Decisão Texto Integral: | Relatório
Por despacho de 26 de Janeiro de 2009, proferido pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, nos autos de processo gracioso para concessão de liberdade condicional relativo ao arguido C..., foi decidido que tendo sido concedida liberdade condicional ao arguido pelos 5/6 das penas, que à data sucessivamente cumpria, não há lugar, no remanescente que ora cumpre, à apreciação da Liberdade Condicional, pelo que devem ao autos aguardar o cumprimento integral, arquivando-se os autos após confirmação da libertação do arguido.
Inconformado com o despacho de 26 de Janeiro de 2009, dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. O recluso que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
2. A liberdade condicional pelos 5/6 destina-se apenas a facilitar a integração controlada de reclusos sujeitos a penas longas de privação da liberdade
3. Uma pena residual por revogação de liberdade condicional inferior a 6 anos não leva à concessão de liberdade condicional pelos 5/6.
4. A revogação da liberdade condicional dá lugar ao cumprimento de uma pena cuja duração é igual à parte não cumprida da pena ou penas em execução aquando da concessão de liberdade condicional.
5. Não há lugar ao retomar do cumprimento das penas anteriores e respectivos computos.
6. A pena residual por revogação da liberdade condicional, posto que determinada pela pena inicial, desta é autónoma.
7. Havendo nova pena a cumprir, deverá esta ser interrompida nos termos legais, para apreciação da liberdade condicional.
8. O TEP não está vinculado a “ligamento” ou “desligamento” por parte de outros tribunais para a a apreciação da liberdade condicional.
9. A contagem sucessiva é da exclusiva competência do TEP.
10. Foram violadas, entre outras, as normas dos artigo 61.º, 63.º n.º 2 e 64.º n.º 3 do Código Penal,
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, pois assim é de Direito e só assim se fará Justiça.
O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
A Ex.ma Juíza manteve a decisão recorrida nos termos que constam do despacho de 15 de Setembro de 2009.
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra apôs o seu visto.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« Promoção de fls. 77:
Nada tendo sido esclarecido nada a determinar por ora.
Renova-se que não dispõe o Mº Pº de competência funcional para determinar à Secção de processo o cumprimento do art. 484.º do C.P.P., pelo que tal comando não deve ser cumprido.
Fls. 79 e segs.
respeitam ao processo, à ordem do qual o arguido se encontrava, quando lhe foi concedida a L. Condicional, pelos 5/6 das penas que, à data, sucessivamente cumpria.
Tendo sido libertado pelos 5/6, e de acordo com a jurisprudência que vimos seguindo (acórdãos da Relação do Porto, de 22/2/6 em WWW.dgsi.pt e acórdão da Relação de Coimbra, proferido no proc.º 88/01.7TXPRT- B. C1, entre muitos outros), não há lugar, no remanescente que ora cumpre, à apreciação para efeitos de L. Condicional.
Assim aguarde cumprimento integral, arquivando os autos após confirmação da libertação do arguido.
D.N.»
*
*
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:
- se o despacho recorrido ao decidir que o arguido/recluso, que cumpre pena remanescente por revogação de liberdade condicional, deve cumprir integralmente esta pena, violou o disposto nos artigos 61.º, 63.º, n.º 2 e 64.º, n.º3, do Código Penal, uma vez que o recluso tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
Passemos a conhecer desta questão.
A liberdade condicional é predominantemente definida como um incidente de execução das penas privativas da liberdade, incluído no quadro de combate ao carácter criminógeno deste tipo de penas.
Como resulta do ponto n.º 9 do preâmbulo do Código Penal de 1982, o seu objectivo definido é « o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido põe efeito da reclusão.».
Na concretização destes objectivos do instituto da liberdade condicional o art. 61.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, enuncia os pressupostos e duração da mesma liberdade, estabelecendo designadamente o seguinte:
« 1 – A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.».
Considerando que o condenado pode estar sujeito à execução sucessiva de várias penas e importava conhecer o momento em que, nesse caso, o condenado devia ser colocado em liberdade condicional, o art.63.º do Código Penal, na redacção de 2007, estabelece o seguinte:
« 1- Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.
2- Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3- Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
4- O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.».
Por fim, o art.64.º do Código Penal, na versão de 2007, que o recorrente Ministério Público invoca também como tendo sido violado pelo despacho recorrido, estatui o seguinte:
« 1- É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º , nas alíneas a) a c) do artigo 55.º, n.º n.º1 do artigo 56.º e no artigo 57.º.
2- A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
3- Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º».
O que está em causa é , essencialmente, a interpretação do art.64.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal.
O Código Penal de 1982, na sua primitiva redacção, estatuia no art.63.º, n.º 2 , que « A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida, nos termos gerais, nova liberdade condicional.».
No dizer do Prof. Figueiredo Dias , « Esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluida, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar.» Direito Penal Português, Noticias Editorial, pág. 550.
.
Sobre este preceito diz o Cons. Maia Gonçalves, que « Há uma particularidade da revogação da liberdade condicional relativamente à revogação da suspensão da execução da pena. Se esta última for revogada o efeito será, sem mais, o cumprimento da pena fixada na sentença, não havendo portanto possibilidade de nova suspensão. Não assim, porém, quanto à prisão que vier a ser cumprida em consequência da revogação da liberdade condicional; aqui pode haver lugar à concessão de nova liberdade condicional, se se verificarem os respectivos pressupostos fixados no art.61.º. Tudo dependerá aqui de novo juízo de prognose a efectuar pelo Tribunal.» Código Penal Português, 8ª edição, pág. 342. .
Da liberdade condicional ocupa-se também o art.486.º do Código de Processo Penal, que no seu n.º 1 estatui que « Quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver ainda de prosseguir por mais de um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do art.484.º, até dois meses antes de decorrido o período de que depende a concessão.».
Nem deste preceito processual penal, nem do art.64.º, n.º 3 do Código Penal na redacção actual , ou do art.63.º do Código Penal, na redacção de 1982, resulta qualquer restrição na apreciação da concessão da liberdade condicional relativamente à pena de prisão residual ainda não cumprida, que resulta da revogação da liberdade condicional.
Resulta dos presentes autos que no proc. PGLC n.º 732/07.2TXCBR, por despacho de 30 de Março de 2007, foi concedida liberdade condicional ao arguido C… , pelo período decorrente até 1 de Junho de 2008, cumpridos que se encontravam cinco sextos da pena de 5 anos e 9 meses de prisão em que o mesmo havia sido condenado no proc. n.º 152/01.2GBCNT e 1 ano de prisão em que havia sido condenado no proc.n.º 445/96.9TBCBR., tendo sido passados mandados de libertação para 16-4-2007 – cfr. folhas 33, 34 e 41 do Proc. 732/07.2TXCBR apensado aos presentes autos.
Entretanto, por sentença de 17 de Janeiro de 2008, veio o arguido a ser condenado no proc. n.º 40/.08.1PCCBR, na pena de 7 meses de prisão, tendo sido detido a 5 de Março de 2008 para cumprimento da pena.- cfr. folhas 121 a 128 do Proc. 732/07.2TXCBR apensado aos presentes autos.
No proc. n.º 1629/07.1PBCBR, por sentença transitada a 22-7-2008, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão e, por sentença de 8-10-2008, foi esta pena cumulada com a pena aplicada ao arguido no proc. n.º 40/.08.1PCCBR, tendo sido condenado na “pena única” de 10 meses de prisão, terminando o cumprimento desta pena em 3 de Janeiro de 2009. – cfr. folhas 4 a 9 e 76 dos presentes autos.
Por despacho de 15 de Dezembro de 2008, o TEP revogou a liberdade condicional que havia sido concedida ao arguido no despacho de 30 de Março de 2007.- cfr. folhas 33 a 36 dos presentes autos.
Da liquidação da pena remanescente, homologada pelo Juiz do proc. n.º 152/01.2GBCNT, resulta que o arguido tem a cumprir 1 ano, 1 mês e 15 dias de prisão , atingindo o termo da pena a 3 de Janeiro de 2009. – cfr. folhas 38 a 43 dos presentes autos.
Considerando o que atrás deixámos exposto, a pena remanescente de 1 ano, 1 mês e 15 dias de prisão não está excluida de eventual concessão de liberdade condicional.
Esta pena residual, para efeitos de concessão da liberdade condicional, está sujeita aos pressupostos gerais a que alude o 61.º do Código Penal, na redacção em vigor, ou seja, deve ser apreciada à metade e aos dois terços do seu cumprimento para eventual concessão de liberdade condicional.
Uma vez que o art.64.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal não exige o cumprimento integral pelo arguido da pena remanescente que resulta da revogação da liberdade condicional, não pode subsistir o despacho recorrido.
Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando o despacho recorrido determina-se que, após as necessárias diligências, proceda o TEP à apreciação da liberdade condicional quanto à pena remanescente nos termos que constam do art.61.º, aplicável por força do art.64.º, n.º 3 , ambos do Código Penal.
Sem custas.
*
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
*
Coimbra,
|