Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3972/21.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: CERTIFICADOS DE AFORRO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO IGCP
RESGATE DE CERTIFICADOS
PENHORA
ARROLAMENTO
PROCESSO JUDICIAL – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE LEVANTAMENTO
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 483.º, 487.º, N.º 2, 496.º, 559.º, 562.º, 563.º 564.º, 566.º 798.º 799.º, N.º 2 E 805.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 611.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGO 2.º DO DL N.º 122/2002, DE 04 DE MAIO ALTERADO PELO DL N.º 47/2008, DE 13 DE MARÇO
DL N.º 79/2024, DE 30 DE OUTUBRO
DL N.º 172-B/86, DE 30 DE JUNHO
PORTARIA N.º 73-A/2008, DE 23 DE JANEIRO
ARTIGO 11.º, N.º 1, AL. D), DA LEI N.º 7/98, DE 03 DE FEVEREIRO
ARTIGOS 5.º, N.º 1, AL. G) E 11.º, AL. I) DO DL N.º 273/2007, DE 30 DE JULHO
ARTIGO 7.º DO DL N.º 200/2012, DE 27 DE AGOSTO
Sumário: 1. Os certificados de aforro são títulos de dívida pública, nominativos e amortizáveis, destinados à captação da poupança familiar, transmissíveis por morte do respectivo titular.

2. O IGCP, E.P.E., ao exercer a sua actividade no âmbito da gestão de contas de certificados de aforro e, em especial, no pedido de resgate de certificados, permitindo a entrega ao seu titular do valor em dinheiro correspondente a esses títulos, com os juros entretanto vencidos, desenvolve uma actividade que é similar à exercida por qualquer Banco, constituindo uma prestação de serviços bancários, sendo-lhe aplicáveis os princípios que regem a segurança e a prudência bancárias.

3. Estando verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil a que alude o art. 483.º do Código Civil – facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade –, o IGCP, E.P.E., responde pelos danos causados a uma pessoa detentora de direito de crédito sobre uma conta de certificados de aforro, se, sabendo, ou não podendo desconhecer, que parte da quantia relativa a uma carteira de certificados de aforro está penhorada à ordem de um processo criminal e concomitantemente totalmente arrolada à ordem de um processo civil, apenas com base na informação prestada por um funcionário judicial, no âmbito do processo criminal – e sem dirigir qualquer pedido ou obter autorização judicial de levantamento do arrolamento decretado no âmbito do processo civil –, permite que o titular da conta de certificados, de modo ilegítimo, resgate a totalidade dos certificados de aforro.

4. Se uma conta de certificados de aforro foi imobilizada por ordem judicial (v.g., arrolamento) em determinada data, aquando do levantamento dessa ordem judicial, deve atender-se não apenas ao valor existente naquele momento temporal, mas sim ao montante actualizado constante da conta de certificados de aforro, incluindo o valor do capital investido e os seus frutos civis, correspondentes à capitalização dos juros.

Decisão Texto Integral: *

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (3.ª Secção),[1]

Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E., ré no processo em que é autora AA e interveniente acessório BB, veio recorrer da sentença condenatória proferida, em 07-05-2024, no Juízo Central Cível de Viseu – Juiz 2, na qual se decidiu:

 “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora,

i. a quantia de € 40.235,40 (quarenta mil, duzentos e trinta e cinco euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos contabilizados desde 18.11.2019, à taxa legal em vigor para os juros civis, até integral pagamento;

ii. a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos contabilizados desde a data da presente decisão, à taxa legal em vigor para os juros civis, até integral pagamento.

Absolvendo a Ré do demais peticionado.

Custas a cargo da Autora e Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a primeira. (…)”


*

Na acção está em causa apurar se ocorre responsabilidade obrigacional/civil, por parte da ré, debatendo-se os supostos actos por si praticados em violação das suas obrigações contratuais para com a autora, bem como em violação das suas obrigações de cuidado no manuseamento dos certificados de aforro integrantes da conta n.º ...86.

A autora estriba-se no disposto nos arts. 798.º, 799.º, 483.º e ss., 562.º e ss., 559.º e ss., e 212.º todos do Código Civil, e nos DL n.º 43453, de 30-12-1960, DL n.º 172-B/86, de 30-06, DL n.º 122/2002, de 04-05, DL n.º 273/2007, de 30-07, e DL n.º 298/92, de 31-12, e suas alterações – que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras –, tendo pedido a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 40 235,40 (quarenta mil duzentos e trinta e cinco euros e quarenta cêntimos) acrescida dos juros vencidos no montante de € 3082,14 (três mil e oitenta e dois euros e catorze cêntimos), e ainda da quantia de € 10 000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, num total de € 53 317,54 (cinquenta e três mil trezentos e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros vincendos à taxa legal até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que subscreveu com BB, com quem foi casada no regime de comunhão de adquiridos, certificados de aforro da “Série B”, os quais ficaram afectos à conta aforro com o n.º ...86, figurando aquele como titular e a autora autorizada à sua movimentação. Em 2001, como preliminar da acção de divórcio que pretendia instaurar contra aquele, foram as quantias depositadas em certificados de aforro arroladas à ordem do Proc. n.º 315/2001, do extinto 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, tendo esse procedimento cautelar sido depois apensado ao Proc. n.º 438/2001, do extinto 2.º Juízo Cível desse Tribunal, cabendo-lhe o n.º 438-A/2001, o qual, com a reforma da organização do sistema judiciário foi redistribuído, passando a correr termos no Juízo de Família e Menores – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, sob o n.º 1011/14.....

Acrescenta a autora que, decretado o divórcio, veio a correr termos o processo de inventário /partilha de bens em casos especiais sob o n.º 1011/14...., no mesmo Juízo e Tribunal, apenso a esses autos de divórcio, tendo sido relacionada como verba n.º 78, a quantia de € 45 820,45 referente a certificados de aforro com esse valor, à data de 11-06-2001, os quais foram objecto de partilha, homologada por sentença, transitada em julgado no dia 12-12-2018, cabendo à autora a quantia de € 26 558,16. Todavia, já no âmbito da acção de prestação de contas, a ora ré informou que a conta de certificados de aforro se encontrava saldada desde 15-07-2016, apurando-se que BB tinha resgatado indevidamente, com autorização ilícita da ré, a quem incumbia a guarda desses valores, todos os certificados correspondentes à verba n.º 78 da relação de bens, no valor global de € 73 175,10, cientes de que o não poderiam fazer, dado que essas quantias se encontravam imobilizadas à ordem de um processo judicial, imputando a autora à ré responsabilidade contratual e extracontratual geradora da obrigação de a indemnizar dos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido por não ter podido levantar os montantes que lhe couberam.

A ré impugnou os fundamentos de facto e de direito da acção, afirmando que se limitou a cumprir as ordens e esclarecimentos que lhe foram transmitidos por parte do Tribunal Judicial de Viseu, conforme expõe na sua contestação, tendo requerido a intervenção acessória de  BB, a qual foi admitida por despacho de 07-03-2022.


*

Nas alegações de recurso, a ré/recorrente formula as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso de apelação vem interposto da Sentença datada de 07.05.2024 (“Sentença”), nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), e 647.º, n.º 1, do CPC.

B. Ao decidir como decidiu, a Sentença violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 483.º, 494.º, 432.º e 1789.º do CC.

C. O Tribunal a quo andou mal, quer na apreciação da prova produzida e na decisão sobre a matéria de facto, quer na aplicação do Direito aos factos que resultaram provados.

D. Os erros em que incorreu o Tribunal a quo podem, em termos sumários, sistematizar-se no seguinte:

a) A Ré não incorreu em responsabilidade civil perante a Autora, dado que, mesmo de acordo com os factos que o Tribunal a quo deu como provados, não é possível estabelecer, designadamente, os requisitos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, o disposto no artigo 483.º do CC;

b) Subsidiariamente, ainda que existisse responsabilidade da Ré, o valor dos danos patrimoniais sempre seria inferior ao determinado pelo Tribunal a quo porque nunca poderia incluir as quantias que não foram objeto do arrolamento e que apenas ingressaram na conta aforro sub judice depois de o mesmo ter sido decretado;

c)  Também a título subsidiário, ainda que existisse responsabilidade da Ré, nunca esta poderia ter sido condenada a indemnizar a Autora por putativos danos não patrimoniais ou, caso assim não se entenda, deveria o montante da indemnização ser inferior aos EUR 2.500 arbitrados pelo Tribunal a quo;

d) Por fim, o valor da indemnização sempre deveria ser reduzido nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 494.º do CC.

Impugnação da decisão quanto à matéria de facto

E. Na alínea Y. dos Factos Provados, a Sentença indica que o facto aí vertido corresponde ao alegado no artigo 34.º da Contestação, o que não é correto, pois que neste a Ré não incluiu o trecho “no âmbito do referido processo 89/02....”.

F. Diversamente do que perpassa da redação da alínea Y. dos Factos Provados, a notificação do Tribunal de Viseu aí referida não esclarecia que a permissão de levantamento do valor que excedesse o montante de EUR 6.587,88 se referia unicamente ao processo n.º 89/02.....

G. Da leitura conjugada das Alíneas T., U., V., W. e X. dos Factos Provados, que traduzem o teor das comunicações trocadas entre o Tribunal de Viseu e o IGCP, não decorre que a notificação a que se refere a alínea Y. dos Factos Provados, dissesse apenas respeito ao processo n.º 89/02, bem pelo contrário.

H. A referida notificação, no contexto em que surge e com o teor que apresenta, em tudo levava a crer que o IGCP estava autorizado pelo Tribunal de Viseu a permitir ao aforrista titular o levantamento de todos os Certificados de Aforro, à exceção da quantia de EUR 6.587,88, como explicaram, de forma credível e convicta, as testemunhas CC (depoimento prestado na sessão da audiência final de 06.12.2023, com início às 14h23, e gravado no sistema Habilus, em particular entre os minutos 00:08:45 e 00:09:20, 00:18:20 e 00:19:00 e 00:55:30 e 00:57:00 da gravação) e DD (depoimento prestado na sessão da audiência final de 06.12.2023, com início às 15h40, e gravado no sistema Habilus, em particular entre os minutos 00:07:12 e 00:08:15 e 00:16:00 e 00:17:00 da gravação)

I. Assim, a alínea Y. dos Factos Provados deve ser alterada, excluindo-se o trecho “no âmbito do referido processo 89/02...., Instância Local Secção Criminal – Juiz 2”.

J. Pelas mesmas razões que se vêm de expor, não ficou demonstrado que a Ré tenha preterido uma ordem judicial e, por isso, a factualidade ínsita na alínea II. dos Factos Provados deve ser dada como não provada.

K. Com efeito, resulta da troca de comunicações entre o IGCP e o Tribunal de Viseu e, em particular, das comunicações reproduzidas nas alíneas T., U., W., X. e Y. dos Factos Provados que a Ré apenas desbloqueou a conta aforro sub judice na sequência e em conformidade com a notificação do Tribunal de Viseu de 16.03.2016 (a que se refere a alínea Y. dos Factos Provados).

L. Como ficou provado na alínea V. dos Factos Provados, até receber esta notificação a Ré manteve instruções internas expressas para que a conta se mantivesse imobilizada, como explicou a testemunha CC, autor dessas instruções (cf., em particular, entre os minutos 00:07:50 e 00:09:00 e 00:12:45 e 00:16:20 da gravação do seu depoimento acima identificado).

M. Deste modo, não ficou demonstrado que a Ré tenha preterido uma ordem do Tribunal de Viseu. Pelo contrário, ficou demonstrado que a Ré agiu em conformidade com as informações que lhe foram transmitidas pelo Tribunal de Viseu em 16.03.2016. Neste sentido, depõe, aliás, a Alínea Z. dos Factos Provados.

N. A alínea NN. dos Factos Provados não corresponde à factualidade que resultou da instrução dos autos e está em contradição com as alíneas R. GG. e HH. dos Factos Provados, das quais resulta que não foi a conduta da Ré, ao desbloquear a conta aforro, que causou os putativos danos à Autora, mas, sim, a conduta do ex-marido da Autora, ao ter procedido ao resgate da totalidade dos Certificados de Aforro apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam integralmente e se mantinham arrolados.

O. A testemunha DD frisou que o comportamento do ex-marido da Autora causou ou, pelo menos, contribuiu para criar na Ré a convicção de que esta podia desbloquear a conta aforro e permitir o levantamento dos Certificados de Aforro (cfr., em particular, os minutos 00:04:35 a 00:05:45 e 00:20:00 a 00:21:15 da gravação do depoimento desta testemunha acima identificado).

P. Mesmo que a Ré tenha desbloqueado a conta aforro, se o ex-marido da Autora não tivesse procedido ao resgate da totalidade dos Certificados de Aforro, em particular ao montante que estava arrolado e que veio a ser atribuído à Autora no processo de inventário e partilha, esta não teria sofrido qualquer dano, seja moral, seja patrimonial.

Q. Assim, a alínea NN. dos Factos Provados deverá ser alterada, passando a ter o seguinte teor:

NN. O comportamento de BB, ao proceder ao resgate da totalidade dos certificados de aforro, causou à Autora sofrimento, desgaste emocional e ansiedade.

R. As alíneas GG., HH. e OO. dos Factos Provados não correspondem à factualidade provada nas partes em que referem que foram arrolados “os certificados de aforro da conta n.º ...86” e que era a estes certificados que correspondia a verba 78 da relação de bens comuns do ex-casal formado pela aqui Autora e BB, uma vez que ficou demonstrado que o que foi objeto de arrolamento foram as quantias a que esses Certificados de Aforro correspondiam na data em que foi decretado o arrolamento, como resulta:

• Dos factos constantes das alíneas E., AA. e BB. dos Factos Provados;

• Do depoimento da testemunha CC, que depôs, sem qualquer dúvida, no sentido de que apenas foram arroladas as quantias existentes na conta aforro na data em que foi decretado o arrolamento e não as quantias que sobrevieram nessa conta em data posterior (cfr., em particular, os minutos 00:50:00 a 00:51:20 e 00:52:30 a 00:53:00 do seu depoimento acima identificado).

S. Em face do exposto, as alíneas GG., HH. e OO. dos Factos Provados devem ser alteradas para que delas passe a constar de forma clara que o que foi objeto do arrolamento e correspondia à verba 78 da relação de bens comuns do ex-casal não eram os Certificados de Aforro, mas as quantias a que estes correspondiam na data do decretamento do arrolamento (i.e., a 23.05.2001), que ascendiam a EUR 45.820,45 (à data, 9.186.176$00).

Os erros de julgamento da Sentença

T. O Tribunal a quo andou bem ao descartar a existência de responsabilidade civil contratual da Ré. Porém, errou ao considerar que a conduta da Ré sub judice preenche os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

U. É sobre a Autora que impende o ónus de provar que a Ré atuou de forma ilícita e culposa e que, em consequência dessa sua conduta, causou danos à Autora, ónus este que a Autora não logrou observar.

V. Quanto ao requisito da ilicitude, ficou demonstrado, como acima se salientou, que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a Ré não praticou nenhum facto ilícito ao ter desbloqueado a conta aforro em causa, uma vez que agiu ao abrigo e em conformidade com uma indicação do Tribunal de Viseu.

W. Ficou provado que a Ré não agiu com culpa, tendo, antes, procedido com cuidado e zelo, como resulta das alíneas R., U., V. e Z. dos Factos Provados, das quais decorre que a Ré (i) procurou obter sempre esclarecimentos, em concreto, sobre as implicações da nova ordem do Tribunal Judicial de Viseu e como compatibilizá-las e (ii) não tomou qualquer decisão ou atuação precipitada, prévia a uma resposta definitiva daquele mesmo Tribunal que validasse a sua atuação.

X. O Tribunal a quo desconsiderou, porém, três aspetos que são da maior relevância na interpretação e qualificação da conduta do IGCP:

a) A Ré dirigiu o pedido de esclarecimento ao processo n.º 89/02...., porque foi no âmbito deste processo que recebeu uma ordem de penhora do montante de EUR 6.587,88 da conta aforro sub judice (Alínea T. dos Factos Provados);

b) Precisamente por ter agido com prudência e sem ligeireza, é que o IGCP, perante tal notificação, prestou ao processo n.º 89/02.... a informação de que já existia um arrolamento incidente sobre a dita conta aforro e perguntou ao Tribunal de Viseu se poderia libertar o montante que excedesse os EUR 6.587,88;

c) Desde que o arrolamento foi decretado, no ano de 2001, sucederam-se entre a Autora e o ex-marido inúmeros processos, de que a Ré não foi parte e dos quais era desconhecedora, os quais foram mudando de número ao longo do tempo (i) quer por serem procedimentos cautelares que foram apensados à respetiva ação principal, (ii) quer por se tratarem de novos processos, (iii) quer, ainda, em virtude da reorganização do sistema judiciário, que ditou a criação/alteração da designação de juízos cíveis e criminais, a transferência de processos e a respetiva renumeração.

Y. Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao concluir que a Ré atuou com ligeireza e de modo imprudente.

Z. Inexiste também nexo de causalidade entre a conduta da Ré e os putativos danos alegados pela Autora, uma vez que nunca o mero desbloqueio dos Certificados de Aforro pela Ré, único facto voluntário que lhe é imputável objetivamente, culminaria em tais danos, não fosse o levantamento pelo Sr. BB.

AA. Em face do exposto, conclui-se que não estão verificados os requisitos da responsabilidade civil, pelo que deve a Sentença ser revogada e a Ré absolvida integralmente da ação.

BB. Acresce que e sem prescindir, a Autora não provou ter direito ao valor de EUR 13.677,32, porque (i) como acima se expôs a propósito da impugnação das Alíneas GG. HH. e OO. dos Factos Provados, o valor de EUR 27.354,65 não se encontrava abrangido pela ordem de imobilização, porque não foi objeto do arrolamento, (ii) a Autora não provou que essa quantia correspondesse a um bem comum do casal, sendo que, como é sabido, relativamente aos efeitos patrimoniais entre os cônjuges, retrotraem-se à data da propositura da ação de divórcio no âmbito do artigo 1789.º do CC e (iii) ao contrário do referido na Fundamentação da Sentença, nenhuma factualidade ficou provada no sentido de que aquele valor correspondesse a um incremento de juros (nem a Autora o alegou na Petição Inicial).

CC. Independentemente de o Tribunal a quo ter dado como provado que a Autora passou noites sem dormir, certo é que tal não configura um dano moral e, menos ainda, um dano moral suscetível de compensação.

DD. Nos mesmos termos em que a jurisprudência tem negado o reconhecimento de danos não patrimoniais considerando a pouca ou risível gravidade da situação e a não prova dos danos que são descritos de forma genérica, também neste caso deve julgar-se que a Autora não sofreu quaisquer danos não patrimoniais, devendo a Ré ser absolvida do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização a este título.

EE. Ainda que assim não se entenda - o que por mera cautela de patrocínio se equaciona -, sempre o valor arbitrado pelo Tribunal a quo deve ser reduzido, por se revelar excessivo e desproporcional.

FF. Ainda que se entenda que a Ré praticou algum facto ilícito, culposo e gerador de danos à Autora - o que não se concede e apenas por excesso de patrocínio se equaciona -, sempre o Tribunal a quo deveria ter reduzido o montante da indemnização, nos termos e por força do disposto no artigo 494.º do CC, atendendo às circunstâncias do caso concreto, pois que, como resulta dos factos provados com as alterações acima propugnadas, a culpa da Ré, se não excluída, é, pelo menos, diminuída em função da informação prestada pela Secção Criminal do Tribunal de Viseu e de outros fatores como o muito tempo decorrido desde o decretamento do arrolamento, a alteração da reorganização do sistema judiciário e a conduta do ex-marido da Autora.

GG. Ao que acresce que, como também se demonstrou, o prejuízo sofrido a título patrimonial não ascende aos valores alegados pela Autora na Petição Inicial e fixados na Sentença, não sendo devida qualquer indemnização por danos não patrimoniais.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, nos termos supra peticionados, Pois só assim se fará a acostumada Justiça!”.


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            Contra-alegou a A./Recorrida, concluindo:

1. A Recorrente, inicia as suas alegações pela impugnação de alguns dos pontos da matéria de facto, nomeadamente os factos dados como provados, constantes da sentença proferida pelo Tribunal a quo nas alíneas Y., II., NN., GG., HH. e OO.

2. Porém, e salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão, laborando a recorrente em erro manifesto na apreciação da prova razão pela qual a Recorrida, por razões de mera economia processual, respondeu, conjuntamente, à factualidade respeitante à impugnação realizada pela Recorrente aos factos dados como provados na sentença proferida pelo Tribunal a quo, nas alíneas Y. e II..

3. Importando, desde já, mencionar que, no decurso das suas alegações, a Recorrente mune-se, por diversas vezes, da notificação recebida, no dia 16 de Março de 2016, por parte do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Secção Criminal – Juiz 2, no âmbito do processo crime nº 89/02...., para atestar o que argumenta quanto à impugnação da factualidade descrita.

4. Esquecendo-se, porém a Recorrente que na contestação que apresentou nos presentes autos, nomeadamente nos artigos 18º, 32º e 33º desse mesmo articulado confessou ter conhecimento direto do Tribunal, Juízo e número de processo respeitantes ao arrolamento dos certificados de aforro em discussão nos presentes autos e, por conseguinte, imobilizados à ordem de tal processo.

5. Não tendo a Recorrente, em contrapartida, impugnado tal facto (conhecimento do Tribunal, juízo e número de processo) ou invocado qualquer desconhecimento sobre o mesmo, bem pelo contrário, uma vez que a mesma o assume na sua contestação deve, tal facto considerar-se admitido por acordo nos termos do artigo 574º, nº2, do C.P.C.

6. Inexistindo, desta forma, qualquer justificação plausível para aquilo que a Recorrente alega no que concerne à impugnação dos factos provados, constantes da alínea Y. e alínea II. da sentença proferida pelo Tribunal a quo, atento também à matéria de facto dada como provada nos pontos W. e X..

7. Isto porque, alega a Recorrente que apenas permitiram ao ex marido da Recorrida o levantamento da quantia constante nos certificados de aforro, em virtude da notificação supra descrita, de 16 de Março de 2016, realizada à Recorrente pelo Tribunal Judicial de Viseu, Instância Local Secção Criminal – Juiz 2, no âmbito do processo nº 89/02.... alegando, inclusive, que tal notificação não se limitava apenas ao processo nº 89/02...., incluindo também os autos de arrolamento em que havia sido determinada a apreensão das quantias tituladas pelos certificados de aforro em discussão nos presentes autos, o que bem sabe não corresponder à verdade.

8. Não se compreendendo de onde é que a Recorrente retira tal conclusão uma vez que tal notificação apenas identifica, no canto superior esquerdo, um único processo, no caso, o processo nº 89/02.... que respeitava a uma execução comum, a correr termos na Instância Local Secção Criminal-Juiz 2 e não em qualquer juízo cível.

9. Não tendo o processo de arrolamento supra descrito e o processo respeitante à notificação de 16 de Março de 2016, invocada pela Recorrente, qualquer ligação entre si.

10. Além disso, importa também aqui mencionar o que foi dito pela testemunha e oficial de justiça, EE, que assinou a notificação que a Recorrente tanta vez se mune ao longo das suas alegações, datada de 16 de Março de 2016, conforme depoimento, prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 6 de dezembro de 2023, gravado no ficheiro 3972-21.8T8VIS_2023-12-06_11-46-28, de 00:00:00 a 00:14:04, tendo ocorrido o seu início pelas 11h46 e termo pelas 12h00, extrato de depoimento de 00:07:27 a 00:09:26; 00:11:11 a 00:12:14)

11. Inexistindo, deste modo, quaisquer dúvidas de que a notificação datada de 16 de Março de 2016, da qual a Recorrente tanta vez se mune no decurso das suas alegações, junta como documento nº 12 na sua contestação, apenas respeitava, efetivamente ao processo nº 89/02.... referente a uma execução comum, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Secção Criminal – Juiz 2 e não ao processo de arrolamento o 438-A/2001.

12. Isto porque, como muito bem disse a testemunha e signatária da notificação supra descrita, não podia a Secção Criminal do Tribunal de Viseu dar ordem de desbloqueio no âmbito de um processo de arrolamento, uma vez que não existe qualquer “informação cruzada” entre ambos os processos, sendo que tal desbloqueio só poderia ocorrer neste processo.

13. Não se percebendo qual o interesse por parte da Recorrente, uma vez que estava em causa uma penhora numa execução no âmbito de um processo crime e, ainda em vigor o arrolamento dos certificados de aforro decretado no processo cível 438-A/2002, em questionar esse Tribunal criminal se o remanescente além do valor penhorado poderia ser levantado livremente pelo aforrista.

14. Configurando tal situação uma clara violação de uma ordem judicial e do previsto no artigo 1º, número 1 e 3º, alínea f), do Código de Conduta do IGCP uma vez que a Recorrente não atuou com zelo e diligência no desempenho das suas funções no momento em que permitiu o desbloqueio dos certificados de aforro que se encontravam arrolados, em virtude do teor da notificação de 16 de Março de 2016 que dizia respeito, conforme se referiu e aqui se reitera a uma execução comum.

15. Tendo, aliás, a própria funcionária da Recorrente assumido que existiu efetivamente, uma falha na atuação da mesma uma vez que, pese embora tivessem plena consciência de estarem perante processos distintos e, consequentemente, o teor da notificação datada de 16 de Março de 2016, poder não corresponder à realidade, ainda assim, decidiram proceder ao desbloqueio dos certificados de aforro que se encontravam arrolados.

16. Como se não bastasse veja-se também que é a própria funcionária da Recorrente que assume que apesar de existir um jurista a trabalhar nas instalações da Recorrente não lhe foi colocada qualquer questão sobre o teor da notificação datada de 16 de Março de 2016 e, consequentemente, sobre a viabilidade do desbloqueio dos certificados de aforro que se encontravam arrolados, conforme transcrição do depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 6 de dezembro de 2023, gravado no ficheiro Gravado no ficheiro 3972-21.8T8VIS_2023-12-06_15-40-33, de 00:00:00 a 00:38:14, tendo ocorrido o seu início pelas 15h40 e termo pelas 16h18, extrato de depoimento de 00:11:53 a 00:12:02; 00:16:07 a 00:17:03; 00:33:36 a 00:34:23).

17. Motivo pelo qual, por tudo o que se expôs no corpo da motivação que aqui se reproduz, se devem manter os factos provados constantes da alínea Y. e II. da sentença proferida pelo Tribunal a quo em virtude de o teor da notificação datada de 16 de Março de 2016 dizer apenas respeito ao processo nº 89/02.... e, consequentemente, por ter sido violada, por parte da Recorrente, a ordem de arrolamento dos certificados de aforro em discussão nos presentes autos emitida no âmbito do processo nº 438-A/2001.

18. Assim sendo, aproveita também a Recorrida, tais argumentos, para responder aos factos alegados pela Recorrente, constantes dos pontos 52 a 91 das suas alegações referentes à falta de preenchimento dos requisitos de que depende a responsabilidade extracontratual da Recorrente uma vez que tal factualidade está interligada com tudo o quanto se mencionou supra.

19.Como muito bem sabe a Recorrente e, conforme aliás, referiu no ponto 55. das suas alegações, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual “a) A prática de um facto voluntário e ilícito; b) A culpa, sob forma de dolo ou negligência, do autor do facto; c) A existência de um dano do lesado; e d) o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano sofrido” importando, a este respeito, ver o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 2012, processo nº 2530/10.7TVLSB.L1-1.

20. Por tudo quanto se expôs supra e aqui se reproduz, a Recorrente violou uma ordem de arrolamento proferida no âmbito do processo nº 438-A/2001, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu em virtude de uma notificação rececionada no dia 16 de Março de 2016 que, bem sabia, conforme se demonstrou supra, não respeitar ao mesmo processo.

21. Ainda assim, e em vez de questionar o jurista que exerce funções nas suas instalações, sobre a o conteúdo de tal notificação e da possibilidade/ viabilidade ou não de desbloqueio dos certificados de aforro em discussão nos presentes autos, a Recorrente, tendo plena consciência de que estaria a praticar um facto ilícito decidiu desbloquear os certificados de aforro que se encontravam arrolados à ordem do processo suprarreferido.

22. Pelo que, em virtude de todo o exposto, inexistem dúvidas de que a Recorrente agiu livre e deliberadamente consubstanciando, a sua conduta, um claro facto ilícito uma vez que, apesar de ter plena consciência de que a notificação supra descrita que recebeu não respeitava ao processo nº 438-A/2001, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, ainda assim, decidiu desbloquear os certificados de aforro que se encontravam arrolados à ordem desse processo atuando, deste modo, a Recorrente, com dolo dado que, tinha total consciência do ilícito que se encontrava a praticar, ou no limite atuando com negligência temerária e grosseira devendo, para o efeito, ver-se o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Maio de 2022, processo nº 652/21.8PEAMD.L1-9.

23. Como consequência da sua ação, a Recorrente provocou danos, não só patrimoniais, como também, não patrimoniais à Recorrida sendo relevante, para o efeito, ver o disposto na Anotação do artigo 483º do Código Civil constante do Código Civil Anotado, Volume I, página 629 e 630.

24. Na verdade, conforme a Recorrida demonstrou na petição inicial apresentada, nomeadamente no seu artigo 54º e no documento nº 16 aí junto, não impugnado, e da prova produzida em audiência de julgamento, resulta que a mesma sofreu um dano patrimonial num total de 40.235,40 Euros em virtude de lhe terem sido adjudicadas, no processo de inventário nº 1011/14.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Juízo de Família e Menores, Juiz 1 e, em virtude de contrato de depósito o valor de 26.558,16 Euros, acrescido de 13.677,32 Euros.

25. Aproveitando-se também para responder ao alegado nos pontos 92 a 114 uma vez que a Recorrente menciona que a Recorrida não tem direito à quantia de € 13.677,32.

26. Ora, como muito bem explica a sentença proferida pelo Tribunal a quo a Recorrente tem direito a dois valores distintos.

27. Isto porque, conforme se mencionou supra, no âmbito do processo de inventário nº 1011/14.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Família e Menores, Juiz 1 foi adjudicada à Recorrente a quantia de € 26 558,16, da verba n.º 78 da relação de bens, verba essa que descrevia os certificados de aforro alvo de arrolamento, à data da imobilização, no montante global de € 45 820,45.

28. Porém, na sua motivação, esquece a Recorrente, deliberadamente, que os danos patrimoniais incluem também, os danos emergentes que correspondem ao prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão sendo importante ver-se, a este respeito, o disposto no Acórdão do Tribunal a Relação de Lisboa, de 22 de Março de 2018, processo nº 10667/12.....

29. Sendo que, ficou igualmente provado que na altura em que os certificados de aforro foram resgatados o seu valor global ascendia a € 73.175,10 tendo a Recorrida sofrido, deste modo, um dano emergente correspondente ao da quantia adjudicada acrescido dos respetivos frutos/rendimentos que, no caso, correspondem aos € 13.677,32 peticionados pela Recorrida, quantia essa a que tem efetivamente direito por tudo o quanto se alegou.

30. Razão pela qual, os danos patrimoniais se compreendem no valor global de € 45 820,45, correspondentes à quantia de € 26 558,16, da verba n.º 78 da relação de bens e €13.677,32 correspondentes a um dano emergente, sendo tal valor referente ao da quantia adjudicada acrescido dos respetivos frutos.

31. Além disso, não se compreende o motivo pelo qual a Recorrente alega, nas suas alegações, nomeadamente nos pontos 115 a 132 que a Recorrida não tem direito a indemnização pelos danos não patrimoniais.

32. Isto porque, contrariamente ao que a Recorrente menciona, é mais do que evidente e, de acordo com as regras da experiência comum, que a Recorrida que, confiava plenamente que a quantia de que a mesma era titular e proprietária, constante dos certificados de aforro em discussão nos presentes autos estaria arrolada e, consequentemente bloqueada, ao saber que Ré os desbloqueou indevida e ilicitamente, permitindo o seu resgate ,tenha ficado em sofrimento, ansiedade e com um enorme desgaste emocional.

33. Até porque, a mesma estava completamente convencida de que, ao existir uma ordem expressa do Tribunal, arrolando os certificados da conta n.º ...86 e a imobilização pela Recorrente dos mesmos, não viria a ter qualquer problema caso lhe viessem a ser adjudicados pelo Tribunal, no processo de inventário, o que efetivamente aconteceu.

34. Confiando plenamente nas Instituições ao ter requerido o arrolamento e nomeadamente, que a Recorrente não iria desobedecer a uma ordem do tribunal, em seu prejuízo, o que efetivamente veio a acontecer.

35.  A Recorrida sempre esteve descansada confiando que o dinheiro depositado no âmbito do contrato de subscrição dos certificados de aforro não iria desaparecer…, e que a Recorrente não iria incumprir as suas obrigações legais e contratuais.

36. Ao ser informada que a conta n.º ...86 se encontrava saldada e posteriormente após a receção da missiva da Recorrente de 19/06/2019, de que o tinha sido pelo seu ex-marido BB, que já nem era proprietário dos saldos existentes, a Recorrida ficou estupefacta e incrédula com o que lhe estava a acontecer tendo, em virtude de tal circunstancialismo, passado noites e noites sem dormir, sem saber o que fazer, até porque até à data teve sérias dificuldades financeiras na sua vida tendo inclusive que pedir empréstimo de dinheiro a familiares, que ainda não pagou.

37. Tendo toda esta situação causado à Recorrida forte ansiedade, sofrimento e desgosto moral, que se mantém nos dias de hoje, encontrando-se privada daquilo que nunca equacionou vir a perder, razão pela qual, em virtude do exposto, se deve manter a condenação da Recorrente no pagamento de 2.500,00 Euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrida.

38. No que ao último pressuposto da responsabilidade civil concerne, sempre se dirá que existe um evidente nexo causal entre o facto ilícito e o dano causado uma vez que é mais do que lógico que se a Recorrente não tivesse desbloqueado as quantias que se encontravam arroladas nos certificados de aforro, o dano patrimonial aqui descrito, bem como os danos não patrimoniais não teriam acontecido tendo sido devido a esta atuação por parte da Recorrente que a Recorrida sofreu o avultado prejuízo que se descreveu no decurso das presentes contra-alegações.

39. Não assistindo, portanto, razão à Recorrente quando refere que não se encontram preenchidos todos os requisitos necessários para que se verifique a existência de responsabilidade civil extracontratual.

40. Não podendo, contrariamente ao que a Recorrente tenta fazer crer nos pontos 36 a 44 das suas alegações, mencionar-se que não foi o desbloqueio da conta aforro por parte da Recorrente que causou danos à Recorrida, mas sim, o facto de o seu ex-marido ter procedido ao levantamento da totalidade dos Certificados de Aforro.

41. Salvo o devido respeito, nenhum sentido faz o alegado pela Recorrente, uma vez que tais quantias apenas foram levantas pelo ex-marido da Recorrida em virtude do comportamento, doloso, ou no limite de negligência grosseira e temerária, da recorrente que permitiu o desbloqueio da conta aforro, sem ordem judicial para tal, tendo pleno conhecimento à ordem de que processo e tribunal se encontravam os certificados de aforro arrolados e imobilizados.

42. Isto porque, a Recorrente incumpriu uma ordem clara e expressa do Tribunal que lhe havia ordenado a imobilização dos certificados dos certificados de aforro, ao ter desbloqueado a conta aforro em discussão nos presentes autos e, foi apenas devido a essa conduta por parte da Recorrente que o seu ex-marido procedeu ao levantamento referido.

43. Caso a Recorrente tivesse mantido o arrolamento ordenado pelo Tribunal de Viseu, nada disto teria acontecido, razão pela qual, o facto ilícito aqui descrito apenas pode e deve ser imputado à Recorrente como único e principal causador dos danos sofridos pela Recorrida, por tudo o quanto se alegou supra, devendo, deste modo, manter-se o constante do facto NN, dado como provado pela sentença proferida pelo Tribunal a quo.

44. No que respeita à redução do montante da indemnização de acordo com o disposto no artigo 494º do C.C., constante dos pontos 133 a 136 das alegações da Recorrente, sempre se dirá que tal preceito legal dispõe que a indemnização deve ser reduzida apenas nos casos em que exista mera culpa na responsabilidade do agente devendo, a este respeito, ver-se o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Fevereiro de 2010, processo nº 747/04.2TTCBR.C1.S1.

45. Conforme a Recorrida mencionou supra, na parte respeitante aos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente à culpa, a Recorrente não agiu com negligência ou mera culpa, mas sim com dolo, ou no limite com negligencia grosseira temerária, por tudo o que aí se elencou e para o qual, desde já, se remete por razões de mera economia processual e que não justifica de todo a redução do montante indemnizatório.

46. Isto porque, conforme supra se referiu e aqui se reitera, a Recorrente agiu com plena consciência e conhecimento de que estaria a praticar um facto ilícito uma vez que sabia que o processo identificado no ofício de 16 de Março de 2016 não correspondia ao processo de arrolamento em discussão nos presentes autos.

47. Razão pela qual, em virtude do exposto, sempre se dirá que não poderá existir nenhuma redução da indemnização ao abrigo do disposto no artigo 494º do Código Civil, não se encontrando preenchidos qualquer dos seus requisitos.

48. Por último e no que respeita à impugnação dos factos provados constantes das alíneas GG., HH. e OO. da sentença proferida pelo Tribunal a quo, vem a Recorrente alegar que o que foi efetivamente objeto de arrolamento não foram os certificados de aforro existentes, mas sim as quantias existentes na conta aforro nº ...86.

49.Ora, mais uma vez e, com todo o devido respeito, nenhum sentido faz o que a Recorrente alega até porque, se assim fosse, nenhuma viabilidade teria o arrolamento decretado ao apenas arrolar as quantias depositadas nos certificados de aforro, e não os certificados em si, ou seja as unidades de participação, cujo valor monetário é variável, pois que muito bem sabe que era a única forma de proceder ao arrolamento à data.

50. Além disso, veja-se que é a própria Recorrente que, em sede de contestação, nomeadamente nos artigos 24º a 26º da mesma, que admite que nas várias trocas de comunicação com o ex-marido da Recorrida sempre respondeu negativamente às insistências deste no sentido de proceder ao levantamento dos certificados de aforro em virtude de estes se encontrarem arrolados.

51. Pelo que, conforme se mencionou no início das presentes contra-alegações, e nos termos do artigo 574º do C.P.C. consideram-se admitidos por acordo, ou confessados, todos os factos que não forem impugnados em sede de contestação.

52. Factos que até foram indicados pela corrente na sua contestação, ou seja, a recorrente ao alegar o que alega na sua motivação de recurso, constitui um venire contra factum proprium.

53.Ora, a Recorrente não só não impugnou como também admitiu ter conhecimento direto que tais certificados de aforro se encontravam arrolados não podendo agora, em sede de alegações, vir alegar que tal circunstancialismo não corresponde à realidade.

54. Razão pela qual se deve manter o disposto nas alíneas GG., HH. E OO. dos factos provados na sentença proferida pelo Tribunal a quo.

55. Assim e por todo o exposto, deverá negar-se provimento ao recurso apresentado pela recorrente e, em consequência, deve manter-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, que determinou a condenação da Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de €40.235,40 (quarenta mil, duzentos e trinta e cinco euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos contabilizados desde 18.11.2019, à taxa legal em vigor para os juros civis, até integral pagamento e a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos contabilizados desde a data da decisão da primeira instância , à taxa legal em vigor para os juros civis, até integral pagamento.

Assim, farão Vossas Excelências a acostumada Justiça”.


*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo as seguintes as questões a apreciar:

(i) Impugnação da matéria de facto – factos indicados nas alíneas Y., II., NN., GG., HH. e OO. (conclusões E a S);

(ii) Erros de Julgamento:

a) Inexistência de responsabilidade civil da ré perante a autora, por impossibilidade de estabelecer, designadamente, os requisitos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e o dano (conclusões T a AA);

b) Subsidiariamente, ainda que existisse responsabilidade da ré, redução do valor dos danos patrimoniais determinado pelo Tribunal a quo (conclusão BB);

c)  Também a título subsidiário, ainda que existisse responsabilidade da ré, esta não podia ter sido condenada a indemnizar a autora por putativos danos não patrimoniais ou, caso assim não se entenda, esse montante indemnizatório deve ser inferior a € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) (conclusões CC a FF).


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A. Fundamentação de facto.

Na 1.ª instância deu-se como provada a seguinte matéria de facto:

A. A autora casou com BB em ../../1977, sem convenção antenupcial, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 09 de Janeiro de 2003, transitada em 23 de janeiro de 2003, pelo Tribunal de Viseu, 2.º Juízo Cível (1.º PI e doc. 1 da petição inicial).

B. Durante o período em que foram casados, autora e o seu então marido subscreveram certificados de aforro da Série B, os quais ficaram afetos à conta aforro com o nº ...86, figurando aquele como titular e a autora como autorizada para movimentação (2.º PI).

C. Tais certificados de aforro, da Série B, constituem títulos de dívida pública, competindo à ré a sua gestão e a obrigação de, quando interpelada, proceder ao reembolso do capital/montante investido, acrescido dos respetivos juros (5.º PI).

D. A autora instaurou, no ano de 2001, ação de divórcio contra BB, ação essa que correu termos sob o nº 438/2001 do extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, ao qual após a nova organização do sistema judiciário foi atribuído o nº ......, do Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (7.º PI)

E. Como preliminar dessa ação de divórcio, a autora instaurou procedimento cautelar de arrolamento de bens, nomeadamente das quantias depositadas em certificados de aforro, em nome do seu então marido, da conta aforrista nº ...86, o qual foi decretado em 23 de Maio de 2001, ficando a Ré depositária desses valores, nos termos do n.º 2 do artigo 426.º do CPC, tendo sido atribuído a tal processo o nº 315/2001, do extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu (8.º PI e doc. 8 da petição inicial).

F. Mais tarde, tal procedimento cautelar de arrolamento foi apensado ao processo nº 438/2001, do extinto 2º Juízo Cível desse Tribunal, tendo-lhe sido atribuído o nº 438-A/2001 (9.º PI).

G. No dia 10.09.2001 a Ré foi notificada do ofício do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no âmbito do processo n.º 438-A/2001 para prestar informação tomando nessa data conhecimento da apensação do procedimento cautelar a este processo n.º 438/2001 (18.º Cont).

H. A Ré respondeu ao referido ofício em 13.09.2001, confirmando estar já imobilizada a conta n.º ...86 desde o dia 11.06.2001 e remetendo um extrato da mesma àquela data, encontrando-se depositados certificados de aforro no valor de 9.186.176$00, correspondentes a € 45.820,45 (17.º e 19.º Cont).

I. Em 20.09.2002, em resposta a ofício datado de 17.09.2002, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 438-F/2001, a Ré informou aquele Tribunal que a ora Autora não tinha certificados de aforro em seu nome (20.º Cont).

J. No dia 23.06.2003, a Ré foi notificada do ofício n.º ...91 do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, a propósito do processo n.º 20/02...., para se pronunciar sobre a existência de certificados de aforro titulados pelo Sr. BB para efeitos de decisão de apoio judiciário, o que informou no dia 01.07.2003 (21.º e 22.º Cont).

K. No dia 30.12.2009 a Ré foi interpelada pelo Sr. BB no sentido de saber como poderia proceder ao resgate de um certificado de aforro que se encontrava arrolado (23.º Cont).

L. Nessa altura a Ré informou o Sr. BB que os certificados de aforro existentes na conta aforro n.º ...86, se mantinham arrolados, sendo necessário que o Tribunal Judicial de Viseu autorizasse o respetivo desbloqueio para que os mesmos pudessem ser resgatados (24.º Cont).

M. Com a reforma da organização do sistema judiciário os autos referidos em F. foram redistribuídos passando a correr termos no Juízo de Família e Menores – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, sob o nº 1011/14.... (10.º PI).

N. Também correu termos o processo de inventário /partilha de bens em casos especiais, ao qual foi atribuído inicialmente o n.º 438/H/2001 e posteriormente sob o nº 1011/14...., no mesmo Juízo e Tribunal, apenso aos autos de divórcio supra referenciados, tendo aí sido relacionados bens comuns do ex-casal, os quais foram objeto de partilha, homologada por sentença, transitada em julgado no dia 12/12/2018 (12.º PI)

O. No decurso do processo de inventário, o seu ex-marido BB, juntou aos autos escritura de doação do direito à meação que lhe pertencia no património comum do ex-casal, à sua atual esposa FF (14.º PI)

P. Razão pela qual correu termos um novo apenso, ao qual foi atribuído inicialmente o n.º 438/Q/2001 e posteriormente o nº 1011/14...., no mesmo Juízo e Tribunal, de Habilitação de Adquirente ou de Cessionário, tendo FF sido habilitada como cessionária do interessado BB, relativa à relação jurídica em debate nos autos de inventário e apensos, por sentença proferida em 17/05/2012, e transitada em julgado em 27/06/2012 (15.º PI).

Q. Em consequência de tal habilitação, passou a figurar como interessada nesse processo de inventário, para além da autora, a Sra. FF, que também usa o nome de GG, em substituição do ex-marido da autora, BB, tendo este deixado de ser parte no referido processo e em todos os apensos (17.º PI).

R. No período entre 30.12.2009 e 28.12.2015 o Sr. BB fez diversas insistências junto da Ré no sentido de proceder ao levantamento dos certificados de aforro, solicitações essas a que a Ré respondeu negativamente, em virtude de os Certificados de Aforro se encontrarem arrolados (25.º Cont).

S. Na última data (28.12.2015), a Ré foi informada pelo Sr. BB, da doação do direito de meação em favor da Sra. HH, atual esposa deste, e bem assim do seu divórcio com a Autora, o qual teria transitado em julgado no dia 23.01.2003 (27.º Cont).

T. No dia 26.01.2016, a Ré foi notificada do ofício da Comarca de Viseu – Instância Local Secção Criminal – Juiz 2, no âmbito do processo n.º 89/02...., na qual figurava como exequente o Ministério Público e executado BB, que determinou:

“Fica V. Exa. notificado, de que, para garantia e pagamento da quantia de € 6.587,88, fica penhorado à ordem do agente de execução designado no processo acima referido, o(s) direitos incorporados nos seguintes títulos de crédito(s):

Descrição:

Tipo De Bem: Crédito

Descrição: Créditos tributários/eventuais reembolsos de IRC/IRS ou outros que o executado tenha a receber da administração fiscal.” (29.º Cont).

U. Em resposta a Ré informou o referido Tribunal que a conta aforro n.º ...86, titulada pelo Sr. BB se encontrava bloqueada à ordem do próprio Tribunal Judicial de Viseu e solicitou esclarecimentos sobre se o valor remanescente além dos € 6.587,88, agora penhorados, poderia ser levantado livremente pelo aforrista (30.º Cont).

V. A Ré manteve instruções internas, datadas de dia 01.02.2016, para que a referida conta se mantivesse imobilizada enquanto o Tribunal Judicial de Viseu não esclarecesse se a parte remanescente da carteira (ou seja, a que exceder o valor de € 6.587,88) poderá ser livremente movimentada (31.º Cont).

W. No dia 16.02.2016, o Tribunal da Comarca de Viseu – Secção Criminal – Juiz 2, solicita, por referência ao pedido de esclarecimento formulado pela Ré, a “identificação do processo à ordem do qual se encontra bloqueada a conta aforro do executado (…) bem como os montantes disponíveis na mesma” (32.º Cont).

X. Tendo a Ré respondido, no dia 24.02.2016, tratar-se da conta aforro “imobilizada à ordem do Processo n.º 438-A/2001, na totalidade” (33.º Cont).

Y. Em resposta ao ofício aludido em U, no dia 16.03.2016, no âmbito do referido processo 89/02...., Instância Local Secção Criminal – Juiz 2, respondeu-se à Ré o seguinte: “informa-se V. Exa. de que o valor que excede os € 6.587,88 poderá ser levantado livremente pelo aforrista titular” (34.º Cont).

Z. Na sequência do esclarecimento aludido em Y., a Ré informou o Sr. BB, em 21 de Março de 2016, que a conta de aforro de que é titular encontra-se imobilizada pelo valor de €6.587,88, podendo ser levantada na parte restante (37.º Cont. e doc. junto a fls. 127 verso).

AA. Na verba 78, da relação de bens comuns do ex-casal, apresentada nos referidos autos de inventário/partilha de bens em casos especiais, consta o relacionamento de: “A quantia de 9 186 176$00, isto é, 45 820,45 Euros referentes a certificados de aforro com esse valor, à data de 11/06/2001, composto pelos certificados de aforro nºs ...00; ...17; ...60; ...05; ...13; ...35; ...52; ...10; ...47; ...21; ...89; ...43; ...40; ...37; ...92; ...06; ...68, a fls. 153 e 154 do processo de arrolamento nº 438-A/2001 - 45 820,45 Euros” (18.º PI)

BB. Tal verba, de acordo com o mapa de partilha foi adjudicada da seguinte forma:

- “À interessada GG “… verba nº 78 (setenta e oito) …… 19.262,29.

Do montante desta verba 78 sairá quantia de 1 445,47 € correspondente a metade do passivo da divida B e divida C de que a interessada AA é credora, pelo que receberá desta verba o montante de .17 816,82

 “À interessada AA “… Verba 78 (setenta a oito) - 25 112,69. Do montante desta verba 78 sairá a quantia de 1 445,47€ correspondente a metade do passivo da dívida B e dívida C de que é credora, pelo que receberá desta verba o montante de 26 558,16” (21.º PI).

CC. Mapa esse que não foi objeto de qualquer reclamação pelas interessadas, tendo sido a partilha homologada por sentença devidamente transitada em julgado em 12/12/2018 (22.º PI)

DD. A autora, enquanto cabeça de casal, solicitou à ré, em 06/10/2017, que lhe fossem remetidos documentos comprovativos do saldo existente na referida conta, à data de 25/02/2003 e os saldos por ano desde 2003 a 2017, com a discriminação de capital e juros anuais, e que tal fosse acompanhado dos respetivos extratos (27.º PI).

EE. Ao qual a ré respondeu através do ofício datado de 3/11/2017, informando que a conta se encontrava saldada desde 15/07/2016, sem, contudo, informar por quem, solicitando um pagamento de emolumentos para o envio desses documentos (28.º PI)

FF. Por ofício datado de 19/06/2019, a ré enviou à autora os documentos solicitados, rececionados em 28/06/2019 (37.º e 38.º PI)

GG. BB resgatou todos os certificados correspondentes à verba nº 78 da relação de bens, no valor global de 73.175,10 Euros, por várias vezes e no período compreendido entre 13/06/2016 a 15/07/2016 (39.º PI).

HH. O ex-marido da autora apropriou-se de todas as quantias depositadas nessa conta sabendo que o não podia fazer pois que tais quantias se encontravam imobilizadas/arroladas no âmbito do processo de arrolamento supra mencionado (41.º e 42.º PI).

II. Apenas o fez porque os serviços da ré o permitiram, preterindo a ordem emitida no processo n.º 438-A/2001, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, hoje do Juiz do proc. nº 1011/14...., do Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz 1 do Tribunal Judicial de Viseu (43.º PI).

JJ. A autora enviou à ré, através da sua mandatária, em 15/11/2019, carta registada com AR, rececionada em 18.11.2019, solicitando que lhe fossem pagas e entregues as quantias a que a mesma tinha direito, por lhe terem sido adjudicadas no processo de inventário supracitado e em virtude de contrato de depósito, no valor de 26.558,16 Euros, acrescido de 13.677,32 Euros, num total de 40.235,40 Euros (54.º PI e 193.º Cont)

KK. A ré respondeu através de ofício datado de 7 de julho de 2020, alegando factos referentes à comunicação efetuada pelo Tribunal de Viseu, Secção Criminal – J2, para concretização de penhora no valor de 6.587,88 Euros e em que seria executado BB (55.º PI)

LL. A esta carta da ré, a autora respondeu nos termos do doc. nº 18 junto, cujo teor se dá aqui por reproduzido, enviado em 13/08/2020, solicitando de novo o pagamento das quantias em questão e que lhe fossem enviados cópia dos ofícios trocados entre a ré e o Tribunal Judicial de Viseu, mencionados nos pontos 5 a 8 da carta da ré datada de 7 de julho de 2020, incluindo as comunicações trocadas entre a ré e o senhor BB a esse respeito e aí mencionado (67.º PI).

MM. A ré enviou, em resposta à autora, a carta datada de 21/08/2020, reiterando o que referiu na sua missiva de 7 de julho de 2020, recusando o envio da documentação solicitada pela autora, referindo “dado que a mesma respeita a um cliente de produtos de aforro, e sendo a constituinte de Vossa Exa. parte terceira face a tal relação jurídica contratual, a mesma não pode ser facultada por se encontrar a coberto de sigilo bancário (68.º PI).

NN. O comportamento da ré, permitindo o resgate dos certificados de aforro na sua totalidade por parte de BB, causou à autora sofrimento, desgaste emocional e ansiedade (95.º PI).

OO.  A Autora sempre se convenceu que existindo uma ordem expressa do Tribunal, arrolando os certificados de aforro da conta n.º ...86, e a imobilização pela ré dos mesmos, em consequência de tal decisão, não viria a ter qualquer problema caso lhe viessem a ser adjudicados pelo Tribunal, no processo de inventário (96.º PI).

PP. Confiou plenamente nas instituições ao ter requerido o arrolamento e que a Ré não iria desobedecer a uma ordem do tribunal, em seu prejuízo (97.º PI).

QQ. Ao ser informada que a conta n.º ...86 se encontrava saldada e posteriormente após a receção da missiva da ré de 19/06/2019, de que o tinha sido pelo seu ex-marido BB, a autora ficou estupefacta e incrédula com o que lhe estava a acontecer (99.º PI).

RR.  Passou noites sem dormir, sem saber o que fazer, até porque tem tido dificuldades financeiras na sua vida (100.º PI).

SS. Dificuldades financeiras que ainda hoje perduram, vendo-se obrigada a litigar com o benefício de apoio judiciário (101.º PI)


*

Factos não provados (com relevância para a decisão a proferir):

1. Foram feitos em exclusivo por BB depósitos nos dias 24.05.2001 e 11.06.2001, na conta aforro n.º ...86, posteriores à imobilização (71.º a 74.º da Cont).

2. Por causa do comportamento da Ré a Autora pediu dinheiro a familiares, o que ainda não pagou (100.º PI).


*

            B. Fundamentação de Direito.

Recapitulando, neste recurso suscitam-se as seguintes questões:

(i) Impugnação da matéria de facto – factos indicados nas alíneas Y., II., NN., GG., HH. e OO.;

(ii) Erros de Julgamento.
· Comecemos pela impugnação da matéria de facto.

(i) A interposição de um recurso jurisdicional exerce-se através de requerimento que contenha a fundamentação e o pedido, de modo a delimitar o objecto da impugnação, estabelecendo o n.º 2 do art. 637.º do Código de Processo Civil (CPC) que “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade” e impondo o n.º 1 do art. 639.º, ao recorrente, o dever de “apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão”.

Por sua vez, sendo impugnada a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, o recorrente além de ter necessariamente de cumprir os ónus de alegação, de especificação e de conclusão, previstos naqueles preceitos legais, deve obrigatoriamente especificar, no seu requerimento recursivo, sob pena de rejeição: (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios para proferir nova decisão, (iii) e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida, de harmonia com as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC. 

Isto dito é evidente que, in casu, se mostram cumpridas as respectivas formalidades, pelo que cumpre apreciar essa impugnação de modo detalhado.

a) Das alíneas Y) e II).

Na redacção dessas alíneas dos factos provados ficou exarado:

Y. Em resposta ao ofício aludido em U, no dia 16.03.2016, no âmbito do referido processo 89/02...., Instância Local Secção Criminal – Juiz 2, respondeu-se à Ré o seguinte: “informa-se V. Exa. de que o valor que excede os € 6.587,88 poderá ser levantado livremente pelo aforrista titular” (34.º Cont).

II. Apenas o fez porque os serviços da ré o permitiram, preterindo a ordem emitida no processo n.º 438-A/2001, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, hoje do Juiz do proc. nº 1011/14...., do Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz 1 do Tribunal Judicial de Viseu (43.º PI).

A este propósito a recorrente expende que não é correcto referir, como o fez o tribunal recorrido, que a alínea Y. corresponde ao art. 34.º da contestação, uma vez que o trecho “no âmbito do referido processo 89/02....” daí não consta e, diversamente do que perpassa na redacção dessa alínea Y., a notificação judicial “não esclarecia que a permissão de levantamento do valor que excedesse o montante de EUR 6.587,88 se referia unicamente ao processo n.º 89/02....”. Aduz, ainda, que da leitura concertada das alíneas T., U., V., W. e X. não decorre que a notificação a que se refere a alínea Y. dos factos provados, respeitasse apenas àquele processo judicial e que “no contexto em que surge e com o teor que apresenta [aquela notificação], em tudo levava a crer que o IGCP estava autorizado pelo Tribunal de Viseu a permitir ao aforrista titular o levantamento de todos os Certificados de Aforro, à exceção da quantia de EUR 6.587,88”. Funda-se, para tal no depoimento das testemunhas CC e DD.

De harmonia, sustenta a recorrente que deve alterar-se a redacção da alínea Y., dela retirando o trecho “no âmbito do referido processo 89/02...., Instância Local Secção Criminal – Juiz 2”.

Defende, ainda, que a factualidade ínsita na alínea II. deve ser dada como não provada, pois, como resulta da troca de comunicações entre o IGCP e o Tribunal de Viseu – cf., em especial, as alíneas T., U., W., X. e Y. –, a ré apenas desbloqueou a conta aforro na sequência e em conformidade com a notificação judicial indicada na alínea Y.

Contrapõe a recorrida que a recorrente olvida que, nos arts. 18.º, 32.º e 33.º da contestação, confessou ter conhecimento do Tribunal, Juízo e número de processo respeitantes ao arrolamento dos certificados de aforro em discussão nos presentes autos e, por conseguinte, imobilizados à ordem de tal processo. Deste modo, não tendo sido impugnado tal facto (conhecimento do Tribunal, Juízo e número de processo) ou invocado qualquer desconhecimento sobre o mesmo deve considerar-se admitido por acordo nos termos do art. 574.º, n.º 2, do CPC. Ademais, inexiste justificação para a pretendida impugnação dos factos Y. e II. atendendo, também, à matéria de facto provada sob as alíneas W. e X. Por seu turno, a recorrente funda-se, ainda, no depoimento das testemunhas EE e DD.

Apreciando.

O tribunal a quo fundamentou as respostas às alíneas Y e II, nos seguintes termos:

“(…) As actuações do ex-marido da Autora e da Ré, dadas como provada em HH e II, constituem decorrência lógica da materialidade que ficou provada, reveladora de que, no momento em que os certificados de aforro foram resgatados, a respectiva conta ainda se encontrava imobilizada à ordem de um processo judicial, de natureza cível, devidamente identificado junto da Ré como processo n.º 438/A/2001, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, do qual a Ré tinha conhecimento (cf. factos G, H, S e X ), tendo ficado devidamente esclarecido que no âmbito desse processo nunca foi emitida qualquer decisão/comunicação que permitisse à Ré considerar revogada a referida ordem de imobilização, nada justificando que a mesma se pudesse confundir com a comunicação efectuada no âmbito de um processo criminal, com um número diferente (89/02....), sobretudo, quando este processo criminal lhe está a solicitar, no dia 16.02.2016, que identifique o processo à ordem do qual se encontra bloqueada a conta aforro do executado (…) bem como os montantes disponíveis na mesma (no que se depreende, como decorrência lógica, que esse bloqueio não tinha ocorrido no âmbito desse processo criminal), tendo a Ré respondido, no dia 24.02.2016, tratar-se da conta aforro “imobilizada à ordem do Processo n.º 438-A/2001, na totalidade”, resultando, no nosso juízo, apreensível para a Ré, entidade  equiparada a uma instituição de crédito e, como tal, habituada a receber sucessivas ordens de penhora (e subsequentes levantamentos em vários processos judiciais distintos), que, quando no âmbito do processo  n.º 89/02...., da Instância Local Secção Criminal – Juiz 2, se responde à Ré que o valor que excede os € 6.587,88 poderá ser levantado livremente pelo aforrista titular, essa possibilidade de levantamento se restringe aquele processo, impondo-se assegurar que no âmbito do processo n.º 438-A/2001, que a Ré sabia correr termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, esse levantamento também já era permitido, o que não foi feito.

O depoimento de DD permitiu perceber que a Ré, quando deu a ordem de desbloqueio, de modo verbal, não se preocupou em confrontar os tribunais e os números de processos à ordem do qual tinha sido feita a imobilização e onde se declarava que se pretendia a apenas a penhora de  €6.587,88, revelando que os vários números de processos lhes criou confusão, pelo que achavam que estavam a lidar sempre com o mesmo tribunal – o Tribunal da Comarca de Viseu – concluindo, quando instada, que o nosso pecado foi terem assumido que não era necessário ouvirem um jurista para tomarem a decisão que tomaram.

Por outro lado, a audição de EE, oficial de justiça que subscreveu os ofícios descritos em T e em Y, enfatizou que, na qualidade de agente de execução, a ordem de penhora e de levantamento se destinava a produzir efeitos no seu processo, o que significava que nele interessava concretizar a penhora de €6.587,88 e que o saldo remanescente, se o houvesse, poderia ser levantado livremente pelo executado, naturalmente, se não existissem outras ordens de bloqueio, no âmbito de outros processos.”.

Como se passa a demonstrar, é ostensiva a falta de razão da recorrente o que decorre, com clarividência, quer da posição que a mesma assumiu na contestação, quer da leitura da documentação inserta no processo, quer da audição integral da prova indicada pela recorrente e pela recorrida.

Com efeito, lendo a própria contestação da ré, mormente o teor dos arts. 18.º, 32.º e 33.º dessa peça processual, é inequívoco que a ré manifesta ter perfeito conhecimento do Tribunal, Juízo e número de processo onde foram arrolados os certificados de aforro que se debatem neste processo e que os mesmos estavam imobilizados à ordem do Proc. n.º 438-A/2001, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.

Acresce que o teor da alínea Y) tem de ser concatenado com o teor da alínea U) e com os documentos n.ºs 9 e 12 juntos à contestação, que os alicerçaram:

Assim, o documento n.º 9[2] consubstancia um ofício da ré, com o n.º 1590/2016, N. Ent.ª 2934, datado de 01-02-2016, subscrito pelo coordenador da área de clientes, CC, intitulado “Informação sobre imobilizado da conta de aforro” [em resposta ao ofício da Instância Local Criminal de Viseu – J2, de 22-01-2016, relativo ao Processo n.º 89/02...., sob o assunto “Penhora de direitos incorporados em títulos de crédito”, com a ref.ª 76181453, com data de 22-01-2016 e recebido pela ré em 26-01-2016 (alínea T)], do qual consta: “No seguimento do vosso ofício acima referenciado e com base nos dados que nos facultam informamos que a conta de aforro, conforme extrato anexo, encontra-se bloqueada à ordem do Tribunal Judicial de Viseu desde 26/10/2001. / Face ao conteúdo do ofício ref.ª 76181453, agora recebido, vimos solicitar informação se sobre o valor que excede os 6.587,988 €, se o mesmo poderá ser levantado livremente pelo aforrista titular (…).”

Nessa senda, surge o documento n.º 12[3] que consubstancia um ofício/notificação da Instância Local Criminal de Viseu – J2, de 14-03-2016, relativo ao Processo n.º 89/02...., sob o assunto “Informação – V/Of. 1590/2016, N.º Ent.ª 2934”, com a ref.ª 76670884, com data de 14-03-2016, com o seguinte conteúdo: “Em resposta ao solicitado no v/ofício informa-se V. Exa. de que o valor que excede os € 6 587,88, poderá ser levantado livremente pelo aforrista titular”.

Adicionalmente, o Tribunal procedeu, nesta sede, à audição integral dos depoimentos das testemunhas indicadas quer pela recorrente, quer pela recorrida, a saber: EE, oficial de justiça em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu desde 2015 – que prestou depoimento na sessão de 06-12-2023, a partir das 11h46m29s, tendo deposto ao longo de, sensivelmente, 14 minutos –, CC, economista, funcionário do IGCP há 25 anos, coordenador da área de clientes – que prestou depoimento na sessão de 06-12-2023, a partir das 14h23m03s, tendo deposto ao longo de, sensivelmente, 1 hora, 17 minutos e 15 segundos – e DD, bancária, funcionária da ré há 25 anos – que prestou depoimento na sessão de 06-12-2023, a partir das 15h40m35s, tendo deposto ao longo de, sensivelmente, 37 minutos e 32 segundos.

Começando pelo depoimento de CC – que não tinha em seu poder, no decurso do testemunho, qualquer documentação relativa ao caso – o mesmo explicou que nunca falou com a autora, nem como o ex-marido (aforrista), recordando-se que o IGCP recebeu uma ordem judicial de arrolamento, do Tribunal de Viseu, em 2001, tendo imobilizado a conta de aforro de BB. Detalhou que houve várias interacções com o aforrista entre 2001 e 2016 e que o IGCP comunicou sempre ao aforrista que não podia resgatar os certificados. Depois, no ano de 2016, o IGCP recebeu nova ordem judicial, agora para penhora de € 6500, e o IGCP tentou indagar se podia “libertar” o restante montante imobilizado da conta de aforro. Depois da resposta do tribunal o IGCP permitiu que o aforrista resgatasse os certificados, o que ocorreu entre Junho e Julho de 2016. A testemunha qualificou a conduta do IGCP de correcta junto do Tribunal de Viseu. Referiu que em 2001, aquando do arrolamento, segundo se recordava, o valor dos certificados de aforro rondava os € 70 000. Confrontado com o doc. n.º 8 junto à contestação (notificação da penhora, no âmbito do Proc. n.º 89/02...., da Instância Local da Secção Criminal de Viseu – J2  / Execução Comum, com data de 22-01-2016), reconheceu que as notas aí manuscritas foram da sua lavra. Procurou explicitar o procedimento habitual do IGCP perante notificações judiciais em situações similares e considerou que os procedimentos foram cumpridos, tendo-se pronunciado sobre os documentos n.ºs 9, 10, 11 e 12, reconhecendo que, nessa sequência, foi feito o desbloqueio da conta de aforro, a qual passou do estado de “imobilizada” para “normal”, na sequência do que se registaram os vários resgastes do aforrista. Sabia, também, que a autora contactou o IGCP em 2019, enfatizando que a conta de aforro só tinha como titular BB, sendo a autora movimentadora, não dando o IGCP informações a movimentadores.

Acabou por aceitar que houve várias exposições da autora ao IGCP e admitir ter conhecimento de que a autora tinha direito a uma parte dos certificados por existir uma sentença judicial nesse sentido. A testemunha confirmou, subsequentemente, que o que é imobilizado não é a conta de aforro mas cada uma das subscrições de certificados, os quais capitalizam de 3 em 3 meses. Acabou por corroborar ter conhecimento de que o arrolamento feito em 2001 correspondia ao Proc. n.º 438-A/2001 e revelou compreender perfeitamente que um processo de arrolamento é diferente de um processo de penhora, embora, nas suas palavras, o IGCP trate os processos judiciais, em termos operacionais, da mesma maneira. A testemunha demonstrou saber, igualmente, que o arrolamento era à ordem do Proc. n.º 438-A/2001 e a notificação da penhora recebida era do Proc. n.º 89/02...., mas pretendeu justificar a conduta do IGCP, no que concerne ao pedido de informação, pelo facto de ambos os processos serem do mesmo Tribunal, ou seja, ambos os processos eram do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, pese embora soubesse perfeitamente que para uma mesma conta de aforro possa existir mais do que uma ordem judicial de apreensão.

Quando perguntado directamente sobre se foi pedida pelo IGCP alguma informação ao Proc. n.º 438-A/2001, referiu, apenas, que “pediram informação ao Tribunal”, admitindo expressamente que o IGCP só dirigiu o pedido de informação ao Proc. n.º 89/02...., e confirmando categoricamente que nunca houve qualquer pedido de informação ou esclarecimento ao Proc. n.º 438-A/2001, pendente no 2.º Juízo Cível  (referente ao processo de arrolamento). Depois de aludir às “boas práticas do IGCP” admitiu ser óbvio que “houve um erro” que, na sua óptica “foi motivado pelo tribunal” e que permitiu ao aforrista resgatar certificados que não podia levantar, sendo certo que reiterou sempre que o IGCP agiu, apenas e tão só, com base na informação recebida do Proc. n.º 89/02.....

DD foi a funcionária do IGCP que operacionalizou o levantamento da imobilização dos certificados, realizando a operação de desbloqueio. Explicou que em 2001 o Tribunal de Viseu pediu a imobilização da conta aforro, no âmbito do Proc. n.º 438-A/2001, e que o aforrista foi insistindo ao longo do tempo para ter acesso à carteira e aos extractos da sua conta. Confrontada com a situação do Proc. n.º 89/02...., admitiu que pode ter havido um lapso da parte do IGCP com o número do processo face à reorganização dos tribunais e que internamente se tenha pensado que se tratava do mesmo processo. Admitiu que até 2020 ninguém do IGCP colocou a questão ao departamento jurídico e que só então é que se verificou que os processos eram de dois Juízos diferentes do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu. Asseverou que em 2016, aquando do recebimento da notificação atinente ao Proc. n.º 89/02...., não houve qualquer contacto com o departamento jurídico do IGCP, porque se considerou não haver necessidade, reconhecendo, todavia, que os funcionários do IGCP que lidam com os processos judiciais embora tenham experiência operacional, não têm experiência jurídica. A testemunha reconheceu que houve uma má interpretação dos factos por parte do IGCP. Ou seja, a funcionária do IGCP assumiu que existiu uma falha de actuação uma vez que, não obstante pudessem existir dúvidas na situação e apesar de existir um jurista a trabalhar no IGCP, não lhe foi colocada qualquer questão sobre o teor da notificação do Proc. n.º 89/02...., e, consequentemente, sobre a viabilidade do desbloqueio dos certificados de aforro que se encontravam arrolados à ordem do Proc. n.º 438-A/2001, pendente no 2.º Juízo Cível  .

Por fim, EE, oficial de justiça que exerceu funções no Juízo Local Criminal de Viseu, reconheceu os docs. n.ºs 8 e 12 juntos com a contestação, afirmando, peremptoriamente, que esses ofícios só aludem ao Proc. n.º 89/02...., e ao valor aí penhorado (execução apensa a processo crime), explicando que a informação prestada só se referia àquele processo, não se reportando a qualquer outro processo, designadamente ao do arrolamento. A testemunha e signatária daquelas notificações explicitou que não podia dar ordem de desbloqueio no âmbito de um processo de arrolamento, uma vez que não existe qualquer “informação cruzada” entre ambos os processos, sendo que tal desbloqueio só poderia ocorrer neste processo e que a notificação datada de 16-03-2016 apenas respeitava ao Proc. n.º 89/02...., relativo a uma execução comum, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Secção Criminal – Juiz 2, e não ao processo de arrolamento com o n.º 438-A/2001.

Dos documentos referidos em conjugação com os testemunhos analisados decorre com meridiana clareza que a notificação de 16-03-2016, da Instância Local Criminal de Viseu – Juiz 2, no âmbito do Proc. n.º 89/02...., apenas se referia ao mesmo, e  não se pode retirar, como pretende a ré, que incluísse o Proc. n.º 438-A/2001, em que havia sido ordenado o arrolamento das quantias tituladas pelos certificados de aforro, sendo certo que os processos em apreço não tinham qualquer ligação entre si.

Ou seja, no momento em que os certificados de aforro foram resgatados, a respectiva conta aforro ainda se encontrava imobilizada à ordem do processo judicial, de natureza cível, correspondente ao Proc. n.º 438-A/2001, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, não podendo a ré deixar de ter conhecimento dessa factualidade – cf., em especial, alíneas G), H), e X).

Deste modo mantém-se a redacção das alíneas Y) e II).

b) Da alínea NN).

Na redacção da alínea NN ficou exarado:

“O comportamento da ré, permitindo o resgate dos certificados de aforro na sua totalidade por parte de BB, causou à autora sofrimento, desgaste emocional e ansiedade (95.º PI)”.

A recorrente considera que aquele facto não está provado e que a redacção da alínea NN deve ser alterada do seguinte modo: “O comportamento de BB, ao proceder ao resgate da totalidade dos certificados de aforro, causou à Autora sofrimento, desgaste emocional e ansiedade”.

Alega, para tal, que ficou provado na alínea V) que até receber a notificação do Tribunal a ré manteve instruções internas expressas para que a conta se mantivesse imobilizada, como explicou a testemunha CC, tendo ficado demonstrado que a ré agiu em conformidade com as informações que lhe foram transmitidas pelo Tribunal de Viseu em 16-03-2016, invocando, ainda, a matéria vertida na Alínea Z).

A recorrente, considera, também, que a alínea NN) está em contradição com as alíneas R) GG) e HH), das quais resulta que não foi a conduta da ré, ao desbloquear a conta aforro, que causou os putativos danos à Autora, mas, sim, a conduta do ex-marido da autora, ao ter procedido ao resgate da totalidade dos Certificados de Aforro apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam integralmente e se mantinham arrolados.

Assim, mesmo que a ré tenha desbloqueado a conta aforro, se o ex-marido da autora não tivesse procedido ao resgate da totalidade dos Certificados de Aforro, em particular ao montante que estava arrolado e que veio a ser atribuído à autora no processo de inventário e partilha, esta não teria sofrido qualquer dano, seja moral, seja patrimonial.

Apreciando.

No que tange aos depoimentos de CC e DD dão-se por reproduzidas as considerações já antes feitas, sendo certo que, contrariamente ao pugnado pela recorrente, não se retira desses testemunhos qualquer contributo útil para a resposta ao facto constante da alínea NN), sendo despicienda a referência ao facto de o comportamento da ré, no sentido de ter permitido o resgate dos certificados de aforro pelo ex-marido da autora, ter sido induzido pelo próprio por ter contribuído para criar no IGCP a convicção de que esta podia desbloquear a conta aforro e permitir o levantamento dos Certificados de Aforro.

Com efeito, e salvo o devido respeito, não faz sentido o alegado pela recorrente, uma vez que as quantias constantes dos certificados apenas foram levantadas pelo ex-marido da recorrida em virtude do comportamento da própria ré/recorrente que permitiu o desbloqueio da conta aforro, sem que tenha existido qualquer despacho proferido no âmbito do Proc. n.º 438-A/2001, pendente no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, à ordem do qual se encontravam arrolados e imobilizados os certificados de aforro, tendo sido a ré/recorrente a permitir que ocorresse o resgate dos certificados de aforro.

Evidentemente se a ré/recorrente mantivesse o arrolamento ordenado pelo 2.º Juízo Cível Tribunal de Viseu, a situação não se teria registado, tendo sido o facto praticado pela ré/recorrente, na senda da notificação no âmbito do Proc. n.º 89/02...., da Instância Local Criminal de Viseu – Juiz 2  a desencadear e provocar os danos sofridos pela recorrida.

De resto os sentimentos vivenciados pela autora de “sofrimento, desgaste emocional e ansiedade” quando foi informada que os certificados de aforro tinham sido resgatados, como bem assinalado na sentença recorrida são decorrência das regras da normalidade e da experiência comum que ditam os acontecimentos, tendo sido plenamente justificados e encontrando respaldo – à semelhança dos factos constantes das alíneas OO), PP), QQ), RR) e SS) – nas declarações de parte da autora e nos depoimentos testemunhais de II e JJ, que corroboraram que  a autora deixou de dormir e ficou ansiosa e incrédula com o que lhe estava a acontecer, dado tratar-se de uma pessoa com dificuldades financeiras para quem a quantia pecuniária era muito importante.

Nesta parte, e por não ter sido impugnada tal matéria, socorremo-nos, aliás, da fundamentação do tribunal a quo, que se afigura bastante completa:

- A autora relatou, de modo sincero e sofrido, que quando tentou levantar a quantia que lhe tinha cabido na partilha e percebeu que a conta estava saldada pensava que se tratava de um engano, passou muitas noites sem dormir, muito angustiada e ansiosa, sem conseguir trabalhar, porque se sentiu defraudada com os CTT e com o Tribunal, muito mal¸ dado que nem para pagar os emolumentos que lhe estavam a ser pedidos pela ré tinha capacidade imediata, asseverando que estava a contar com os valores que lhe foram adjudicados para pagar contas que tinha pendentes.

- II, sobrinha da autora, relatou, com espontaneidade e simplicidade, tê-la visto a chorar e desesperada quando percebeu que o dinheiro dos certificados de aforro tinha desaparecido, sendo igualmente conhecedora das suas dificuldades económicas, reveladas no facto de ter pedido várias vezes dinheiro emprestado à irmã, mãe da testemunha.

-  JJ, irmã da autora, revelou que a mesma chegou a sua casa a chorar no dia em que soube que a conta dos certificados de aforro estava a zero e afirmou ter-lhe emprestado dinheiro para pagar uma dívida à segurança social que, entretanto, a mesma saldou, esclarecendo que esse empréstimo ocorreu antes de a sua irmã saber que os certificados de aforro tinham sido saldados.

De harmonia com todo o exposto, mantém-se a redacção da alínea NN).

c) Das alíneas GG), HH) e OO).

A redacção destas alíneas é a seguinte:

GG. BB resgatou todos os certificados correspondentes à verba nº 78 da relação de bens, no valor global de 73.175,10 Euros, por várias vezes e no período compreendido entre 13/06/2016 a 15/07/2016 (39.º PI)”.

HH. O ex-marido da autora apropriou-se de todas as quantias depositadas nessa conta sabendo que o não podia fazer pois que tais quantias se encontravam imobilizadas/arroladas no âmbito do processo de arrolamento supra mencionado (41.º e 42.º PI)”.

OO.  A Autora sempre se convenceu que existindo uma ordem expressa do Tribunal, arrolando os certificados de aforro da conta n.º ...86, e a imobilização pela ré dos mesmos, em consequência de tal decisão, não viria a ter qualquer problema caso lhe viessem a ser adjudicados pelo Tribunal, no processo de inventário (96.º PI)”.

A recorrente defende que as alíneas GG), HH) e OO) não correspondem à factualidade provada nas partes em que referem que foram arrolados “os certificados de aforro da conta n.º ...86” e que era a estes certificados que correspondia a verba 78 da relação de bens comuns do ex-casal formado pela aqui Autora e BB, uma vez que ficou demonstrado que o que foi objecto de arrolamento foram as quantias a que esses Certificados de Aforro correspondiam na data em que foi decretado o arrolamento, fundando-se nos factos constantes das alíneas E), AA) e BB), e no depoimento da testemunha CC, que teria deposto no sentido de que apenas foram arroladas as quantias existentes na conta aforro na data em que foi decretado o arrolamento e não as quantias que sobrevieram nessa conta em data posterior

Em consonância sustenta que a redacção das alíneas GG), HH) e OO) deve ser alterada para que delas passe a constar de forma clara que o que foi objecto do arrolamento e correspondia à verba 78 da relação de bens comuns do ex-casal não eram os certificados de Aforro, mas as quantias a que estes correspondiam na data do decretamento do arrolamento, a 23-05-2001, que ascendiam a € 45 820,45 (à data, 9 186 176$00).

Apreciando.

No que tange ao depoimento de CC, dando por reproduzidas as considerações supra indicadas, é de enfatizar que o mesmo confirmou, na parte final do seu testemunho, que o que é imobilizado não é a conta de aforro mas cada uma das subscrições de certificados, os quais capitalizam de 3 em 3 meses.

Por sua vez, nas alíneas E), AA) e BB), exarou-se:

“E. Como preliminar dessa ação de divórcio, a autora instaurou procedimento cautelar de arrolamento de bens, nomeadamente das quantias depositadas em certificados de aforro, em nome do seu então marido, da conta aforrista nº ...86, o qual foi decretado em 23 de Maio de 2001, ficando a Ré depositária desses valores, nos termos do n.º 2 do artigo 426.º do CPC, tendo sido atribuído a tal processo o nº 315/2001, do extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu (8.º PI e doc. 8 da petição inicial)”.

“AA. Na verba 78, da relação de bens comuns do ex-casal, apresentada nos referidos autos de inventário/partilha de bens em casos especiais, consta o relacionamento de: “A quantia de 9 186 176$00, isto é, 45 820,45 Euros referentes a certificados de aforro com esse valor, à data de 11/06/2001, composto pelos certificados de aforro nºs ...00; ...17; ...60; ...05; ...13; ...35; ...52; ...10; ...47; ...21; ...89; ...43; ...40; ...37; ...92; ...06; ...68, a fls. 153 e 154 do processo de arrolamento nº 438-A/2001 - 45 820,45 Euros” (18.º PI)”

“BB. Tal verba, de acordo com o mapa de partilha foi adjudicada da seguinte forma:

- “À interessada GG “… verba nº 78 (setenta e oito) …… 19.262,29.

Do montante desta verba 78 sairá quantia de 1 445,47 € correspondente a metade do passivo da divida B e divida C de que a interessada AA é credora, pelo que receberá desta verba o montante de .17 816,82”

 “À interessada AA “… Verba 78 (setenta a oito) - 25 112,69. Do montante desta verba 78 sairá a quantia de 1 445,47€ correspondente a metade do passivo da dívida B e dívida C de que é credora, pelo que receberá desta verba o montante de 26 558,16” (21.º PI).”

O Certificado de Aforro é um título de dívida pública emitido pelo Estado Português.

Por outro lado, a subscrição de certificados de aforro durante o período em que a autora esteve casada com BB, emerge do extracto da conta aforro n.º ...86, junto como doc. n.º  15 da petição inicial, registando 17 aquisições ocorridas entre 18-11-1987 e 24-10-1995, de CAF/Série B, correspondentes aos certificados descritos como verba n.º 78 da relação de bens, conforme consta da alínea AA), os quais foram sujeitos a arrolamento no Proc. n.º 438-A/2001 (cf. certidão judicial que constitui o doc. n.º 3 da petição inicial), não tendo a ré contestado a natureza desses títulos e a respectiva obrigação (legal) de reembolso.

Mostra-se, também, certificado judicialmente que no processo de inventário/partilha de bens em casos especiais, foi relacionado como bem comum do casal a verba n.º 78, assim descrita “A quantia de 9 186 176$00, isto é, 45 820,45 Euros referentes a certificados de aforro com esse valor, à data de 11/06/2001, composto pelos certificados de aforro nºs ...00; ...17; ...60; ...05; ...13; ...35; ...52; ...10; ...47; ...21; ...89; ...43; ...40; ...37; ...92; ...06; ...68, a fls. 153 e 154 do processo de arrolamento nº 438-A/2001 - 45 820,45 Euros”¸ verba essa que foi partilhada e adjudicada, na parte que aqui releva, à autora, no montante de € 26 558,16.

Deste modo, não faz sentido a alegação da ré/recorrente de que o que foi arrolado foi (só) a quantia representada pelos certificados na data do arrolamento e não os próprios certificados sendo evidente que o arrolamento decretado abrangia os certificados em si, ou seja, as unidades de participação, cujo valor monetário é variável.

Aliás, a própria ré/recorrente alega ao longo da sua contestação, o seguinte: (i) no art. 24.º: “(…) a ré, em cumprimento da supra referida ordem judicial e atuando com a diligência que lhe é exigível, informou o Sr. BB que os certificados de aforro existente na conta de aforro n.º ...86 se mantinham arrolados (…)”; no art. 25.º: “(…) entre 30.12.2009 e 28.12.2015 o Sr. BB fez diversas insistências junto da Ré no sentido de proceder ao levantamento dos Certificados de Aforro, solicitações essas a que a Ré respondeu sempre negativamente, em virtude de os Certificados de Aforro se encontrarem arrolados (…)”; e no art. 26.º: “(…) apesar de o Sr. BB conhecer perfeitamente o conteúdo e alcance do arrolamento em causa e em concreto que o mesmo se traduzia na imobilização dos Certificados de Aforro(sublinhados nossos).

Isto é, é a própria ré/recorrente quem admite que nas várias trocas de comunicações com o ex-marido da autora/recorrida sempre respondeu negativamente às insistências deste no sentido de proceder ao levantamento dos certificados de aforro em virtude de estes (certificados) se encontrarem arrolados.

Deste modo, tendo a própria ré/recorrente admitido ter conhecimento directo que os certificados de aforro se encontravam arrolados, mantém-se a redacção das alíneas GG), HH), e OO).

Nestes termos, improcede na íntegra a impugnação da matéria de facto.
· Erros de julgamento.

(ii) A ré/recorrente veio alegar, outrossim, que o tribunal a quo cometeu os seguintes erros de julgamento.

(a) Inexistência de responsabilidade civil da ré perante a autora, por impossibilidade de estabelecer, designadamente, os requisitos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e o dano (conclusões T a AA);

(b) Subsidiariamente, ainda que existisse responsabilidade da ré, redução do valor dos danos patrimoniais determinado pelo Tribunal a quo (conclusão BB);

(c)  Também a título subsidiário, ainda que existisse responsabilidade da ré, esta não podia ter sido condenada a indemnizar a autora por putativos danos não patrimoniais ou, caso assim não se entenda, esse montante indemnizatório deve ser inferior a € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) (conclusões CC a FF).

Passemos, então, a analisar estas questões.

(a) Os certificados de aforro consistem num instrumento financeiro, instituído pelo art. 14.º do DL n.º 43453, de 30-12-1960, integrando, nos termos desse preceito, “títulos da dívida pública nominativos e amortizáveis (…) destinados a conceder uma aplicação remuneradora aos pequenos capitais” – cf., também, o art. 15.º, al. g), do citado diploma.  

Este produto de poupança foi regulado inicialmente pelo Decreto n.º 43454, de 30-12-1960, cujo art. 10.º estatuía “Os certificados de aforro criados pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 43453, desta data, serão nominativos, amortizáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a favor de pessoas singulares”.

O actual regime jurídico dos certificados de aforro consta do DL n.º 122/2002, de 04-05, entretanto alterado pelo DL n.º 47/2008, de 13-03, e DL n.º 79/2024, de 30-10 – sem prejuízo da aplicação dos anteriores diplomas quanto à normação específica das séries de certificados ao abrigo dos quais elas foram emitidas.

No caso apreciado, durante o período em que foram casados, a autora e o seu então marido, BB, subscreveram certificados de aforro da “Série B”, os quais ficaram afectos à conta aforro com o n.º ...86, figurando aquele como titular e a autora como autorizada para movimentação

A denominada “Série B” foi autorizada pelo DL n.º 172-B/86, de 30-06, e a sua subscrição foi terminada/fechada pela Portaria n.º 73-A/2008, de 23-01, que procedeu à criação de uma nova série, denominada “Série C”, com as características constantes de ficha técnica anexa àquela Portaria, entretanto alterada pela Portaria n.º 230-A/2009, de 27-02.

A noção e características essenciais destes instrumentos financeiros, que consubstanciam uma das formas que pode assumir a dívida pública directa do Estado – cf. art. 11.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 7/98, de 03-02 (que regula o regime geral de emissão e gestão da dívida pública directa do Estado) –, constam, presentemente, do art. 2.º do DL n.º 122/2002, que mantém a noção e as características essenciais que já constavam dos diplomas que o precederam – Decreto n.º 43454 e DL n.º 172-B/86: “1. Os certificados de aforro são valores escriturais nominativos, reembolsáveis, representativos de dívida da República Portuguesa, denominados em moeda com curso legal em Portugal e destinados à captação da poupança familiar. 2. Os certificados de aforro só podem ser subscritos a favor de pessoas singulares. 3. Os certificados de aforro só são transmissíveis por morte do titular”.

No exercício das atribuições que lhe estão conferidas pelos arts. 6.º e 7.º dos seus Estatutos, aprovados pelo DL n.º 200/2012, de 27-08, o IGCP, E.P.E., em conformidade com o disposto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 122/2002, estabelecerá por instruções, a publicar na 2.ª série do Diário da República, os procedimentos relativos à abertura e movimentação das contas de aforro.

Acompanhando Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, 4.ª edição (9.ª reimpressão), 2002, p. 99, os certificados de aforro configuram uma das formas tradicionais de empréstimos públicos, apresentando-se como “títulos vencíveis a médio prazo, destinados em princípio à captação de pequenas poupanças e fortemente pessoalizados”.

Definidas, em traços gerais, as características dos certificados de aforro, o que urge determinar é se a ré, com base na factualidade provada, pode ser responsabilizada civilmente perante a autora.

Como é sabido, distingue-se, dentro da responsabilidade civil, entre responsabilidade civil delitual ou extracontratual e responsabilidade obrigacional ou contratual: na primeira está em causa a violação de deveres genéricos de respeito, de normas gerais destinadas à protecção de outrem ou da prática de actos delituais específicos; já a responsabilidade contratual resulta do incumprimento das obrigações. A distinção entre estas duas categorias de responsabilidade encontra-se reflectida no Código Civil, que trata separadamente cada uma delas nos arts. 483.º e segs. e 798.º e segs., tendo contudo sujeitado a obrigação de indemnização delas resultante a um regime unitário - cf. arts. 562.º e segs.

A distinção assinalada e a opção por uma das referidas categorias de responsabilidade civil não é irrelevante, existindo importantes dissemelhanças entre os dois regimes, designadamente, no tocante ao ónus da prova do cumprimento da obrigação – cf. art. 799.º, n.º 1 –, e aos prazos de prescrição – cf. arts. 309.º e 498.º, todos do Código Civil.

Nas palavras de Menezes Leitão: “A diferença (…) entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional é que, enquanto a responsabilidade delitual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que aparecem assim desligados de qualquer relação inter-subjectiva previamente existente entre lesante e lesado, a responsabilidade obrigacional pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito às prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica” – cf. Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª edição, 2005, p. 270.

E prossegue o citado autor – op. cit., p. 329/330 –, reportando-se ao art. 798.º do Código Civil (“o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”), “[d]esta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, uma vez que também aqui se estabelece uma referência a um facto voluntário do devedor (“o devedor que”), cuja ilicitude resulta do não cumprimento da obrigação (“falta (…) ao cumprimento da obrigação”), exigindo-se da mesma forma a culpa (“culposamente”), o dano (“torna-se responsável pelos prejuízos”) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (“que causa ao credor”)”, sendo certo, outrossim, que “[p]or outro lado, parece-nos que no art. 798.º existe igualmente uma clara distinção entre a ilicitude (o incumprimento da obrigação) e a culpa (a censurabilidade ao devedor desse incumprimento), a qual não é diferente da contraposição entre a violação do direito subjectivo e a culpa no art. 483.º”.

O art. 483.º do Código Civil, que contém o princípio geral na área da responsabilidade civil, prescreve que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Reduzindo todos estes requisitos à terminologia corrente na doutrina, dir-se-á que a responsabilidade pressupõe, nesta zona: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante (culpa); d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade é necessário que o agente tenha actuado com culpa, no sentido de que a sua conduta seja merecedora de reprovação ou censura do direito, o que sucederá quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo: a ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, visando sobretudo o lado subjectivo do facto jurídico. Por último é mister que o dano se apresente como uma consequência necessária do facto ilícito praticado; que o primeiro surja como consequência deste último.

A culpa lato sensu é susceptível de abranger o dolo, e a culpa stricto sensu ou mera negligência que se traduz, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes consciente e inconsciente. No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua inverificação; no segundo, o agente, embora o pudesse ou devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.

Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, perante as circunstâncias de cada caso – art. 487.º, n.º 2: o critério legal de apreciação da culpa tem em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do evento em causa, por referência a uma pessoa normal.

Pela conjugação dos arts. 799.º, n.º 2, e 487.º, n.º 2, do Código Civil, resulta que a bitola veiculada pela lei é a do bom pai de família (bonus pater familiae), ou seja, a diligência que uma pessoa normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto; naturalmente que quanto maior for o valor do bem que a conduta visa produzir ou salvaguardar, mais forte será o imperativo de cautela que recai sobre o devedor: se só uma pessoa particularmente displicente teria tal conduta, estamos perante a categoria da culpa grave ou negligência grosseira.

Dos estatutos do IGCP, E.P.E., decorre que lhe compete, entre outras atribuições previstas no art. 7.º do DL n.º 200/2012, de 27-08, “prestar serviços bancários aos serviços, organismos e entidades sujeitos ao princípio da unidade da tesouraria do Estado”, concretizando o art. 12.º, al. j), que compete ao conselho de administração do IGCP, E.P.E.: “Estabelecer os montantes a cobrar aos interessados pela prestação de serviços conexos com a emissão, subscrição, transmissão e reembolso de valores representativos de dívida pública, bem como pela prestação de serviços bancários”.

Em consonância, o IGCP, E.P.E., ao exercer a sua actividade no âmbito do pedido de resgate dos certificados de aforro, através da qual o IGCP permite a entrega ao titular nominativo de certificados de aforro o valor em dinheiro correspondente aos certificados por ele adquiridos em determinada data, com os juros entretanto vencidos, o réu desenvolve uma actividade que, nesta parte, apresenta similitudes com a exercida pelos serviços de qualquer Banco, constituindo uma prestação de serviços bancários, sendo-lhe aplicáveis os princípios que regem a segurança e a prudência bancárias, como já decorria, aliás, do DL n.º 273/2007, de 30-07 (cf. arts. 5.º, n.º 1, al. g) e 11.º, al. i)).

No âmbito do depósito bancário é extensa a doutrina e a jurisprudência que entende que o banco depositário é responsável pelo pagamento indevido de qualquer quantia que tenha à sua guarda, desde que aja com culpa, cabendo-lhe elidir a presunção do disposto no art. 799.º, n.º 1 do Código Civil. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-04-2012, Proc. n.º 376/2002.E1.S1, “a boa prática bancária prescreve que, na sua gestão interna, os Bancos façam uso das hodiernas e diversificadas ferramentas tecnológicas que a moderna sociedade põe ao seu dispor”.

Exige-se, assim, profissionalismo, idoneidade, competência, zelo e rigor aos empregados bancários no exercício da sua actividade, o que bem se compreende, quer para a preservação da boa imagem dos Bancos, quer para não defraudar a confiança e as expectativas legítimas dos seus clientes, porquanto a frustração dessa confiança geraria insegurança e colocaria em causa todo o exercício da actividade bancária que assenta num modelo de exigência, de rigor e de seriedade.

Daí que os funcionários bancários devam actuar diligentemente, cumprir as normas internas e regulamentares sobre a movimentação de depósitos, levantamento de quantias em dinheiro, títulos, etc., e adoptarem um especial cuidado no exercício das suas funções, sendo imprescindível que nessa avaliação do grau de diligência devido pelo Banco, se pondere a natureza da actividade desenvolvida e o facto de ser exercida por entidades especialmente habilitadas para o efeito.

Simões Patrício, Direito do Crédito – introdução, 1994, p. 13, escreve: “A segurança é procurada pela clientela das instituições financeiras para as suas poupanças, os seus valores ou mesmo a sua fortuna. Pode tratar-se da segurança física de um cofre forte, ou da confiança psicológica ou solvabilidade da empresa depositária ou somente na honorabilidade e/ou competência dos seus gestores ou empregados, mas o que em todos os casos motiva quem se dirige ao banco é confiar-lhe, depositar nas suas mãos, dinheiro ou bens que deseja pôr a recato...”.

Por sua vez, analisando a “relação contratual bancária”, Almeno e Sá, Direito Bancário, 2008, pp. 19/10, tece as seguintes considerações: “Em primeiro lugar, o seu conteúdo essencial projecta-se num dever de prestação de serviços, com toda a densificação de sentido inerente a esta tradicional categoria jurídica. / Também … desta compreensão contratualista, derivada da relação contratual que se estabelece com o Banco, resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam. /Pode dizer-se que é com base nesta global dimensão contratual que se “mede” e se conforma o dever geral do banco de executar as diversas operações solicitadas pelo cliente ao longo do tempo, e mesmo os singulares negócios bancários acordados, os quais, a serem isoladamente considerados, poderiam eventualmente ter um “tratamento” jurídico menos favorável aos interesses deste último”.

Estes princípios encontram-se acolhidos, designadamente, nos arts. 73.° e 74.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12,  com as alterações introduzidas pelo DL n.º 1/2008, de 03-01 –, onde se prevê que “[a]s instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência” e que “[o]s administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”.

Deste modo, encontrando-se a actividade bancária e creditícia organizada profissionalmente, implicando a movimentação e a gestão de amplos recursos financeiros, a verificação do formalismo das operações bancárias, implica que o controlo de erros e lapsos cometidos pelos seus funcionários não possa ser descurado, constituindo tarefas da sua exclusiva responsabilidade, designadamente através da imposição de práticas rigorosas que atenuem os riscos inerentes à actividade exercida.

Estes princípios, como é bom de ver, são inteiramente válidos para o IGCP., E.P.E., na sua actividade de gestão das certeiras de clientes titulares de certificados de aforro, considerando o exercício de operações relacionadas, nomeadamente, com recebimentos, pagamentos em dinheiro e transferência de fundos ou outros valores escriturais nominativos e reembolsáveis.

Desta forma e no âmbito deste processo ter-se-á de sopesar, com especial enfâse, a responsabilidade do IGCP, densificando o critério geral do bom pai de família que deverá ser, in casu, o critério de um bom profissional da categoria e especialidade do devedor à data da prática do facto, tendo presentes os quadros da responsabilidade civil contratual e extracontratual geral.

Nesta medida, acompanhamos por correctas as seguintes considerações da sentença recorrida:

“A Autora e BB, durante o período em que foram casados, subscreveram certificados de aforro da Série B, os quais ficaram afectos à conta aforro com o nº ...86, figurando aquele como titular e a Autora como autorizada para movimentação.

O casamento em questão foi celebrado em ../../1977, sem convenção antenupcial, pelo que ficou sujeito ao regime de bens supletivo, ou seja, considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, integrando tais certificados de aforro a comunhão conjugal, de acordo com os artigos 1717.º e 1724.º, alínea b) ambos do CC.

Prova-se igualmente que a Autora instaurou, como preliminar da acção de divórcio que propôs contra BB, em 2001, um procedimento cautelar de arrolamento de bens, nomeadamente das quantias depositadas em certificados de aforro, da conta aforrista nº ...86, o qual foi decretado em 23 de Maio de 2001, tendo a Ré sido nomeada pelo tribunal como depositária dessas quantias, nos termos do artigo 426.º, n.º 2 do CPC (cf. facto E), tendo a mesma confirmado ter imobilizado a conta n.º ...86 desde o dia 11.06.2001, remetendo um extrato dessa mesma conta àquela data, de onde resultava o depósito de certificados de aforro no valor de 9.186.176$00, correspondentes a € 45.820,45.

No âmbito do CPC de 1961 o arrolamento estava previsto nos artigos 421.º a 427.º, estatuindo o artigo 424.º, n.º 5 que lhe eram aplicáveis as disposições relativas à penhora (à semelhança do que prescrevem os artigos 403.º a 409.º do CPC vigente), pelo que os poderes e deveres do depositário dos bens arrolados serão os mesmos do depositário dos bens penhorados.

Designado o depositário, as suas obrigações estavam concretizadas no artigo 843.º do CPC de 1961 (actualmente no artigo 760.º), incumbindo-lhe, de acordo com o n.º 1, além dos deveres gerais do depositário, (…) o dever de administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas.” (…).

“Regressando ao caso sub iudice prova-se que a Ré permitiu que fossem levantadas as quantias que estavam arroladas e imobilizadas à ordem de um determinado processo judicial (que a mesma sabia tratar-se do processo n.º 438-A/2001 do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, tal como assente em G. e X.), sem que essa ordem de desbloqueio/autorização lhe tivesse sido dada, assim se revelando a ilicitude do facto (violação de uma ordem emitida por um tribunal).

A Ré é uma pessoa colectiva de direito público, empresarial, equiparada por lei a uma instituição de crédito, pelo que, no desenvolvimento da sua actividade financeira profissional, deve actuar com diligência e zelo acrescidos, exigindo-se que analise a documentação que lhe é dirigida, com responsabilidade e sem ligeireza, o que, no vertente caso, não aconteceu. 

Tal como nos impõe o artigo 487.º, n.º 2 do CC a culpa deve apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Neste caso, a culpa da Ré deve ser apreciada com o cuidado que se impõe a quem opera no sector bancário, das instituições de crédito, ou seja, segundo o padrão profissional em que a mesma se inclui, no âmbito de uma organização complexa e que se exige tecnicamente habilitada.

Não existe, pois, no nosso juízo, qualquer justificação para que a Ré tenha, em primeiro lugar, auscultado o processo n.º 89/02...., a correr termos num tribunal criminal, quanto à possibilidade de ser levantada a ordem de imobilização dos certificados de aforro, ordem essa que tinha sido emitida no âmbito de outro processo,  a correr termos noutro tribunal, este de natureza cível, tendo, logo nesse momento, incorrido numa falha reveladora de impreparação e incúria, falha essa que resulta de uma instrução interna (cf. facto V), de onde se infere que a Ré encara o Tribunal Judicial de Viseu, como um órgão jurisdicional único, quando podia e devia estar ciente que uma ordem emitida no âmbito de um determinado processo, a correr termos num concreto tribunal, só pode ser levantada/revogada por decisão tomada por esse tribunal (sendo certo que a Ré teria, certamente, experiência anterior relativa a pedidos de penhoras sucessivas, realizadas no âmbito de processos distintos, estando ciente que uma ordem de levantamento de uma dessas penhoras, não poderia significar o levantamento das demais ordens de apreensão).

Depois, conforme se colhe do encadeamento fáctico descrito em T. a Z. a Ré é alertada para o facto da conta de certificados de aforro não estar bloqueada à ordem do processo n.º 89/02...., dado que, em 16.02.2016, este tribunal criminal, lhe pede que identifique o processo à ordem do qual se encontra bloqueada a conta aforro do ali executado, bem como os montantes disponíveis na mesma, ao que a Ré responde tratar-se da conta aforro “imobilizada à ordem do Processo n.º 438-A/2001, na totalidade”, pelo que, neste contexto, agiu de modo precipitado e negligente ao avaliar que, a resposta dada em 16-03-2016, no processo 89/02...., da Instância Local Secção Criminal – Juiz 2, no sentido de que o valor que excede os € 6587,88 poderá ser levantado livremente pelo aforrista titular”, seria extensível a qualquer outro processo que tivesse como interveniente o aforrista.

A ré não diligenciou por compatibilizar as informações de que dispunha e que lhe permitiria fazer uma análise correcta da situação, tendo autorizado a movimentação da conta de aforro de modo imprudente, podendo e devendo actuar de outro modo. (…) A conduta da ré merece, assim, a reprovação do direito (bastando a negligência ou a mera culpa), revelando-nos os factos que a mesma poderia e deveria ter agido de outro modo, assim evitando a verificação de danos.

Apurada a culpa do agente fica o mesmo obrigado a indemnizar o lesado, devendo o montante da indemnização corresponder ao prejuízo causado, exigindo-se, pois, a verificação de um dano (cfr. artigo 562.º do Código Civil).

A obrigação de indemnização supõe um nexo de causalidade entre o facto e o dano, expresso no artigo 563.º do CC.

O dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

Dispõe o artigo 564.º, n.º 1, do CC que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Como dá conta Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, XII, Contratos em Especial, 2.ª parte, Almedina, 2020, pág. 763-765] o dever de guarda do depositário, cuja diligência deve ser avaliada de acordo com o bom pai de família e é mais exigente nos depósitos profissionais remunerados, implica todas as atuações necessárias para que a restituição possa operar em boa e devida ordem, isto é, com a coisa íntegra. Tratando-se de uma coisa frutífera, os frutos devem ser restituídos [1187.º c]: logo, deve o depositário providenciar para que eles ocorram.”

Trata-se de uma avaliação certeira da factualidade, com a qual se concorda por inteiro, sendo, pois, de concluir pela existência de inequívoca responsabilidade civil da ré, por verificados os pressupostos legais enumerados no art. 483.º do Código Civil – facto ilícito, culpa, nexo de causalidade e dano.

Passemos, então, à questão da fixação do quantum indemnizatório, uma vez que recorrente discorda, quer do montante dos danos patrimoniais, quer do montante dos danos não patrimoniais fixados.

 No ordenamento jurídico português, o princípio geral que enforma o sistema indemnizatório é o da reparação natural do dano – as coisas atingidas pelo evento lesivo devem ser repostas com exactidão na situação anterior –, consagrado no art. 562.º do Código Civil: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” . Porém, de acordo com o n.º 1 do art. 566.º do Código Civil, “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

Emerge destes dispositivos legais que a obrigação de indemnizar se traduz numa reposição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (restituição natural), sendo que, nos casos dessa restituição não ser possível, ou ser insuficiente ou ser excessiva, a indemnização se concretizará, por sucedâneo, numa quantia monetária.

Nessa fixação rege o princípio da teoria da diferença – “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 2 do art. 566.º do Código Civil) – e, subsidiariamente, o recurso à equidade – “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do art. 566.º do Código Civil).

A data mais recente a que se refere o n.º 2, do art. 566.º do Código Civil é, nos termos do art. 611.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a correspondente “à situação existente no momento do encerramento da discussão”.

De entre as mais relevantes e variadas classificações do dano, distinguem-se, prima facie, os danos patrimoniais dos danos não patrimoniais:

A) Ao nível dos danos patrimoniais, a indemnização compreende não só o ressarcimento dos danos emergentes, vistos como os prejuízos causados nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, mas também a compensação pelos lucros cessantes, entendidos como os ganhos que se frustraram e os benefícios que o lesado deixou de auferir por causa da lesão – art. 564.º, n.º 1 do Código Civil. 

B) A indemnização por danos não patrimoniais fixa-se por recurso à equidade, com observância das circunstâncias especificadas no art. 496.º do Código Civil, não sendo tidos em conta os meros incómodos ou as contrariedades sofridas pelo lesado, devendo a indemnização mostrar-se adequada a contribuir para atenuar e minorar o sofrimento físico e psicológico em que tais danos se traduzem: para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.

Na situação sob recurso, itera-se, a autora/recorrida peticionou as seguintes indemnizações:

– A título de danos patrimoniais, a quantia de € 40 235,40 (quarenta mil duzentos e trinta e cinco euros e quarenta cêntimos) acrescida dos juros vencidos no montante de € 3082,14 (três mil e oitenta e dois euros e catorze cêntimos).

–  A título de danos não patrimoniais a quantia de € 10 000,00 (dez mil euros).

–  Os juros vincendos sobre essas quantias.

Vejamos.

In casu, à autora foi adjudicada a quantia de € 26 558,16, da verba n.º 78 da relação de bens, verba essa que descrevia os certificados de aforro alvo de arrolamento, à data da imobilização, no montante global de € 45 820,45, da qual a ré, IGCP, E.P.E., era depositária judicial.

Acresce que ficou igualmente provado que, na altura em que foram os certificados foram resgatados, com a devida autorização da ré, o valor global desses títulos de poupança (incorporando o capital inicial e os juros) ascendia a € 73 175,10, por força da remuneração que tiveram ao longo dos anos.

Naturalmente, o dano emergente sofrido pela autora corresponde ao valor da quantia adjudicada – i.e., € 26 558,16 –, acrescido dos respectivos frutos, os quais no seu caso correspondem ao valor peticionado de € 13 677,32, que corresponde a metade da valorização que sofreram, por força do regime de bens a que esse património esta vinculado.

Na verdade, contrariamente ao invocado pela ré na sua contestação, é ostensivo e manifesto que todos os valores constantes da referida conta de certificados de aforro estavam abrangidos pela ordem de arrolamento emitida em 2001, a qual se manteria vigente até à sua revogação/modificação judicial, razão pela qual, estando a IGCP, E.P.E., enquanto depositária daqueles certificados de aforro arrolados, obrigada a restituir o valor do capital investido e os seus frutos civis, correspondente a capitalização dos juros, não restam dúvidas de que existe o necessário nexo causal entre o comportamento ilícito e culposo da ré e o dano final infligido à autora, por ter sido impedida de receber a quantia total a que tinha legalmente direito.

Por conseguinte, a título de danos patrimoniais a ré está obrigada a indemnizar a autora na quantia peticionada de € 40 235,40 (quarenta mil duzentos e trinta e cinco euros e quarenta cêntimos) sendo certo, como é bem salientando pelo tribunal a quo, “que, embora a Ré actue com mera culpa, as demais circunstâncias do caso, nomeadamente a desproporcionalidade existente entre a situação económica dos interessados e a repercussão que os danos tiveram na situação patrimonial da Autora, segundo um julgamento de equidade, não justificam a fixação da indemnização em valor inferior ao dos danos causados – cf.  artigo 494.º do CC”.

Finalmente, ao valor indicado acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a interpelação extrajudicial da ré, ocorrida em 18-11-2019 – que corresponde à data em que a ré recebeu a carta de interpelação remetida pela mandatária da autora a pedir o pagamento do quantitativo supra indicado (cf. alínea JJ) dos factos provados) –, à taxa legal em vigor para os juros civis, até integral pagamento, de acordo com os artigos 805.º, n.ºs 1 e 3, a contrario, e 559.º ambos do CC.

A terminar, a ré/recorrente dissente, ainda, da indemnização fixado pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais que a autora alega ter sofrido em virtude do seu comportamento.

O art. 496.º, n.º 1, do Código Civil prescreve que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Acompanhando Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6.ª edição, 1.º Volume, p. 571, os danos não patrimoniais são “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.

Esses danos, repete-se, só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1 –, apurando-se essa gravidade caso a caso, em função da factualidade provada e seguindo um critério objectivo, de normalidade e bom senso prático.

Conforme resulta do n.º 4 do art. 496.º do Código Civil, o critério que deve nortear o cálculo do montante indemnizatório por danos não patrimoniais é a equidade, ou justiça do caso concreto, atendendo, em especial, ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – cf. art. 494.º.

Retomando a lição de Antunes Varela – op. cit., p. 600 – a gravidade dos danos não patrimoniais deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.”.

É hoje consensual o entendimento de que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas; tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. Está ultrapassada a época das indemnizações reduzidas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.

Nesta esteira, admitindo-se a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, ficou provado, no caso sub judice, que o comportamento do IGCP, E.P.E., ao permitir o resgate da carteira de certificados de aforro na sua totalidade, por parte do ex-marido BB da autora, causou-lhe sofrimento, desgaste emocional e ansiedade. Com efeito, a autora estava convencida que existindo uma ordem judicial de arrolamento dos certificados de aforro da conta n.º ...86, e tendo o IGCP imobilizado essa conta, jamais sofreria qualquer prejuízo, por ter confiado plenamente nas Instituições, razão pela qual, ao ser informada que a referida conta n.º ...86 se encontrava saldada – na senda do resgate da totalidade dos títulos pelo seu ex-marido BB, com a devida autorização da recorrente –, ficou estupefacta e incrédula com o que lhe estava a acontecer, tendo passado noites sem dormir, sem saber o que fazer e teve dificuldades financeiras na sua vida, que ainda hoje perduram.

É assim evidente que o comportamento da recorrente provocou um grave impacto na vida da autora, causando-lhe danos não patrimoniais que revestem a gravidade necessária para serem objecto de indemnização.

Nesta esteira, admitindo-se a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais alegados, recorrendo à equidade e ponderando os padrões de indemnização seguidos pela jurisprudência, julga-se adequada a fixação desse montante indemnizatório no valor de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros), estabelecido pela 1.ª instância, improcedendo, também nesta parte, o recurso da recorrente.

Quanto aos juros de mora, tem aplicação o Acórdão Uniformizador n.º 4/2002, de 27-06-2002[4], pelo que sobre a mencionada quantia incidirão juros de mora vincendos desde a data da sentença até integral pagamento, calculados à taxa de juros civis.


*

Em consonância, improcedem, na íntegra, as conclusões recursivas, sendo de manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Sendo parte vencida, cabe à ré/recorrente o pagamento das custas processuais ex vi arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.


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Sumário: (…)

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.

Custas pela ré/recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.


Coimbra, 18 de Fevereiro de 2025

Luís Miguel Caldas

Hugo Meireles

Cristina Neves



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Hugo Meireles e Dra. Cristina Neves
[2] Cf. fls. 122 do suporte físico do processo.
[3] Cf. fls. 125 verso do suporte físico do processo.
[4] Publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, pp. 5057 – 5070, que fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.