos confinamentos e encerramentos pelo COVID, tendo sido a área dos moldes muito afetada; 20. Impugna-se a motivação dada pelo Tribunal a quo (página 10 da sentença), que em súmula só refere: “A factualidade relativa às vendas dos equipamentos da insolvente e respetivas circunstâncias em que ocorrem (consignada sob os pontos 24. a 26.), além de ter sido expressamente admitida pelo próprio Requerido em sede de oposição, resultou ainda amplamente demonstrada na documentação constante do presente apenso, e em particular, as faturas juntas a fls. 137-145 e 147-158 e documentação constante de fls. 10 verso e fls. 182 e 190. Tais vendas foram igualmente confirmadas pela generalidade das testemunhas, e em particular, pelo depoimento das testemunhas CC e DD…”; 21. O Tribunal a quo, faz uma interpretação restringida da prova documental, assim como dos factos constantes na oposição do Recorrente e dos depoimentos das testemunhas CC e DD, relativamente a este facto n.º 24.; 22. Na oposição ao incidente de qualificação da insolvência é referido amplamente que, os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, foram anos com excelentes resultados económicos para a Insolvente (situação comprovada na prova documental), pois de ano para ano, a Insolvente conseguiu aumentar as suas vendas, porém, os problemas da Insolvente só começaram no ano 2020, com o surgimento da pandemia de SARS-COV- 2, que afetou pelo conseguinte a conjuntura económica da Insolvente, as dificuldades começaram a surgir, especificamente, no 1.º trimestre de 2020, pelo que, a Insolvente viu-se obrigada a realizar uma restruturação na mpresa, reduzindo os postos de trabalho e desfazendo-se de equipamentos (os menos usados), para conjuntamente com o pouco trabalho que tinha, conseguir equilibrar as contas e pagar as suas despesas; 23. As vendas dos equipamentos, foram efetuadas devido a quebra abrupta de trabalho ocasionada pela pandemia de SARS-COV-2, com o único objetivo da Insolvente poder fazer face aos pagamentos com funcionários, bancos (empréstimos), fornecedores, Segurança Social, Autoridade Tributária, IAPMEI, etc.; 24. Factos estes argumentados pelo Recorrente na sua oposição, e constatados pelas testemunhas CC (Vide – suporte digital de FICHEIRO DE ÁUDIO com o n.º 20220428111449_4070713_2870952, com 7.846 MB, com início a 00:00:00 e fim a 00:50:33, no h@bilus media studio, durante 50 minutos e 33 segundos, desde às 11:14:49 horas até às 12:05:23 horas, realizado na audiência Julgamento do dia 28-04-2022 – transcrição presente no presente recurso) e DD (Vide – suporte digital de FICHEIRO DE ÁUDIO com o n.º 20220428120626_4070713_2870952, com 3.337 MB, com início a 00:00:00 e fim a 00:21:28, no h@bilus media studio, durante 21 minutos e 28 segundos, desde às 12:06:27 horas até às 12:27:55 horas, realizado na audiência Julgamento do dia 28-04-2022 – transcrição presente no presente recurso); 25. As supra referidas testemunhas, relataram que os problemas só surgiram com a Pandemia, e que de repente a Insolvente deixou de ter trabalho, com os clientes a cancelarem os trabalhos/encomendas, sendo que, a Insolvente decidiu realizar uma restruturação na empresa, a qual passou por extinguir certos postos de trabalho, reduzir as despesas e vender algum equipamento, o menos usado, para fazer face as despesas com todos os seus fornecedores, funcionários, Finanças, Segurança Social, Instituições Bancárias, IAPMEI e outros. 26. O facto dado como provado no ponto 24, deverá ser alterado para a seguinte redação: Atendendo à diminuição da sua atividade nos anos de 2020 e 2021, ocasionada pela Pandemia de SARS-COV-2, AA viu-se obrigado, nos anos 2020 e 2021, a proceder à venda de diversos bens para as empresas… (mantendo-se o demais inalterado). 27. O Tribunal a quo, julgou incorretamente o facto dado como provado n.º 25, que refere: “Em resultado das identificadas vendas a insolvente ficou sem a quase totalidade dos seus bens / equipamentos e impossibilitada de desenvolver a sua atividade”, sendo que, este facto não poderia ter sido dado como provado por duas razões; 28. A primeira, pelo facto da Insolvente ter desenvolvido a sua atividade até ao mês do seu encerramento (agosto de 2021) e, a segunda pelo facto da Insolvente não ter vendido a totalidade das máquinas, pois conforme dado como provado no facto n.º 10, foram apreendidas duas máquinas, máquinas essas com as quais a Insolvente laborou até ao seu encerramento; 29. Pois ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, a testemunha DD, não refere no seu depoimento que a Insolvente tenha ficado impedida de desenvolver a sua atividade, pelo que, contradiz a motivação do Tribunal a quo, o qual diz que: “…pelo depoimento das testemunhas CC e DD, que, inclusivamente, fizeram menção à circunstância de tais vendas determinarem a que a Insolvente ficasse impossibilitada de laborar…”, porém, o depoimento da supra referida testemunha contraria a motivação, veja-se a transcrição do supra referido depoimento (disponível no presente recurso), especificamente, do minuto 00:19:37 até ao minuto 00:20:06; 30. A testemunha CC, não refere com certeza e clareza que, a insolvente ficou impossibilitada de desenvolver a sua atividade, veja-se a transcrição do supra referido depoimento acima transcrito na integra (disponível no presente recurso), especificamente, do minuto 00:43:30 até ao minuto 00:44:38, razão pela qual o facto 25. deve ser retirado dos factos dados como provados. 31. O Tribunal a quo, julgou incorretamente o facto dado como provado n.º 26, existindo contradição na motivação (página 10 da sentença), pois este facto dado como provado refere que: “”A máquina ..., a Ponte rolante ... Toneladas e o centro de maquinação vertical ..., vendidos a “F... Unipessoal, Lda.”, “M..., Lda.” E “P..., Lda”, respetivamente, haviam sido adquiridos por € 356 000,00, € 34 010,00 e € 231 125,00, cada uma delas.”, e por sua vez, a motivação (página 10 da sentença) refere que: “A factualidade relativa às vendas dos equipamentos da insolvente e respetivas circunstâncias em que ocorrem (consignada sob os pontos 24. A 26.), além de ter sido expressamente admitida pelo próprio Requerido em sede de oposição, resultou ainda amplamente demonstrada na documentação constante do presente apenso, e em particular, as faturas juntas a fls. 137-145 e 147-158 e documentação constante de fls. 10 verso e fls. 182 e 190. Tais vendas foram igualmente confirmadas pela generalidade das testemunhas, e em particular, pelo depoimento das testemunhas CC e DD, que inclusivamente, fizeram menção à circunstância de tais vendas determinarem a que a insolvente ficasse impossibilitada de laborar, permitindo, assim, tais depoimentos dar como provado a factualidade constante do ponte 26. dos factos provados.”; 32. As testemunhas não dão como provado o ponto 26., pois nenhuma delas, falou nos seus depoimentos sobre as máquinas referidas no ponto 26., nem quem as tinha comprado, nem quais foram os valores de adquisição inicial destas máquinas por parte da Insolvente, existindo uma clara contradição, requerendo-se pelo conseguinte a retira do ponto 26. dos factos dados como provados. 33. Igualmente, foram incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 28. e 30., os quais referem: - Ponto 28. dos factos dados como provados: ““A MA..., Unipessoal, Ldª.”, chegou a faturar serviços à insolvente.”; - Ponto 30. dos factos dados como provados; “A “MA..., Unipessoal, Ldª.” faturou, nos anos 2020 e 2021, à insolvente montantes a titulo de prestação de serviços e aluguer de máquinas e subarrendamento das instalações, sendo exemplo disso as faturas: - 70 de 20-7-2021 no valor de € 24 600,00 (aluguer de máquinas), - 30 de 2-4-2021 no valor de € 36 900,00 (maquinação de peças), - 1 de 31-3-2021 no valor de € 4 920,00 (maquinação de peça) - 1 de 30-9-2020 no valor de € 17 220,00 (maquinação de peças).”; 34. Estes factos foram julgados incorretamente, dado que a Insolvente era uma empresa que desde o início da sua atividade até ao encerramento, tinha necessidade de subcontratar os serviços de outras empresas do ramo dos moldes, sobretudo quando estava sobrecarregada de trabalhos ou então quando era para executar determinados trabalhos, os quais não eram executados pela Insolvente, ou por não ter máquinas para tal ou por não ter as capacidades técnicas necessários; 35. Outras empresas também foram subcontratadas pela Insolvente, situação está que está espelhada na contabilidade da Insolvente; 36. As testemunhas CC e DD, referiram que sempre existiram relações comerciais entre a Insolvente e a MA..., Unipessoal, Ldª., assim como, entre a Insolvente e outras empresas, as quais eram subcontratadas pela Insolvente para a execução de determinados trabalhos, a este respeito veja-se o depoimento destas testemunhas, CC (ficheiro áudio do minuto 00:23:30 ao minuto 00:24:58) e DD (ficheiro áudio do minuto 00:04:28 até ao minuto 00:05:35); 37. O ponto 28. dos factos dados como provados deverá alterado, para a seguinte redação: - A Insolvente recorria a subcontratação de serviços a outras empresas, entre elas a “MA..., Unipessoal, Ldª.”; 38. O ponto 30. dos factos dados como provados, deve ser retirado, pois a Insolvente sempre subcontratou os serviços de outras empresas, entre elas a “MA..., Unipessoal, Ldª.”, situação esta muito habitual entre empresas do ramo dos moldes, sendo que, a subcontratação dos serviços se justificava pelo facto de serem serviços que não eram executados pela Insolvente ou porque tinham prazo a acabar para terminar o trabalho, conforme foi testemunhado pelas testemunhas CC e DD. 39. Também encontra-se incorretamente julgado o facto n.º 31. dado como provado, o qual refere: “Segundo as IES apresentadas, os financiamentos obtidos representavam em 2019 um valor de € 836 960,00 num passivo de 1 120 160,73, e em 2020 ascendiam a € 936 042,99 num passivo total de 1 144 716,68.”, devendo o mesmo ser retirado dos factos provados, pois ficou mais que provado que, a Insolvente perante o crescimento das vendas que teve nos anos de 2016, 2017 e 2018, viu-se obrigada a expandir o seu negócio, no intuito de acompanhar o crescimento dos mercados, assim como de poder dar resposta ao trabalho que lhe estava a ser encomendado, para o que tinha que ter máquinas que acompanhassem a produção e mais modernas nas suas capacidades técnicas, situação esta que fez com que a Insolvente recorre-se aos financiamentos bancários e do IAPMEI; 40. O investimento realizado pela insolvente, na adquisição de equipamento no ano de 2018, não pode ser visto como um endividamento injustificado, pois tal foi justificado e lhe permitiu continuar a crescer e a aumentar as suas vendas no ano de 2019, situação esta comprovada nos autos com declarações de IES juntas aos autos; 41. A situação financeira da Insolvente foi abalada no ano 2020, com a Pandemia de SARS-COV-2, a qual ocasionou falta de trabalho e cancelamentos de encomendas por parte dos clientes, agravados pelos sucessivos confinamento, tendo como consequência uma queda abrupta de mais de 50% da faturação da Insolvente, a este respeito veja-se o depoimento das testemunhas CC (ficheiro áudio, do minuto 00:01:44 ao minuto 00:04:41, e do minuto 00:06:03 ao minuto 00:07:46) e DD (ficheiro áudio, do minuto 00:02:01 ao minuto 00:04:03 e, do minuto 00:06:34 ao minuto 00:07:22); 42. O facto n.º 31, deverá ser retirado dos factos provados. 43. O Tribunal a quo, julgou incorretamente o ponto n.º 35 dos factos dados como provados, o qual refere: “O surgimento da Pandemia no ano de 2020 determinou a que muitos dos clientes da insolvente cancelassem as encomendas e deixassem de solicitar os seus serviços.”, este facto está incompleto e é muito vago, pois o Tribunal a quo, omite que a pandemia afetou gravemente a Insolvente nos anos de 2020 e 2021, pela falta de trabalho, cancelamentos de encomendas e sucessivos confinamentos, o que, ocasionou uma quebra de faturação na ordem de mais de 50% relativamente ao ano de 2020, e uma quebra mais acentuada no ano 2021, ano em que a Insolvente decide apresentar-se a insolvência; 44. Existe uma contradição entre o facto dado como provado n.º 35. e a motivação (página 11 da sentença), a qual refere que: “…além de ter resultado claramente demonstrada pelos depoimentos de CC e DD, conjugados com a documentação contabilística da empresa, cumpre ainda assinalar ser do conhecimento geral que a Pandemia causada pela COVID 19 afetou de forma muito significativa as empresas de moldes ligadas à industria automóvel.”, assim como pelos depoimentos da supra referidas testemunhas – veja-se a transcrição integra das declarações de tais testemunhas, já juntas com este recurso; 45. O facto dado como provado no ponto 35., deverá ser alterado para a seguinte redação: - O surgimento da Pandemia no ano de 2020, afetou economicamente a Insolvente, pois determinou a que muitos dos seus clientes cancelassem as encomendas e deixassem de solicitar os seus serviços, tendo ocasionado uma quebra abrupta da faturação de mais de 50%. 46. A Insolvente manteve uma atividade regular, tendo cumprido até julho de 2021 (um mês antes de apresentar-se a insolvência), com todas as suas obrigações; 47. O incumprimento por parte da Insolvente, só se dá nos meses de julho e agosto de 2021. 48. Todo o dinheiro produto das vendas dos equipamentos deu entrada nas contas da insolvente através de transferências bancárias, e conforme referido na motivação da sentença do Tribunal a quo, foi utilizado em proveito da Insolvente, para pagamento das sus responsabilidades, não existindo qualquer desvio indevido de dinheiro. 49. O Recorrente insurge-se contra a fundamentação de direito, da decisão ora recorrida, especificamente, na parte em que considera a insolvência culposa; 50. No caso concreto, a situação não foi criada nem agravada pelo gerente/Recorrente, pois a culpa da insolvência foi do surgimento da pandemia de SARS-COV-2, que afetou gravemente a situação económica da Insolvente por falta de trabalho e quebra na faturação de mais de 50%. 51. O Recorrente não destruiu, não danificou, não inutilizou, não ocultou nem fez desaparecer o património da Insolvente, pois determinados bens da Insolvente foram vendidos, cujos valores das vendas entraram nas contas da Insolvente, cujo destino do dinheiro foi utilizado para pagamentos de salários dos funcionários, pagamentos de imposto a Autoridade Tributária, pagamentos a Segurança Social, pagamento de empréstimos as instituições bancárias, pagamentos a fornecedores, etc., devendo salientar-se que a Insolvente ainda ficou com duas máquinas, com as quais trabalhou até ao encerramento. 52. Nem pode dizer-se que, o Recorrente fez desaparecer no todo ou em parte considerável o património da insolvente, pois, o que fez o Recorrente perante os problemas ocasionados pela pandemia, foi vender parte dos equipamentos, os quais não estavam a ser usados, para fazer face os problemas de tesouraria, ocasionados com a falta de trabalho que arrasou a industria dos moldes, e o fez, no intuito de a crise pandémica passar e, com a esperança do mercado dos moldes melhorar; 53. Não se aceita a fundamentação referida na página 14 da sentença, a qual refere: “Mais se provou que entre finais do ano de 2020 e agosto de 2021 a sociedade insolvente vendeu a terceiras pessoas a quase totalidade dos equipamentos que eram por si utilizados para desenvolvimento da sua atividade. Ao ficar sem a quase totalidade dos seus equipamentos a insolvente ficou impossibilitada de desenvolver a respetiva atividade.”; 54. Pois conforme evidenciado pela documentação contabilista, assim como pela prova testemunhal de CC e DD, a empresa esteve a laborar até agosto de 2021, pois ainda tinha máquinas para executar os trabalhos, lamentavelmente não tinha trabalho/encomendas dos clientes, mais se dirá que, até ao mês de julho de 2021, a Insolvente sempre cumpriu pontualmente perante os seus credores, sendo que, não estava em incumprimento, pois quando se apresentou a insolvência, não possuía nenhuma ação em Tribunal, nem se encontrava em litígio com qualquer credor. 55. Insurge-se o Recorrente, contra parte da fundamentação (na página 14 da sentença) a qual refere: “Ficou ainda provado que com o produto desses vendas pagou parte das dívidas que detinha com credores.”, pois esta fundamentação contradiz cabalmente, o facto dado como provado n.º 33, o qual refere: “O produto das vendas dos equipamentos que foram realizadas pela insolvente deu entrada nas contas da insolvente e foi utilizado para fazer face às necessidades da insolvente, com pagamentos aos seus credores.”, assim como contradiz a motivação deste facto 33. dado como provado, que refere: “A factualidade consignada sobre o ponto 33. resultou demonstrada pelas informações bancárias juntas com a oposição e em conjugação com o depoimento das testemunhas CC e DD, que, de forma perentória e circunstanciada, fizeram menção aos esforços e diligências levadas a cabo pelo Requerido para tentar proceder ao pagamento junto dos respetivos credores.”; 56. Ficou provado, através da prova contabilística junta aos autos, assim como, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e DD que, o dinheiro das vendas dos equipamentos entrou nas contas da Insolvente, e, foi usado em seu proveito e para pagamento das suas responsabilidades perante funcionários, Autoridade Tributária, Segurança Social, bancos, fornecedores e IAPMEI, com os quais só entrou em incumprimento nos meses de julho e agosto de 2021, pois até aí, foi pagando a todos os credores e não só a uns credores. 57. Insurge-se o Recorrente contra parte da fundamentação da sentença (página 15) que refere o seguinte: “…fazendo-as “desaparecer” da propriedade e disponibilidade da sociedade e passando-o para a propriedade e disponibilidade de terceiros, a quem os vendeu, impedindo totalmente a sociedade de continuar a exercer a sua atividade e de assim obter proventos para satisfazer os seus débitos para com os credores.”, assim como da parte que refere: “…colocou a sociedade numa situação de insolvência inevitável, ao não liquidar todos os débitos desta para com os seus credores, mas apenas liquidando aqueles que bem entendeu, não obstante com as identificadas vendas não ignorar, ou sequer poder ignorar, que impedia totalmente a atividade da sociedade devedora / insolvente e que a colocava numa situação de insolvência inevitável.”, mais referindo que, “Entendemos que a tal conclusão não obsta a circunstância de se ter efetivamente apurado que o produto dessas vendas entrou nas contas abertas em nome da sociedade devedora / insolvente, tendo sido utilizado no pagamento aos credores.”, e discorda-se pelas seguintes razões: a) Esta fundamentação (página 15 da sentença), contradiz os factos dados como provados nºs 7., 30., 33. e 35.; b) Assim como, contraria a motivação da sentença em relação a estes factos dados como provados; c) Sendo que, o Tribunal a quo, realiza uma fundamentação que vai contra a prova documental junta aos autos e prova testemunhal produzida em audiência de julgamento através dos depoimentos das testemunhas CC e DD; d) Pois, a Insolvente esteve a laborar até agosto de 2021, com as máquinas que tinha – Vide facto 35.; e) Mais se dirá que, enquanto esteve a exercer a sua atividade, a Insolvente cumpriu pontualmente com os todos os seus Credores; f) Sendo completamente falso que, o Recorrente tenha, colocado a sociedade numa situação de insolvência, ao não liquidar todos os débitos desta, pois conforme comprovado nos autos o produto das vendas foi usado para fazer face as obrigações da Insolvente perante os Bancos, IAPMEI, Autoridade Tributaria, funcionários, fornecedores, Segurança Social, etc.; g) Não foi provado nos autos que tenha existido preferência relativamente ao pagamento de certos credores; h) Ficou demostrado e provado que a insolvência da empresa/Insolvente, deveu-se a Pandemia de SARS-COV-2, a qual afetou gravemente a atividade económica da Insolvente. 58. Não se aceita a fundamentação dada pelo Tribunal a quo, referida na página 16, na parte que refere: “…quando lhe deu o destino que bem entendeu e apenas se logrou apreender para a massa insolvente duas máquinas em estado de sucata e de diminuto valor.”, pois não ficou provado que o Recorrente tenha dado ao dinheiro das vendas o uso que entendeu, nem indevido, assim sendo, o Tribunal a quo, com esta fundamentação contraria claramente o facto dado como provado n.º 33.. 59. Tais ilações referidas na fundamentação de direito, referidas nas páginas 12 a 16 da sentença recorrida, e que servem para qualificar a insolvência como culposa, nos termos da al. a), n.º 2, do 186.º do CIRE, são incompatíveis com as regras da experiência comum, nem com a própria lógica da normalidade dos eventos, sendo por isso que apresentam contradições insanáveis com a matéria de facto assente e os fundamentos da decisão; 60. A decisão ora recorrida é nula, por força do disposto na al. c), do art.º 615.º do CPC, o que se alega, com as devidas e legais consequências; 61. Existe uma evidente contradição entre os fundamentos e a decisão, o qual é determinante da nulidade da sentença, cujo reconhecimento se querer. 62. Os problemas da insolvente foram originados com a Pandemia de SARSCOV-2, pois até março de 2020, a Insolvente tinha sido uma empresa de sucesso na área da sua atividade comercial, sempre com bons resultados de ano para ano, traduzido em aumentos nas suas vendas; 63. O Recorrente sempre foi um gerente exemplar e trabalhador, tendo sempre as contas da Insolvente em dia, cumprindo pontualmente todos os pagamentos aos seus credores, tendo sempre apresentado as declarações contributivas a que estava obrigado perante a Segurança Social e Autoridade Tributária, tendo a contabilidade da Insolvente devidamente organizada e em dia, a qual espelhava toda a vida económica da Insolvente; 64. O Recorrente tudo fez para pagar aos seus credores e não entrar em incumprimentos (situação esta referida na sentença). 65. Caso este Venerando Tribunal entenda que, não lhe assiste razão ao Recorrente, e que a insolvência é culposa, deverá analisar os efeitos desta qualificação da insolvência como culposa, a qual afeta completamente a vida do Recorrido, na medida em que o Tribunal a quo, na decisão condena-o: “…2) – Declará-lo inibido para a administração de patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, por um período de três anos, bem como para ocupar qualquer cargo de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo mesmo período; 3) – Condená-lo a indemnizar os credores da insolvente no correspondente ao valor dos prejuízos causados à insolvente pela venda dos equipamentos (à data da declaração de insolvência), e até ao limite dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente, tudo sem prejuízo do limite associado ao património pessoal do responsável, a quantificar em incidente de liquidação, nos termos da parte final do n.º 4 do art.º 189º do CIRE.”; 66. Nesta parte a condenação é excessiva, violando por isso o princípio da proporcionalidade, sendo que, relativamente ao período de inibição, é excessivo os 3 (três) anos de inibição aplicado ao Recorrido, pois este não atuou com dolo ou culpa grave, sendo que, no humilde entendimento do Recorrente, devia-lhe ter sido aplicado, só 2 (dois) anos de inibição, o que se pede a este Tribunal que reveja. 67. A condenação ao pagamento de uma indemnização das pessoas afetadas pela qualificação constitui um efeito imperativo, previsto no art.º 189.º, n.º 2, al. e) do CIRE. 68. A lei determina que o juiz fixe o valor das indemnizações devidas aos credores, ou, caso tal não seja possível em virtude de não dispor dos elementos necessários ao cálculo dos prejuízos sofridos, deverá estabelecer os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença, o que no caso concreto não aconteceu; 69. Não pode aceitar-se a condenação (automática) do afetado a um valor igual ao montante global dos créditos insatisfeitos, após a liquidação da massa insolvente, sem ser ponderada, nessa avaliação o grau de culpa na contribuição para a criação ou agravamento do estado da insolvência, pelo que devia ter sido fixada a responsabilidade em cálculo aritmético; 70. Vejam-se os seguintes Acórdãos: - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1879/20.5T8OAZ-B.P1, em que é Relatora a Dra. Anabela Tenreiro, datado de 23-03-2021, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1338/17.3T8STS-A.P1, em que é Relator O Dr. Jorge Seabra, datado de 14-07-2020 (disponíveis em www.dgsi.pt). 71. Por qualquer dos motivos sobreditos é manifesto que a insolvência não poderá ser considerada culposa, impondo-se a modificação da sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que declare a insolvência da M..., Unipessoal, L.da. fortuita. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, CUJA FALTA DE INVOCAÇÃO O EXPERIMENTADO E PROFECIENTE JUÍZO DE VOSSAS EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, MODIFICANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA E A MATÉRIA DE FACTO, FAZENDO: a) DECLARAR-SE A NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA, NOS TERMOS SOBREDITOS; b) ALTERAR-SE A MATÉRIA DE FACTO NOS TERMOS ACIMA DESCRITOS; c) EM CASO DE IMPROCEDÊNCIA, DO PRESENTE RECURSO, REQUER-SE SEJA REVISTO O PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO AOS CREDORES, ASSIM COMO, SEJA REDUZIDO O PRAZO DA INIBIÇÃO; d) DECLARAR-SE A INSOLVÊNCIA DA M..., Unipessoal, L.da. COMO FORTUITA, COM O QUE FARAM VOSSAS EXCELÊNCIAS A DEVIDA E JUSTIÇA.
Respondendo, o MP, em 1.ª instância, defende a improcedência do recurso e subsequente manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que a prova foi bem apreciada, devendo, em consequência, manter-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada e estribando-se nos fundamentos de direito na mesma expostos, pugna pela qualificação da insolvência como culposa e como tal seja afectado o recorrente.
Previamente à análise das questões submetidas a este Tribunal, importa referir que o que o recorrente refere nas conclusões 3.ª e 4.ª, relativamente a um erro de escrita constante do dispositivo da sentença recorrida, em que se menciona o artigo 186.º, n.º 2, al. f), do CIRE, devendo constar a referência ao artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, importa notar que tal questão ficou sanada com o despacho de rectificação de tal erro de escrita, tal como consta de fl.s 466, pelo que, quanto a tal, nada mais há a decidir.
Dispensados os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir: A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos itens 9.º, 10.º, 15, 24.º a 26.º, 28.º, 30.º, 31.º e 35.º dos factos provados, devendo os mesmos ser alterados em conformidade com o que consta das respectivas conclusões (aqui não transcritas, dada a sua extensão); B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC; C. Qualificação da insolvência: se a mesma é de qualificar como fortuita ou culposa; D. Se o período da inibição que foi imposta ao recorrente não deve ser superior a dois anos e; E. Se não pode aceitar-se a condenação (automática) do afetado a um valor igual ao montante global dos créditos insatisfeitos, após a liquidação da massa insolvente, sem ser ponderada, nessa avaliação o grau de culpa na contribuição para a criação ou agravamento do estado da insolvência, pelo que devia ter sido fixada a responsabilidade em cálculo aritmético.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida: 1 - A sociedade “M..., Unipessoal, L.da.” foi constituída em 2014, cuja sede social, desde 6 de agosto de 2021, se situava no Largo ..., pavilhão ..., Rua ..., ..., .... 2 - Antes de 6 de agosto de 2021, e desde 2015, a sede da empresa situava-se em Zona industrial ..., arruamento ..., Lote ..., .... 3 - O respetivo objeto social consistia no fabrico de moldes plásticos, atividades e serviços de apoio à industria, fabricação de peças plásticas, fabricação de produtos metálicos, comércio por grosso de máquinas e equipamentos e atividades de serviços de apoio prestado às empresas. 4 - Como sociedade unipessoal por quotas tinha como sócio AA, titular da quota única no valor de € 50 000,00, o qual, de forma exclusiva, assegurava a gestão da empesa em todos os seus segmentos. 5 – A sociedade “M..., Unipessoal, L.da.” apresentou-se à insolvência em 30 de agosto de 2021. 6 - Tendo a sentença que declarou a sua insolvência sido proferida em 2 de setembro de 2021. 7 - A insolvente deixou de ter atividade económica a partir de agosto de 2021. 8 - No âmbito dos autos foram reclamados créditos no valor de € 1.069. 954,99. 9 - No Balancete Geral, à data de 31-8-2021, a insolvente apresentava, de ativos fixos tangíveis o valor de € 119.722,27. 10 - No seguimento das diligências de apreensão efetuadas, a Sra. Administradora da Insolvência logrou apreender os seguintes bens para a massa insolvente: - uma máquina de moldes, marca ..., modelo ..., no estado de sucata, à qual atribuiu o valor de € 600,00 – verba n. º1 do auto de apreensão. - uma máquina de moldes marca ..., modelo ..., em estado de sucata, à qual atribuiu o valor de € 200,00 - verba n. º2 do auto de apreensão - três PC´s cpm CPU, marca ... e teclados, ao qual atribuiu o valor de € 90,00 - verba n. º3 do auto de apreensão - setecentas acções nominativas, representativas do capital social da “N..., SA”, no valor individual de € 1,00. 11 - As diligências visando a apreensão de bens da insolvente tiveram lugar no local onde, desde 6 de agosto de 2021, a insolvente tinha a sua sede, no Largo ..., pavilhão ..., Rua ..., ..., .... 12 - Nas anteriores instalações da “M..., Unipessoal, L.da.”, sitas em ..., encontrava-se a laborar uma empresa com a denominação “MQ..., Unipessoal, Lda.” que para ali havia mudado a sua sede e ali desenvolvia a sua atividade. 13 - A atividade da “MQ..., Unipessoal, Lda.” consistia no fabrico, comércio, reparação, importação e exportação de moldes metálicos, peças plásticas, máquinas, acessórios e ferramentas para a industria. 14 - A sociedade “MQ..., Unipessoal, Lda.” é uma sociedade que tem como único sócio e gerente BB, irmão de AA, sócio e gerente da insolvente. 15 – Nos termos da informação prestada pela Segurança Social BB, era também trabalhador da insolvente M..., Unipessoal, L.da., com vínculo comunicado em 04.07.2018. 16 - No desenvolvimento da sua atividade a sociedade “M..., Unipessoal, L.da.”, através do seu sócio e gerente AA, apresentou junto do IAPMEI uma candidatura aos apoios concedidos pelo FEDER ao sistema de incentivos às empresas- inovação empresarial, visando obter comparticipação financeira para a execução de um projeto de investimento industrial. 17 - Tal candidatura foi aprovada tendo sido celebrado o respetivo contrato de concessão de incentivos financeiros, em 4 de maio de 2018. 18 - No âmbito do mesmo – projecto ...96, ...96 - foi autorizado e aprovado a concessão de um beneficio reembolsável no valor global de € 578 573,28. 19 - O período de execução deste investimento decorria entre 14-5-2018 e 12-5-2020. 20 - No desenvolvimento deste contrato de concessão, a “M..., Unipessoal, L.da.” adquiriu os seguintes equipamentos: - uma ponte rolante ... tn, em 30/5/2018, através da fatura ...15, no valor de € 34 010,00. - uma máquina de aperto técnico marca ..., em 29-5-2018, através da fatura ...78, no valor de € 10 239,00. - um centro de maquinação 5 eixos EE, em 25-5-2018, através da fatura ...52, no valor de € 231 125,00. - um centro de maquinação 5 eixos FF, em 31-5-2018, através das faturas ...41 e ...22, no valor de € 356 000,00. - várias ferramentas para equipar os dois centros de maquinação, em 30-5-2018, através da fatura ...81, no valor de € 25 534,55. - sistema de ar comprimido (compressor, secador e reservatório), em 30-5-2018, através da fatura ...19, no valor de € 28 314,60. 21 - Estes equipamentos, adquiridos pelo valor global de € 685 223,15, entraram em poder da insolvente. 22 - Por conta da sua aquisição a insolvente “M..., Unipessoal, L.da.”, recebeu o valor de € 337 576,90. 23 - A insolvente não tinha bens imóveis de sua propriedade. 24 - Atendendo à diminuição da sua atividade de 2019 para 2020, a insolvente, por decisão de AA, nos anos de 2020 e 2021, procedeu à venda de diversos bens para as empresas, assim discriminados: a) Empresa MA..., Unipessoal, Ldª: - Factura ...72 de 30-12-2020, no valor de € 12 915,00: -Cabeça multi bt40, prato tecnomagnete, prato de fixação vácuo, presa 5 T, máquina de limpeza, prensa autocentrante, eletromagnético, empilhador ... - Factura ...73 de 30-12-2020, no valor de € 11 900,00: -Ford ... matricula ..-NN-.. e ... matricula ..-..-GO b) Empresa P2..., Lda.: - Factura ...75 de 8-1-2021, no valor de e 13 530,00 - compressor kaiser ASK 34, secador GG, dois filtros kaiser f46, aquamat cf 6 Kaiser e reservatório vertical 750 litros. c) Empresa A..., Unipessoal, Lda: - Factura ...76 de 25-1-2021, no valor de € 5 535,00 - máquina de indução térmica. d) E..., Unipessoal, Lda: - Factura ...81, de 9-3-2021, no valor de € 67 650,00 - máquina CNC awea fcv 800 e) Empresa M..., Lda.: - Factura nº ...83 de 9-4-2021, no valor de € 11 685,00 - ponte rolante ... ton, comando via rádio ikusi, 30 metros calha, caminho rolamento 2x31mts, apoios de 4,8mts. f) Empresa P..., Lda: - Factura ...93 de 25-6-2021, no valor de € 98 400,00 - centro de maquinação vertical 5 eixos ... g) A HH: - Fatura ...99 de 13-8-2021, no valor de € 8 500,00 - ..., matricula ..-XP-... 25 – Em resultado das identificadas vendas a insolvente ficou sem a quase totalidade dos seus bens/equipamentos e impossibilitada de desenvolver a sua atividade. 26 - A máquina CNC awea fcv 800, a Ponte rolante ... Toneladas e o centro de maquinação vertical ..., vendidos a “F... Unipessoal, Lda.”, “M..., Lda.” e “P..., Lda”, respetivamente, haviam sido adquiridos por € 356 000,00, € 34 010,00 e € 231 125,00, cada uma delas. 27 - As vendas dos equipamentos financiados pelo IAPMEI foram feitas sem que fosse dado conhecimento a esta entidade. 28 - A “MA..., Unipessoal, Ldª.”, chegou a faturar serviços à insolvente. 29 - Assim, para além dos equipamentos mencionados e a coberto das faturas: - Fatura ...72 de 30-12-2020, no valor de € 12 915,00: -Cabeça multi bt40, prato tecnomagnete, prato de fixação vácuo, presa 5 T, máquina de limpeza, prensa autocentrante, eletromagnético, empilhador ...; - Fatura ...73 de 30-12-2020, no valor de € 11 900,00: -Ford ... matricula ..-NN-.. e ... matricula ..-..-GO; - Outras faturas com os nºs: - 269 de 10-12-2019 no valor de € 26.137,50, referente a centro de maquinação .... - 283 de 23-12-2019, no valor de € 17 982,60, referente a rectificadora II, compressor JJ, secador JJ, serrote ..., centro de maquinação ..., centro de maquinação ... a maquina de afiar fresas. - 284 de 23-12-2019, no valor de € 42 127,50 referente a centro de maquinação ... e a máquina de roscar Easitap formalizaram a transferência de equipamento da insolvente para a empresa do irmão de AA, a MA..., Unipessoal, Ldª de BB. 30 - A “MA..., Unipessoal, Ldª.” faturou, nos anos de 2020 e 2021, à insolvente montantes a titulo de prestação de serviços e aluguer de máquinas e subarrendamento das instalações, sendo exemplo disso as faturas: - 70 de 20-7-2021 no valor de e 24 600,00 (aluguer de máquinas), - 30 de 2-4-2021 no valor de € 36 900,00(maquinação de peças), - 1 de 31-3-2021 no valor de e 4 920,00 (maquinação de peça) - 1 de 30-9-2020 no valor de e 17 220,00 (maquinação de peças). 31 - Segundo as IES apresentadas, os financiamentos obtidos representavam em 2019 um valor de € 836 960,66 num passivo de € 1 120 160,73, e em 2020 ascendiam a € 936 042,99 num passivo total de e 1 144 716,68. 32 - A insolvente procedeu à venda de equipamentos que havia adquirido com a ajuda de valores recebidos do IAPMEI 33 - O produto das vendas dos equipamentos que foram realizadas pela insolvente deu entrada nas contas da insolvente e foi utilizado para fazer face às necessidades da insolvente, com pagamentos aos seus credores. 34 - O recurso pela insolvente ao financiamento do IAPMEI teve por objetivo a aquisição pela insolvente de equipamentos para o seu trabalho. 35 - O surgimento da Pandemia no ano de 2020 determinou a que muitos dos clientes da insolvente cancelassem as encomendas e deixassem de solicitar os seus serviços.
Factos Não Provados a) Os bens apreendidos na localidade de ... e identificados no ponto 10. dos factos provados apresentavam sinais de, recentemente, terem para ali sido removidos. b) Que a situação descrita em 12. dos factos provados tenha ocorrido desde dezembro de 2020. c) A “MA..., Unipessoal, Ldª.” passou a assumir o negócio da insolvente. d) A venda dos equipamentos foi feita pela insolvente por valores muito inferiores ao seu valor real e efetivo. e) Com a venda de parte dos bens à empresa de seu irmão BB, AA pretendeu que a MA..., Unipessoal, Ldª continuasse a exercer atividade no mesmo sector e fazendo-o nas mesmas instalações. f) A venda da máquina CNC awea fcv 800, a Ponte rolante ... Toneladas e o centro de maquinação vertical ..., vendidos a F... Unipessoal, Lda., M..., Lda. e P..., Lda, foram feitas por um montante muito abaixo do seu real valor.
A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos itens 9.º, 10.º, 15, 24.º a 26.º, 28.º, 30.º, 31.º e 35.º dos factos provados, devendo os mesmos ser alterados em conformidade com o que consta das respectivas conclusões (…).
B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC. Relativamente a esta questão, defende o recorrente que a sentença padece da ora referida nulidade, se bem entendemos a sua argumentação, com o fundamento em que a mesma revela contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão, porque se considera que alguma da fundamentação utilizada para dar alguns dos factos como provados, é incorrecta, porque os elementos probatórios nela referidos, não permitem que os mesmos (factos) se tenham por demonstrados. E, ainda, porque, a factualidade apurada não permite qualificar como culposa a insolvência, com base no disposto no artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE. O artigo 615, n.º 1, al. c), do CPC, sanciona com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto. Como decorre do anteriormente exposto, a sentença recorrida assenta a qualificação da insolvência como culposa, no facto de o recorrente ter vendido a quase totalidade dos equipamentos da insolvente, impedindo-a de continuar a laborar, com o que fez desaparecer o património da insolvente e assim, a impossibilitando de satisfazer as suas dívidas para com todos os credores. Ora, daqui decorre que inexiste a apontada contradição. O que se verifica é que, por referência à factualidade dada como provada, na sentença recorrida se considerou verificar-se a situação tipificada no artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, para se qualificar a insolvência como culposa, do que o recorrente discorda. Ou seja, o recorrente, discorda da decisão proferida, o que, como é óbvio, não integra a invocada nulidade. Ao invés, insurge-se quanto à apreciação jurídica como na sentença recorrida foram apreciados os factos dados como demonstrados. Consequentemente, não padece a sentença recorrida da apontada nulidade. Pelo que, também, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.
C. Qualificação da insolvência: se a mesma é de qualificar como fortuita ou culposa. Relativamente à qualificação da insolvência, como fortuita ou culposa, que constitui a questão central do presente recurso, defende o recorrente que a mesma se tem de qualificar como fortuita, em síntese, com o fundamento em que a mesma se ficou a dever à quebra de encomendas, em consequência da situação originada pela pandemia do Covid-19 e, ainda, porque foi em virtude de tal situação que se viu obrigado a vender o equipamento, para solver as suas dívidas para com os seus credores, tendo afectado a totalidade do produto de tais vendas as esse fim. Na sentença recorrida, qualificou-se como culposa a insolvência em causa, por se considerar estarem verificados os pressupostos/fundamentos previstos no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CIRE, em resumo, com a seguinte fundamentação: (…) Dir-se-á que em face da factualidade apurada, nos três anos anteriores ao início do presente processo de insolvência o Requerido, em nome e representação da sociedade insolvente, vendeu a terceiros a quase totalidade das máquinas/equipamentos com que esta desenvolvia essa sua atividade, fazendo-as “desaparecer” da propriedade e disponibilidade da sociedade e passando-o para a propriedade e disponibilidade de terceiros, a quem o vendeu, impedindo totalmente a sociedade insolvente de continuar a exercer a sua atividade e de assim obter proventos para satisfazer os seus débitos para com os seus credores. Refira-se que independentemente de os ter vendido ou não pelo preço de mercado (o que não se apurou, por dos autos não ter resultado demonstrado o concreto valor de mercado de tais bens), a conclusão que a facticidade apurada consente é a de que o Requerido, enquanto único gerente da sociedade, fez desparecer, com aquelas vendas praticamente a totalidade do património da sociedade insolvente e, inclusivamente, colocou a sociedade numa situação de insolvência inevitável, ao não liquidar todos os débitos desta para com os seus credores, mas apenas liquidando aqueles que bem entendeu, não obstante com as identificadas vendas não ignorar, ou sequer poder ignorar, que impedia totalmente a atividade da sociedade devedora/insolvente e que a colocava numa situação de insolvência inevitável. Entendemos que a tal conclusão não obsta a circunstância de se ter efetivamente apurado que o produto dessas vendas entrou nas contas abertas em nome da sociedade devedora/insolvente, tendo sido utilizado no pagamento aos credores. A alegação do Requerido, invocando o depósito do produto das vendas nas contas da sociedade insolvente para afastar o funcionamento da presunção da al. a), do n.º 2 do art. 186º do CIRE, desconsidera, em absoluto, que mediante essas vendas o mesmo desfez-se de praticamente todo o ativo da sociedade insolvente, impedindo-a de continuar a exercer a sua atividade, e com os quais obtinha proventos para liquidar as suas obrigações perante os seus credores, liquidando os débitos da sociedade insolvente que bem entendeu, em seu livre juízo e entendimento. Se assim fosse, para afastar a presunção inilidível de culpa, bastaria aos legais representantes das insolventes, como fez aqui Requerido, vender a quase totalidade do património da sociedade de que são representantes, impedindo-as, inclusivamente, de poder continuar a exercer o seu objeto social por via dessas vendas, levando-as à total paralisia, e dar posteriormente entrada do produto dessas vendas nas contas das suas representadas e depois dar-lhe o destino que bem entendessem, argumentando que a previsão da al. a) do art. 186º do CIRE não se encontra preenchida, pelo simples facto de que não fez desaparecer a quase totalidade do património da sua representada porque deu entrada do produto dessa venda nas contas da última, quando lhe deu o destino que bem entendeu e apenas se logrou apreender para a massa insolvente duas máquinas em estado de sucata e de diminuto valor.”.
Vejamos, então, como deve qualificar-se, no que a esta perspectiva se refere, a insolvência em apreço. Notando-se, desde logo, que o objecto do recurso não sejam exactamente as alíneas do artigo 186.º, do CIRE, referidas pelo recorrente, mas sim a qualificação da insolvência como culposa e a consequente afectação (nos termos do art. 189.º do CIRE) do apelante; ou seja, para confirmar ou revogar tal qualificação culposa, podemos/devemos, em termos de direito, ir buscar regras diferentes das invocadas, atribuir às regras invocadas sentido diferente do que lhes foi dado ou fazer derivar das regras efeitos e consequências diversas das que foram tiradas (é o que resulta e está implícito no art. 5.º/3 do CPC), sem embargo, como é óbvio, de tal questão só se poder apreciar e decidir, por reporte à factualidade assente e com respeito pelo disposto no artigo 635.º, n.º 5, do CPC, uma vez que, in casu, como resulta da sentença recorrida, nessa parte não afectada com a interposição do presente recurso, já se mostra decidido que as demais invocadas qualificativas da insolvência em apreço, não se verificam, restando apreciar se se verifica a prevista no artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE. Segundo o art. 186.º/1 do CIRE – “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores[1], de direito ou de facto, nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência”. “Definição” esta que é complementada, nos n.º 2 e 3 do art. 186.º, por um conjunto de presunções (inilidíveis e ilidíveis) que facilitam a qualificação como culposa da insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular[2] sempre que os seus administradores, de direito ou de facto, tenham adoptado um dos comportamentos aí descritos. Interpretando tal art. 186.º do CIRE, a jurisprudência vem entendendo[3] que as alíneas do n.º 2 correspondem a presunções (absolutas) de insolvência culposa. Relativamente às alíneas do n.º 3, havia algum dissídio jurisprudencial, que ficou afastado com as alterações introduzidas a este preceito pela Lei n.º 9/2022, de 11/1, clarificando que as situações nela previstas configuram meras presunções de culpa, sem presunção de causalidade quanto à situação de insolvência, exigindo-se, para a qualificação da insolvência como culposa, a demonstração, nos termos do n.º 1 do artigo 186.º, de a mesma ter sido causada ou agravada em consequência dessa conduta. No entanto, no caso em apreço, esta questão não se coloca, uma vez que apenas está em causa a situação tipificada no seu n.º 2, al. a).
Analisando as alíneas a) a g) do n.º 2 do art. 186.º vemos que estão em causa factos/actos[4] em que há um denominador comum de delapidação do património do devedor, em que existe (em abstracto) um nexo lógico entre os respectivos factos/actos e a criação ou o agravamento da situação de insolvência[5], em que, sendo assim, pode dizer-se que o legislador mais não fez do que mandar presumir a causalidade (que era latente) entre eles e a insolvência; Ao invés, nas alíneas h) e i) do n.º 2 e nas duas alíneas do n.º 3 já não se consegue ver onde é que possa estar o nexo lógico, a conexão substancial entre o facto/acto que dá origem à presunção e a criação ou o agravamento da situação de insolvência; do que se trata, em tais alíneas h) e i) do n.º 2 e a) e b) do n.º 3, é de enunciar factos que fazem suspeitar a existência de outros factos relevantes para a situação de insolvência, ou seja, por outras palavras, os factos enunciados – a não organização ou desorganização da contabilidade, a falsificação dos respectivos documentos, a falta sistemática de comparência e de apresentação, aos órgãos processuais, dos elementos exigidos, o incumprimento do dever de apresentação à insolvência e a não elaboração e depósito das contas – fazem supor que, se assim se procedeu, é porque pode haver alguma coisa a esconder, é porque podem ter sido praticados actos que contribuíram para a insolvência e se quis/quer ocultá-los, sendo estes os factos (que se quis/quer ocultar e porventura causais da criação ou agravamento da situação de insolvência[6]) que estão implicitamente presumidos (ou, se preferirmos, ficcionados) nos factos enunciados em tais alíneas h) e i) do n.º 2 e a) e b) do n.º 3 e cuja verificação desencadeia a insolvência culposa. Em síntese, os actos/factos constantes das alíneas h) e i) do n.º 2 e das alíneas a) e b) do n.º 3 são “estranhos” à ideia de nexo lógico, de conexão substancial, de relação causal entre eles e a criação ou o agravamento da situação de insolvência[7]; estando em causa, nas alíneas h) e i) do n.º 2 e nas alíneas a) e b) do n.º 3, o incumprimento/violação dos deveres específicos dos comerciantes (v. g. art. 18.º do C. Comercial) e dos deveres gerais dos insolventes (cfr. art. 83.º do CIRE), sendo em função da violação de tais deveres legais que a lei a supõe que foram praticados actos que contribuíram para a insolvência e se quis/quer ocultá-los, o que determina a aplicação do regime da insolvência culposa a estas situações. Temos pois que a lei (art. 186.º do CIRE), além da cláusula geral contida no n.º 1 (em que define a insolvência culposa), enumerou, nos seus n.º 2 e 3, um conjunto de factos que desencadeiam como consequência a qualificação da insolvência como culposa; factos enumerados em que, “em vez de se limitar a desenvolver, casuisticamente, o enunciado geral [contido no n.º 1], acrescenta alguns casos de insolvência (…) que não se subordinam aos requisitos da noção geral de insolvência culposa – a sua submissão ao mesmo regime resulta de um juízo diferente ou de uma distinta valoração. Em síntese, as alíneas a) e g) são factos/actos que se reconduzem ainda à cláusula geral; havendo nos factos/actos apurados indícios sérios de que a insolvência se deve a tais actos/factos, não surpreendendo ou repugnando que consubstanciem presunções. Mas, nas alíneas h) e i) o caso é diverso. Só muito remotamente algum dos factos/actos pode ser considerado causa de insolvência ou mesmo do seu agravamento. Constituindo, por um lado, a violação de um dever específico do comerciante e, por outro lado, a violação de um dever elementar de todo o insolvente, é legítimo supor que houve culpa qualificada do sujeito – mas culpa qualificada no acto praticado ou omitido e não na insolvência, como é exigido pela norma geral do n.º 1. E, no entanto, desencadeiam os mesmos efeitos da insolvência culposa. O legislador terá entendido submetê-los também ao regime da insolvência culposa não porque eles pudessem ser a causa (real ou presumível) da insolvência, mas porque a probabilidade de o sujeito ter praticado um acto ilícito gravemente censurável justificava submetê-los também. Na base desta opção legal está, portanto, como se disse, uma valoração diferente daquela que terá estado na origem da disciplina. Deve, por isso, considerar-se que a lei estabeleceu, nestes dois pontos, não presunções, mas – passe o paradoxo – verdadeiras ficções.[8] Abarca os casos em que se verifica a culpa qualificada e o nexo de causalidade integrantes da noção de insolvência culposa, nos termos do art. 186.º/1; ou seja, os casos em que tenha havido uma conduta do devedor, ou dos seus administradores, de facto e de direito, que (a) tenha criado ou agravado a situação de insolvência, que (b) se trate de actuação dolosa ou com culpa grave, e que (c) tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo. Além e fora disso, sujeita aos efeitos da insolvência culposa os casos em que se verifique alguma das situações/presunções constantes do n.º 2 e 3 do art 186.º do CIRE (esta última, a ser entendida nos novos moldes consagrados pela citada Lei n.º 9/2022); presunções que também foram estabelecidas, para impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os devedores que violaram obrigações legais. Embora, a própria doutrina não seja unânime, quanto à melhor interpretação dos preceitos em causa. Por exemplo (para além do já acima referido), Alexandre de Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, a pág.s 362/3, defende ser de considerar culposa a insolvência, se a respectiva situação “foi criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave, de devedor ou seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (art.186.º, 1). Assim, a lei exige que esteja em causa um comportamento de certos sujeitos (o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto), a existência de dolo ou culpa grave, uma relação causal entre aquele comportamento e a criação ou agravamento da situação de insolvência e, por fim, que o comportamento tenha lugar dentro de certo lapso de tempo (nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência). A situação de insolvência pode ter sido criada sem que existisse culpa mas pode ter havido culpa no agravamento da situação de insolvência. Em ambos os casos a insolvência pode ser qualificada como culposa”. Incluindo-se na actuação dolosa, todas as modalidades de dolo ou com culpa grave. Acrescentando que o CIRE contém um “duplo sistema de presunções legais”, contendo-se no n.º 2 do artigo 186.º “algumas presunções de culpa que não admitem prova em contrário («sempre culposa»). As presunções ali estabelecidas dizem respeito à culpa e não à situação de insolvência.”. Ao passo que, no n.º 3 do artigo 186.º, se contém “hipótese de cuja verificação resulta uma presunção legal de culpa grave que admite prova em contrário”. Reiterando, a pág.s 376/7 que o artigo 186.º, n.º 2 “não só presume a culpa, mas também o nexo de causalidade quanto à criação ou agravamento da situação de insolvência. Porém, a prova de algum dos factos ali enumerados não significa que se presuma a situação de insolvência”. Reforçando a ideia, a pág. 380 que na previsão do artigo 186.º, n.º 3, as presunções ali previstas “apenas dizem respeito à actuação do devedor. Será, ainda, necessário provar que tal actuação com culpa grave (presumida) criou ou agravou a situação de insolvência”. O que se reforça, com a já supra mencionada alteração ao n.º 3 do artigo 186.º do CIRE.
Como acima já referido, a sentença recorrida teve em linha de conta para a qualificação da insolvência, o que se acha disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE. Estabelece-se na mesma que a insolvência é culposa, no caso de o devedor ter “Destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”. Na sentença recorrida, justifica-se a qualificação da insolvência em apreço como culposa, nos termos acima já transcritos e que se baseiam no facto de o recorrente ter vendido a totalidade dos equipamentos da insolvente e liquidando apenas alguns dos débitos existentes. Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, 3.ª Edição, a pág. 681 “… as várias alíneas do preceito exigem uma ponderação casuística. Em termos genéricos, pode, contudo, dizer-se que todas elas envolvem, por via direta ou indireta, efeitos negativos para o património do insolvente, geradores ou agravantes da situação de insolvência, tal como a define o art.º 3.º”. A interpretação deste preceito, designadamente, no que se refere ao termo “ocultar”, não tem vindo a ser entendido de forma unânime. Como se pode ver, entre outros, no Acórdão da Relação de Guimarães, de 9 de Julho de 2020, Processo n.º 2622/19.7T8VNF-B.G1, que segue os Acórdãos desta Relação de Coimbra, de 28 de Maio de 2013, Processo n.º 102/12.0TBFAG-B.C1 e de 23 de Novembro de 2010, Processo n.º 1088/06.6TBPMS-A.C1, todos disponíveis no respectivo sítio do itij, em que se considerou que o termo ocultar “significa retirar os bens da esfera jurídica do devedor, um descaminho desses bens, que pode impedir ou dificultar, o acesso ao acionamento desses bens por parte do credor … não se exige ocultação no sentido físico, mas apenas no aspeto da situação jurídica do bem”. Ali se fazendo notar que se inclui em tal noção a venda de bens a sociedade controlada pelo alienante, a familiares chegados ou em que o alienante faz desaparecer a quantia recebida pela venda. Para outros, entende-se que está em causa o desconhecimento do paradeiro de bens. A terminologia usada no artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE e no artigo 227.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, que tipifica os elementos do crime de insolvência dolosa, é semelhante. Como refere Pedro Caeiro in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, a pág.s 412/3, estão em causa “condutas que provocam uma diminuição real do património … o devedor deprecia realmente o valor do seu património, causando por essa forma uma situação de insolvência. No que diz respeito à expressão “fazer desaparecer parte do seu património”, parece que ela servirá para atalhar aos casos em que não se descobre o paradeiro de bens que supostamente se deviam encontrar na titularidade do devedor. Não importa se eles foram objecto de uma alienação real ou tão-só fictícia: importa tão-só que os credores não conseguem atingi-los para garantir a satisfação das suas dívidas, pelo que o valor ostensivo do património resulta, em qualquer caso diminuído”.
Volvendo ao caso em apreço e por reporte à factualidade provada, temos que o recorrente procedeu à venda dos bens descritos no item 24.º, pelos valores e motivação aí referidos, em consequência do que a insolvente ficou impossibilitada de continuar a desenvolver a sua actividade (item 25.º), sendo que (cf. item 33.º) o produto das vendas de tais equipamentos deu entrada nas contas da insolvente e foi utilizado, na íntegra, para pagar aos seus credores. De ter, ainda, em linha de conta que, como decorre dos itens 24.º e 35.º, que a causa que determinou tais vendas e a insolvência da requerente, foi a diminuição da actividade da insolvente, devido ao surgimento da pandemia Covid-19. Em suma, temos que a venda dos bens é consequência da quebra de actividade da insolvente e que os valores recebidos foram, integralmente, reflectidos na contabilidade da insolvente e afectos ao pagamento aos seus credores. Ou seja, no caso em apreço não estamos nem perante uma situação em que se desconheça o paradeiro dos bens vendidos, pelo que não se poderá falar na “ocultação” dos mesmos, nem em que, por virtude dessas vendas, os credores tenham ficado privados dos proventos assim obtidos, sendo, ainda, de notar que, contrariamente ao alegado, não se demonstrou que as vendas tenham sido feitas por valores inferiores aos reais (cf. al.s d) e f), dos factos tidos como não provados. Sabe-se qual o paradeiro dos bens, bem como se conhece o destino que foi dado ao produto das vendas, que não foi afectado ao interesse pessoal do ora recorrente. Ao invés, o destino de tais verbas foi a satisfação dos credores da insolvente. Ou seja, o recorrente não se apropriou de tais valores nem os utilizou para outro fim que não o do pagamento das dívidas da insolvente. Pelo que, salvo o devido respeito por contrária opinião, entendemos, face às ora referidas particularidades da situação em apreço, que não se mostram preenchidos os requisitos previstos no artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, para que a insolvência em análise possa ser qualificada como culposa. É certo que se poderá obstar que com o produto da venda o recorrente não liquidou todas as dívidas, podendo colocar-se em causa a violação do princípio da igualdade dos credores que deve presidir ao plano de insolvência, como decorre do artigo 194.º do CIRE. No entanto, para que assim se pudesse considerar, não basta o que resulta do teor do item 34.º, importando saber quais os créditos que foram satisfeitos, se eram comuns ou privilegiados e qual a ordem pela qual tenham sido graduados. O que nada resulta da factualidade aqui a ter em apreço. Da factualidade dada como provada não se pode concluir que o recorrente tenha beneficiado qualquer credor ou classe de credores, em prejuízo de outros. Apenas se apurou que usou o produto das vendas para pagamento aos credores, o que, sublinhe-se, é insuficiente, para se concluir se existe ou não, violação das regras que determinam a graduação de créditos. Concluindo, entendemos que não se pode qualificar a insolvência em apreço como culposa, do que resulta ser a mesma de qualificar como fortuita, como resulta do disposto no artigo 185.º do CIRE “por exclusão de partes” – cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., a pág. 678 (nota 4 ao artigo 185.º do CIRE). Pelo que, quanto a esta questão, procede o recurso.
Em face da procedência desta questão do recurso, não se conhece, por prejudicadas, das questões acima elencadas em D) e E).
Nestes termos se decide: Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que qualifica a insolvência da M..., Unipessoal, L.da, como fortuita. Custas pela massa insolvente, cf. artigo 304.º do CIRE. Coimbra, 11 de Outubro de 2022. [1] Cfr. art. 6.º do CIRE. [2] Sem prejuízo do 186.º/4 mandar aplicar, “com as necessárias adaptações”, os n.º 2 e 3 à actuação da pessoa singular. [3] Cfr., v. g., Ac. Rel. de Guimarães de 12/03/2009, in CJ online, ref. 5220/2009; e Ac. Rel. de Coimbra de 20/04/2010, in CJ online, ref. 3246/2010, e de 08/02/2011, in CJ online, ref. 741/2011. [4] Que, no contexto da insolvência de um devedor que não seja pessoa singular, se configuram como infracções ao dever geral de fidelidade consagrado no art. 64.º/1/b) do CSC. [5] Como é evidente, a delapidação de património causa ou pode causar, pela diminuição de recursos que gera, impossibilidades de cumprimento e/ou activos manifestamente inferiores ao passivo (cfr. art. 3.º/1 e 2 do CIRE). [6] Como refere Catarina Serra, local citado, pág. 65, “entre o facto conhecido – não organização ou desorganização da contabilidade e a falsificação dos respectivos documentos, a falta sistemática de comparência e de apresentação, aos órgãos processuais, dos elementos exigidos – e o facto desconhecido ou presumido – insolvência culposa – interpõe-se um outro que não chega a ser conhecido”. [7] É também e justamente por isto que dissemos que a exigência da prova do nexo causal entre os factos do n.º 3 e a criação ou agravamento da situação de insolvência redundaria na inutilidade e no esvaziamento do art. 186.º/3 do CIRE. |