Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CÂNDIDA MARTINHO | ||
Descritores: | MULTA DE SUBSTITUIÇÃO NÃO PAGAMENTO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO AUSÊNCIA DE CULPA NO NÃO PAGAMENTO PROVA. | ||
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Data do Acordão: | 02/19/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 45º, Nº 2, 2ª PARTE E ARTº 49º, Nº 3, DO C. PENAL. | ||
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Sumário: | 1 - A multa de substituição é uma pena de substituição em sentido próprio pois tem carácter não institucional ao ser cumprida em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida da pena de prisão a substituir.
2 - Se a multa não for paga, impõe o artigo 45º, nº 2, do C.Penal, que o condenado cumpra a pena de prisão aplicada na sentença. 3 - Porém, desde que o condenado prove que o não pagamento da multa de substituição não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres - artº 45º, nº 2, 2ª parte e artº 49º, nº 3, do C. Penal. 4 - Não é pressuposto da suspensão requerida ao abrigo do citado artigo 49º, nº 3, que a arguida tivesse previamente lançado mão da possibilidade de pagamento da multa em prestações ou requerido a prestação de trabalho a favor da comunidade. 5 - Entre assegurar a satisfação das necessidades básicas e, portanto, a sua própria subsistência e dos seus filhos menores e assegurar a satisfação do pagamento da multa, não obstante a respectiva natureza criminal, há que reconhecer a razoabilidade da opção da arguida e, consequentemente, a ausência de culpa na omissão verificada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Cândida Martinho Adjuntos: Helena Lamas Maria José Guerra Acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório
1. Nos presentes autos de processo comum com o nº134/20.5JAGRD que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda - Juízo Local Criminal – foi proferido em 22/3/2024 o seguinte despacho: “Por sentença proferida a 1/6/2023 e transitada em julgado, foi a arguida AA, condenada na pena de 9 (nove) meses de prisão, substituída por 270 dias de multa à razão diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo um total de 1.350,00€ (mil trezentos e cinquenta euros). Não tendo a arguida procedido ao seu pagamento voluntário, quer de uma só vez, quer tendo vindo solicitar o seu pagamento a prestações, nem sequer requerido a sua conversão em horas de trabalho a favor da comunidade, apesar de devidamente notificada para o efeito, com a advertência de que, não o fazendo cumpriria a pena de 9 (nove) meses de prisão (pena principal), a mesma não efetuou o pagamento. Veio a mesma, posteriormente, a folhas 288 a 293, requerer que lhe seja aplicado o instituto ínsito no artigo 49.º, do CP, uma vez que não tem condições económicas para efetuar o seu pagamento de uma só vez, pois ela e o seu agregado familiar vivem do RSI. Cumpre apreciar e decidir: Isto posto, estabelece o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, que «se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punido com prisão, aplicando, para o efeito, o limite mínimo de dois dias de prisão constante no n.º 1 do artigo 41.º» Ora, o caso que nos ocupa, temos que à arguida não foi aplicada uma pena de multa, a título principal, mas sim uma pena de prisão. Dispõe o artigo 45.° do CP que: 1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º 2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49. Nesta conformidade, não tendo a arguida procedido ao pagamento da pena de multa, determino que a arguida cumpra a pena de nove meses de prisão em que foi condenada, nada mais havendo a determinar, uma vez que, tendo a mesma vindo declarar que, agora não a pode pagar de uma só vez, poderia, dado os rendimentos que tem, ter procedido ao seu pagamento em prestações, ou, estando a mesma desempregada, bem poderia ter cumprido trabalho a favor da comunidade, o que não efetuou. Notifique e, após trânsito, emita os competentes mandados de detenção” DN”.
2. Inconformada com o decidido veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Tendo sido notificada, a Arguida, para proceder ao pagamento da quantia de 1.350,00) a título de pena de multa, sob pena da mesma vir a ter de cumprir a pena de prisão de 9 meses a que tinha sido condenada a título principal, veio nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 45º nº 2 e 49 nº 3, ambos do Código Penal, requerer a suspensão da pena de prisão. 2. Para o efeito, a Recorrente, apresentou requerimento em 15 de Janeiro de 2024, tendo sido promovido pelo Ministério Público o Deferimento em 29 de Janeiro de 2024. 3. Por despacho datado de 1 de Fevereiro foi ordenada a elaboração de relatório/plano pela DGRSP, o qual foi junto aos autos em 1 de Março com pronunciando-se favoravelmente à aplicação da suspensão, tendo nessa conformidade o Digníssimo Magistrado do MP promovido em 13 de Março a homologação o e a consequente aplicação da suspensão prevista no art.º 49º nº 3 que se aplica in casu por força do disposto no art.º 45º nº 2 do CP. 4. Sucede que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu determinar o cumprimento da pena de prisão de 9 meses. 5. A Arguida, não procedeu ao pagamento voluntário da multa por não ter meios para proceder ao pagamento integral da mesma, conforme resulta do teor do relatório social elaborado pela DGRSP. 6. Assim, a arguida não procedeu ao pagamento da pena de multa, não por não querer, mas por não ter efetivamente possibilidade para o efeito, sob pena dos seus filhos menores passarem necessidades alimentares. 7. Tendo requerido que lhe fosse APLICADA A SUSPENSÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 45º nº 2 e no nº3 do art.º 49º do Código Penal. 8. Assim, a suspensão da prisão subsidiária a que se alude no nº 3 do art.º 49º do Código Penal, surge como tentativa de resolução desta verdadeira quadratura do círculo realização das finalidades da punição e preservação da liberdade dos mais carentes economicamente. 9. Daqui decorre que à ora Arguida, só poderá ser negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão alternativa se não for permitido concluir que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável. 10. Ora nos presentes, autos já dispõem de elementos suficientes de que a Arguida se encontra em situação de insuficiência económica, face à junção dos três documentos, que acompanharam o requerimento datado de 15 de Janeiro de 2024, bem como do teor do relatório da DGRSP, datado de 1 de Março de 2024. 11. Salvo melhor opinião, é entendimento da Recorrente que o despacho recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, visto que o tribunal a quo não apreciou a matéria relevante que foi oportunamente invocada pela arguida e que se prende com a suspensão da execução da prisão subsidiária que a mesma requereu. 12. Limitando-se o despacho recorrido a referir que a arguida poderia ter procedido ao pagamento da multa em prestações ou ter cumprido trabalho comunitário. 13. In casu, se é certo que a requerida suspensão da execução da prisão subsidiária constitui uma verdadeira questão, na acepção que releva para efeitos da invalidade em análise, impondo, portanto, pronúncia pelo tribunal, não é menos verdade que no despacho recorrido, logo após ter citado a norma que na lei penal rege a matéria em apreço (artigo 49.º, n.º 3), o tribunal a quo tomou posição sobre aquela pretensão formulada pelo arguida, em conjugação com o disposto no nº 2 do art.º 45º do Código Penal. 14. Para tanto entendendo a recorrente que os autos dispõem de prova suficiente, nomeadamente, a constante do teor do relatório da DGRSP datado de 1 de Março de 2024, que as razões invocadas não permitiam concluir que a falta de pagamento da multa não lhe era imputável e que, por isso, não havia fundamento para determinar o cumprimento dos 9 meses de prisão a que a recorrente havia sido condenada a título principal. 15. De onde resulta, pois, que o despacho recorrido padece da omissão de pronúncia invocada no presente recurso, porquanto limita-se a referir que a arguida podia ter pago em prestações, ou estando desempregada ter cumprido trabalho a favor da comunidade. 16. Nos presentes autos a arguida não procedeu ao pagamento voluntário da totalidade da pena de multa a que foi condenado. 17. Neste contexto, conforme dispõe o n.º 3 do art.º 49º que in caso se aplica por força do disposto no nº 2 do art.º 45º, ambos do CP, do citado normativo, “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”. 18. Como é sabido, a função político-criminal desempenhada pela prisão subsidiária prende-se fundamentalmente com a finalidade de assegurar a efetividade da pena de multa, sendo nessa medida encarada como uma sanção penal de constrangimento ao seu pagamento. 19. A suspensão da execução da prisão subsidiária pressupõe, pois, a impossibilidade de pagamento da pena de multa, que tanto pode ser contemporânea da decisão condenatória como superveniente. 20. Quer isto dizer que não concorre como pressuposto da suspensão a exigência de que, previamente, o condenado tenha lançado mão da possibilidade de pagamento diferido da multa ou então em prestações, nos termos previstos no artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal, vindo depois a incorrer em incumprimento. 21. Como também não constitui exigência para o deferimento da suspensão que o condenado tenha previamente requerido a substituição da multa por dias de trabalho, nos moldes estabelecidos no artigo 48.º do Código Penal, e que aqueles não tenham sido cumpridos. 22. Aliás, se assim fosse não faria sentido autonomizar o regime de incumprimento dos dias de trabalho, tal como vem consagrado no n.º 4 do artigo 49.º do Código Penal, para além de que uma exigência com os apontados contornos redundaria na obrigatoriedade de o condenado requerer a realização de uma prestação que, por natureza, deve ficar dependente da sua vontade e aceitação. 23. Por outro lado, a transformação da multa em prisão subsidiária e, sendo caso disso, a suspensão da sua execução, não estão dependentes da prévia instauração de processo executivo, mas apenas da avaliação da impossibilidade de se obter o pagamento por essa via coerciva. 24. Ora, tal como sustentou o Exmo. Procurador na sua promoção datada de Março de 2024, na qual se pronunciou, pela homologação, e consequente aplicação da suspensão prevista no art.º 49º nº 3 que se aplica in casu por força do disposto no art.º 45º nº 2 do CP. 25. Parecer que lavrou nos autos, atento o teor do relatório da DGRSP, face à descrita situação que se apurou é reveladora da falta de capacidade económica do arguido para proceder ao pagamento integral da multa a que foi condenado, insuficiência essa que justifica o não cumprimento da pena, o qual não lhe é, assim, imputável. 26. Assim, face ao acima exposto há que concluir que se impõe suspender a pena de prisão de 9 meses aplicada a título principal na sua execução, nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal, aplicável por força do disposto no art.º 45º nº 2 do Código Penal. 27. Em suma: 28. Para a conversão da multa não paga em prisão subsidiária exige-se que a razão do não pagamento não seja imputável ao condenado, cabendo a este a prova de tal factualidade. 29. Não concorre como pressuposto da suspensão a exigência de que, previamente, o condenado tenha lançado mão da possibilidade de pagamento diferido da multa ou então em prestações, nos termos previstos no artigo 47.º, n.º 3, do CP, vindo depois a incorrer em incumprimento. 30. Como também não constitui exigência para o deferimento da suspensão que o condenado tenha previamente requerido a substituição da multa por dias de trabalho, nos moldes estabelecidos no artigo 48.º do CP, e que aqueles não tenham sido cumpridos. 31. A suspensão da execução da prisão subsidiária pressupõe a impossibilidade de pagamento da pena de multa, que tanto pode ser contemporânea da decisão condenatória como superveniente. 32. Tem aplicação o disposto no art.º 49º nº 3 por força do disposto no nº 2 do art.º 45º. Ambos do Código Penal. Das normas violadas: •Artigo 49º nº 3 por força do disposto no nº 2 do art.º 45º ambos do Código Penal. •Artigo 47.º n.º 3, do Código Penal; •Artigo 48º do Código Penal; •Artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal; (…)”.
3. O Ministério Público na primeira instância veio responder ao recurso, concluindo pela revogação do despacho recorrido, o qual, no seu entender, deve ser substituído por outro que defira o requerido a fls. 288 a 293 e, desse modo, seja a pena de prisão suspensa na sua execução por período não inferior a um ano, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
4. Neste Tribunal da Relação o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
5. Cumprido o art. 417º, nº2, do C.P.P., a arguida não veio responder ao parecer.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº3, al. c), do diploma citado.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
Sendo pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam, no caso vertente, a questão a decidir passa apenas por saber se estão ou não verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão resultante do não pagamento da pena de multa de substituição. Antes de mais, importa ter presente os seguintes elementos constantes dos autos: - A arguida foi condenada por sentença de 1/6/2023, transitada em julgado em 4/9/2023, na pena de 9 (nove) meses de prisão, substituída por 270 dias de multa à razão diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo o total de 1.350,00€ (mil trezentos e cinquenta euros). - Da factualidade provada vertida na sentença recorrida nada consta a respeito das condições pessoais de vida da arguida, nos seus aspetos, familiares, económicos, profissionais. - A arguida não procedeu ao pagamento da multa no prazo de quinze dias, não tendo também requerido o seu pagamento a prestações ou substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade. - Por despacho de 15/11/2023 foi determinada a notificação da arguida para em dez dias proceder ao pagamento da multa, ou dizer o que tiver conveniente, sob pena de não efetuar o pagamento cumprir a pena aplicada de 9 meses de prisão. - Por requerimento de 15/1/2024, a arguida veio requerer a suspensão da execução da pena de prisão, invocando o disposto no artigo 49º, nº3, do Código Penal, alegando não ter meios económicos para pagar a multa: tem dois filhos menores a cargo, encontra-se desempregada, bem como o seu companheiro, sendo beneficiários da prestação social de RSI na ordem dos quinhentos e trinta e três euros mensais, auferindo ainda um abono de família na ordem dos duzentos euros. O Ministério Público pronunciou-se a fls. 29/1/2024 no sentido do deferimento do requerido por um período não inferior a um ano, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, mediante plano a elaborar pela DGRSP. - Na sequência desta promoção, em 1/2/2024, veio a ser determinado que se solicitasse à DGRSP a elaboração de relatório social, no qual foi apresentado um plano individual de readaptação social da arguida. - Junto tal relatório, em 1/3/2024 (fls. 303 a 306 dos autos), o Ministério Público, manteve o promovido. Em 22/3/2024, veio a ser proferido o despacho recorrido.
Vejamos então se assiste razão à recorrente. É sabido que as penas de substituição são o resultado da condenação político-criminal das penas curtas de prisão, depois de reconhecido o fracasso destas na satisfação das finalidades de prevenção geral, negativa e positiva, e de prevenção especial, de neutralização e socialização (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crimes, Aequitas, pág. 327 e ss.). Por isso, o critério geral de escolha ou de substituição da pena é o de que o tribunal deve dar preferência à pena de substituição em detrimento da pena privativa da liberdade sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena de substituição se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição ou seja, a realização das exigências de prevenção geral e especial. A multa de substituição é uma pena de substituição em sentido próprio pois tem carácter não institucional ao ser cumprida em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida da pena de prisão a substituir. Se a multa não for paga, impõe o artigo 45º, nº 2, do C.Penal, que o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. Porém, determina a 2ª parte deste nº 2 ser aplicável o disposto no nº 3 do artigo 49º do C. Penal. Dispõe este preceito legal: Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta. Por conseguinte, desde que o condenado prove que o não pagamento da multa de substituição não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres. Compreende-se que a lei atribua ao condenado o ónus de comprovar a ausência de culpa na falta do pagamento da multa de substituição, pois, por um lado, é ele o principal interessado em evitar as consequências do não pagamento, e por outro será ele quem em melhores condições se encontrará para fazer a demonstração da ausência de culpa. Porém, propendemos no sentido de que a previsão do citado preceito legal tanto se deve dirigir às situações em que o arguido ativamente prove a sua falta de culpa no não pagamento e requer a suspensão da prisão, como aquelas em que apenas prova essa situação de facto embora não requeira a suspensão, como ainda aquelas em que é o Tribunal que recolhe prova nesse sentido. Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 21/13.3PTVIS-A.C1, de 18.11.2015: “Sem questionar a circunstância de o legislador fazer recair sobre o condenado a prova de que a razão de ser do não pagamento da multa lhe não é imputável - incumbência cuja conformidade à lei fundamental já foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 491/2000, de 22.11.2000 -, afigura-se-nos, de todo, irrazoável que se, por força das vicissitudes com vista ao cumprimento da pena, resultar dos autos uma situação de precariedade económica/financeira por parte daquele, ao ponto de inviabilizar a cobrança coerciva da multa (…) situação, essa, sustentada por documentos e informações que o próprio tribunal se encarregou de reunir, se ignorem, para efeito da suspensão da prisão subsidiária, os elementos, assim, recolhidos. De facto, conforme decorre do citado aresto do Tribunal Constitucional, a demonstração de que o não pagamento da pena de multa não é imputável ao condenado pode naturalmente fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade. Basta pensar, por exemplo, na apresentação de determinados documentos (declaração de rendimentos, recibo do subsídio de desemprego, atestado da junta de freguesia, declaração relativa a eventual internamento hospitalar, entre outros), dos quais se deduza não ser imputável ao condenado o não pagamento da multa em que foi condenado. E neste domínio não podem, no caso em apreço, deixar de ser considerados todos os elementos carreados para os autos (…). Quer a razão de ser do não pagamento por facto não imputável ao condenado remonte ao momento da condenação, quer surja posteriormente, como refere Maria João Antunes «depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, quer a razão do não pagamento da pena de multa seja contemporânea da condenação quer seja superveniente, a solução é sempre a da suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CP, quando tal razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da CRP)» - [cf.. “Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 69]. Traduzindo-se a suspensão da prisão subsidiária num poder-dever ou poder-vinculado do tribunal, constando dos autos elementos que insofismavelmente apontam para uma situação de precariedade económica/financeira do condenado, induzindo fundamentadamente o juízo de que o não pagamento da multa decorre de razão que não lhe é imputável, então, é mister concluir encontrarem-se reunidas as condições para decidir pela suspensão da execução da prisão subsidiária [sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa], por um período compreendido entre os limites mínimo e máximo legalmente previstos, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, que se venham a revelar adequadas.” Compulsado o despacho recorrido dele não decorre qualquer análise ou alusão à situação de carência económica alegada pela recorrente, nem à invocada impossibilidade de pagamento decorrente de tal insuficiência económica, alheando-se tal decisão da real situação da recorrente e do que a respeito desta se mostra comprovado no relatório social solicitado pelo próprio tribunal, do qual, aliás, se fez tábua rasa, ficando até por perceber porque razão foi solicitado. Ademais, importará salientar que não é pressuposto da suspensão requerida ao abrigo do citado artigo 49º, nº3, que a arguida tivesse previamente lançado mão da possibilidade de pagamento da multa em prestações ou requerido a prestação de trabalho a favor da comunidade. Como já referimos, nada consta da sentença condenatória a respeito a respeito das condições económicas da arguida. Porém, não podemos olvidar o que a respeito destas veio a ser alegado pela recorrente e se mostra comprovado no já aludido relatório social elaborado pela DGRSP. Como deste deflui, a arguida, com 23 anos, reside numa barraca com o companheiro e dois filhos menores de 4 anos e 9 meses, está desempregada, nunca desenvolveu uma atividade laboral regular, com exceção de alguns biscates sazonais no setor da agricultura, a situação económica é precária e dependente de apoios institucionais, através do RSI de 400€ e dos abonos dos menores no valor de 300€. Ora, entre assegurar a satisfação das necessidades básicas e, portanto, a sua própria subsistência e dos seus filhos menores e, assegurar a satisfação do pagamento em questão, não obstante a natureza de multa criminal, há que reconhecer a razoabilidade da opção da arguida e, consequentemente, a ausência de culpa na omissão verificada. Em conclusão, demonstrada que está a insuficiência económica e financeira da arguida, resta concluir que o não pagamento da multa de substituição da pena de prisão principal, no montante de 1350,00€, não lhe é imputável, pelo que, nos termos dos artigos 43º, nº2, 2ª parte e 49º, nº3, do C. Penal, deva ser suspensa a execução da pena de 9 meses de prisão decretada na sentença proferida nos autos, pelo período de 14 meses, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Sendo desejável a adequação do conteúdo dos deveres ou regras a fixar à atual e concreta condição da arguida, atento o tempo decorrido desde a elaboração do relatório junto aos autos, deverá a 1ª instância munir-se dos elementos pertinentes para o efeito, designadamente solicitando novo Relatório Social e, após, fixar tais deveres ou regras em conformidade.
III. Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, decidem revogar o despacho recorrido e ordenar a sua substituição por outro que, após a receção dos elementos solicitados, nos termos e para os efeitos supra referidos, determine a suspensão da execução da pena de nove meses de prisão decretada à arguida na sentença proferida nos autos, por um período de 14 meses, condicionada aos deveres ou regras de conteúdo não económico ou financeiro consideradas adequadas.
Recurso sem tributação, atenta a sua procedência (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal).
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