Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
1.Relatório
No âmbito do processo com o nº. 11/15.1PTVIS-A.C1, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal, Juiz 2, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferido despacho judicial que indeferiu um requerimento apresentado por tal arguido.
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões, que passamos a transcrever:
“ I – Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo tribunal “a quo” datado de 03/10/2024, no que diz respeito concretamente à respetiva pronúncia contida nos pontos ii., iii. e iv. de tal despacho.
II - Nos termos do artigo 495.º, n.º 2, do CPP, e em conformidade com os artigos 32.º e 20.º da CRP, a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade deve ser precedida de uma audição presencial do arguido, formalidade que não foi observada no caso em apreço.
III - As diligências realizadas nos autos pelo tribunal a quo serviram apenas para apurar uma morada do recorrente/arguido, nunca tendo sido determinada e marcada nos autos a audição presencial do arguido, e do teor do despacho proferido nos autos a 16/10/2017 apenas resulta a determinação da notificação do recorrente/recorrido para se pronunciar por escrito acerca da promoção que antecedia tal despacho.
IV – Aquelas diligências e a notificação ao defensor não supriram a necessidade da audição presencial, conforme exigido pela jurisprudência e pelo Código de Processo Penal.
V - A ausência de notificação adequada e a falta de audição presencial do arguido resultam numa violação do princípio do contraditório, configurando uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, c) do CPP, e viola os direitos de defesa previstos no artigo 32.º da CRP, tudo o que deverá ser conhecido e declarado nos autos.
VI – A interpretação do artigo 495.º, n.º 2, do CPP, adotada pelo tribunal a quo, no sentido de dispensar a audição presencial do arguido, encetadas que tenham sido apenas diligências no sentido de apurar uma morada ao arguido e sem que tenha sido determinada e ordenada aquela audição presencial e mais sem que tenham sido envidados todos os esforços para a sua realização, e mais tendo apenas em conta a notificação (apenas para pronúncia escrita) ao defensor do arguido, viola o direito à defesa e ao contraditório, consagrados nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, como tal, uma interpretação inconstitucional de tal preceito legal.
VII – Esta interpretação resulta igualmente numa limitação desproporcionada dos direitos fundamentais do arguido, em violação do artigo 18.º da CRP.
VIII – O direito de defesa, previsto no artigo 32.º da CRP, exige que o arguido seja ouvido presencialmente em decisões que afetem a sua liberdade, não podendo a mera notificação ao defensor suprir essa formalidade essencial, salvo em casos excecionais, o que não ocorreu no presente caso.
IX – Assim, deve ser conhecida e declarada a inconstitucionalidade da interpretação que o tribunal a quo retira do artigo 495.º, n.º 2 do CPP, pelos fundamentos acima apontados, com a consequente anulação do despacho recorrido.
X - Assim, por todas as razões que ficaram supra expostas, deverá ser declarado nulo o despacho que revogou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com a subsequente anulação dos atos subsequentes e a determinação da realização de uma audição presencial do recorrente/arguido, nos termos do art. 495.º do Código de Processo Penal, mais devendo ser concedida ao recorrente/arguido a oportunidade de produzir prova em sede de audição presencial, nomeadamente sobre a sua disponibilidade para prestar o trabalho a favor da comunidade ou, em alternativa, sobre a possibilidade de substituição da pena por multa.
XI – Ao não decidir como exposto, violou o tribunal a quo as disposições conjugadas dos artigos 495.º, n.º 2, 498.º, n.º 3 e 119º, n.º 1, c) todos do CPP, artigos 18.º, 20.º e 32.º todos da CRP, devendo ser alterado conforme acima peticionado, com as legais consequências.
Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, consequentemente, conhecendo-se e declarando-se a nulidade e inconstitucionalidade supra melhor desenvolvidas, deve ser proferido acórdão e alterada a decisão recorrida em conformidade com o que ficou melhor exposto supra em sede de motivação e conclusões.
Assim decidindo, farão V. Exas. Justiça!”
O Ministério Público na 1ª. instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“ 1. Por despacho de 03-10-2024, o Tribunal indeferiu as nulidades invocadas pelo arguido, em requerimento elaborado na sequência da execução do mandado de detenção europeu para cumprimento da pena de prisão imposta nestes autos.
2. A decisão recorrida não merece reparo, dado que os autos não enfermam de qualquer nulidade ou inconstitucionalidade.
3. O arguido sabia que tinha uma pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade para cumprir e alterou a sua residência para parte incerta, sem transmitir ao Tribunal ou à DGRSP qualquer informação sobre a sua morada, e sem que viesse sequer a atender os contactos telefónicos realizados pela DGRSP.
4. O Tribunal realizou um infindável número de diligências destinadas a identificarem o paradeiro do arguido – e que culminaram mesmo na sua declaração de contumácia – sendo claro que foi impossível realizar a sua audição presencial relativamente à revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
5. Não se vislumbram quaisquer outras diligências que fosse possível concretizar nos autos no sentido de identificar o paradeiro do arguido, com o objectivo de lograr a sua audição presencial.
6. A marcação de uma diligência processual destinada à audição presencial do arguido quando não é conhecido o seu paradeiro (e como tal mostrando-se inviável a sua notificação para comparência) configura uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria a proibição legal da prática no processo de actos inúteis (artigo 130.º do CPC aplicável ex vi art. 4.º do C. P. Penal).
7. A preterição da audição presencial do arguido apenas poderá configurar uma nulidade insanável quando a mesma seja objectivamente possível, e já não acontece quando o arguido se encontra em parte incerta, sendo impossível identificar o seu paradeiro, como foi o caso.
8. A tramitação processual dos autos, com as notificações que foram sendo realizadas ao arguido, na morada por este fornecida no termo de identidade e residência, bem como ao seu ilustre defensor, em momento prévio às decisões proferidas, designadamente de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade, e na constatação da impossibilidade de audição presencial do arguido, permitem cumprir os princípio do contraditório, da proporcionalidade ou o seu direito de defesa, tendo sido plenamente asseguradas todas as garantias processuais ao arguido.
Em suma, afigura-se-nos que o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se integralmente a douta decisão recorrida.
Porém V. Exas. Decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA.”
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, nos seguintes termos:
“ O arguido vem arguir alegadas nulidades do processado e do despacho que determinou a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Porém, tal despacho, que foi notificado ao mandatário constituído e ao condenado, para a morada constante do TIR (após múltiplas e infrutíferas tentativas de contacto pessoal), era suscetível de recurso. Mas não foi objeto de recurso. Pelo que transitou em julgado. Não é verdade que a presença do condenando foi dispensada na tomada de decisão. Esta presença foi impossível, quando o condenado sabia a pena que lhe foi aplicada, confirmada em sede de recurso por tribunal superior e colaborou com a DGRSP no plano tendente ao cumprimento da pena. Só após se eximindo ao cumprimento da pena e da ação da justiça. O caso julgado tem por objetivo impedir, em nome da segurança e paz jurídica, bem como de imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma decisão tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário. (…)”.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º., nº2 do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. Delimitação do objeto do recurso.
De acordo com o disposto no artigo 412º. nº. 1 do Código de Processo Penal e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº. 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na respetiva motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, com exceção daquelas que forem de conhecimento oficioso.
Assim, em face das conclusões extraídas da motivação de recurso, a questão a decidir centra-se na nulidade insanável por preterição da audição presencial do arguido.
3 . A Decisão Recorrida
O despacho recorrido tem o seguinte conteúdo:
“ Por requerimento que antecede veio o arguido invocar i) a nulidade pela não nomeação de intérprete aquando da prestação de TIR, requerendo a anulação de todos os actos subsequentes;
ii) a falta de notificação do arguido das decisões que foram sendo proferidas, o que, a seu ver, configura também uma nulidade que deve ser decretada;
iii) a nulidade insanável pela não possibilidade da sua audição presencial aquando da revogação da PTFC.
Mais requer, a final, a sua audição presencial e, ainda, que seja a prestação de trabalho a favor da comunidade substituída por multa ou, caso assim não se entenda, determinar-se que o arguido preste o trabalho a favor da comunidade em que fora condenado.
Em vista, pugna o Ministério Público pelo indeferimento de todas as pretensões deduzidas, como os fundamentos constantes da douta promoção que antecede.
Cumpre apreciar e decidir:
Antes de mais, com relevo para a decisão a proferir resultam dos autos as seguintes vicissitudes processuais:
1. O arguido prestou TIR em 17.01.2015, tendo indicada como morada “Rua ..., ..., s/n, ..., ...;
2. Por sentença de sentença de 05-02-2015 foi o arguido condenado na pena de 15 (quinze) meses de prisão, substituída por 450 (quatrocentas e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade, tendo esta decisão transitado em julgado a 28-09-2015, depois de ter sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
3. Foi apresentado o plano de homologação, homologado por despacho datado de 10-05-2016, tendo o arguido consentido em prestar trabalho na Fundação ... –ref. ...31.
4. Por ofício de 03.01.2017 (ref. ...41) a DGRSP informou que o arguido não iniciou a prestação de trabalho a favor da comunidade, que se iria ausentar para Espanha para parte incerta, sem data de regresso a Portugal.
5. Após, por despachos e promoções datadas de 2 e 7.03.2017 foi diligenciado no sentido de averiguar o paradeiro do arguido – através de pesquisas nas bases de dados disponíveis e por contacto pessoal – cfr. diligências de 9, 20.03.2017, 1.07.2017 e 25.08.2017 – despachos de 14.03.2017, 16.03.2017, 22.03.2017 e 27.03.2017, 24.04.2017, 02.05.2017, 6.6.2017, 08.07.2017, 04.09.2017, 06.09.2017.
6. Por promoção datada de 09.10.2017 foi promovida a revogação da PTC, com os fundamentos aí constantes, promoção que foi notificada ao arguido, por PD, para a morada do TIR, em 15.11.2017 para, querendo, se pronunciar; assim como foi tentada a sua notificação pessoal por OPC em 18.10.2017, que se revelou frustrada.
7. Em 13.12.2017 foi proferida decisão de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada ao arguido nos presentes autos e, em consequência, o cumprimento pelo mesmo da pena de 15 meses de prisão em que foi condenado nos autos, decisão que foi notificada ao arguido em 20.12.2017 por PD para a morada do TIR, tendo também sido tentada a sua notificação pessoal por OPC em 06.02.2018.
8. Após, por despacho datado de 26.02.2019 foi determinada a extração de certidão e que a mesma fosse enviada ao TEP e do despacho de fls. 246, com nota do trânsito em julgado, bem como de fls. 286 a 288, frente e verso, e daquele despacho, com vista a ser ali declarada a contumácia do aqui arguido.
9. Em 12.06.2019 foi o arguido declarado contumaz.
Posto isto vejamos de cada uma das nulidades invocadas pelo arguido.
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i. Da pretensa nulidade por falta de tradução/interprete dos actos processuais
Nesta parte do requerimento que antecede sustenta o arguido que é cidadão mexicano, que desconhece a língua portuguesa, e que não compreendeu o significado e alcance da prestação de termo de identidade e residência - que não foi objecto de tradução - e que se encontra por esse motivo ferido de nulidade tal acto, tal como todos os actos processuais subsequentes, designadamente de notificação do arguido.
A este propósito rege o art. 92.º do CPP que “1 - Nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade.
2 - Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada”.
Estatui o art. 120.º, n.º 1, al. c) que “Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória”, acrescendo o n.º 3 que “As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: (…) a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado; (…) c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito”.
Ora, volvendo ao caso dos autos, resulta à saciedade - bastando para o efeito ouvir a gravação da audiência de discussão e julgamento - que o arguido compreende e expressa-se na língua portuguesa, não demonstrando qualquer dificuldade em compreender e ser compreendido. Donde, inexistia qualquer motivo para a nomeação de intérprete, seja na prestação do TIR seja nos ulteriores actos processuais. Aliás, mal se compreende que só agora suscite a questão quando nunca no processo manifestou qualquer dificuldade em entender a língua portuguesa.
De resto, como bem refere a douta promoção que antecede, ainda que assim fosse, a falta de nomeação de intérprete configura uma nulidade dependente de arguição que, por isso, implica a sua oportuna arguição. No caso, devia ser arguida no acto em que o arguido interveio, o que não se verificou, pelo que, ainda que se entendesse existir qualquer nulidade (que entendemos que não se verifica) encontrava-se sanada (art. 121.º do CPP).
Em face do susodito, improcede a suscitada nulidade por falta de nomeação de intérprete aquando da prestação do TIR.
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ii. Da pretensa falta de notificação do arguido das decisões que foram sendo proferidas:
Neste particular, invoca o arguido que não teve conhecimento das decisões proferidas porquanto foram aquelas expedidas para a morada do TIR.
Dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do CPP, para o que aqui releva, que: “1 - As notificações efetuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; (…)”.
E, nos casos da al. c), preceitua o n.º 3 do mesmo normativo,
que “o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação”. Mais acrescenta o n.º 4 que “se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente”.
Ora, uma das circunstâncias em que pode recorrer-se à notificação por via postal simples é a explanada no artigo 196.º, n.º 2, do Código Processo Penal, normativo que regula a prestação do termo de identidade e residência, onde se estabelece que “para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Estabelecendo, ademais, o n.º 3, do normativo em apreço, que: “Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado; c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento; d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena” (sublinhado nosso).
A redacção supratranscrita entrou em vigor com a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, em que se aditou a alínea e) ao n.º 3, tendo sido igualmente aditado ao n.º 1, do artigo 214.º,do CPP, a alínea e), nos termos da qual se estabelece que “as medidas de coacção extinguem-se de imediato com o trânsito em julgado da sentença condenatória, à excepção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena”.
Em suma, com a referida alteração legislativa, passaram tais preceitos a estabelecer, de forma expressa e inequívoca, que, em caso de sentença condenatória, o termo de identidade e residência mantém-se até à extinção da pena.
Ora, no caso dos autos, o arguido prestou termo de identidade e residência em 17.01.2015, ou seja, já na vigência da actual redacção do artigo 196.º, do CPP.
Nessa medida, tinha necessariamente conhecimento de que, não obstante a condenação proferida, já transitada em julgado, o termo de identidade e residência só se extinguiria com a extinção da pena e que, nessa medida, não obstante a prolação de sentença, continuava adstrito ao cumprimento das obrigações decorrentes do artigo 196.º, n.º 2, do CP, tendo conhecimento cabal que as notificações subsequentes à prestação do termo de identidade e residência seriam feitas por via postal simples para a morada por ele indicada ou eventualmente outra que o mesmo viesse a indicar posteriormente.
No requerimento apresentado pelo defensor vem alegar que o Tribunal tinha como segura a sua não notificação para a morada do TIR.
Mas não é esse o entendimento deste Tribunal, na medida em que se entende que atentas as obrigações decorrentes da prestação do termo de identidade e residência – já prestado depois da entrada em vigor da Lei n.º 20/2013 -, constantes do artigo 196.º, do CPP, a que já se fez referência, não é pelo facto de o arguido mudar de residência sem comunicar aos autos novo domicílio para efeitos de notificação que se furta às consequências penais dos seus actos, maxime ao cumprimento da pena.
Assim, tendo o arguido alterado a sua residência para Espanha, deveria ter comunicado aos autos tal alteração, com a consequente prestação de novo termo de identidade e residência com indicação de morada actualizada, ou, pelo menos, ter comunicado uma residência em Portugal para onde lhe pudessem ser dirigidas as notificações, o que não fez, demonstrando, assim, o seu total alheamento das obrigações a que estava adstrito em face da prestação de termo de identidade e residência e da sentença condenatória proferida.
Em face disso, não se vêm razões para que a notificação ao arguido do despacho de revogação não seja feita mediante notificação expedida, mediante prova de depósito, para a morada constante do termo de identidade e residência – neste sentido os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 27-09-2017, processo 9126/00.0TDPRT-A.P1, e de 06-02-2019, processo n.º1630/15.1T9VFR.P1; do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-05-2013, processo 2326/08.6PBCBR.C1; do Tribunal da Relação de Évora, de 11-05-2021, 225/18.2PAABT.E1; e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-06-2020, processo 88/14.7XELSB.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Cumpre ainda fazer uma alusão ao decidido no AUJ 6/2010, publicado em DR, 1ºSérie a 21.05.2010, em que se fixou jurisprudência no sentido de que: “a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples,por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal”.
Ora, valem para o presente caso as considerações tecidas nesse acórdão quanto à validade da notificação do arguido, que prestou termo de identidade e residência, mediante notificação via postal simples, com prova de depósito, enviada para a morada por este indicada.
Ademais, conforme referido em douta promoção que antecede, “o mandatário do arguido foi igualmente notificado de todas as decisões que foram sendo proferidas pelo Tribunal, pelo que também por força do disposto no art. 113.º n.º 10.º do C. P. Penal se teria que considerar o arguido regularmente notificado, porquanto aquelas decisões não se reportam à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, a medidas de coação e de garantia patrimonial ou à dedução do pedido de indemnização civil”.
Em face de tudo o exposto, não se vislumbra qualquer nulidade decorrente da notificação do arguido na morada do TIR pelo que soçobra também nesta parte a pretensão deduzida.
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iii. Da pretensa falta de audição presencial do arguido para efeitos de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade:
Em terceiro lugar sustenta o arguido que a falta de audição presencial do arguido para efeitos de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade configura uma nulidade insanável que deve ser conhecida e declarada.
A este propósito, dispõe o art. 495, n.º 2 do CPP aqui aplicável ex vi art. 498, n.º 3 do CPP que “O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente”.
Ora, resultando a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade no cumprimento de uma pena de prisão a decisão judicial contende com a liberdade da pessoa pelo que se impõe o contraditório e o direito da audiência talqualmente previsto no art. 61.º, n.º 1, al. b) do CPP.
A tal propósito foi fixada jurisprudência (Acórdão de Fixação de Jurisprudência publicado em DR-175/2024, SÉRIE I de 2024-09-10) que «O despacho previsto no art. 495.º, n.º 2, do CPP, com fundamento no disposto no art. 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, deve ser precedido, salvo em caso de ausência por facto que lhe seja imputável, de audição presencial do condenado, nos termos dos arts. 495.º, n.º 2, e 61.º, n.º 1, als.a) e b), ambos do Código de Processo Penal, constituindo a preterição injustificada de tal audição nulidade insanável cominada no art. 119.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal».
Assente a obrigatoriedade da audição do condenado por força susodito, igualmente temos por certo que a sua não concretização configura uma nulidade insanável salvo, obviamente, se a sua audição não se efectivar por culpa sua, “seja porque faltou à diligência ou porque se ausentou da morada do TIR sem deixar nova morada, não se logrando encontrar nova morada” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.09.2020, proc. n.º67/15.7JACBVR.C1).
Como afirma André Lamas Leite (A Suspensão da execução da pena privativa da liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, em Stvdia Ivridica 99, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, BFDUC, 2009, págs. 620-623), “… a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, n.º 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, n.º 1, al. b), e 495º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa da liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado”.
Cumpre, pois, apreciar se a audição não se efectivou por culpa sua.
E desde já adiantamos que a resposta é afirmativa.
Volvendo ao caso dos autos, resulta que o arguido se colocou em parte incerta, deliberadamente, desde Janeiro de 2017. E que, aquando da prestação da TIR foi informado,designadamente, da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado e que o seu incumprimento é determinativo da sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito de estar presente.
Ora, no caso, o condenado alterou a sua residência para o estrangeiro, sem disso dar conta ao Tribunal.
Não obstante, o Tribunal encetou inúmeras diligências no sentido de apurar o seu paradeiro - cfr. despachos e promoções datadas de 2 e 7.03.2017 foi averiguado o paradeiro do arguido –através de pesquisas nas bases de dados disponíveis – cfr. diligências de 9, 20.03.2017, 1.07.2017 e 25.08.2017 –despachos de 14.03.2017, 16.03.2017, 22.03.2017 e 27.03.2017, 24.04.2017, 02.05.2017, 6.6.2017, 08.07.2017, 04.09.2017, 06.09.2017 - tentativas essas que se revelaram infrutíferas.
Ora, sendo desconhecido o seu paradeiro tornou-se inviável a sua audição presencial no que tange à eventual revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
E tal circunstancialismo só ao arguido é imputável ao ausentar-se do território nacional sem dar cumprimento à obrigação que sobre si impende de informar o tribunal da alteração de residência.
Além do mais, o que se constata é que o tribunal tentou até a sua notificação por via pessoal (por OPC), o que não se logrou possível posto a sua conduta de se ausentar para Espanha, sendo desconhecida, aí, qualquer morada. O Tribunal não deixou de tentar obter informação sobre a nova morada do condenado, tendo a autoridade policial informado que ele se ausentara para Espanha, desconhecendo-se a sua morada naquele país.
Foram, pois, empregues todos os esforços necessários à sua audição presencial e a sua não realização só ao próprio condenado é imputável.
A título de exemplo, veja-se o Acórdão citado na douta promoção que antecede, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-04-2023, p. n.º 720/21.6GDFVR.P1 que entendeu “Tendo sido envidados todos os esforços necessários à audição presencial do condenado, e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, o contraditório imposto pelo artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (relativo à revogação da suspensão da pena de prisão, para que remete o n.º 3 do artigo 498.º do mesmo Código, relativo à revogação da substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade da pena de prisão) tem-se por cumprido com a notificação do condenado na pessoa do seu defensor”. Ainda no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2017, proc. n.º 2089/10.5PCCBR-A.C1, segundo o qual “A nulidade prevista na al. c) do art. 119.º do CPP só ocorre quando não é concedida ao arguido a possibilidade de comparência, qualificada de obrigatória, a acto previsto na lei, inter alia, o descrito no n.º 2 do art. 495.º do mesmo diploma legal, e já não quando o próprio arguido a ele não comparece de forma voluntária ou quando, de modo pré-determinado, se coloca em posição de não ser possível transmitir-lhe a convocatória para tal presença”.
Em face do exposto, não procede a nulidade insanável arguida da não audição presencial em momento que precede a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade porquanto tal circunstancialismo só a si é imputável, inviabilizando a sua audição ao colocar-se em parte incerta.
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iv. Da requerida audição presencial e que lhe seja concedida a possibilidade de prestar trabalho a favor da comunidade:
Neste particular, sustenta o arguido que deverá ser-lhe dada a oportunidade de ser ouvido e, bem assim, de prestar o trabalho a favor da comunidade, mais alegando que está disponível para proceder ao pagamento de uma pena de multa em substituição da pena de prisão. Finalmente, peticiona “no limite, a prisão domiciliária à noite”.
Ora, como bem sustenta a douta promoção que antecede, “A decisão que determinou a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade transitou em julgado, sem que tivesse sido objecto de qualquer reacção pelo arguido, motivo pelo qual não se mostra possível nesta fase, repristinar a pena anteriormente aplicada ou alterar aquela decisão judicial”.
Finalmente se refira que vai indeferida a inquirição de todas as testemunhas invocadas por manifesta falta de fundamento legal.
Em face de tudo o exposto, e na senda da douta promoção que antecede, indeferem-se todas as pretensões formuladas por falta de fundamento legal.
Notifique.
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Dê conhecimento do TEP da promoção que antecede e da presente decisão.
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No mais, aguardem os autos a entrega do condenado em território nacional, em execução do MDE.”
4. Apreciação do Mérito do Recurso
O arguido veio arguir a nulidade insanável da decisão de revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade por preterição do direito de audição e violação do princípio do contraditório, tendo em conta que não foi designado dia para a audição presencial do arguido nas instalações do tribunal.
Invoca a Exma. Senhora Procuradora Geral Ajunta, no parecer emitido, ser extemporânea a arguição pelo arguido/condenado, ora recorrente, da nulidade suscitada perante o Tribunal “a quo” e objeto de apreciação no despacho recorrido, por ter sido invocada após ter transitado em julgado o despacho que determinou a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Como se colhe da análise dos autos, no dia 17/01/2015, o arguido, ora recorrente, prestou Termo de Identidade e Residência, indicando como morada para efeito de notificações: Rua ..., ... - ..., ... ....
Estabelece o artigo 196º do Código de Processo Penal sob a epígrafe “termo de identidade e residência”:
“1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250º.
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 113º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º;
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.”
Daqui resulta que, após prestar termo de identidade e residência, sobre o arguido recai a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, e, por outro lado, que o arguido será sempre notificado, por via postal simples, na morada que constar do termo de identidade e residência.
Assim, se o arguido, depois de prestar termo de identidade e residência, mudar de residência e disso não der notícia nos autos, considera-se sempre notificado com o envio de carta simples para essa morada.
No caso vertente, o arguido compareceu nas duas sessões da audiência de julgamento, prestou declarações e ficou ciente da sentença condenatória.
Esta sentença, tendo sido objeto de recurso, transitou devidamente em julgado.
O arguido foi condenado numa pena de 15 meses de prisão, substituída por 450 horas de trabalho a favor da comunidade, tendo esta decisão transitado em julgado a 28/09/2015, depois de ter sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
O plano de prestação de trabalho a favor da comunidade foi elaborado em 27/04/2016, tendo o arguido concordado em prestar trabalho na Fundação ....
Este plano de prestação de trabalho a favor da comunidade foi homologado por decisão do Tribunal de 10/05/2016.
Posteriormente, a 3/01/2017, foi junta aos autos informação da DGRSP, dando conta que o arguido não iniciou a prestação de trabalho a favor da comunidade, pretendia ausentar-se para parte incerta de Espanha, sem data de regresso a Portugal. Mais dessa informação consta que o arguido não voltou a responder aos contactos telefónicos ou convocatórias da DGRSP.
O arguido ora recorrente ausentou-se da morada conhecida nos autos e não veio indicar qualquer nova morada como sendo a sua residência.
O Tribunal realizou diversas diligências no sentido de obter outra morada do arguido para assegurar a sua audição pessoal, deixando-se expressamente consignado que o objetivo era conseguir a sua audição presencial – cfr. despacho e promoção de 2 de 7 de Março de 2017, e diligências de averiguação do paradeiro na bases de dados do tribunal, junto do SEF e da OPC (de 9 e 20 de Março de 2017, 6 de Abril de 2017, 1 de Junho de 2017 e 25 de Agosto de 2017) .
Foram ainda feitas tentativas de notificação, por via postal simples com prova de depósito e pelas OPC, do arguido para se pronunciar quanto ao incumprimento descrito no relatório da DGRSP , bem como da promoção de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade de 9/10/2017, sem sucesso, por não ser encontrado.
Esta notificação foi igualmente efetuada na pessoa do seu defensor oficioso Sr. Dr. BB, conforme se apurou pela consulta do processo principal ao qual acedemos pela plataforma informática citius.
Após, por decisão proferida em 13/12/2017, foi decidido determinar a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada ao arguido e, em consequência, determinado o cumprimento pelo mesmo da pena de 15 meses de prisão em que foi condenado, decisão essa que transitou em julgado no dia 30/11/2018, tendo o arguido sido considerado notificado na morada constante do TIR e conhecida nos autos, pois, foram levadas a cabo diversas diligências no sentido de identificar o paradeiro do arguido e a respetiva notificação desta decisão, o que não foi possível concretizar.
Posteriormente, foram efetuadas diversas diligências no sentido de identificar o paradeiro do arguido e lograr a respetiva notificação pessoal da decisão, o que não foi possível concretizar (cfr. diligências realizadas entre 20/12/2017 e 24/10/2018).
A decisão de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade transitou em julgado a 30/11/2018, tendo o arguido sido considerado notificado na morada indicada no TIR.
A preterição da audição presencial do arguido apenas poderá configurar uma nulidade insanável quando a mesma seja objetivamente possível e não, como no caso em apreço, quando o arguido se ausenta da morada conhecida para parte incerta, sem comunicar essa mudança ao tribunal, como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara, como de resto veio a suceder. Além disso, o tribunal teve ainda o cuidado suplementar de efetuar várias diligências com vista a chegar ao seu paradeiro, mas infrutíferas.
Daí que não assiste razão ao arguido e recorrente quando afirma que a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade não pode ocorrer sem a audição pessoal.
Esta questão já veio a ser decidida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2024 que fixou a seguinte jurisprudência: “O despacho previsto no art. 495.º, n.º 2, do CPP, com fundamento no disposto no art. 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, deve ser precedido, salvo em caso de ausência por facto que lhe seja imputável, de audição presencial do condenado, nos termos dos arts. 495.º, n.º 2, e 61.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código de Processo Penal, constituindo a preterição injustificada de tal audição nulidade insanável cominada no art. 119.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal”.
Também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-04-2023, proc. n.º720/21.6GDFVR.P1, in wwwdgsi, escreveu-se que “Tendo sido envidados todos os esforços necessários à audição presencial do condenado, e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, o contraditório imposto pelo artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (relativo à revogação da suspensão da pena de prisão, para que remete o n.º 3 do artigo 498.º do mesmo Código, relativo à revogação da substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade da pena de prisão) tem-se por cumprido com a notificação do condenado na pessoa do seu defensor”.
O arguido foi declarado contumaz pelo TEP a 12.06.2019 e, na sequência de MDE emitidos para cumprimento da pena, veio a ser detido e, na sequência da sua detenção, veio o arguido arguir as nulidades objeto do despacho recorrido.
O requerimento de arguição das nulidades foi apresentado após o trânsito em julgado do despacho de revogação do trabalho a favor da comunidade.
Não há qualquer dúvida que a decisão de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade, notificado ao defensor oficioso e ao arguido na morada indicada no TIR e conhecida nos autos, transitou em julgado no dia 30/11/2018.
O Código de Processo Penal não define o conceito de trânsito em julgado pelo que, aplicando subsidiariamente o disposto no Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal, “ a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”, artigo 628º. do Código de Processo Civil.
A figura do trânsito em julgado é imposta, sobretudo, por razões de certeza e segurança nas relações jurídicas e visa, assim, determinar, com rigor, o momento a partir do qual transita em julgado uma decisão judicial, isto é, quando essa decisão se torna, para o mundo jurídico, definitiva.
Este despacho mostra-se devidamente notificado ao ilustre mandatário e ao arguido, cuja notificação foi enviada para a morada conhecida nos autos, não tendo reagido a este despacho, como poderia perfeitamente tê-lo feito, o que significa que essa mesma decisão sobre a revogação consolidou-se na ordem jurídica, com o trânsito em julgado.
Perante o que vem de dizer-se, e também por aqui, o recurso interposto pelo recorrente sempre estaria votado ao insucesso, visto que a alegada nulidade não podia ser conhecida e declarada pelo tribunal - quer pelo tribunal a quo, quer por este tribunal ad quem -, por ter sido suscitada em momento posterior ao trânsito em julgado do despacho de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade.
Com o trânsito em julgado da decisão fica definitivamente resolvido a questão da revogação do trabalho a favor da comunidade, não podendo ser agora sindicada pelo tribunal Superior.
Como se assinala no Acórdão desta Relação de Coimbra de 22.03.23, proc. nº. 97/16.0GAMMV-A.C1, “IV - As nulidades processuais, quer necessitem de ser arguidas pelos interessados, quer sejam de conhecimento oficioso, ficam sanadas com o trânsito em julgado da decisão final: as primeiras sanam-se se não forem arguidas dentro dos prazos para tanto normativamente previstos; as segundas sanam-se com o termo do procedimento, ou seja, com o trânsito em julgado da decisão, jamais podem ser invocadas ou oficiosamente conhecidas quaisquer nulidades, mesmo aquelas que a lei qualifica de insanáveis”.
Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.10, proc.21/07.2SULSB-E.S1, in wwwdgsi, refere que “ (...) mesmo as nulidades insanáveis, que a todo o tempo invalidam o acto em que foram praticadas e os actos subsequentes, ficam cobertas pelo trânsito em julgado da decisão, o que significa que, transitada em julgado a decisão, jamais podem ser invocadas ou oficiosamente conhecidas quaisquer nulidades, mesmo aquelas que a lei qualifica de insanáveis.”
E não há qualquer inconstitucionalidade neste entendimento de que o caso julgado se sobrepõe ao conhecimento de qualquer nulidade, mesmo que insanável.
A este propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/2001 decidiu não julgar inconstitucional a norma ínsita no artigo 119º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de que as nulidades, qualquer que seja a sua natureza, ficam sanadas logo que se forme caso julgado, não mais podendo ser arguidas ou conhecidas oficiosamente porquanto “ tal solução adjectiva em nada colide com o princípio constitucional das garantias de defesa, esquecendo o recorrente, na sua argumentação, que dispôs de plena oportunidade para exercitar tais garantias no decurso do processo e que a Lei Fundamental concede relevância constitucional ao valor do caso julgado, que não pode ser perspectivado como mera realidade formal”.
Termos, pois, em que se decide negar provimento ao recurso.
5 - Decisão
Pelo exposto, acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC, artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III.
Notifique-se
Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que o presente acórdão foi elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias.
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Coimbra, 11 de Junho de 2025
Os Desembargadores
Maria da Conceição Miranda
Sandra Rocha Ferreira
Maria Alexandra Guiné