Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
411/07.0TAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: .VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
REGIME DE INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO
Data do Acordão: 07/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 188.º E 132.º DO CÓDIGO DA ESTRADA; ARTIGOS 27.º-A E 28.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES
Sumário: I. - A Lei de Autorização Legislativa nº 53/2004, de 4 de Novembro (ao abrigo da qual foi publicado o Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), no que à prescrição concerne, limitou-se no seu art. 3º, alínea dd), a autorizar a previsão de prazo de dois anos para a prescrição do procedimento contra-ordenacional, da coima e das sanções acessórias.
II. – Ainda que a lei de autorização não tenha contemplado qualquer alteração no aspecto atinente ao regime de interrupção e suspensão – nem poderia contemplar - não pode permitir a inferência de que no âmbito das infracções rodoviárias, não existem causas de interrupção e de suspensão da prescrição.
III. – Um entendimento desta natureza, para além de se traduzir numa injustificada distinção de tratamento relativamente a este tipo de infracções, tenderia a manter a situação que determinou o legislador a estabelecer um prazo especial de prescrição para as contra-ordenações rodoviárias.
IV. - Assim, porque o C. da Estrada, enquanto lei especial, nada prevê quanto a causas da interrupção e da suspensão do procedimento contra-ordenacional, face aos disposto no seu art. 132º, são aplicáveis às contra-ordenações rodoviárias as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no RGCOC.

(No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2008, proferido no proc. n.º 1615-3ª secção, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Oliveira Mendes)
Decisão Texto Integral: 8

I. RELATÓRIO.

O arguido FM foi condenado por decisão da Delegação de Viação de Leiria, e pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 69º, nº 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito e 138º, 140º e 146º, l), do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.
Inconformado com a decisão, dela interpôs o arguido recurso de impugnação judicial, reconhecendo na sua alegação a prática da infracção, invocando em seu abono a inexistência de danos, de perigo e anteriores averbamentos no registo individual, e a premente necessidade da carta de condução por ser militar motorista, concluindo pela suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período e condições consideradas suficientes.
Remetidos os autos a juízo nos termos do art. 62º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC), foi proferido o despacho de 8 de Junho de 2007, com o seguinte teor (transcrição):
“ (…).
Da prescrição:
Sendo a prescrição de conhecimento oficioso passa a proferir-se despacho nos termos seguintes:
Por factos praticados em 29-5-2005 e que foram detectados pela autoridade policial que levantando o auto, o comunicou à autoridade administrativa, foi instaurado procedimento contra-ordenacional ao arguido sancionável com coima de € 74,82 a € 374,10.
Olhando ao regime decorrente do DL 433/82, de 27-10:
O prazo de prescrição seria pois de 1 ano nos termos do art. 27/ c) do DL 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi dada pelo DL 244/95, de 14-9, pelo DL 323/2001, de 17-12 e pela Lei 109/2001, de 24-12, em vigor à data da prática dos factos.
Sendo as causas de interrupção previstas pelo art. 28 e as de suspensão pelo art. 27-A do supra referido diploma.
Sem embargo das causas de interrupção do prazo de prescrição, já na vigência da lei anterior se entendia que a regra do n.º 3 do art. 121 do Código Penal – que estatui a verificação da prescrição do procedimento, quando descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade –, era aplicável subsidiariamente, nos termos do art. 32 do regime geral das contra-ordenações (DL 433/82, de 27-10, alterado pelo DL 244/95, de 14-9) ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6/2001, de 8-3-2001, publicado no DR Iª Série de 30-3-2001.
Em 30-12-2001 entrou em vigor a Lei 109/2001, de 24-12 que veio precisamente alterar nesse sentido o art. 28 daquele diploma introduzindo-lhe um n.º 3 com essa redacção, e ainda especificando as causas e a duração máxima do período de suspensão.
Veio ainda criar três categorias de prazos prescricionais: de 5, 3 e 12 ano, consoante o montante máximo da coima abstractamente aplicável à contra-ordenação verificada (cfr. art. 27).
No caso em apreço o prazo prescricional é de um ano como supra se referiu.
Ora, o arguido foi notificado da decisão final, e deu entrada ao requerimento que faz fls. 14 e segs., intentando recurso em 6-10-2006 (cfr. fls. 13).
Os autos foram remetidos ao Ministério Público em 13-4-2007 (cfr. fls. 5).
Todavia, se é correcto que nos termos da al. c) e do n.º 2 do art. 27-A do supra referido diploma, na redacção da Lei 109/2001, a suspensão não pode ultrapassar 6 meses, é patente que desde a prática dos factos, consideradas as causas de interrupção da prescrição previstas no art. 28/ l/a) e d) daquele Regime, encontra-se já decorrido o período de 1 ano, e 6 meses, sendo certo que não ocorreu qualquer causa de suspensão.
Dir-se-á ainda e com interesse para a decisão a proferir que em 25-3-2005 entrou em vigor o novo Código da Estrada aprovado pelo DL 44/2005, de 23-2, o qual no seu art. 188 estipula que o procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática dos factos tenham decorrido dois anos.
E se dúvidas poderia suscitar a aplicação do regime geral decorrente do Regime das Contra-ordenações, o art. 132 do Código da Estrada na redacção supra mencionado veio dissipá-las ao mandar aplicar apenas a título subsidiário as regras constantes daquele outro diploma, fazendo jus à regra da prevalência da aplicação da lei especial sobre a lei geral.
Pelo que, tendo os autos sido apresentados com termo de conclusão precisamente em 29-5-2007 data em que se verificou a prescrição, prescrição que agora se declara, se determina o respectivo arquivamento.
(…)”.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“ (…).
1 – Ao arguido FM foi aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir por um período de 30 dias, por violação do art. 69º nº 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, por decisão tomada pela autoridade administrativa competente.
2 – O arguido impugnou a decisão atempadamente.
3 – O Ministério Público, no prazo legal, apresentou os autos ao Tribunal nos termos e para os efeitos do art. 61º do D.L. 433/82 de 27-10.
4 – O Tribunal, considerou o prazo de 1 ano para prescrição do procedimento contrordenacional previsto no art. 28º nº 1 al. c) do D.L.433/82 e declarou o mesmo prescrito com o arquivamento dos autos.
5 – Os factos ocorreram no dia 29-5-2005.
6 – O Código da Estrada, aprovado pelo D.L. 114/94 de 3-5, com a redacção introduzida pelo D. L. 44/2005 de 23-2, este com entrada em vigor em 24-3-2005, prescreve no seu art. 188º que o prazo de prescrição pelas contra-ordenações rodoviárias é de 2 anos, a contar da ocorrência dos factos.
7 – O referido procedimento interrompeu-se no dia 1-8-2005 com a notificação do arguido para a sua defesa e no dia 2-12-2005 com a prolação da decisão administrativa – art. 28º nº 1 a. c) e d) do D.L. 433/82.
8 – Não se verificaram circunstâncias que, nos termos do art. 27º A do D.L. 433/82, tivessem determinado a suspensão do procedimento contraordenacional.
9 – Tendo em consideração as normas legais aplicáveis bem corno a data da prática da infracção, a prescrição do procedimento pela mesma só ocorrerá no dia 2-12-2007.
10 – O Tribunal violou o disposto nos arts. 187º e 188º do C. Estrada.
Nestes termos e nos mais que Vossas Excelências suprirão, deve o despacho recorrido ser anulado e o processo devolvido a este tribunal.
Contudo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça.
(…)”.
O arguido não respondeu ao recurso.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, concordando com a motivação do recurso, considerou ter no entanto decorrido já o prazo de prescrição, promovendo que, sendo declarada a extinção do procedimento, se extraia certidão do parecer, do acórdão a proferir e de diversas folhas dos autos que indica, e seja a referida certidão remetida ao COJ.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Face às conclusões de recurso que, como se sabe, limitam o seu objecto, sem prejuízo, naturalmente, das de conhecimento oficioso, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal da Relação é a de saber se o procedimento contra-ordenacional movido contra o arguido está ou não prescrito.
1. Ao arguido foi aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 69º, nº 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito e 138º, 140º e 146º, l), do C. da Estrada.
O Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC) no seu art. 27º, fixa os seguintes prazos de prescrição do procedimento por contra-ordenação:
a) Cinco anos, quando à infracção seja aplicável coima de montante máximo igual ou superior a €49.879,79;
b) Três anos, quando à infracção seja aplicável coima de montante igual ou superior a €2.493,99 e inferior a €49.879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.
Por sua vez, o art. 188º do C. da Estrada (aditado pelo art. 3º do Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro) dispõe que o procedimento por contra-ordenação rodoviária se extingue por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos.
Porque de lei especial se trata, esta norma do C. da Estrada relativa à prescrição do procedimento por contra-ordenação prevalece, relativamente às infracções rodoviárias, sobre as normas que no RGCOC regulam a prescrição (lex specialis derogat legi generali).
As alterações introduzidas ao C. da Estrada pelo Dec. Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro, nas quais de inclui o art. 188º citado, entraram em vigor no dia 26 de Março de 2005 (art. 24º daquele diploma).
Face ao teor do auto de contra-ordenação de fls. 6, e à data da prática que dele consta – 29 de Maio de 2005 – dúvidas não subsistem de que se trata de a infracção praticada consubstancia uma contra-ordenação rodoviária, e que à mesma é aplicável o prazo de prescrição de dois anos, previsto no art. 188º do C. da Estrada.
2. Sendo o prazo de prescrição aplicável, o previsto no art. 188º, do C. da Estrada (dois anos), e tendo a infracção sido praticada a 29 de Maio de 2005, aquele prazo terminaria no dia 29 de Maio de 2007.
E foi precisamente deste raciocínio, que o despacho recorrido, se bem o entendemos, partiu, para julgar verificada a prescrição, entendendo como não aplicáveis as normas que no RGCOC prevêem os casos de interrupção e de suspensão da prescrição.
Mas, e ressalvado sempre o devido respeito pela opinião contrária, não nos parece que seja essa a solução legal.
É que a Lei de Autorização Legislativa nº 53/2004, de 4 de Novembro (ao abrigo da qual foi publicado o Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), no que à prescrição concerne, limitou-se no seu art. 3º, alínea dd), a autorizar a previsão de prazo de dois anos para a prescrição do procedimento contra-ordenacional, da coima e das sanções acessórias.
Nada foi autorizado quanto a outros aspectos do instituto da rescrição, designadamente, quanto a causas de interrupção e de suspensão e por isso, também o C. da Estrada nada prevê quanto a estas.
Mas daqui não deve extrair-se a conclusão de que, no âmbito das infracções rodoviárias, não existem causas de interrupção e de suspensão da prescrição. Na verdade, tal entendimento, para além de se traduzir numa injustificada distinção de tratamento relativamente a este tipo de infracções, tenderia a manter a situação que determinou o legislador a estabelecer um prazo especial de prescrição para as contra-ordenações rodoviárias.
Assim, porque o C. da Estrada, enquanto lei especial, nada prevê quanto a causas da interrupção e da suspensão do procedimento contra-ordenacional, face aos disposto no seu art. 132º, são aplicáveis às contra-ordenações rodoviárias as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no RGCOC.
Estabelece o art. 28º do RGCOC que:
1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.”.
Como é sabido, a interrupção da prescrição inutiliza o tempo já decorrido desde o início da contagem do respectivo prazo, começando a correr, depois de cada interrupção, novo prazo de prescrição (art. 121º, nº 2, do C. Penal).
Dispõe porém o nº 3 do art. 28º do RGCOC, que a prescrição do procedimento terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Por sua vez, estabelece o art. 27º-A do RGCOC:
1. O procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”.
A contra-ordenação rodoviária foi praticada pelo arguido no dia 29 de Maio de 2005 e portanto, nesta data, começou a correr o prazo de dois anos de prescrição do procedimento.
O arguido foi notificado nos termos do art. 50º do RGCOC, no dia 4 de Agosto de 2005 (fls. 2 conjugada com o art. 176º, nº 7, do C. da Estrada) pelo que, nesta data se interrompeu o prazo de prescrição em curso, voltando a correr novo prazo (art. 28º, nº 1, c), do RGCOC).
No dia 2 de Dezembro de 2005 foi proferida a decisão da autoridade administrativa (fls. 11), o que determinou de novo a interrupção do prazo de prescrição em curso (iniciado a 4 de Agosto de 2005), voltando a correr novo prazo (art. 28º, nº 1, d), do RGCOC).
No dia 1 de Setembro de 2006 foi o arguido notificado da decisão administrativa (fls. 12 conjugada com o art. 176º, nº 7, do C. da Estrada), interrompendo-se nesta data, e de novo, o prazo de prescrição em curso (iniciado a 2 de Dezembro de 2005) e começando a correr novo prazo de prescrição do procedimento.
A partir de então, não ocorrerem outras causas de interrupção ou de suspensão do procedimento e por isso, aquele prazo, iniciado a 1 de Setembro de 2006 terminaria a 1 de Setembro de 2008.
E dizemos, terminaria porque, nos termos do nº 3, do art. 28º do RGCOC, a prescrição tem sempre lugar quando desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade. Ora, como nos autos não ocorreu qualquer causa de suspensão do procedimento – designadamente, a prevista no art. 27º-A, nº 1, c), do RGCOC – a prescrição ocorreu necessariamente, findo o prazo de (2 anos + 1 ano) de três anos, no dia 29 de Maio de 2008.
Desta forma, quando é proferido o despacho recorrido (8 de Junho de 2007), ainda não se encontrava prescrito o procedimento pois a prescrição, como se disse, ocorreu no dia 29 de Maio de 2008.
Em conclusão:
- Atenta a data da prática da contra-ordenação, e face às disposições conjugadas dos arts. 28º, nºs 1, a), c) e d) e 3, do RGCOC e 132º e 188º, do C. da Estrada, quando foi proferido o despacho recorrido ainda não se encontrava prescrito o procedimento contra-ordenacional;
- Contudo, a prescrição do mesmo procedimento veio a ocorrer no dia 29 de Maio de 2008 pelo que deve o referido procedimento, com tal fundamento, ser declarado extinto.
III. DECISÃO.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em declara extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional nos autos exercido contra o arguido.
Sem tributação.
Coimbra, 9 de Julho de 2008
(Heitor Vasques Osório)
(Jorge Gonçalves)