Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
224/09.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
OBRIGAÇÕES SECUNDÁRIAS
OBRIGAÇÕES CONEXAS
OBRIGAÇÕES AUTÓNOMAS
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA - 1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 808.º DO CC
Sumário: 1 - Num contrato promessa, sobre o devedor/promitente impende a obrigação, instrumental da obrigação principal, de realizar os actos possibilitadores do cumprimento; o seu comportamento debitório comporta todas as componentes, positivas e negativas, funcionalizadas a permitir que o negócio prometido se celebre nos exactos termos convencionados, isto é, todos os deveres secundários, acessórios ou instrumentais da obrigação principal necessários à viabilização/satisfação do interesse que levou à celebração do contrato.

2 - Assim, quando o devedor promitente não está a cumprir a obrigação instrumental (a efectuar as operações urbanísticas destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes) e a preparar o cumprimento da obrigação principal (venda dos lotes para construção), o promissário pode exigir o cumprimento da obrigação secundária/instrumental, fixar-lhe até um prazo razoável suplementar nos termos do art. 808.º e, caso este decorra infrutiferamente, resolver até o contrato-promessa por impossibilidade culposa de cumprimento e reclamar a correspondente indemnização.

3 - O que não pode o promissário é cumprir, ele próprio, a obrigação secundária/acessória do promitente – realizar os actos preparatórios do cumprimento da obrigação principal – e depois, assim cumprida a obrigação principal, vir pedir uma indemnização correspondente aos custos que teve com o cumprimento da obrigação secundária/acessória a cargo do promitente.

4 - Celebrado o contrato definitivo (cumprida a obrigação principal), só podem continuar a ser invocadas as cláusulas do contrato promessa que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria, que surjam “desvinculadas” da obrigação principal da contraparte; e não as cláusulas que consagram meras obrigações acessórias tendentes ao cabal cumprimento da obrigação principal de outorga do contrato prometido, que nesta se projectam e que se esgotam/extinguem com o cumprimento da obrigação principal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A.... e esposa B...., residentes na Rua (...), Freixianda, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra C...., solteira, residente no (...), Abrunheira, e D...., Lda., com sede na Rua (...), Coimbra, pedindo que as rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhes a quantia de 63.291,35 €, acrescida dos juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Invocaram para tal, em síntese, que celebraram com as RR. (promitentes vendedoras), em 15/03/2004, um contrato-promessa de compra e venda de diversos lotes para construção; que, à data da celebração do contrato-promessa, ainda decorriam no terreno as operações urbanísticas destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes; e que as RR. não realizaram algumas/diversas de tais operações urbanísticas (necessárias ao licenciamento das construções e/ou à constituição dos lotes), razão porque os AA. se substituíram às RR. na execução de tais operações urbanísticas, vindo, aqui e agora, com fundamento em as RR. haverem “incumprido a prestação instrumental e acessória a que se obrigaram” pelo contrato promessa, pedir que sejam indemnizados por tal incumprimento e que assim lhe sejam pagos os montantes que despenderam em tais operações urbanísticas.

As RR. contestaram, sustentando, em resumo e em termo úteis, que os AA não alegaram quais as obrigações que as RR. não cumpriram; acrescentando que todas as obras, trabalhos e despesas (de cujo custo se pede o reembolso), decorrentes da execução dos projectos apresentados, eram a cargo dos AA., enquanto únicos interessados e a quem cabia requerer o averbamento da titularidade dos processos após as escrituras públicas; razão porque foram os AA. realizando todos os trabalhos de infra-estruturas necessários à edificação das moradias que foram construindo em cada um dos prédios adquiridos, de modo a poderem obter (como já obtiveram) os alvarás de autorização de utilização com vista à venda das moradias; razão porque nunca informaram os AA. dos trabalhos realizados, montantes gastos e/ou os notificaram para pagar o que quer que fosse, sendo que quase todos os trabalhos peticionados, foram realizados em Março e Abril de 2006, isto é, antes da outorga das escrituras públicas de compra e venda de lotes, ocasião em que pagaram o preço, conforme o contrato promessa de compra e venda, sem questionarem as RR sobre eventuais encargos por si indevidamente suportados e/ou sem solicitarem “encontros de contas”.

Concluíram pois pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Os AA. replicaram, mantendo o alegado na PI.

Foi proferido despacho saneador – tendo a instância sido declarada totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo as rés do pedido.

Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a acção procedente e que condene as RR. conforme o pedido na PI.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Existe errada apreciação da matéria de facto, designadamente dos factos provados em A) e B), pelo Tribunal a quo, que afirma não terem os Autores/recorrentes provado que à data do contrato-promessa decorriam as operações urbanísticas no terreno, destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes.

2. À data do contrato-promessa decorriam operações urbanísticas, nos terrenos, destinadas a obter o licenciamento das construções e a constituição de lotes, uma vez que é o próprio contrato-promessa a referir “sobre o prédio O incide uma operação urbanística de loteamento, para construir os quatro lotes”; “sobre os prédios propriedade da 1ª e 2ª Contratantes incidem operações urbanísticas diversas, cujos procedimentos administrativos se encontram em diferentes fases”; e “A conclusão das operações urbanísticas em curso, destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes, como previsão e sem carácter vinculativo é escalonada, para os próximos 12 meses”.

3. Entre as partes foi reconhecido decorrerem também “Operações de loteamento: as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes, destinados imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”. O que explica as áreas de cedência mencionadas nos documentos juntos aos autos dos processos camarários pertinentes, em conformidade com o disposto no artigo 77.º 1 do RJUE.

4. A decisão recorrida faz errada interpretação e e aplicação dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, uma vez que a letra do negócio – o texto do documento assinado – é limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, sendo certo que a cláusula 3ª do contrato refere precisamente a assunção da necessidade de proceder a operações urbanísticas, com vista a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes e a sua responsabilidade pelos RR.

5. O Tribunal a quo ignorou as normas jurídicas dos artigos 2º, 44.º e 77.º do RJUE; 3.º 14.º e 15.º do RMUE e 236.º a 238.º do Código Civil, que deveria ter aplicado.

6. Nas operações de loteamento é requisito do licenciamento da construção a realização das obras urbanísticas. Sendo certo que todos os contraentes tinham conhecimento de tal necessidade. Tal como, todas as partes envolvidas no contrato sabiam que tais exigências eram extensíveis a todos os lotes.

7. Decorriam operações urbanísticas nos terrenos, aquando do contrato-promessa. As operações urbanísticas decorreriam, previsivelmente, por mais 12 meses. Tais operações eram da exclusiva responsabilidade das rés. A responsabilidade dos Autores surgiria apenas aquando da emissão dos alvarás que titulam as licenças de construção, sendo os encargos do requerimento da respectiva emissão a 1ª despesa a cargo dos autores.

8. As rés não realizaram as obras urbanísticas – que não se confundem com obras de construção, estas sim da responsabilidade dos autores -, nem as operações de loteamento e nem as operações urbanísticas a que estavam obrigadas, porquanto “não efectuaram as obras de fornecimento e montagem de rede de baixa tensão, nem efectuaram as obras de fornecimento e montagem de rede de iluminação pública, nem efectuaram as obras de infra-estruturas para ramais de chegada, nem efectuaram o fornecimento e montagem de generalidades, consistentes na troca de apoio de rede existente por novo poste de betão e remoção da rede aérea desactivada; nem efectuaram o fornecimento e montagem de infraestruturas telefónicas, nem efectuaram as obras para o fornecimento e montagem de rede de gás; nem procederam à desmontagem de armário de distribuição com fornecimento de armário novo” (F).

9. Os Autores têm direito a receber das rés os montantes que se viram obrigados a despender na realização obras de urbanização, no âmbito das operações de loteamento e das operações urbanísticas, que eram da responsabilidade das rés, mas que estas não cumpriram.

10. O incumprimento daquelas obrigações é fundamento da presente acção de indemnização, sendo as rés responsáveis pelas despesas suportadas pelos autores, tal como provado nos pontos G), H), I), J), K), L), M), N), O) e P) da Base Instrutória.

As RR. responderam, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 – Do contrato promessa de compra e venda celebrado entre AA e RR, resulta claramente as obrigações para cada uma das partes, nomeadamente ( 3ª Clausula).

2 – Incumbia ás recorridas elaborar e fazer aprovar nos Serviços Municipais os projectos necessários á construção dos edifícios e á constituição dos lotes.

3 – Após a decisão de aprovação, incumbia também às recorridas notificar os recorrentes dessa mesma decisão e da marcação das escrituras de venda.

4 – Uma vez celebradas as escrituras competia aos recorrentes requerer o averbamento da transmissão a operar pelo contrato prometido, a emissão dos referidos alvarás, o levantamento do livro de obra, a junção do alvará do construtor e dos seguros obrigatórios por Lei.

5 - Todas as operações urbanísticas, definidas no artigo 2º alínea j) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), cabiam aos recorrentes.

Com efeito,

6 - A intervenção “no terreno”, só se poderia iniciar após a emissão dos Alvarás que titulam a aprovação dos projectos, momento em que os recorrentes e em cumprimento da parte final da 3º Clausula do contrato promessa, já eram donos dos prédios.

7 – Aliás, os mesmos alvarás, foram emitidos já em nome dos recorrentes, uma vez que, as taxas municipais prévias á emissão, eram da sua responsabilidade, conforme o previsto na 3ª Clausula do contrato.

8 - E esta interpretação vale para todas as “operações urbanísticas”2 a que as RR se comprometeram, fossem elas de destaque, de loteamento, ou edificação em prédio já individualizado.

9 - Mesmo nos casos dos prédios a lotear, a obrigação das RR terminava com a aprovação do respectivo projecto, isto é, com a divisão fundiária dos prédios, momento em que seria emitido o alvará de loteamento, que serve de base ao registo dos lotes e posterior escritura de transmissão.

10 - As obras de urbanização não são condição de aprovação do loteamento, são sim, posteriores a essa aprovação, titulada pelo Alvará de Loteamento conforme resulta do nº 1 do artigo 53º do RJUE,

Assim.

11 - Todas as obras, sejam elas quais fossem eram da responsabilidade exclusiva dos recorrentes.

12 – Na petição inicial, os recorrentes apenas alegaram as obras que fizeram no local, não tendo alegado nem provado, que as mesmas obras foram necessárias á aprovação dos projectos de construção e/ou de loteamento, não cabendo à MM Juiz a quo, fazer a distinção das alegadas obras.

13 – As cedências que os recorrentes imputam ás recorridas, nada têm a ver com obras.

14 - A aprovação dos loteamentos pode ser condicionada a cedências, por parte dos proprietários dos prédios a lotear. Essa condição traduz-se na cedência gratuita para o município (para o domínio público municipal) de parcelas para a implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas - artigo 44º do RJUE.

15 - Mas, tal facto nada tem a ver com obras, seja qual for a sua natureza, pois as cedências são prévias á deliberação de aprovação do loteamento, as obras, incluindo as de urbanização são necessariamente posteriores á emissão do Alvará de licença de construção/loteamento, não sendo condição á sua aprovação.

16 - A decisão recorrida não merece qualquer reparo, pois está devidamente fundamentada na prova produzida, e numa rigorosa interpretação da letra do contrato, em especial da cláusula terceira, que não deixa qualquer dúvida em relação aos deveres de cada uma das partes outorgantes.

17 – Não deixa de ser relevante para o decidido, o facto de todas as facturas que suportam os custos com as alegadas obras, foram emitidas em nome do Autor marido, e não das recorridas, como seria de prever se, efectivamente essas obras lhe competissem.

10 – Pelo exposto, a decisão recorrida não pode merecer quaisquer reparos, muito menos os apontados nas alegações de recurso, devendo ser confirmada Nestes termos e, por tudo o mais que V.Exª doutamente suprirão, deve ser julgada improcedente o recurso de apelação, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

Foram dados como provados os seguintes factos:

A) – Os AA. e as RR. celebraram, entre si, um contrato, que denominaram “Contrato-promessa de compra e venda”, datado de 15 de Março de 2004, com o seguinte teor:

“ Objecto Contratual:

A 1.ª Contratante[2] é proprietária e legítima possuidora dos prédios A, B, C, D, E e O, a seguir descritos, livres de ónus e encargos.

Sobre o prédio O incide uma operação urbanística de loteamento, para construir os quatro lotes F, L, M e N, objecto do presente contrato e ainda um quinto lote do terreno sobrante.

No loteamento do prédio O, a 1.ª Contratante consentirá que cada lote a constituir ocupe gratuitamente, no seu tardoz, mais sete metros de profundidade em toda a sua largura, face ao limite que resulte do Alvará de Loteamento, em prejuízo do 5.º lote (lote do sobrante) do qual fica proprietária, na referida operação urbanística.

De igual modo, a 1ª Contratante consentirá que no tardoz dos prédios E, G, H, I, J e K - prédios existentes/lotes a constituir, seus ou da 2.ª Contratante, sejam ocupados gratuitamente mais sete metros de profundidade em toda a sua largura, face ao limite que resulte da operação urbanística em causa, em prejuízo do 5.º lote do qual ficará proprietária.

A 2.ª Contratante[3] é proprietária e legítima possuidora dos prédios J, K, H e I, a seguir descritos, livres de ónus e encargos.

A 2.ª Contratante é já possuidora e promitente-compradora de dois prédios rústicos, P e Q, cuja junção dará origem ao prédio G. A escritura pública de aquisição será realizada entre o dia 05 e 09 de Abril de 2004 no 3.º Cartório Notarial de Coimbra.

Comprovativa da titularidade dos prédios objecto deste contrato, são anexadas as cópias das matrizes e ou das inscrições prediais e cópia do contrato-promessa com execução específica relativo ao Prédio G.

São também juntas cópias das informações camarárias referentes às operações urbanísticas em curso (v.g, requerimentos de entrada, despachos de aprovação do projecto de arquitectura, e despacho de emissão de licença).

Uma planta de conjunto à escala de 1/500 e um conjunto de desenhos de síntese das casas à escala de 1/200 (à excepção da edificação do lote N), onde estão assinalados todos os prédios, existentes ou a construir, permitem visualizar a relação das construções entre si. a definição dos seus volumes, das suas cérceas e cotas de soleira, dos afastamentos ao eixo da via e a sua relação com a aldeia.

Este estudo foi elaborado a pedido dos técnicos que apreciam aqueles projectos e serve de referência às operações urbanísticas em curso naquele arruamento.

Sobre os prédios propriedade da 1.ª e 2.ª Contratantes incidem operações urbanísticas diversas, cujos procedimentos administrativos se encontram em diferentes fases, mencionadas nas descrições feitas a seguir relativas a cada um deles.

Prédios/Lotes pertencentes à 1.ª Contratante (sitos na (...) – Coimbra):

Prédio/lote A - área em m2: 367,30 - descrição predial e matricial C. R. P. 2170-matriz urbana 1769 - operação urbanística em curso - Proc. de Licenciamento - 935/2002, CMC - Arquitectura aprovada - Especialidades entregues - Licença a pagamento

Prédio lote B - área em m2 : 390,00 - descrição predial e matricial C. R. P. 2067-matriz urbana 1804 - operação urbanística em curso - Proc. de Licenciamento - 823/2002, CMC - Arquitectura aprovada - Especialidades entregues - Licença a pagamento

Prédio lote C - área em m2: 358,00 - descrição predial e matricial C. R. P. 2068-matriz rústica 2967 - operação urbanística em curso - Proc. de Licenciamento - 2045/2002, CMC - Arquitectura aprovada - Especialidades entregues.

Prédio lote D - área em m2: 355,00 - descrição predial e matricial C, R. P. 2205-matriz urbana 1794 - operação urbanística em curso Proc. de Licenciamento - 2046/2002, CMC - Arquitectura aprovada - Especialidades entregues.

Prédio lote E - área em m2: 591,50 - descrição predial e matricial c.r.p. 2201-matriz urbana 1824 - operação urbanística em curso Proc. de Licenciamento - 2278/2002, CMC - Arquitectura aprovada e Especialidades entregues.

Prédio lote F, L, M, N e 5º Lote – área em M2: 409, 385, 385, 414 e Área Sobrante, respectivamente - descrição predial e matricial - C.R.P. 2066 - Matriz Rust. 2969 - Área 21,199,5 m2 - Proc. de Licenciamento de Loteamento 3193/2003, CMC - Parecer favorável de EDP e SMASC

Prédios/Lotes pertencentes à 2.ª Contratante (sitos na (...) – Coimbra):

Prédio lote J - área em m2: 417 - descrição predial e matricial C.R.P. 1915-Matriz Rust. 2982 - operação urbanística em curso Proc. de Licenciamento - 33881/2003, CMC.

Prédio lote K - área em m2: 398 - descrição predial e matricial - C.R.P. 1229 e Matriz Rust. 2984 - operação urbanística em curso: Proc. de Licenciamento - 33882/2003, CMC.

Prédio lote H e I - área em m2: 457,5 E 457,5 - descrição predial e matricial Matriz Rust. 2980 - Área 915 m2 - escritura de compra realizada no dia 9 de Março de 2004 - H e I a obter por destaque e construção

Prédio lote G - área em m2: 478 - descrição predial e matricial Matriz Rust. 2976-Área 242 m2; Matriz Rust. 2978 -Área 236 m2 [ Prédios P e Q] - Contrato Promessa de Compra e Venda de execução específica - Escritura de compra a realizar de 15 a 20 de Março de 2004 - G a obter por junção dos dois artigos.

2. Cláusulas Contratuais

Entre os Contratantes acima identificados, é celebrado o presente contrato-promessa de compra e venda bilateral, que se regerá pelas cláusulas seguintes:

1.ª cláusula

Promessa Bilateral de Compra e Venda

A 1.ª Contratante e a 2.ª Contratante prometem vender aos 3.ºs Contratantes e estes prometem comprar-lhes os prédios/lotes acima identificados, constituídos ou a constituir, com os projectos neles aprovados.

2.ª cláusula

Preço

O preço de cada um dos prédios/lotes existentes, a constituir ou a adquirir é o seguinte:

Prédio A e Prédio B - 45 000 € (quarenta e cinco mil euros) cada

Prédio C - 60 000 € (sessenta mil euros)

Prédio E - 65 000 € (sessenta e cinco mil euros)

Prédios D, F, G, H, I, J, K, L e M - 40 000 € (quarenta mil euros) cada

Prédio N - 37 500 € (trinta e sete mil e quinhentos euros

Correspondem 412 500 € (quatrocentos e doze mil e quinhentos euros) à compra e venda dos prédios da 1.ª Contratante, existentes ou a constituir e 200.000 € (duzentos mil euros) correspondem aos prédios da 2.ª Contratante, constituídos ou a constituir, adquiridos ou a adquirir, sendo o valor global do presente contrato de 612 500 € (seiscentos e doze mil e quinhentos euros).

O preço de cada um dos prédios será pago no acto de outorga da escritura pública correspondente.

É prestada a favor do 1.º e 2.º Contratantes uma só garantia do bom cumprimento do presente contrato, no valor global de 45 000 € (quarenta e cinco mil euros), é prestada em dinheiro, paga por cheque à ordem da 1.ª Contratante, com o seguinte calendário:

10 000 € (dez mil euros) na data de assinatura deste presente contrato;

10 000 € (dez mil euros) até 30 de Março de 2004 e

25 000 € (vinte e cinco mil euros) até 15 de Abril de 2004.

Realizada a escritura pública referente ao último prédio (constituído ou a constituir), o valor desta garantia será restituído aos 3.ºs Contratantes, ou, em alternativa, por acordo entre os Contratantes, poderá ser imputada no valor desse último contrato, sendo devolvido o excedente ou pago o que falte.

3.ª cláusula

Licenças

Os processos de licenciamento relativos aos prédios objecto do presente contrato, em curso na Câmara Municipal de Coimbra, são de integral e perfeito conhecimento dos 3.ºs Contratantes.

A conclusão das operações urbanísticas em curso, destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes, como previsão e sem carácter vinculativo é escalonada, para os próximos 12 meses, assim:

Prédios A e B - Operação concluída. Licença a pagamento.

Prédios E e D - Março/Abril de 2004.

Prédio C - Maio/Junho de 2004.

Prédio J e K - Agosto/Setembro de 2004.

Prédios H e I - Outubro/Novembro de 2004.

Prédios F, L, M e N - Dezembro de 2004/Janeiro de 2005.

Prédio G - Janeiro/Fevereiro de 2005.

São da responsabilidade dos 3.ºs Contratantes[4] os encargos do requerimento de emissão dos alvarás que titulam as licenças de construção, bem como as taxas urbanísticas devidas.

Compete igualmente aos 3.ºs Contratantes requerer o averbamento da transmissão a operar pelo contrato prometido, a emissão dos referidos alvarás, o levantamento do livro de obra, a junção do alvará do construtor e dos seguros obrigatórios por Lei.

4.ª cláusula

Escrituras Públicas de Compra e Venda

Os prédios A e B têm escritura pública marcada para o próximo dia 30 de Março de 2004, pelas 15H00, no Cartório Notarial de Coimbra, prescindindo os Contratantes das notificações previstas no n.º 3 desta cláusula.

As escrituras públicas de compra e venda dos outros prédios/lotes terão lugar dentro de 90 dias de calendário contados da data da notificação à 1.ª e 2.ª Contratantes, dos despachos para emissão das licenças.

Das datas e locais de outorga das escrituras públicas, serão sucessivamente notificados, pelas 1.ª e 2.ª Contratantes, os 3.ºs Contratantes, para o domicílio destes, por carta registada com AR, com antecedência mínima de 10 dias úteis. Esta notificação é acompanhada pela informação camarária dos despachos para emissão das licenças.

As despesas das referidas escrituras bem como a liquidação dos impostos devidos correm por conta dos 3.ºs Contratantes.

Se a celebração da escritura pública em causa não ocorrer dentro dos noventa dias contados da data da notificação que a licença está a levantamento, por motivo não culposamente imputável a cada uma das partes, será, entre elas, acordada uma nova data para a sua realização.

5.ª cláusula

Incumprimento do Contrato

Este contrato está sujeito ao regime de execução específica do contrato-promessa, previsto no art. 830º/1 do Código Civil, não obstante a existência de uma garantia para o caso de incumprimento, prevista na 2.ª cláusula.

A impossibilidade de constituição ou aquisição de um determinado prédio ou de aprovação do seu projecto, ocorrida por motivos alheios à 1.ª e 2.ª Contratantes, não inviabiliza o presente contrato, operando-se a redução do seu objecto e mantendo-se o contrato, nos seus mesmos termos, até final, relativamente aos outros prédios.

A falta de comparência a uma das escrituras públicas não implica o incumprimento definitivo do presente contrato-promessa, desde que no prazo de oito dias úteis seja a falta justificada e aceite. Será então, para o efeito marcada uma segunda data nos mesmos termos que a primeira.

6.ª cláusula

Alterações ao Contrato-Promessa

Toda e qualquer alteração a fazer ao presente contrato será reduzida a escrito, por documento onde constem as cláusulas alteradas, suprimidas ou aditadas, bem como a versão final do contrato, assinado por todos os intervenientes.

7.ª cláusula

Foro Convencional

Todas as questões judiciais respeitantes ao presente contrato-promessa serão submetidas ao Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, com expressa renúncia a qualquer outro, nos termos do art. 100º/1 do Código de Processo Civil.

8.ª cláusula

Duplicados e Reconhecimento das Assinaturas

O presente contrato feito em duplicado tem 10 folhas, rubricadas por todos os Contratantes e dele constam também anexos que dele fazem parte integrante e vão também rubricados.

Todos os Contratantes prescindem do reconhecimento das assinaturas”;

tudo como consta do documento junto a fls. 24 a 32 dos autos, cujo demais teor aqui se dá por reproduzido.

B) - Os prédios identificados com as letras A e B, C e D, E, H, I, J e K, foram objecto de escritura pública de compra e venda outorgada após a notificação às rés do deferimento dos processos e licença a pagamento".

C) - Em Maio e Setembro de 2006, a 2ª ré " D..., Ldª", transmitiu aos autores a propriedade de lotes ali identificados como H e G por escrituras públicas de compra e venda, tendo estes pago o preço.

D) – À data do contrato-promessa, os processos de licenciamento relativos aos lotes prometidos encontravam-se em curso na Câmara Municipal de Coimbra.

E) À data do contrato-promessa, decorriam as operações urbanísticas no terreno, destinadas a obter o licenciamento das construções e /ou a constituição dos lotes[5].

F) As rés não executaram obras de infra-estruturação urbanística necessárias ao licenciamento da utilização das moradias [ não se provando que não realizaram operações urbanísticas necessárias a licenciamento da construção ou constituição de lotes].

G) Não efectuaram as obras de fornecimento e montagem de rede de baixa tensão; não efectuaram as obras de fornecimento e montagem de rede de iluminação pública; não efectuaram as obras de infra-estruturas para ramais de chegada; não efectuaram o fornecimento e montagem de generalidades, consistentes na troca de apoio de rede existente por novo poste de betão e remoção da rede aérea desactivada; não efectuaram o fornecimento e montagem de infra-estruturas telefónicas; não efectuaram as obras para o fornecimento e montagem de rede de gás; não procederam à desmontagem de armário de distribuição com fornecimento de armário novo.

H) Os autores mandaram efectuar tais obras e fornecimentos à sociedade “ E..., SA”.

I) A execução desses trabalhos ocorreu em 3 fases, tendo a 1.ª fase sido facturada em 06/05/2006 e importado em 23.761,25 € (19.637,40 € + 4.123,85 € de IVA).

J) A 2ª fase, por sua vez, foi facturada em 28/06/2006 e importou em 21.937,75 € (18.130,37 € + 3.807,38 € de IVA) .

K) E a 3.ª fase foi facturada em 30/08/2006 e importou em 5.027,40 € (4.154,88 € +872,52 € de IVA).

L) Os trabalhos atinentes a desmontagem de armário de distribuição com fornecimento de armário novo foram facturados em 17/10/2006 e importaram em 800,42 € (661,50 € + 138,92 € de IVA).

M) Os AA. pagaram à empresa “ E..., S.A.” os trabalhos de infra-estruturas no montante total de 51.526,82 €.

N) Os autores pagaram os serviços de máquina retroescavadora a “José Batista Dias Fernandes, Unipessoal, Ldª”, no que liquidaram € 1.118,04, correspondendo à soma das facturas:

- nº 060385, de 30-09-2006, no valor de € 491,26;

- nº 060533 de 29-12-2006, no valor de € 254,10;

- nº 060546, de 29-12-2006, no valor de € 372,68.

O) E, os AA. pagaram a ligação dos ramais de água à “ F..., E.M. – SEEX”, no montante de 4.167,20 €.

P) Os AA. pagaram os ramais de saneamento à “ F..., E.M. – SEEX”, no valor de 6.296,00 €.

Q) Os AA. pagaram a instalação para telecomunicações à “ G..., S.A.”, no valor de 183,29 €,

R) Cientes de que tal lhes competia no âmbito do contrato promessa, os AA. foram realizando todos os trabalhos de infra-estruturas necessários à edificação das moradias que foram construindo em cada um dos prédios adquiridos, de modo a poderem obter (como já obtiveram) os alvarás de autorização de utilização com vista à venda das moradias.

S) Por isso, ao longo anos passados, desde 2004 até agora, nunca os AA. informaram as RR. dos trabalhos realizados, montantes gastos, muito menos as notificaram para pagar o que quer que fosse e só em 2009 os AA. vieram debitar às RR. despesas que bem sabem não caber a estas pagar.

T) As RR. apenas foram confrontadas com as despesas e facturas respectivas, pela primeira vez, na presente acção.

U) Os AA. bem sabiam que os Alvarás de Construção das moradias obrigam a sua ligação às redes de comunicação, às redes de água e esgotos, de electricidade e outras, para obter a licença/autorização de habitabilidade.

*

III – Fundamentação de Direito

Como se referiu no relatório inicial (e resulta claramente da PI, maxime dos art. 33.º a 36.º), tratam os autos – é esta a causa de pedir que delimita o objecto dos autos – duma indemnização por incumprimento contratual; mais exactamente, duma indemnização (pedida pelos promissários/AA) pelo incumprimento (dos promitentes/RR) duma prestação instrumental e acessória no âmbito dum contrato promessa de compra e venda de lotes para construção.

Independentemente da discussão sobre estar ou não a cargo dos RR/promitentes aquilo que os AA/ apelantes designam/qualificam como prestação instrumental e acessória, importa começar por ter presente – é um aspecto decisivo no contexto dos autos – que o contrato promessa de compra venda já foi cumprido, isto é, as escrituras definitivas dos lotes já foram feitas (cfr. factos B) e C) deste acórdão), o que exprime e representa a improcedência da pretensão dos AA., tal como eles a configuram (como uma indemnização por incumprimento duma prestação/obrigação acessória).

Expliquemo-nos[6]:

Numa questão de cumprimento/incumprimento duma obrigação, seja ela emergente dum contrato-promessa ou de qualquer outro contrato, acabamos sempre por ser remetidos para a questão da determinação clara do conteúdo do comportamento debitório a que o promitente ficou vinculado, revestindo, muitas vezes, esta questão, no quadro do contrato-promessa, particular melindre e dificuldade.

A resposta, como sempre, está na vontade contratual das partes, porém, frequentemente, os contraentes omitem a definição convencional da prestação debitória nas suas componentes secundárias, acessórias e instrumentais, havendo que recorrer à boa fé para integrar o negócio.

Em todo o caso uma coisa é certa, sobre o devedor/promitente impende, em tese, a obrigação, instrumental da obrigação principal, de realizar os actos possibilitadores do cumprimento[7]; e, embora só em concreto os deveres secundários, acessórios ou instrumentais da obrigação principal sejam identificáveis, pode dizer-se, em abstracto, que eles hão-de ser todos os necessários à viabilização/satisfação do interesse que legitima a celebração do contrato.

Tendo isto presente, encurtando explicações e discussões, admitamos como ponto de partida – como hipótese de raciocínio, sem qualquer específica e “concreta” apreciação e até um pouco ao arrepio do que consta das alíneas R), S), T) e U) dos factos provados deste acórdão – que todas as operações urbanísticas cujo custo/indemnização é aqui peticionado pelos AA/apelantes estariam, por interpretação contratual (236.º/1 do C. Civil), a cargo dos RR. no âmbito do contrato promessa celebrado.

Assim postas as coisas – como hipótese de raciocínio e para explicar que, mesmo assim, na situação mais favorável aos AA/apelantes, a pretensão destes estava, ab initio, “condenada” à improcedência – estaríamos efectivamente colocados perante uma questão de incumprimento duma obrigação secundária proveniente do contrato-promessa.

Quando assim é, a primeira e imediata questão, está logo na indagação da relação entre a obrigação secundária (não cumprida) e a obrigação principal, isto é, em “determinar a autonomia ou instrumentalidade dessa obrigação relativamente à obrigação de contratar que constitui o cerne da eficácia do contrato-promessa.

Se a obrigação secundária não cumprida – total ou parcialmente, integral ou deficientemente, definitiva ou temporariamente, culposa ou não culposamente – revestir completa independência relativamente à obrigação principal, o seu inadimplemento gerará os efeitos próprios de qualquer incumprimento do seu tipo, mas não se repercutirá no regime da obrigação principal (…).

No caso de o interesse do credor no cumprimento da obrigação secundária autónoma ser conexo com o seu interesse no cumprimento da obrigação principal, poder-se-á estar perante uma coligação de contratos (ou união com dependência) ou perante uma obrigação condicionada pelo cumprimento da obrigação principal e então o regime aplicável será o que for adequado à configuração negocial da obrigação incumprida.

Já se, ao invés, o dever incumprido for acessório ou instrumental do cumprimento da obrigação principal, os seus efeitos são tipicamente absorvidos e consumidos pelo não cumprimento que ele provoca na prestação principal.

Dado que, em razão da sua natureza funcional, o inadimplemento da obrigação instrumental tenderá a arrastar o total ou parcial (quantitativo ou qualitativo) incumprimento da obrigação principal, o promissário não terá, em princípio, de esperar pela consumação deste último para reagir ao não-cumprimento da obrigação acessória; ele poderá, em regra, exigir o seu cumprimento, que, se não for realizado voluntariamente, será susceptível de execução forçada. (…)” porém, “só quando o incumprimento das obrigações conexas com a principal constitua um fundado risco de inadimplemento desta última, é possível exigir imediatamente a execução daquelas (…).”[8]

Significa, aplicado ao caso, o que se acaba de transcrever – com que se concorda – que as operações urbanísticas destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes não constituem ou representam uma obrigação independente relativamente à obrigação principal emergente do contrato promessa ou sequer uma obrigação conexa com ela; mas antes – como os AA/apelantes bem caracterizaram no art. 35.º da PI – uma obrigação acessória ou instrumental da obrigação principal, pelo que, repete-se e insiste-se, os seus efeitos são absorvidos e consumidos pelo repercussão que o seu não cumprimento provoca na obrigação principal.

Quando o promitente não está a cumprir a obrigação instrumental e a preparar o cumprimento da obrigação principal, o promissário pode exigir o cumprimento da obrigação instrumental. Se “o promitente não realizou os trabalhos, obra ou reparações tendentes ao aprontamento do bem nos termos convencionados (…) tem o promissário [como primeiro momento de exercício do direito ao crédito principal] direito de exigir que sejam adoptadas as medida económicas ou materiais para que a coisa se apresente com a identidade e qualidades convencionadas[9]; pode exigir-lhe judicialmente o cumprimento das obrigações secundárias, fixar-lhe até um prazo razoável suplementar nos termos do art. 808.º e, caso este decorra infrutiferamente, resolver o contrato-promessa por impossibilidade culposa de cumprimento e reclamar a correspondente indemnização.

Em síntese, se as obrigações secundárias/acessórias/instrumentais não forem cumpridas em tempo, tal incumprimento traduzir-se-á em mora ou definitivo não cumprimento da obrigação principal, consoante resulte da possibilidade/impossibilidade de cumprir e da manutenção ou insubsistência do interesse do promissário. O atraso na realização dos actos preparatórios de cumprimento – da realização das prestações/obrigações secundárias – implica mora ou definitivo não cumprimento da obrigação principal, o que, porém, só em concreto, em função do interesse creditório, pode ser destrinçado; de todo o modo, antes de uma obrigação secundária se repercutir no definitivo inadimplemento da obrigação principal, pode o credor reclamar judicialmente o seu cumprimento[10], não tendo de esperar pela verificação dos pressupostos de incumprimento daquela obrigação principal.

O que não está previsto é o promissário cumprir, ele próprio, a obrigação secundária/acessória do promitente – realizar os actos preparatórios do cumprimento da obrigação principal – e depois, permitindo assim que seja cumprida, sem reparo, a obrigação principal por parte do promitente, vir o promissário pedir uma indemnização correspondente aos custos que teve com o cumprimento da obrigação secundária/acessória a cargo do promitente.

E – é o ponto – é isto que está na acção; é nisto que se traduz a pretensão dos AA/apelantes; que, no fundo e em substância, vêm pedir uma indemnização por haverem cumprido uma obrigação alheia (das RR/promitentes), não na convicção de estarem a cumprir uma obrigação própria, mas cientes de que se tratava duma obrigação alheia (das RR./promitentes).

Mais, repercutindo-se, como se referiu, as vicissitudes da obrigação acessória ou instrumental sobre a obrigação principal, temos, em face dos que os AA/apelantes alegaram, que não há um qualquer “resíduo” resultante de tal repercussão, uma vez que, ao serem celebradas as escrituras definitivas dos lotes, terá ocorrido, sem que alguma mácula lhe seja apontada pelos AA/apelantes, o cumprimento da obrigação principal do contrato promessa.

Concluindo o que vimos expondo, podemos dizer:

1.º - que o incumprimento da obrigação secundária/acessória a cargo das RR/promitentes, a existir, não dá lugar, em virtude dos AA/promissários haverem “cumprido” em vez deles, a uma obrigação de indemnizar[11].

2.º - que tal incumprimento, a existir, não se repercutiu na obrigação principal, que, justamente por causa da substituição dos AA/apelantes, terá sido devidamente cumprida.

Isto dito e sem prejuízo do que se acaba de referir ser uma explicação jurídica suficiente para a congénita improcedência, salvo o devido respeito, da pretensão dos AA., importa, noutro enfoque jurídico, que os autos/factos também suscitam e convocam, chamar a atenção para o seguinte questão (que, até ao momento, os autos não retratam):
Celebrado o contrato prometido – como é/foi o caso – o que é que acontece ao contrato promessa? Esgota-se, extingue-se (pelo cumprimento – art. 762.º/1 do C. Civil), ou continua a subsistir e a poder o seu conteúdo ser invocado como contendo obrigações válidas e vigentes?

Trata-se de saber se, depois de celebrado o contrato definitivo, apenas haverá que atender às cláusulas integradoras do contrato prometido, ou se, inversamente, há cláusulas do contrato-promessa – nomeadamente cláusulas que consagram obrigações acessórias tendentes ao cabal cumprimento da obrigação principal de outorga do contrato prometido ou cláusulas que consagram prestações conexas que assumam autonomia própria – que perduram mesmo após a celebração do contrato definitivo, não se extinguindo com aquela celebração, mesmo que nesse contrato definitivo não tenham sido inseridas.

Trata-se de questão em que, mais uma vez, a resposta passa em grande medida pela interpretação das declarações negociais dos contraentes; que se deve efectuar de acordo com os critérios delineados no art. 236.º/1 do CC – que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário – que se podem resumir assim: as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência. O declaratário é obrigado a investigar, num plano de boa fé e tendo em consideração todas as circunstâncias por ele sabidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis; este, por seu lado, é também obrigado pela boa fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe. Todavia, na interpretação de um contrato deve buscar-se não apenas o sentido de declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, “mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo, como acção de autonomia privada e como globalidade da matéria negociada ou contratada[12]

Trata-se pois de questão que não tem uma resposta abstracta e unívoca.

Havendo uma sobreposição formal e substancial de conteúdo entre ambos os contratos, é natural e normal que a celebração do contrato prometido esgote/extinga o contrato-promessa, ficando a prevalecer, como objecto contratual, o conteúdo emergente das declarações negociais vertidas no contrato prometido.

A dificuldade surge, naturalmente, quando não há tal sobreposição.

Escreveu-se, a tal propósito no Ac. do STJ, de 13-09-2011 que a par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou “desvinculadas” da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido[13].

São, estas últimas, obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela; que, pela sua natureza, não deverão deixar de poder ser invocadas, quando se mostre que as partes, ao realizarem o contrato prometido, não pretenderam alterar o objecto das obrigações clausuladas na promessa (modificando-as ou extinguindo-as) e na medida em que as mesmas sejam providas da necessária autonomia, como fundamento de acção de cumprimento ou indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso (art. 762.º, n.º 2, do CC), mas sempre fora do regime do cumprimento ou do incumprimento do contrato-promessa enquanto tal e do complexo das obrigações jurídicas que o enformam em atenção à obrigação principal.

Efectivamente – voltando um pouco atrás – o contrato promessa (cfr. art. 410.º do CC), embora um contrato preliminar[14], não deixa de ser uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente, podendo ter autonomia ante o contrato prometido ou cessar a vigência com a celebração deste: na verdade, muitas das vezes, as partes incluirão no contrato definitivo aquilo que estipularam no contrato-promessa; porém, outras vezes, as partes podem não incluir deliberadamente no contrato prometido todo o clausulado no prévio contrato-promessa, sem que tal equivalha a abandonar a vinculação obrigacional decorrente de tais cláusulas, colocando-se a questão de saber a sorte de tais estipulações contratuais prévias.

Como refere Ana Prata[15], “ (…) a autonomia dos dois negócios impõe que se considerem subsistentes, mesmo após a conclusão do contrato definitivo, as obrigações constituídas pela promessa que não tenham encontrado extinção solutória na celebração daquele contrato. Isto é, se do contrato-promessa emergia a obrigação de celebrar um contrato com certo objecto e vem a concluir-se um contrato cujo objecto só parcialmente recobre o convencionado, estar-se-á, em princípio, perante um cumprimento parcial, que não preclude o direito do credor a exigir a prestação da parte em falta. Este, que é o regime geral do cumprimento, levanta neste quadro acrescidas dificuldades de interpretação da vontade das partes, resultantes do acto do cumprimento parcial se apresentar como um acto negocial, susceptível de mais facilmente ser entendido como modificativo do conteúdo da obrigação. Não creio que de tal natureza negocial se possa extrair qualquer presunção de modificação, antes parecendo que ao contrato prometido se deve aplicar integralmente o n.º 2 do art. 763.º, não carecendo, pois, o credor de expressamente salvaguardar o seu direito à prestação não cumprida para tal direito se manter. Julgo, pois, que, como diz a jurisprudência italiana mais recente, deve exigir-se que a vontade modificativa seja expressamente manifestada para que possa considerar-se satisfeito o direito do credor com a celebração do contrato principal e, consequentemente, precludida qualquer pretensão contra o promitente.

Porém, a subsistência do credor ao cumprimento parcialmente não realizado apresenta-se como de mais fácil verificação nos casos em que o incumprimento parcial for quantitativo do que naqueles em que for qualitativo.”

E tudo isto porquê? Em que medida é que o que se acaba de referir e transcrever tem a ver com o litígio dos autos/recurso?

Na medida em que, celebrado o contrato definitivo (cfr. factos B) e C) deste acórdão), para o contrato promessa poder ainda continuar a ser invocável, têm que estar em causa cláusulas, constantes do mesmo, que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria, que surjam autónomas ou “desvinculadas” da obrigação principal da contraparte; e não cláusulas que consagrem meras obrigações acessórias tendentes ao cabal cumprimento da obrigação principal de outorga do contrato prometido, que nesta se projectam e que se esgotam/extinguem com o cumprimento da obrigação principal.

Efectivamente – repete-se uma última vez – para além dos deveres secundários, inerentes à própria obrigação principal, porque instrumentais do seu exacto cumprimento, podem os contraentes alargar o conteúdo obrigacional devido (e constante do texto do contrato promessa) à convenção de obrigações autónomas, como tipicamente acontece no contrato-promessa com efeitos antecipados[16].

Ora – é o ponto – são os próprios AA/apelantes que reconhecem (e bem) que estão a invocar o incumprimento duma obrigação/prestação instrumental e acessória (v. g. art. 35.º da PI), ou seja, não está sequer a ser invocado o incumprimento de algo que possa ser qualificado como uma convenção autónoma e só nesta hipótese, celebrado o contrato definitivo, poderá o contrato promessa continuar a ser invocável como fonte de obrigações ainda vigentes.

No fundo e em poucas palavras – agora numa formulação pela positiva – para uma acção com a configuração da presente poder ser intentada com êxito, tinha o contrato promessa (transcrito em A) dos factos provados) que ter uma cláusula em que se estabelecesse que, caso as RR./promitentes não fossem diligentes na realização/cumprimento da obrigação instrumental de preparação do cumprimento da obrigação principal, podiam os AA/promissários realizar a prestação correspondente ao cumprimento de tal obrigação instrumental, ficando, então, com o direito de exigir o reembolso das RR/promitentes dos custos tidos em tal realização.

Ora, como é evidente, a compreensão/interpretação das declarações negociais (art. 236.º/1 do CC) não revela a existência, em toda a economia do contrato promessa, duma cláusula com tal conteúdo; mais, não revela sequer uma cláusula próxima da acabada de enunciar, pelo que nem pela “vontade real” (art. 236.º/2 do C Civil), caso tivessem sido dados contributos nesse sentido – e não foram – se lá poderia vir a chegar.

*

É quanto basta para dizer que improcede “in totum” o que os AA/apelantes invocaram e concluíram na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância.
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelos AA/apelantes.

Coimbra, 18/03/2014

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[2] A aqui R. C....
[3] A aqui R. D....
[4] Os aqui AA.

[5] Altera-se pois a resposta negativa dada ao quesito 1.º; efectivamente, resulta da globalidade dos restantes factos dados como provados que tal quesito só podia ter resposta positiva. Repare-se: consta do próprio contrato promessa subscrito pelas partes que “as operações urbanísticas [estão] em curso, destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes”; por outro lado, deu-se como provado a realização duma série de operações em datas posteriores à data do contrato promessa. Logo, o quesito só podia ter resposta positiva. Assim, sendo manifesto o lapso na resposta – em face do que resulta dos restantes elementos de prova constantes dos autos – e tratando-se de facto sem relevo, como infra se explicará, no desfecho final dos autos/recurso, fica-se por esta explicação singela para a alteração.

[6] Para que não haja razão para os AA. voltarem a dizer que a fundamentação é singela, sem normas jurídicas e uma “confusão”.

[7]O comportamento debitório do promitente comporta todas as componentes, positivas e negativas, funcionalizadas a permitir que o negócio prometido se celebre nos exactos termos convencionados, isto é, com aptidão jurídica e material para satisfazer os interesses finais dos contraentes.” Ana Prata, O Contrato Promessa e o seu Regime Civil, pág. 658.
[8] Ana Prata, obra citada, pág. 656/8.
[9] Ana Prata, obra citada, pág. 660

[10] O que, naturalmente, sempre suscitará uma dificuldade: a determinação do momento do seu vencimento, na medida em que as obrigações secundárias normalmente não têm prazo, não são exigíveis por si próprias, mas só em função do cumprimento da obrigação principal.

[11] Quando muito, daria lugar a uma obrigação de restituir com fundamento em enriquecimento sem causa; mas não é esta, claramente, a causa de pedir da acção.
[12] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, 2010, p. 547.
[13] Ana Prata, obra citada, pág. 161 e ss.

[14] O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, tendo esse negócio jurídico como objecto imediato para os seus outorgantes uma obrigação de facere, infungível, que se exprime pelo compromisso de emitir a declaração de vontade conducente à celebração do contrato definitivo (prometido). Nas palavras de Galvão Telles (Dt. Das Obrigações, 7.º ed., pág. 83/4 e Manual dos Contratos, 4.ª ed., 209/10), o contrato-promessa “é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo. É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula
[15] Obra citada, pág. 651/2.

[16] Surgindo, então, o problema de saber se tal convenção (que está a mais) configura um verdadeiro negócio autónomo (se há um negócio coligado) ou uma mera cláusula adicional da promessa; e, ainda e num segundo momento, se for esta última a solução, se o contrato promessa, com tal convenção, é um contrato-promessa típico ou atípico.