Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | GONÇALVES FERREIRA | ||
Descritores: | PROCEDIMENTOS CAUTELARES REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 06/23/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CONDEIXA-A-NOVA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 381.º, 383.º, N.º 1 E 387.º, N.º 2 DO CPC | ||
Sumário: | 1) Os procedimentos cautelares visam acautelar ou antecipar um direito já invocado ou a invocar em acção própria. 2) É manifesta a improcedência do procedimento cautelar se o requerente o instaura por dependência de execução em que figura como executado, logo sujeito passivo, que não titular do direito. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório:
A…. e marido, B…, C… e marido, D…, e E…, instauraram, por apenso à execução comum 25-E/0000, procedimento cautelar comum contra F… e mulher, G…, alegando, em resumo, que: São donos de uma terra de mato, pinheiros e carvalhos, terra de semeadura com oliveiras, tanchas, figueiras, pereira e três casas de habitação, currais, eira e alpendre, sita na Mata do Serrado, com área de 4.200 m2, a confrontar do norte com caminho e baldio, do nascente com Estrada Pública e A M D, do sul com A M C e do poente com os ora requeridos, inscrita na matriz rústica da freguesia da Ega sob o artigo 11.580. Por sentença proferida, em 15.07.2004, na acção principal, foi declarada constituída uma servidão de passagem sobre tal prédio, beneficiando o prédio dos ora requeridos, que com o mesmo confronta a poente, inscrito na matriz da freguesia da Ega sob o artigo 11.579, tendo os ora requerentes sido condenados a abster-se de praticar actos que perturbem o exercício da passagem, designadamente, deixando de estacionar ou colocar veículos ou outros obstáculos no leito da servidão e prendendo os cães, de modo a aí não chegarem. Tal passagem, que parte da via pública, onde se encontra fechada com um portão de ferro, é o único acesso dos requerentes às suas casas sendo que, ao seu longo, existe um telheiro, onde guardam veículos e tractores, bem como todos os materiais necessários à sua agricultura, e onde brincaram os seus filhos e, agora, brincam os seus netos. Sempre que os requeridos utilizaram a passagem, puseram em perigo a vida, a saúde, o sossego, o bem estar e a propriedade dos requerentes, pois que rebentaram, por mais do que uma vez, o portão de ferro, passaram com um tractor por cima dos pés da requerente E...., causaram distúrbios e rebentaram sacos de rações e outros utensílios que se encontravam na passagem. Receiam que, a continuarem a passar, os requeridos ajam da mesma maneira, pondo em perigo a vida, a saúde e os bens dos requerentes, até porque são pessoas perigosas, que só provocam o mal, onde quer que estejam. Os requerentes moveram acção judicial contra os ora requeridos, tendente a obter a mudança da servidão (acção sumária 537/07.0TBCDN) para outro local, onde fizeram uma passagem alcatroada, mas os requeridos não querem utilizá-la. A ser executada a sentença proferida na acção principal, ficam os requerentes colocados num cenário de constantes agressões físicas e verbais. Terminaram com os pedidos de mudança do local da passagem e de suspensão da execução da sentença que declarou constituída a servidão. Conclusos os autos, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o procedimento, sob o entendimento de se não verificar entre o mesmo e a acção de que depende a relação de conexão exigível pelo artigo 383.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Inconformados, os requerentes interpuseram recurso, na sequência do que apresentaram a sua alegação, finalizada com as seguintes conclusões (transcrição integral): A – A senhora Juíza, a nosso ver e com o devido respeito, não tem razão e não justificou fundamentando, de facto e de direito a sua decisão, tendo incorrido em nulidade nos termos do artigo 668.º n.º 1-b). Mais, B – Nos termos do artigo 668.º n.º 1-c) como dissemos, a senhora Juíza não identificou quer o pedido, quer a causa de pedir, alterando inclusive as partes. Daí a nulidade. E, C – Despachou a senhora Juíza deixando de pronunciar-se sobre as questões suscitadas objecto da providência quando as devesse apreciar, decretando a providência, conhecendo de questões que não devia tomar conhecimento, logo, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º o seu despacho é nulo. Os requeridos, citados para os termos da providência e do recurso, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 234.º-A do Código de Processo Civil, não responderam à alegação dos recorrentes.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Conforme resulta das conclusões da alegação dos recorrentes, que balizam o objecto do recurso, é uma, apenas, a questão a resolver: a pretensa nulidade da decisão.
II. Os factos a ter em consideração são os que constam do relatório.
III. O direito:
Os procedimentos cautelares são, como se sabe, meios de tutela jurisdicional expeditos, destinados a contornar a morosidade do processo onde se discute o conflito de interesses, cujo formalismo (complexo, quase sempre), o uso que dele é feito (abusivo, muitas vezes) e algum excesso de garantismo (aproveitado até à exaustão) tendem a protelar no tempo o momento da decisão. A demora faz perigar o direito invocado, que pode não alcançar realização efectiva, não obstante a sentença final vir a ser favorável a quem o reclama. Basta pensar, por exemplo, no pouco tempo que é hoje necessário para um qualquer devedor pôr o respectivo património a salvo dos credores. Quando a sentença chegar, já, porventura, pouco ou nada haverá para executar. É a situações deste género que se quer referir o Prof. Alberto dos Reis, quando fala de “sentença justa, mas inútil” (Código de Processo Civil Anotado, volume I, página 675). Os procedimentos cautelares são, digamos assim, o contraponto e um remédio possível para a tão decantada lentidão da justiça, constituindo, como escreve Abrantes Geraldes, “um instrumento processual privilegiado para protecção eficaz de direitos subjectivos e de outros interesses juridicamente relevantes” (Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, página 35). A sua função é, exactamente, a de acautelar o efeito útil da acção (artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, diploma de que serão os demais preceitos a citar sem indicação de origem), apresentando-se, de algum modo, como um factor de equilíbrio entre uma justiça célere, mas pouco ponderada, e uma justiça reflectida, mas, quiçá, ilusória, devido à alteração da situação de facto, “medio tempore”, pelo demandado (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, página 10). “As denominadas providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção … a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, página 23). “A principal função da tutela cautelar consiste, pois, em neutralizar os prejuízos a suportar pelo interessado que tem razão, derivados da duração do processo declarativo ou executivo” (Abrantes Geraldes, ob. cit., página 41). A par da função conservatória (a de assegurar que o direito se manterá até à decisão que o declarar definitivamente), sem dúvida, a mais importante e frequente em termos práticos, podem ter, também, os procedimentos cautelares uma função antecipatória, que, como a designação deixa facilmente perceber, visa antecipar a realização do direito que, provavelmente, virá a ser reconhecido mais tarde. Enquadram-se na primeira o arresto, o arrolamento e a apreensão de veículo automóvel, por exemplo, e na segunda a restituição provisória de posse, os alimentos provisórios e o arbitramento de reparação provisória, entre outros.
Em tese geral, são dois, no essencial, os requisitos dos procedimentos cautelares: a) A probabilidade séria da existência de um direito; b) O fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito.[1] Na apreciação de tais requisitos não é exigível o mesmo grau de segurança que tem de estar presente na prova dos fundamentos da acção; “de contrário, o remédio nenhuma eficácia teria no combate à doença que se propõe debelar” (Antunes Varela e outros, ob. cit., página 25). No que toca à existência do direito, basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade; o que bem se compreende, já que, a exigir-se o conhecimento exaustivo, “ … o processo seria tão moroso como a acção principal, ficando, assim, frustrados os objectivos prosseguidos através dos procedimentos cautelares” (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, volume I, página140). Já quanto ao perigo de lesão, tende a doutrina a exigir um maior rigor na sua apreciação. Alberto dos Reis fala em “um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente (ob. cit. páginas 621 e 683), Anselmo de Castro, na prova total do periculum in mora (ob. e loc. cit.) e Abrantes Geraldes na utilização de um critério mais rigoroso (ob. cita., página 88).[2] No que tange ao procedimento aqui em discussão, o cautelar comum, três outros requisitos se podem acrescentar: dois privativos desta espécie, que são a adequação da providência à situação de lesão iminente (parte final do n.º 1 do artigo 381.º) e a não existência de providência específica que acautele o direito (artigo 381.º, n.º 3), e outro, comum a alguns dos procedimentos específicos (casos do arresto e do embargo de obra nova), que é a proporcionalidade entre a providência a decretar e o interesse a acautelar; o tribunal deve recusar a providência se o prejuízo que ela acarretar para o requerido exceder consideravelmente o dano que o requerente pretende evitar (artigo 387.º, n.º 2). Em qualquer caso, o procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva (artigo 383.º, n.º 1). São as consabidas características da instrumentalidade e da dependência, que amarram, por assim dizer, a sorte da providência à da acção definitiva; o que ali for conseguido está condicionado ao que vier a ser decidido na acção principal; se esta for procedente, os efeitos da providência consolidam-se; mas se improceder, o requerente perde tudo o que possa ter ganho no procedimento cautelar (excepção feita a algumas providências de natureza antecipatória, onde o respectivo deferimento garante, na prática, o direito de modo definitivo, como sucederá, por exemplo, se for ordenada a realização de determinadas obras ou interditada uma actividade que tivesse lugar em momento certo). É que os procedimentos cautelares não definem direitos, mas, apenas, acautelam ou antecipam direitos a definir posteriormente. E, porque assim é, tem o requerente da providência de ser titular de direito muito semelhante ao que pretende fazer valer na acção definitiva (cfr., a este respeito, mas para a hipótese do procedimento de apreensão de veículo automóvel, o acórdão do STJ de 12.05.2005, in CJ do Supremo, Ano XIII, Tomo II, página 94), o que, não pressupondo, embora, a identidade absoluta, implica, ao menos, que o facto que serve de fundamento ao direito acautelado ou antecipado integre a causa de pedir da acção principal (Abrantes Geraldes, ob. cit., página 121).
Alinhadas estas breves considerações, debrucemo-nos, então, sobre o objecto do recurso, que, como se disse, se limita à nulidade da decisão, como ressalta das conclusões da alegação dos recorrentes. Importa reter, desde já, três notas: a primeira, a de que as conclusões extraídas nada têm a ver com o corpo da alegação; aqui, faz-se apelo, unicamente, aos requisitos do procedimento cautelar comum, que, na opinião, dos recorrentes, não sofreriam dúvida, enquanto que nas conclusões se deriva para a nulidade, nunca antes aflorada. A segunda, a de que a arguida nulidade da decisão não assenta em argumentação minimamente estruturada, uma vez que os recorrentes não alegam, em termos concretos, o que é que ficou por fundamentar, que fundamentos estão em oposição com a decisão, ou quais as questões sobre as quais a decisão não se pronunciou, devendo fazê-lo, ou, inversamente, as que conheceu sem o poder fazer. Invocaram os dizeres da lei e por aí se ficaram. A terceira, a de que a referência à alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC enferma de evidente lapso, na medida em que os recorrentes a consideram preenchida com a omissão e com o excesso de pronúncia, situações que configuram, obviamente, a hipótese da alínea d); de resto, o circunstancialismo da alínea e) – condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – é de verificação impossível, visto o facto de não ter havido condenação alguma; entender-se-á, assim, que, onde os recorrentes escreveram alínea e) pretenderam escrever alínea d). Posto isto; de acordo com o preceito invocado pelos apelantes – artigo 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) –, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Para que se verifique a nulidade da alínea b) não basta que a justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente; é preciso que não exista de todo, isto é, que não inclua os factos ou o direito, sendo certo, quanto a este, que não é indispensável a especificação das disposições legais, bastando a indicação da doutrina legal ou dos princípios jurídicos aplicáveis. A nulidade da alínea c) postula um vício real no raciocínio do julgador; a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. Esta nulidade nada tem a ver, seja com o erro material (contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra), seja com o erro de julgamento (decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei); o erro material e o erro de julgamento podem dar origem à rectificação (aquele) ou à eventual revogação da decisão em via de recurso (este), mas nunca à nulidade. A nulidade da alínea d) abrange os casos de omissão de pronúncia e de pronúncia indevida, consistindo o primeiro em o tribunal deixar de conhecer de questões que lhe foram expressamente colocadas e o segundo em apreciar questões que lhe não foram colocadas. A omissão de pronúncia está em correlação com a primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º (“o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”) e a pronúncia indevida com a segunda parte do mesmo número (“não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”).[3] Ora, olhando-se para a decisão impugnada, ainda que de forma perfunctória, é liminar a constatação que se não verifica qualquer uma das arguidas nulidades. Não ocorre a da alínea b), porque o despacho contém a factualidade julgada pertinente para a conclusão de direito, qual seja a pretensão deduzida no procedimento cautelar e, bem assim, a caracterização e a solução dada à acção principal (acção em que os ora recorrentes tinham a posição de réus, tendo deduzido, nessa qualidade, pedido reconvencional, que não chegou a ser conhecido, devido à absolvição dos reconvindos da instância) e as normas aplicáveis, concretamente, os artigos 2.º, n.º 2, 383.º, n.º 1, e 389.º, todos do CPC, referentes à natureza dos procedimentos cautelares, tal como os artigos 234.º, n.º 4, alínea b), e 234.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, respeitantes ao indeferimento liminar do requerimento inicial. Não se configura a da alínea c), porque o raciocínio do julgador não aparenta vício lógico; bem pelo contrário, a fundamentação aponta exactamente no sentido para que tendeu a decisão; naquela argumentou-se que o facto fundamento do procedimento cautelar tem de integrar a causa de pedir na acção principal, sob pena de inviabilidade, e a decisão foi, exactamente, a de inviabilidade, plasmada no indeferimento liminar, devido à falta da referida integração. E não se perfectibiliza a da alínea d), porque, indeferido liminarmente o procedimento, nada se deixou por apreciar, mas, também, nada se apreciou que o não pudesse ser. Por um lado, o despacho de indeferimento liminar tem cobertura legal para as hipóteses expressamente consignadas (artigo 234.º-A do CPC), o que quer dizer que a sua prolação nunca pode conduzir ao excesso de pronúncia (ao erro de pronúncia, sim, mas isso é algo completamente diferente); por outro, o indeferimento liminar obsta a qualquer outra tomada de posição, o que significa, muito simplesmente, que, em tal caso, não pode haver omissão de pronúncia. Afastada a nulidade da decisão, que constituía objecto único do recurso, nada mais era preciso para declarar a improcedência da impugnação dos agravantes.
Sempre se dirá, no entanto, e para que dúvidas não subsistam no espírito dos recorrentes (cuja ideia, mal transmitida, embora, é a de que a decisão recorrida enferma de erro de direito, por, como dizem, terem sido alegados factos atinentes ao justo receio de lesão grave e existir já acção própria de mudança de servidão), que o despacho liminar de indeferimento é cristalinamente acertado, tendo em conta os termos em que o procedimento cautelar foi intentado. A situação factual, tal como deflui da própria exposição dos recorrentes, trazida ao procedimento cautelar, é, em si mesma, muito simples; os ora recorrentes foram demandados pelos ora recorridos em acção declarativa, tendo em vista a sua condenação no reconhecimento de que um seu prédio se acha onerado por uma servidão de passagem, constituída por usucapião, em benefício de um prédio dos recorridos; os recorrentes deduziram pedido reconvencional, visando ser-lhes reconhecido o direito de preferência sobre o prédio dos recorridos, invocando, para tanto, o encravamento do mesmo e a confinância de ambos os prédios; a acção procedeu (reconhecendo-se, portanto, a existência de servidão de passagem e condenando-se os recorrentes a não impedir o exercício do correspondente direito), mas, no que tange à reconvenção, os recorridos foram absolvidos da instância, devido a ilegitimidade; incumprida a sentença pelos ora recorrentes, foi instaurada execução pelos ora recorridos, com vista ao seu cumprimento coercivo; entretanto, os recorrentes intentaram acção declarativa (acção sumária 537/07), com a finalidade de obterem a mudança da aludida servidão de passagem para local diferente daquele onde foi declarado situar-se. Com o presente procedimento cautelar pretendem os recorrentes suspender a execução da sentença que declarou constituída a servidão de passagem, à qual, aliás, requereram a respectiva apensação. Mas, se tivessem pensado um pouco, facilmente veriam que a sua pretensão estava votada ao insucesso, pela simplicíssima razão de que na execução lhes não assistia qualquer direito que carecesse de ser acautelado. Na execução só existia um direito: o direito dos exequentes a ver cumprida a sentença proferida na acção declarativa; estes é que poderiam acautelá-lo mediante o adequado procedimento, no caso, é claro, de nisso verem vantagem e de se verificarem os pertinentes requisitos. O executado não é titular, mas, sim, sujeito passivo do direito; não o exerce, suporta-o. Daí, que não possa acautelar, ou, eventualmente, antecipar um direito que não tem (isto sem equacionar, como é óbvio, a hipótese de ser deduzida oposição à execução, porque tal não sucedeu no caso em apreço). E a situação não muda de figura pela circunstância de os recorrentes terem exigido a mudança de servidão, ao abrigo do disposto no artigo 1568.º do Código Civil. Suposto que o exercício desta faculdade lhes conferia a possibilidade de requerer a aplicação de medidas cautelares ou antecipatórias (questão que se não discutirá, porque meramente académica), o certo é que tinham de o fazer por dependência da acção onde foi peticionada a mudança na ordem jurídica preexistente; nunca por apenso a acção de outra natureza, mormente aquela em que a servidão foi declarada constituída. Não merece, por conseguinte, censura alguma o despacho recorrido, que, em boa verdade, decidiu conformemente à melhor interpretação da lei aplicável; não tendo a acção definitiva por fundamento o direito invocado no procedimento cautelar, era manifesta a improcedência deste. O recurso não pode ser provido.
IV. Em breve síntese:
1) Os procedimentos cautelares visam acautelar ou antecipar um direito já invocado ou a invocar em acção própria. 2) É manifesta a improcedência do procedimento cautelar se o requerente o instaura por dependência de execução em que figura como executado, logo sujeito passivo, que não titular do direito.
V. Em face do exposto, decide-se negar provimento ao agravo, mantendo, nessa medida, a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes.
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