Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1674/23.0T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: INVENTÁRIO SUJEITO AO REGIME DA LEI 23/2023 DE 5/3
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE COMARCA/TRIBUNAL DA RELAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES PROCESSUAIS
RECURSO DA DECISÃO QUE AS APRECIA
EFEITOS DA RENÚNCIA AO MANDATO
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2.º, 3 E 4, DO ANEXO À LEI 117/2019, DE 13/9
ARTIGOS 3.º, 7; 7.º, 4; 47.º, 2 E 3 E 76.º, DO RJPI
ARTIGOS 67.º; 68:º E 644.º, 2, DO CPC
Sumário: 1. - Cabendo recurso de decisão notarial (não jurisdicional) no âmbito de autos de inventário instaurados segundo o regime decorrente da Lei n.º 23/2013, de 05-03 – o mesmo ocorrendo à luz do posterior regime emergente da Lei n.º 117/2019, de 13-09, com entrada em vigor em 01-01-2020 –, a competência para a sua apreciação assiste sempre ao Tribunal Judicial de Comarca e não à Relação.

2. - À Relação apenas cabe conhecer dos recursos nesse âmbito instaurados de decisões judiciais (as do Tribunal de Comarca).

3. - Pretendendo invocar-se nulidades processuais referentes à tramitação do inventário no âmbito notarial, a respetiva arguição deve ocorrer, desde logo, perante o Notário (a entidade que as praticou), sob pena, em regra, de sanação.

4. - Da decisão notarial sobre tais nulidades pode equacionar-se a impugnação para o Tribunal de Comarca, sob pena de aquela se tornar definitiva, e não a interposição de recurso de apelação perante a Relação.

5. - Decidida pelo Tribunal de Comarca a devolução dos autos à esfera notarial, por não se encontrarem acompanhados de mapa da partilha, a fim de ser suprida essa omissão, inexiste extemporaneidade ou nulidade na subsequente elaboração desse mapa pelo Notário, a coberto daquela determinação de remessa, sem o que não poderia ser homologada a partilha e os autos não alcançariam a sua finalidade.

6. - Os efeitos da renúncia do mandato no âmbito do patrocínio por advogado apenas se produzem a partir da notificação do mandante, notificação essa pessoal e com a advertência, nas situações de patrocínio obrigatório, a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 47.º do NCPCiv., sendo que a suspensão da instância não ocorre, neste último caso, antes do prazo de 20 dias a que alude o n.º 3 do mesmo artigo.

7. - Assim, a renúncia não desencadeia a imediata/automática cessação de funções por parte do mandatário renunciante, nem a imediata paralisação, ipso facto, do processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Intentados ([1]) autos de inventário para partilha de bens de herança em Cartório Notarial ..., em que é inventariado AA, melhor identificado nos autos – com subsequente cumulação de inventários, por morte de BB, cônjuge pré-falecido daquele –, sendo cabeça de casal CC e o outro interessado DD, estes também com os sinais dos autos,

apresentada a relação de bens, de que foi notificado aquele interessado DD, veio o mesmo oferecer reclamação contra tal relação, pugnando pela respetiva alteração, com formulação de requerimento probatório.

Observado o princípio do contraditório, com resposta da Cabeça de casal, também com formulação de requerimento probatório, procedeu-se a audiência preliminar e, após vicissitudes de aquisição/produção probatória (documental e pessoal), teve lugar, em 18/04/2023, conferência de interessados, à qual compareceram a Cabeça de casal, a respetiva advogada, o interessado DD e a sua advogada.

Nessa altura, enunciada/elaborada pelo Notário a relação de bens, consta da respetiva ata que:

A que se seguiu a prolação de decisão notarial, nos seguintes termos:


Porém, mediante requerimento – dirigido ao Exm.º Notário – de 18/05/2023, a Cabeça de casal veio invocar nulidade processual (a que alude o art.º 195.º do NCPCiv.), cometida no decurso da dita conferência de interessados, por a mesma ter sido prosseguida na ausência daquela, e sem pessoa que a representasse, concluindo pelo seguinte modo:

«35. Assim, é nulo o acto que agora se impugna porque praticado com preterição total do procedimento legalmente devido, pelo que o mesmo deve ser declarado como tal, o que se requer, assumindo as consequências legalmente previstas.

36. Desta forma, deve ser o acto anulado, tal como os seus termos subsequentes que dela dependam, e portanto repetida a respetiva diligência por forma a colmatar tal irregularidade, o que se requer.».

O interessado DD opôs-se ao requerido, concluindo pela respetiva improcedência.

Na sequência, foi proferida decisão notarial, datada de 14/06/2023, que indeferiu a reclamação/arguição suscitada ([2]).

Remetido o processo ao Tribunal para homologação, a Exm.ª Juiz determinou a respetiva devolução, por não se encontrar junto o mapa da partilha.

Elaborado, então, o mapa da partilha (como consta de despacho notarial datado de 11/10/2023, sujeito a retificação por despacho de 12/10/2023), veio a Cabeça de casal arguir a respetiva nulidade (por força da nulidade alegadamente praticada na conferência de interessados e por a elaboração do mapa da partilha ser extemporânea e, como tal, vedada por lei).

Tendo o interessado DD tomado posição no sentido da legalidade do mapa da partilha e do indeferimento das invocadas invalidades, foi depois proferido despacho notarial, datado de 30/10/2023, rejeitando a arguição de nulidade.

Seguiu-se nova remessa dos autos ao Tribunal, com subsequente devolução à esfera notarial, após o que – oferecidos novos requerimento e resposta – foi proferida nova decisão notarial, assinada em 05/03/2024 ([3]), incorporando novo mapa da partilha.

Remetidos os autos ao Tribunal, foi proferida sentença homologatória, datada de 28/05/2024, com o seguinte teor integral:

«Despacho de 05-03-2024:

Tomei conhecimento dos esclarecimentos prestados.

*

Nos presentes autos de inventário, que correm os seus termos sob o número de processo 4164/19, no Cartório Notarial ..., a cargo do Exmo. Senhor Notário EE, procede-se à partilha da herança deixada por óbito de AA.

Verificados que se mostram os pressupostos legais de que depende, homologa-se, por sentença, a partilha constante do mapa elaborado a 01-03-2024 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, adjudicando a cada um dos interessados os bens e direitos que lhes cabem de acordo com o mesmo, cf. artigo 66.º, n.º 1 do regime anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de Março ex vi artigo 11.º, n.º 2 do regime anexo à Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.

*

As custas deverão ser suportadas pelos interessados na proporção do que receberam, cf. artigo 67.º, n.º 1 do regime anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de Março e artigo 1130.º, n.º 1 do CPC.

*

Valor da causa: € 92.581,75 (noventa e dois mil, quinhentos e oitenta e um euros e setenta e cinco cêntimos), cf. artigo 302.º, n.º 3 do CPC.

*

Registe e notifique, informando segundo o disposto no artigo 36.º, n.º 7 do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e artigo 44.º, n.º 4 do Código do Imposto de Selo.

*

Oportunamente, devolva os autos ao Cartório Notarial ....

D.N.» (destaques retirados).

Inconformada, a Cabeça de casal veio interpor recurso ([4]) para este Tribunal da Relação (doravante, TRC), apresentando alegação e formulando as seguintes

Conclusões ([5]):

«A. A Recorrente recorre da Decisão proferida nos supra identificados autos que decidiu homolgar por sentença a partilha constante no mapa elaborado a 1-03-2024 nos autos que correram termos sob o número ...64/19 no Cartório Notarial ..., pretendendo o recorrente a da decisão do Notário sobre a resposta à reclamação contra a relação de bens, da nulidade de falta de representação juridica por parte da cabeça de casal e da nulidade do mapa de partilha.

B. As decisões interlocutórias são decisões dos notários e não decisões dos tribunais, sendo que a competência para o conhecimento da impugnação das mesmas não é, como regra, do tribunal da comarca, mas sim do tribunal da relação, porque elas devem ser incorporadas no recurso da decisão homologatória da partilha.

C. Das decisões dos notários que decidem as reclamações contra as relações de bens não é admissível recurso autónomo.

D. Esta decisão apenas pode ser impugnada com o recurso da sentença homologatória da partilha, pois que a reclamação em causa não é um incidente de instância propriamente dito.

E. Sucede que dentro da lógica acima exposta se deverá entender que a impugnação da decisão (do notário) a respeito da reclamação sobre a relação de bens, porque tal decisão não incide sobre incidente processado autonomamente nos termos da 2ª parte da al. a) do nº 1 do art. 644º CPC, só pode vir a ser feita no recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha, nos termos do nº 2 do art. 76º, e nº 3 do art. 66º do RJPI .

F. Posto isto, nos presentes autos foi apresentada a competente relação de bens e a consequente reclamação à relação de bens.

G. A esta relação de bens foi realizada a Reclamação à Relação de Bens por parte do interessado.

H. Perante tal, foi proferido pelo Doutor Notário despacho no passado dia 04/10/2023 que referia o seguinte:

I. “ A cabeça de casal apresentou a Relação de Bens (RB) tendo junto 6 cadernetas prediais, uma certidão Predial e uma Declaração de Saldos, à data do óbito do Inventariado, emitida pelo Banco 1.... O interessado DD, apresentou uma Reclamação, em que pede a integração na RB de uma dívida de €50.000,00, que a cabeça de casal contraiu junto do Inventariado, pai de ambos.

Reclama, ainda, a relacionação de €20.511,75, referente a valores transferidos da conta do Inventariado para contas dela própria e do marido.

Igualmente reclamou que seja integrada na RB uma divida, respeitante a IMI´s, por ele pagos.

Propugnou, na Reclamação, que se deveriam eliminar os valores da rubrica” Créditos” da RB.

Tendo em vista a comprovação do que alegou, o interessado DD, requereu diversas diligências, junto do Banco 1... e do Banco 2... e requereu a inquirição de testemunhas. Juntou, ainda, extractos bancários e documentos referentes a IMI´s por ele pagos.

Na resposta à Reclamação, a cabeça de casal contestou o que foi invocado pelo interessado DD, à excepção dos IMI´s, tendo afirmado que a conta donde foram ordenadas as transferências, era uma conta de que era titular com o pai e que tinha a ver com negócios de gado que o pai fazia com o auxílio ( logístico) dela, e arrolou testemunhas.

Os bancos deram as informações solicitadas, das quais releva a prestada pelo Banco 1..., donde constam as transferências efetuadas por ordem da cabeça de casal, uma no valor de €17.114,76€ para uma conta de que ela própria é titular e outra no valor de 19.864, de que é titular o seu marido.

Ouvido o interessado DD, este, no que se afigura relevante para a decisão, declarou que o inventariado havia feito um depósito em nome do filho, no valor de €38.209,95 e que na mesma ocasião fizera um depósito em nome da filha, no valor de €39.235,26, tendo corroborado o que consta da Reclamação à RB, quer quanto aos valores transferidos pela cabeça de casal, quer quanto ao empréstimo de €50.000,00 que o pai fizera à cabeça de casal.

Ouvida a cabeça de casal, disse não se recordar, com exatidão, das transferências por si ordenadas, mas disse que a conta do Banco 1... era uma conta conjunta que tinha com o inventariado, referente, a negócios de gado que tinha com o pai.

Confirmou que eram suas as assinaturas apostas nas ordens de transferências de €17.114,76 e €19.864,00.

Apesar de não se recordar do pai ter dividido €78.000 por ela e pelo irmão, declarou que o pai lhe deu €35.000.

Negou que o pai lhe tivesse emprestado €50.000,00.

As testemunhas arroladas, apesar da relação que têm com o interessado DD, depuseram, duma forma séria e idónea, apenas acrescentando ao que já constava dos autos, que o inventariado já há muitos anos que não negociava em gado.

Face à prova produzida, considero:

Que não foi feita prova suficiente que permita concluir a data e o modo como o alegado valor de €50.000,00 foi emprestado à cabeça de casal;

Que face aos movimentos bancários que constam dos documentos do Banco 1..., deverá ser relacionado o valor de €20.511,75, a que se reportam as transferências efetuadas pela cabeça de casal, deduzidos do valor por ela reembolsados.

Que deve ser relacionado, como dívida da herança, o valor despendido pelo interessado DD com o pagamento dos IMI´s.

Deve ser eliminada da RB a verba de €39.700,00( verba sete- Créditos)”

J. Perante tal despacho onde se retira valores que obrigatoriamente serão de integrar no acervo hereditário não se pode de forma alguma concordar com o despachado.

K. Pois que o interessado DD veio reclamar a relacionação da quantia de 20.511,75€ (vinte mil, quinhentos e onze euros e setenta e cinco cêntimos) como pertecente ao acervo hereditário, pela exclusão da quantia relacionada de 39.700,00€ (trinta e nove mil e setecentos euros) alegando que a mesma pertence ao interessado ou caso assim não se entendesse se relacionasse a quantia de 38.235,66 (trinta e oito mil, duzentos e trinta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos).

L. Ora, refere o artigo 2031º do Código Civil que a a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicilio dele.

M. O acervo hereditário é, portanto, o existente na titularidade do autor da herança no momento do óbito, ou seja, apenas inclui posições jurídicas que, nesse fulcral momento, estivessem na esfera juridica do autor.

N. Ora, no caso dos autos e para que o ora interessa, o inventariado era titular em regime de solidariedade com a cabeça de casal, de contas bancárias.

O. Tendo vindo o interessado indicar e o Notário aceitar que a cabeça de casal deve à herança determinadas quantias alegando transferências realizadas em 2011 e 2012 todas elas muito anteriores ao óbito e das quais a cabeça de casal era também titular.

P. A cabeça de casal relacionou entre o mais, a existência de saldos à data do óbito do inventariado, a saber a quantia de 39.700,00€ ( trinta e nove mil e setecentos euros) abusivamente levantada pelo interessado e na posse do mesmo, conforme documento já junto aos autos, e a quantia de 2.930,46€ ( dois mil, novencentos e trinta euros e quarenta e seis cêntimos).

Q. Foram estes os saldos relacionados e são estes os saldos integrantes do acervo hereditário.

R. Documental e objetivamente poderão comprovar que o inventariado em vida as deu à cabeça de casal, que transferiu a sua titularidade para a cabeça de casal com qualquer outro fundamento, ou que são quantias transferidas de conta tituladas em regime de solidariedade com o inventariado, que sempre foram pertença do cabeça-de-casal.

S. Indubitável é que, à data do óbito não eram do inventariado.

T. E note-se que falamos de transferências ocorridas em 2011 e 2012 sendo que refere-se ainda levantamentos a transferências realizadas no inicio de 2016, realizadas pelo próprio inventariado.

U. O inventariado em vida era livre para dispor das suas quantias, podendo tê-lo feito por qualquer razão, nada tendo de ser justificado, ou sequer questionado.

V. Parecendo-se olvidar que para que as quantias que, à data do óbito, não estavam depositadas em contas do inventariado mas que, em momento anterior, tinha sido suas, fossem integradas no acervo hereditário, teria sido necessária a alegação e prova de que as mesmas quantias tinham sido ilicitamente sutraídas ao seu dono.

W. Tal nunca foi alegado, muito menos provado, pelo que os levantamentos, transferências dessas quantias do património do inventariado para a cabeça de casal, em vida da inventariada, se tem de ter como lícita e válida.

X. Competia ao interessado DD alegar e provar, não apenas que os valores das contas em causa, pertenciam (eventualmente em parte) ao inventariado, mas também que a cabeça-de-casal tenha porcedido àqueles movimentos à revelia do inventariado, sem o seu conhecimento ou autorização, apropriando-se ilicitamente de valores que não lhe pertenciam.

Y. Se a prova da titularidade (ainda que parcial) do inventariado, no momento dos levantamentos/transferências (não no momento do óbito) podia ser feita com recurso às presunções dos artigos 516º,1403º e 1404º do código civil, já tanto não sucede com a prova da ilicitude dos movimentos.

Z. Quanto a uma eventual ilicitude dos movimentos feitos em vida do inventariado o interessado DD nada alegou nem provou.

AA. Apenas existiria uma crédito da herança sobre a cabeça de casal se fosse alegado e provado que tais movimentos foram feitos sobre valores que não eram seus ( uma vez que a conta era co-titulada) que foi feita contra a vontade do de cujus, cabendo o ónus da prova a quem pretenda obter o relacionamento de tal quantia.

BB. Para que assitissse razão ao interessado, e por forma a tais valores serem relacionados seria necessária alegação e prova de que essas quantias pertenciam ao inventariado e que foram subtraidas do património daquele de forma ilicita, o que nunca sucedeu.

CC. Que não se sente verdadeiramente lesado, pois que não o foi, tenta sim ficar na posse da quantia de 39.700,00€ que pertence à herança e que o mesmo subtraiu desta em Janeiro de 2019, ou seja, três anos depois da morte do inventariado.

DD. O aqui inventariado faleceu a 13 de novembro de 2016, sendo que em 04.01.2019 o interessado DD se apoderou da quantia de 39.700,00€, pertencente à herança, conforme já confessado pelo próprio nos seus aticulados.

EE. Ora é por demais evidente que o interessado DD foi o único que abusivamente e após a morte do seu pai subtraiu quantias que pertenciam à herança, sabendo qual a consequência, persistiu em requerimentos, e requerimentos, solicitações e mais solicitações, com um único próposito manifestamente dilatório.

FF. Ora, para que tais quantias fossem integradas no acervo hereditário, sempre teria de ser alegado e provado que as mesmas tinham sido ilicitamente subtraidas ao de cujos, o que não sucedeu.

GG. Sendo que a única quantia subtraída de forma ilicita e ilegitima foi realizada pelo interessado DD quando em 04.01.2019 procedeu ao levantamento da quantia de 39.700, 00€, quantia esta que integrava o acervo hereditário e o que o interessado fez sua.

HH. Sendo que esta quantia sem qualquer razão de direito, foi excluida pelo Notário, que sem qualquer fundamentação para a sua decisão, como é notório do despacho que supra é mencionado, retirada do acervo de bens a partilhar.

II. Pelo que deveria ter improcedido a reclamação de bens apresentada porquanto se limitava a invocar movimentos, transferências e levantamentos, realizadas em vida do inventariado, pelo próprio ou pela co-titular da conta pelo que manifestamente sem qualquer relevância para aos autos.

JJ. Quantias estas que não deveriam ter entrada nos bens a partilhar e por despacho do Notário, assim as considerou parte do acervo hereditário.

KK. Desta forma, se considera que o despacho proferido pelo Notário onde integra e exlcuiu verbas à Relação de bens apresentada pela Cabeça-de-casal terá de ser reapreciado, tendo em conta a sua falta de base legal, estando assente em conceitos que não refletem as leis sucessórias e pela sua falta de fundamentação para a exclusão de verbas.

LL. Razão pela qual se recorre desta decisão interlocutória proferida pelo Notário, e que tem sérias e reais interferências no que resulta dos bens e dos valores a partilhar e que integram o património de cada um dos interessados na partilha.

MM. Quanto à nulidade de falta de representação juridica por parte da cabeça de casal no passado dia 8 de Maio de 2023 foi a Cabeça de Casal notificada da douta Ata de Conferência de Interessados relativa ao processo de Inventário supra identificado.

NN. Acontece que no transato dia 18 de Abril de 2023 foi aberta a Conferência de Interessados, encontrando-se presentes a Cabeça de Casal, CC, a sua mandatária Dra. FF, o interessado DD e a sua mandatária Dra GG.

OO. SucClaramente, emocionalmente instável e não obstante as várias tentativas de todos os intervenientes na Conferência de Interessados foi-lhe dito que seria um formalismo legal e que teria de apresentar propostas em carta fechada, a cabeça-de-casal bloqueou e não ouvia qualquer dos intervientes, nem se lembrando actualmente de grande parte desse momento.

PP. Evidentemente instável e alterada emocionalmente, tendo sempre de se atender ao facto ser uma pessoa de já avançada idade e com problemas de saúde, como aliás se encontra já documentado nos presentes autos, os desenvolvimentos do processo de inventário que já se prolonga há 5 anos e o processo crime que correu os seus termos no Juizo Local Criminal ... contra o ora interessado, contribuíram bastante para este desequilibrio emocional.

QQ. Perante tal situação, e existindo uma quebra de confiança a Ilustre Mandatária da Cabeça de Casal apresentou de imediato nos Autos a sua renúncia ao mandato, ficando o mesmo a constar em acta.

RR. Perante tal renúncia ao mandato por parte da Ilustre Mandatária, a mesmo retirou-se da diligência.

SS. Contudo e perante todo o sucedido, não existindo presentes nem a cabeça de casal, nem se encontrando esta representada, a diligência prosseg[u]iu na ausência total de uma das partes, tendo decorrido o seu tramitar regular.

TT. Pois que é a cabeça de casal informada que foram efetivamente apresentadas propostas em carta fechada por parte do interessado DD, tendo sido-lhe adjudicado todos os bens relacionados a este, desenlançando-se por fim o presente processo de Inventário.

UU. É facto que nos termos do previsto no artigo 1090º “é obrigatória a constituição de mandatário: a) para suscitar ou discutir qualquer questão de direito; b) para interpor recurso.”

VV. Certo também é que os presentes autos de inventário foram interpostos por Mandatária, tendo sempre esta acompanhado a cabeça de casal, em todas as diligência relativas ao mesmo, como estava no seu direito e por necessitar desta prestação e acessória jurídica ao longo do processo.

WW. Pelo explanado é nosso humilde entendimento que até sendo discutível que o presente processo de inventário poderá ser englobado num dos tipos de processo onde poderá existir a constituição obrigatória de mandatário, tendo em linha de conta o seu valor e ainda por ao longo do mesmo já terem sido suscitadas inúmeras questões de direito que tornaram tal alvo de constituição obrigatória, já não será dúbio que existia desde o nascer do autos a representação da cabeça de casal por mandatário e a sua consequente intervenção ao longo do mesmo.

XX. Ora, parece-nos também, salvo melhor entendimento, que sempre tendo sido representada por mandatário, já não explanando o facto de a cabeça de casal se encontrar visivelmente debilitada emocionalmente, ao existir no decorrer da diligência uma renúncia ao mandato forense, teria a mesma de ser imperativamente interrompida.

YY. Além de que, considera-se, deveria a cabeça de casal ter sido notificada da sua interrupção e sido dada a possibilidade da mesma constituir novo mandatário, num prazo de tempo legalmente admissivel e que não causasse constrangimentos processuais.

ZZ. A cabeça de casal goza do direito de ser representada por mandatário e existindo uma renúncia ao mandato no decorrer de uma diligência, sempre terá de ser recorrer ao formalismo legal, ainda para mais atendendo a que tal renúncia a deixa numa situação de fragilidade, englobando num conjunto de incidentes processuais, que em qualquer diligência processual ordena a sua interrupção.

AAA. Até porque sempre terá de se dizer, que um dos principios elementares do processo civil, plasmado no artigo 4º obriga a “assegurar ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercicio de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

BBB. O que não se considera ter verificado na presente diligência, tendo em conta que a diligência decorreu à revelia da cabeça de casal, e da inexistência de qualquer pessoa que a representasse, não obstante a contra parte se encontrar presente e com a presença da sua Ilustre Mandatária, realizando propostas sem qualquer conhecimento ou possibilidade de contra-propostas da parte da cabeça-de-casal

CCC. Tal situação desvirtua, na nossa humilde opinião, o objeto e a finalidade da presente diligência em consideração e inevitavelmente o seu desfecho.

DDD. O que acabou por suceder.

EEE. Encontramos solução legislativa no regime das nulidades.

FFF. Sendo também certo que a cabeça de casal, como interessada é parte legítima para a arguição da mesma.

GGG. Por todo o explanado, é entedimento da cabeça de casal, que tendo a referida diligência ter sido continuada, não obstante a parte não se encontrar presente e ter a sua anterior Ilustre Mandatária renunciado ao mandato, naquele acto se impunham outras formalidades que foram preteridas, nomeadamente a interrupção da diligência e um prazo para a cabeça de casal constituir novo mandatário.

HHH. Pois que por duas ordens de razão, quer pela clara instabilidade demonstrada pela cabeça de – casal que não se encontrava em condições psicológicas para a realização da dita diligência, que foi notório entre todos os presentes, quer por naquela mesma diligência ter a cabeça de casal ficado sem representação forense, além de não se encontrar sequer presente na mesma, tendo as propostas referidas decorrido à sua revelia.

III. Sendo apenas notificada do desfecho de tal, que importa a adjudicação de todos os bens relacionados ao interessado, contraparte, no passado dia 8 de Maio de 2023.

JJJ. Ora, parece-nos que tal preterição de formalidade, prevista na lei e que decorre da experiência comum, tendo em conta o sucedido em conferência, impunha formalidades que ao não terem sido seguidas tiveram uma influência direta na decisão da causa.

KKK. Basta reconhecer que ao estar presente a cabeça de casal, certamente os bens relacionados não teriam sido totalmente adjudicados ao interessado DD.

LLL. Assim, é nulo o acto que se impugnou porque praticado com preterição total do procedimento legalmente devido, pelo que o mesmo deve ser declarado como tal, o que se requer, assumindo as consequências legalmente previstas.

MMM. Desta forma, deve ser o acto anulado, tal como os seus termos subsequentes que dela dependam, e portanto repetida a respetiva diligência por forma a colmatar tal irregularidade.

NNN. Tal nulidade foi arguida mal a cabeça de casal teve conhecimento dela, ou seja quando lhe foi notificada a acta da conferência e teve conhecimento do que se teria passado nela, nulidade esta que apesar de arguida não foi declarada pelo Notário.

OOO. Quanto à nulidade do mapa de partilha, após a remissão do processo para Tribunal para fins de homologação dos presentes autos de inventário, foi o mesmo devolvido para o Cartório Notarial por Despacho com a referência 104830027 por não se encontrar junto aos autos o Mapa de Partilha necessário para a homologação.

PPP. Contudo, é o Cartório notificado para juntar o Mapa de Partilha em falta e não para elaborar como o sucedido.

QQQ. Sucede que o Mapa de Partilha é um acto de carater obrigatório nos presentes autos de inventário e teria de ter sido elaborado na altura devida para a pratica de acto, não sendo de todo admissivel que seja elaborado à posteriori, aquando da notificação judicial para a junção de tal documento.

RRR. Refere o artigo 5.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro o seguinte: “ A partilha constante do mapa e das operações de sorteio é submetida ao juiz para efeitos de homologação.”

SSS. Não obstante a decisão do presente processo ter sido notificada pelo Senhor Doutor Notário à ora interessada no transato dia 8 de Maio de 2023 e ter sido remetido ao tribunal em 18 de Setembro de 2023, a verdade é que o Mapa de Partilha foi elaborado no dia 12 de Outubro de 2023.

TTT. Pelo que considera a interessada que tal acto realizado pelo Exmo Senhor Doutor Notário é extemporâneo e portanto não deve o mesmo ser admissível.

UUU. Devendo tomar-se por não existente com todas as consequências legais, pois que tal acto é nulo conforme consagra o artigo 195/1º do Código de Processo Civil, pois que existiu a omissão de um acto/formalidade que a lei prescreve, que desde já se argui.

VVV. Por todo o exposto e atendendo aos motivos supra mencionados, já existindo uma nulidade da conferência de interessados todos os actos subsequentes deverão ter-se por não praticados, incluindo o presente Mapa de Partilha que é nulo.

WWW. Não obstante tal, e não abdicando de tal posição juridica, por mera obrigação de patrocinio terá sempre de se dizer que o Exmo Doutor Notário foi notificado pelo tribunal para a junção do Mapa de Partiha, tendo em conta que tal acto assume carater obrigatório no processo de inventário, e não para a sua elaboração.

XXX. Ora, como é notório foi elaborado o Mapa de Partilha extemporaneamente, apenas porque foi notificado da sua falta, e portanto a sua não elaboração no tempo devido, constituiu uma preclusão de uma obrigação legal e consequentemente é um acto nulo, tendo-se por não praticado.

NESTES TERMOS DEVERÁ PROCEDER- SE À CONCESSÃO DE PROCEDÊNCIA AO PRESENTE RECURSO,

REVOGANDO A DECISÃO PROFERIDA DA HOMOLGAÇÃO DA SENTENÇA DE PARTILHA.

SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.».

Foi apresentada contra-alegação de recurso, concluindo o Recorrido pela manutenção integral do decidido.

O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, vindo a ser mantido o regime fixado.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([6]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber:

a) Se o objeto deste recurso contempla – de molde a poder conhecer-se da matéria – a impugnação das decisões notariais em causa (a que recaiu sobre a reclamação contra a relação de bens e a de rejeição da arguição de nulidade alegadamente cometida em conferência de interessados);

b) Se ocorre nulidade do mapa da partilha, tendo em conta a invocada extemporaneidade/ilegalidade da sua elaboração.

III – Fundamentação

         A) Matéria de facto e dinâmica processual

O substrato factual a considerar e a dinâmica processual a atender são os que resultam do antecedente relatório, aqui dado como reproduzido.

B) Matéria de direito

1. - Considerações preliminares

Começa a Apelante por esclarecer – reitera-se –, na sua peça recursiva, quanto ao “OBJECTO E DELIMITAÇÃO DO RECURSO”, que, recorrendo da sentença homologatória da partilha (decisão judicial), formula impugnação:

«_ A- Da decisão do Notário sobre a resposta à reclamação contra a relação de bens

_ B- Da nulidade de falta de representação juridica por parte da cabeça de casal

_C- Da nulidade do mapa de partilha».

Assim, e visto o seu acervo conclusivo, temos que vem interposta apelação (para a Relação), por inconformismo com aquela sentença homologatória da partilha, pedindo, em conformidade, a Recorrente que seja revogada tal sentença homologatória.

Todavia, a sua atenção centra-se essencialmente em decisões notariais anteriores, seja, desde logo, quanto à decisão notarial que recaiu sobre a reclamação contra a relação de bens, seja quanto à decisão notarial de improcedência da arguição de nulidade processual praticada em conferência de interessados (“falta de representação jurídica por parte da cabeça de casal”), seja, por fim, quanto à decisão notarial de elaboração do mapa da partilha (elaboração considerada extemporânea e ilegal/nula), o que nos remete para decisões intercalares de âmbito notarial.

Assim, na lógica da Recorrente, a revogação da sentença homologatória da partilha seria uma consequência do sancionamento daqueles vícios (de procedimento ou de decisão) anteriores, no quadro de decisões notariais interlocutórias.

Preliminarmente, importa, pois, esclarecer uma questão essencial, que se repercute na economia do recurso: a questão da (in)competência recursiva deste TRC, tendo em conta a amplitude de questões suscitadas ao longo das conclusões da Apelante, importando clarificar, segundo o regime legal aplicável, o âmbito do recurso para o Tribunal Judicial de Comarca e o âmbito do recurso para a Relação, pois nos autos existem decisões de duas entidades decisórias diversas, não só decisões notariais (do Notário, logo, não judiciais), como também decisão judicial (do Tribunal de Comarca).

Esta matéria já foi sujeita, a montante, ao contraditório das partes no recurso, com a Recorrente a defender, expressamente, que a competência para conhecimento da impugnação das decisões interlocutórias notariais cabe, não ao tribunal de comarca, mas, como regra, à Relação (cfr. conclusões A a E), com a decorrente/efetiva possibilidade de pronúncia a respeito pelo Recorrido, nas suas contra-alegações de apelação.

Se, então, das decisões judiciais recorríveis é inequívoco que o recurso é para a Relação (apelação), coloca-se a questão de saber para que tribunal recorrer das decisões proferidas pelo Notário no inventário tramitado à luz do RJPI: cabe recurso das decisões interlocutórias ou finais do Notário para o Tribunal de Comarca, só depois, julgado ali o recurso, sendo permitido recurso para a Relação (neste caso, recurso já da decisão do Juiz)? Ou, diversamente, poderá recorrer-se diretamente das decisões do Notário para a Relação (sem prévia decisão judicial, pelo Tribunal de Comarca, sobre a matéria)?

Assim, pode entender-se, tendo em conta o disposto, desde logo, no art.º 67.º do NCPCiv. ([7]), que as decisões notariais, em autos de inventário, são sempre impugnáveis em recurso para o Juiz do Tribunal de Comarca e não, diretamente, para o Tribunal da Relação (a Relação só seria competente, neste âmbito, para conhecer do recurso interposto da decisão judicial que conhecesse do recurso interposto da decisão notarial).

Mas também foi havendo quem entendesse, diversamente, caber recurso de decisões notariais para a Relação, diretamente, e não para o Tribunal de Comarca, invocando-se, em abono desta tese, o disposto nos art.ºs 3.º, n.º 7, 7.º, n.º 4, e 76.º do RJPI ([8]), de cuja conjugação resultaria afastada a competência do Tribunal (de 1.ª instância) do Cartório notarial onde foi apresentado o inventário.

Ora, sobre tal questão de competência recursiva (em razão da hierarquia) se têm vindo a pronunciar os Tribunais da Relação, plano em que também já houve pronúncia reiterada nesta Relação e Secção, pelo que cabe atentar na solução encontrada.

Assim, entre outros, no Ac. TRC de 20/06/2017 ([9]) foi desenvolvida a seguinte linha de argumentação, tendo em conta, especificamente, o disposto nos art.ºs 67.º e 68.º ([10]), ambos do NCPCiv.:

«Desde logo, entendemos que resulta das disposições ora transcritas ([11]) que das decisões proferidas por notário cabe recurso para o tribunal da 1ª instância que for o territorialmente competente, ao passo que o recurso da sentença homologatória da partilha, porque proferido pelo juiz desse tribunal de 1ª instância, é que é dirigido ao tribunal da Relação territorialmente competente, como determina expressamente o art. 66º, nº 3, do RJPI, uma vez que vem interposto de decisão judicial e não do notário.

Nesta linha interpretativa vai Augusto Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, 6ª edição, 2015, págs. 82/85, que a dado passo escreve o seguinte:

“Dir-se-á, pois, que (…) deve ser aqui aplicado o regime subsidiário dos recursos civis (ex vi do cit. Art. 82.º do RJPI) vale dizer que a discordância da decisão notarial interlocutória deve manifestar-se através dum requerimento de impugnação para o Juiz dirigido ao Notário (CPCiv., art. 637.º-1).

Do exposto deve deduzir-se que, não estando previsto que a impugnação das «decisões interlocutórias» que não são autónomas suspendam o andamento do processo de inventário, também não se justifica que subam imediatamente ao Juiz do processo, pelo que, preparada a impugnação com a respectiva alegação, aquela irá aguardar o momento em que o processo seja remetido a Tribunal para a prolação da decisão homologatória da partilha.”.

Também Tomé D´Almeida Ramião, em O Novo Regime do Processo de Inventário, 2ª Ed., 2014, págs. 198/199, defende que o art. 76º, nº 2 do RJPI, se refere às decisões judiciais, decorrendo do artigo 644.º, n.º 2, do NCPC, que o recurso de apelação tem por objecto uma decisão proferida por um tribunal de 1ª instância, concluindo que “Não é admissível uma espécie de recurso “per saltum” para o Tribunal da Relação de uma decisão proferida pelo notário. O recurso para este tribunal superior tem necessariamente de ter por objecto uma decisão jurisdicional.”.

E na verdade é esta a interpretação que fazemos e a conclusão a que também chegamos.

Realmente, lendo todo o diploma em causa, nas suas diferentes normas que tratam do tema dos recursos e da articulação dos Srs. Notários com os Tribunais em geral (cfr. os seus artigos 3º, nº 7, 13º, nº 2, 16º, nos 4 e 5, 57º, nº 4, 66º, nos 1 e 3, 69º, 70º e 76º) nada nos permite concluir que se tenha instituído um regime legal de recursos directo das decisões do Notário para o tribunal da Relação e não, primeiro, para o tribunal da 1ª instância e, daí, depois, para a Relação, dentro das regras normais do NCPC.

Claro que o legislador poderia ter introduzido esse sistema do recurso per saltum, optando, então, por libertar, quase por completo, os tribunais de comarca dos processos de inventário, passando o encargo para os tribunais da Relação. Mas se fosse essa a sua intenção, deveria tê-la formulado expressamente, dado o entorse processual que essa situação constituiria (e parece que também entorse constitucional), o que não fez.

Ao invés, nem de forma implícita se extrai daquele citado diploma qualquer novidade nos recursos dos senhores Conservadores e Notários – que são interpostos, como é sabido, usualmente, em primeira linha, para os tribunais de comarca, conforme aos respectivos Códigos de Registo. Consequentemente, temos que concluir que os recursos, neste tipo de processo especial (o inventário), continuam a ser interpostos para o tribunal de comarca e não para o tribunal da Relação.» ([12]).

Tudo para concluir «que, além das decisões interlocutórias cuja recorribilidade está expressamente prevista, em que dúvidas não existem que a competência em razão da hierarquia para o conhecimento do recurso delas interposto cabe ao tribunal de 1ª instância, as outras decisões interlocutórias, como a ora em apreço, também seguem, em caso de recurso, a via de conhecimento ab initio pelo tribunal da 1ª instância, conforme citado art. 76º, nº 2, do RJPI, e só depois seguem, eventualmente, em segundo momento para a Relação (…)».

No mesmo sentido se pronunciou também o Ac. TRC de 09/05/2017, Proc. 86/17.9YRCBR (Rel. Arlindo Oliveira), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

«1. Uma vez que a sentença homologatória da partilha é proferida pelo juiz territorialmente competente, cf. artigo 66.º, n.º 1 do RJPI, à luz das regras gerais – artigo 68.º, n.º 2, do CPC – mesmo na ausência do disposto no n.º 3 do supra citado artigo 66.º, a competência para o julgamento do recurso interposto contra a sentença homologatória da partilha sempre caberá ao Tribunal da Relação.

2. Relativamente às decisões interlocutórias cuja recorribilidade está expressamente prevista (…) dúvidas não podem existir de que a competência em razão da hierarquia para o conhecimento do recurso delas interposto cabe ao tribunal de 1.ª instância, como resulta das previsões legais que regulam as decisões interlocutórias ora em apreço, in casu, o citado artigo 16.º, n.º 4, conjugado com o disposto no artigo 76.º, n.º 2, ambos do RJPI.» ([13]).

Veja-se ainda o Ac. TRP, de 27/06/2018 ([14]), assim considerando:

«I - As decisões proferidas pelo Notário ao longo do processo de inventário são, em regra, impugnáveis judicialmente.

II - A competência para conhecer dessa impugnação é do tribunal de 1.ª instância, não apenas nas situações previstas nos artigos 57.º e 16.º do RJPI mas em todas as outras em que nos termos gerais do direito processual civil a decisão é passível de recurso.

III - O regime do artigo 76.º do RJPI refere-se somente aos recursos de apelação das decisões do tribunal de 1.ª instância, estabelecendo que as decisões judiciais interlocutórias só podem ser impugnadas no recurso de apelação da sentença judicial homologatória da partilha.».

E o anterior Ac. TRP de 26/04/2018, Proc. 9995/17.4T8VNG-A.P1 (Rel. Inês Moura), igualmente em www.dgsi.pt, salientando e concluindo assim:

«Só das decisões do tribunal de 1ª instância é que cabe recurso para o Tribunal da Relação; as decisões do notário não são decisões proferidas no âmbito da função jurisdicional pelo que delas não pode haver recurso directo para a Relação.

(…)

A doutrina tem vindo a expressar igual entendimento. (…)

Posto isto, afigura-se que podemos retirar a seguinte conclusão: das decisões do notário proferidas em sede de processo de inventário, passíveis de serem impugnadas, é competente para conhecer da impugnação o juiz do tribunal de 1ª instância territorialmente competente (…). Das decisões proferidas pelo juiz de 1ª instância cabe recurso para a Relação, nos termos gerais, de acordo com o regime de recursos previsto no art.º 76 do RJPI e C.P.C.».

Por fim, veja-se, para além do Ac. TRL de 25/09/2018, Proc. 4833/17.0T8LSB.L1-1 (Rel. Pedro Brighton), também em www.dgsi.pt ([15]), o Ac. TRC de 08/10/2019, Proc. 64/16.5T8CNT-A.C1 ([16]), e o Ac. TRC de 13/06/2023, Proc. 4286/20.6T8CBR-A.C1 ([17]), estes relatados pelo aqui relator, igualmente publicados em www.dgsi.pt.

Ora, cabe dizer que é esta a orientação jurisprudencial correta – para além de dominante –, sendo de sublinhar que a lógica do sistema, preponderante em termos interpretativos, implica que para a Relação só se recorra de decisões jurisdicionais, não de decisões de entidades não judiciais, sem expressa ressalva/previsão legal nesse sentido.

Quanto a estas últimas decisões, em autos de inventário – decisões do Notário –, poderá recorrer-se (se recorríveis) para o Tribunal Judicial de 1.ª instância (o Tribunal de Comarca) e só após, da decisão jurisdicional deste, para a Relação (se admissível).

Acrescente-se que resulta da Lei n.º 117/2019, de 13-09, com entrada em vigor em 01/01/2020 – que, para além do mais, aprova o “regime do inventário notarial” ([18]) –, que (cfr. art.º 2.º, n.ºs 3 e 4, do Anexo, no referente à tramitação do processo de inventário notarial):

“(…)

3 - Ao notário compete realizar todas as diligências do processo, sem prejuízo dos casos em que os interessados devam ser remetidos para os meios judiciais.

4 - Compete ao tribunal de comarca da circunscrição judicial da área do cartório notarial praticar os atos que caibam ao juiz, bem como apreciar os recursos interpostos de decisões do notário.” (itálico aditado).

Isto é, na nova lei – entretanto entrada em vigor – o legislador, ciente das divergências suscitadas na aplicação prática do texto da lei anterior, não deixou de tomar posição clara, consagrando a solução no sentido de caber ao Tribunal de Comarca a competência para apreciar os recursos interpostos de decisões do notário (assim se deixando ultrapassada alguma obscuridade, criticada por certas vozes, na feitura daquela lei anterior).

Por isso, quanto ao caso dos autos, só das decisões proferidas pelo Tribunal de Comarca (decisões judiciais) caberá recurso para a Relação e não, per saltum, das decisões notariais (não jurisdicionais).

Em suma, impõe-se a conclusão, mesmo à luz do RJPI – ou seja, tanto perante a lei anterior, como perante a lei atualmente em vigor –, no sentido de serem os Tribunais da Relação incompetentes, em razão da hierarquia, para conhecer dos recursos interpostos de decisões notariais, sendo para tal competentes os Tribunais de Comarca.

2. - Da impugnação recursiva das decisões notariais proferidas em matéria de reclamação contra a relação de bens e de nulidade processual no âmbito da conferência de interessados

Passando às concretas matérias vertidas nas conclusões da apelação, importa, desde logo, saber se o objeto deste recurso pode contemplar a impugnação das decisões notariais proferidas em matéria de reclamação contra a relação de bens e de nulidade processual no âmbito da conferência de interessados – a primeira referente à procedência da reclamação contra a relação de bens e a segunda no sentido da improcedência de arguição de nulidade processual.

Com efeito, a Apelante começa por se focar, em termos de impugnação recursiva (para a Relação), na decisão notarial proferida em matéria (incidental) de reclamação contra a relação de bens, laborando assim:

«KK. Desta forma, se considera que o despacho proferido pelo Notário onde integra e excluiu verbas à Relação de bens apresentada pela Cabeça-de-casal terá de ser reapreciado, tendo em conta a sua falta de base legal, estando assente em conceitos que não refletem as leis sucessórias e pela sua falta de fundamentação para a exclusão de verbas.

LL. Razão pela qual se recorre desta decisão interlocutória proferida pelo Notário, e que tem sérias e reais interferências no que resulta dos bens e dos valores a partilhar e que integram o património de cada um dos interessados na partilha».

Ora, já se viu que a presente apelação, de acordo com o respetivo requerimento de interposição, respeita à sentença homologatória da partilha (decisão jurisdicional impugnada), âmbito em que não há dúvidas quanto à admissibilidade do recurso para a Relação.

Todavia, como visto, a Apelante reporta-se sistematicamente àqueloutras decisões notariais, que assim pretende também – e desde logo, essencialmente – impugnar.

É o caso daquela decisão que conheceu da reclamação contra a relação de bens, sem que a Recorrente haja efetuado impugnação para o Tribunal de 1.ª instância, pelo que – é esta a consequência – a decisão notarial se tornou definitiva.

Assim, cabe perguntar: percorrido este caminho, faria sentido vir agora, em recurso de apelação (para a Relação), impugnar a decisão notarial sobre a reclamação contra a relação de bens?

A resposta – salvo o devido respeito – só pode ser negativa.

É que, desde logo, como já sublinhado, das decisões notariais não cabe recurso – per saltum – para a Relação.

E, não tendo havido impugnação para o Tribunal de 1.ª instância, a decisão notarial estabilizou-se, como caso já apreciado, assumindo uma dimensão definitiva, que não poderia ser invertida.

Em suma, o objeto deste recurso – de apelação – não pode contemplar a impugnação daquela decisão notarial, ademais já tornada definitiva, pelo que a mesma nunca poderia proceder perante este TRC.

O mesmo ocorre com a posterior decisão notarial de improcedência da arguição de nulidade processual alegadamente praticada em conferência de interessados.

Invoca a Recorrente vício de nulidade por “falta de representação jurídica por parte da cabeça de casal” no âmbito de conferência de interessados (conclusões MM e segs.).

Fá-lo, porém, sem ter impugnado essa decisão de indeferimento da arguição de nulidade processual para o Tribunal de 1.ª instância, quando teria necessariamente de o fazer, sob pena de sanação.

Assim, não pode recorrer para a Relação de uma decisão notarial (decisão de arguição de nulidade processual ou outra), pois só pode haver recurso para a Relação de decisões judiciais.

Por outro lado, ao não ter impugnado a decisão notarial para o Tribunal de 1.ª instância, essa decisão notarial tornou-se definitiva, sendo que a eventual nulidade sempre teria, em tal caso, de ter-se por sanada.

Mesmo que assim não se entendesse, é seguro – salvo o devido respeito – que os efeitos da renúncia do mandato apenas se produzem a partir da notificação do mandante, notificação essa pessoal e com a advertência, nas situações de patrocínio obrigatório por advogado ([19]), a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 47.º do NCPCiv., sendo que a suspensão da instância não pode ocorrer, neste último caso, antes do prazo de 20 dias a que alude o n.º 3 do mesmo artigo.

Ou seja, a renúncia não desencadeia a imediata/automática cessação de funções por parte do mandatário renunciante ([20]), nem a imediata paralisação, ipso facto, do processo, devendo concluir-se, por isso, que o efeito que a Recorrente pretende não é imediato, sem mais, por depender da existência de notificação do mandante, embora conste da ata respetiva que a Cabeça de casal, encontrando-se ainda presente, tomou imediato conhecimento da declaração de renúncia ([21]), mas sem menção de que disso tenha sido notificada, para que ficasse ciente, ou de que algo lhe tenha sido explicado a respeito.

Termos em que, vistas as circunstâncias, parece claro que ora Recorrente se encontrava ainda representada pela sua mandatária, no momento e no ato em curso, apesar da declaração de renúncia (uma coisa é, para um não jurista/especialista, ouvir o seu mandatário declarar que renuncia ao mandato, outra coisa é ser notificado, pessoalmente, disso, de modo a ficar esclarecido/ciente dos respetivos efeitos e eventuais advertências ou cominações).

Por isso, cabia à então mandatária, não obstante renunciante, requerer, à cautela, a imediata suspensão da diligência (conferência de interessados), se assim o entendesse, para que fosse proferido despacho pelo Notário sobre a matéria.

Porém, aquela não o fez, tendo a diligência notarial prosseguido, razão pela qual não se justificaria a ausência (que foi voluntária) da mandatária com a diligência em curso e sem (requerimento de) suspensão, já que, apesar da declaração de renúncia do mandato judicial, a extinção do respetivo vínculo contratual não operava em termos imediatos ([22]).

Falha, pois, o pressuposto em que se fundava a Recorrente (o de que ficou sem patrocínio/representação no imediato).

Também o argumento no sentido de a Cabeça de casal não se encontrar, ao tempo, em condições psicológicas para a realização da dita diligência, a que compareceu – mas que veio a abandonar –, não poderia ser acolhido, desde logo, por nada constar da ata nesse sentido (situação de incapacidade acidental) e, depois, por nada ter sido requerido pela sua mandatária.

Se aquela “incapacidade” existia, então teria a mandatária de requerer em conformidade, designadamente a suspensão da diligência notarial, o que não ocorreu.

Termos em que não poderiam ser acolhidos os argumentos daquela Recorrente.   

3. - Da nulidade do mapa de partilha

Cabe agora saber se ocorre a invocada nulidade do mapa da partilha, matéria de que também não houve impugnação para o Tribunal de comarca e sobre que, por isso, não foi proferida decisão expressa por este, limitando-se a homologar, por sentença, a partilha.

Todavia, é de conhecer da matéria, nesta parte, na fase recursiva, por ainda se poder considerar que estamos perante um caso de invocada invalidade sancionada/coberta pela decisão judicial homologatória da partilha, sendo admissível, por isso, a sua invocação no recurso (para a Relação) da sentença homologatória.

Vejamos, então.

Argumenta a Apelante que, após a remessa “do processo para Tribunal para fins de homologação”, “foi o mesmo devolvido para o Cartório Notarial por Despacho com a referência 104830027 por não se encontrar junto aos autos o Mapa de Partilha necessário para a homologação” (conclusão OOO);

E acrescenta (conclusões PPP e QQQ) que:

«(…) é o Cartório notificado para juntar o Mapa de Partilha em falta e não para elaborar como o sucedido», tratando-se de «um acto de carater obrigatório nos presentes autos de inventário e teria de ter sido elaborado na altura devida para a pratica de acto».

Depreende-se, então, que a Recorrente considera extemporânea/inválida/ilegal a elaboração do mapa da partilha a posteriori.

Porém, o que ocorre – como resulta dos autos (cfr. relatório antecedente) – é que houve lapso do Sr. Notário na remessa dos autos ao Tribunal, uma vez que ainda não se mostrava elaborado, em termos expressos, o mapa da partilha.

Por isso, o Tribunal ordenou a devolução dos autos para que o lapso, traduzido numa omissão, fosse retificado/suprido, já que tal era essencial para se alcançar a finalidade do processo.

Ora, a retificação só poderia ocorrer através da elaboração do dito mapa da partilha, sem o que não poderia haver homologação judicial.

E foi o que fez o Sr. Notário: elaborou o mapa da partilha em falta.

Ao assim proceder, correspondeu à determinação do Tribunal: a devolução dos autos à esfera notarial destinava-se a suprir o lapso/omissão, o que teria de ser feito mediante a elaboração da peça processual em falta.

Sendo isto que aquele Sr. Notário fez, inequívoco se torna que não extravasou o âmbito das suas atribuições, nem cometeu ilegalidade (mediante a prática de ato que fosse proibido ou já não pudesse ser praticado), antes observou o fixado/estabelecido pelo Tribunal e praticou ato necessário, no âmbito daquela determinação que lhe foi dirigida (e que cumpriu), sem o qual não poderia haver homologação judicial da partilha, escopo de todo o processo de inventário (seja o de cariz notarial, como no caso, seja o de natureza judicial).

Por isso, não se trata de ato extemporâneo, não podendo aludir-se, salvo o devido respeito, por não haver fundamento para tanto, a “preclusão de uma obrigação legal e consequentemente (…) um acto nulo”.

Assim, inexiste qualquer nulidade invocada, não tendo sido posta em causa, no mais, a patilha homologada.

Em suma, improcedendo tal nulidade processual (cfr. art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv.), decai totalmente a Recorrente na sua apelação, não se vendo que tenha ocorrido qualquer violação de lei.

Vencida, a Recorrente deve suportar as custas recursivas (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

***

(…)

***
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Recorrente (vencida).


Coimbra, 11/12/2024    

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

 João Moreira do Carmo

 Fonte Ramos


([1]) Em 08/08/2019.
([2]) Consta da respetiva fundamentação: «II O facto da cabeça de casal ter, na Conferência, mostrado discordância com o curso seguido pelo Inventariado não é, por si, fundamento para que a Conferência de Interessados que ocorreu em 18/04/2023 seja agora posta em causa. // III A cabeça de casal apesar de repetidamente alertada para as consequências a que se expunha, pela sua Mandatária e pelo Notário enveredou por uma estratégia de sua exclusiva responsabilidade de, que, agora, não se pode retractar. // IV Embora a cabeça de casal estivesse incomodada com a Relação de Bens – que não foi posta em causa pela sua Mandatária e que se limitou a reproduzir os bens e as posições já anteriormente definidas – em tempo algum mostrou incapacidade de compreender plenamente o que estava a acontecer. // Alias, se assim não fosse, a sua mandatária não teria deixado de se pronunciar e de requerer o que tivesse por conveniente. // V Quando a Senhora Advogada renunciou ao mandato, já nenhuma questão de direito subsistia, pelo que tal renúncia não contende com o que se encontra estabelecido no artigo 13º do NRPI. // VI Acresce que o prazo da invocação da nulidade, agora arguida, há muito que se encontra precludido, nos termos do artigo 199º do CPC.».
([3]) Embora datada de 01/03/2024.
([4]) Expressando fazê-lo: «Da Decisão proferida (…) que decidiu homol[o]gar por sentença a partilha (…), pretendendo o recorrente a reapreciação das seguintes questões (…):
_ A- Da decisão do Notário sobre a resposta à reclamação contra a relação de bens
_ B- Da nulidade de falta de representação juridica por parte da cabeça de casal
_C- Da nulidade do mapa de partilha» (destaques retirados).
([5]) Cujo teor se deixa transcrito, com destaques subtraídos.
([6]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([7]) Segundo o qual compete aos tribunais de 1.ª instância o conhecimento dos recursos das decisões dos notários, dos conservadores do registo civil e de outros que, nos termos da lei, para eles devam ser interpostos.
([8]) Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05-03.
([9]) Proc. 109/17.1YRCBR (Rel. Moreira do Carmo), desta mesma Secção (e aqui 1.º Adjunto), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “No processo de inventário, é da competência do tribunal de 1ª instância o recurso das decisões do Notário”.
([10]) Este último a dispor (n.ºs 1 e 2) que compete às Relações o conhecimento dos recursos que por lei sejam da sua competência e dos recursos interpostos de decisões proferidas pelos tribunais de 1.ª instância.
([11]) Aqueles art.ºs 67.º e 68.º.
([12]) E acrescentou-se, quanto ao disposto no art.º 76.º, n.º 2, do RJPI, que «tal normativo reporta-se a recursos para a Relação, mas das decisões proferidas pelo juiz de 1ª instância, quer a que homologa a partilha, quer outras, subindo com aquele os recursos das decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo (…).».
([13]) Em sintonia também o Ac. TRE de 05/04/2016, Proc. 38/16.6YREVR (Rel. Canelas Brás), em www.dgsi.pt, pronunciando que “No processo de inventário, é da competência do tribunal de 1.ª instância o recurso das decisões do Notário”. O mesmo se diga do Ac. TRG de 26/10/2017, Proc. 2004/17.5T8BRG-A.G1 (Rel. Espinheira Baltar), também em www.dgsi.pt e com o seguinte sumário: “1. As decisões interlocutórias proferidas pelo notário, que envolvam atividade jurisdicional, são controláveis jurisdicionalmente através do recurso para o tribunal competente da 1ª instância. // 2. A Relação só conhecerá das decisões interlocutórias do notário e impugnadas para o tribunal da 1ª instância e aí decididas, com a subida da apelação da decisão homologatória da partilha nos termos do artigo 76 n.º 2 do RJIP.”.
([14]) Proc. 379/18.8T8GDM.P1 (Rel. Aristides Rodrigues de Almeida), também disponível em www.dgsi.pt.
([15]) Assim sumariado: “Em processo de inventário, é da competência do Tribunal de 1.ª instância a apreciação dos recursos das decisões do Notário».
([16]) Em cujo sumário pode ler-se: «1. - Cabendo recurso de decisão notarial (não jurisdicional) no âmbito de autos de inventário instaurados segundo o regime decorrente da Lei n.º 23/2013, de 05-03, a competência para a sua apreciação cabe ao Tribunal Judicial de Comarca e não ao Tribunal da Relação. // 2. - À Relação apenas cabe conhecer dos recursos nesse âmbito instaurados de decisões judiciais (as do dito Tribunal de Comarca)».
([17]) Onde se acolhe o seguinte entendimento: «Pretendendo invocar-se nulidades processuais secundárias referentes à tramitação do inventário no âmbito notarial, a respetiva arguição tem de ocorrer perante o notário (a entidade que as praticou), sob pena de sanação.».
([18]) Consta do respetivo art.º 2.º que “O regime do inventário notarial é aprovado em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante”. Já o art.º 15.º estabelece o dia 01/01/2020 como data de entrada em vigor.
([19]) E a Recorrente parece defender que, naquela concreta situação dos autos (vistas até as questões e matérias a decidir na conferência, bem como o histórico de requerimentos sucessivos e controvérsias neles suscitadas, com implicações jurídicas/de direito), era obrigatório o patrocínio judiciário (cfr. conclusões UU e WW), ao abrigo do disposto no “artigo 1090º”, al.ª a), do NCPCiv..
([20]) Como referem Abrantes Geraldes e outros, a renúncia “é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório. Já nos demais [casos], deu-se guarida à necessidade de tutelar os interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia, sendo o mandante advertido dos efeitos que decorrem da falta de constituição de novo mandatário” – cfr. Código de Processo Civil Anot., vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 79 e seg. (com itálico aditado). Sobre o tema, pode ver-se ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anot., vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 122, enfatizando que a notificação ao mandante “tem uma função extintiva do mandato”, mas não impede, só por si (sem mais), o prosseguimento (no imediato) do processo.
([21]) Ainda que se entendesse que a menção a ter tomado “conhecimento da renúncia” equivaleria a uma expressa e formal notificação (nos termos/moldes em que a lei exige a sua realização), nem por isso o ato ficaria impedido de prosseguir, caso não fosse solicitada a respetiva suspensão (mesmo em situação de obrigatoriedade de patrocínio por advogado).
([22]) Reitera-se que da ata não consta inequivocamente que a mandante tenha sido (expressa e formalmente) notificada e ficado ciente.