Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1142/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA LEITÃO
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ÓNUS DA ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 05/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº.S 77º, Nº 1, DO CPT ; 8º DO DL 64-A/89, DE 27/12 .
Sumário:

I – Nos termos do artº 77º, nº 1, do CPT, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento do recurso, sob pena de se não conhecer desse pretenso vício .
II – Nas acções de impugnação de despedimento ( considerado este como a declaração unilateral receptícia, emitida pelo empregador, no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho ) o ónus de alegação e prova da facticidade integrante desse conceito impende sobre o trabalhador – artº 342º, nº 1, do C. Civil.
III – Tendo o empregador o intuito de despedir o trabalhador e este concordando com essa vontade, declarando aceitar livremente o despedimento, face ao que aquele paga a este um valor indemnizatório acordado entre ambos, dá-se a cessação do contrato de trabalho por acordo das partes e não por efeito de um despedimento .
IV – Para que este acordo seja válido a lei impõe que o mesmo revista a forma escrita, com a assinatura de ambos os outorgantes e contendo os demais elementos normativamente exigidos, sob pena de não ser válido esse dito acordo ( formalidade ad substantiam )– artº 8º do DL nº 64-A/89, de 27/12 .
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
BB, casado, serralheiro civil, com residência em DD- Fundão instaurou acção declarativa na forma comum contra CC com sede em EE- Fundão, pedindo que:
1) Seja declarada a nulidade do despedimento do A., por ilícito, com as legais consequências;
2) Seja a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade que, à data da propositura da acção, se cifra em 7.278 €, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento;
3) Seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de 3.881,60 €, referente a prestações pecuniárias já vencidas, a saber:
a) € 2.911,20 referente às retribuições dos meses de Dezembro de 2002 a Maio de 2003;
b) € 970,40 referente a férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2003.
A fundamentar a sua pretensão, alegou sinteticamente:
Trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R, desde 15 de Agosto de 1989 até 2 de Dezembro de 2002, data em que em que esta, alegando faltas ao trabalho, o despediu verbalmente.
Exercia a actividade de serralheiro civil com a categoria de oficial de 1ª, auferindo o salário mensal de € 485,20.
O despedimento do A. é ilícito devendo ser declarado nulo com as legais consequências.
Na audiência de partes não foi possível uma composição amigável do litígio pelo que se ordenou a citação da ré.
Contestou a esta, alegando sinteticamente:
O A. faltava frequentemente ao trabalho.
No dia 2 de Dezembro de 2002 o A. compareceu no escritório da R. e ali falou com o gerente desta FF.
Nessa conversa, o dito gerente manifestou ao autor que o modo como encarava e assumia o trabalho era incompreensível e inaceitável e disse-lhe que a R. tencionava despedi-lo.
O A. propôs então fazer cessar o seu contrato de trabalho, pagando-lhe a R. “ o que era devido”.
Combinaram voltar a encontrar-se no seguinte dia 4
Neste dia, o A. aceitou fazer cessar o seu contrato de trabalho e procedeu a um acerto de contas quanto ao que a R. lhe pagaria para de imediato porem termo ao contrato.
Segundo tal acerto de contas, acordaram em que a cessação do contrato se operasse com o pagamento pela R. de certas quantias.
Em conformidade com esse acordo, a R. emitiu e entregou ao A. um cheque no valor de € 1.024,98, que o A. levantou no banco, fazendo sua a quantia por ele titulada.
Ainda em conformidade com esse acordo, em simultâneo com o recebimento do cheque, o A. assinou e entregou à R. a declaração que faz fls. 29 dos autos, assim como lhe entregou em mão a carta que faz fls. 10 dos autos que o gerente da R. já havia redigido.
Pediu improcedência da acção.
Respondeu o A. alegando também sinteticamente:
No dia 2 de Dezembro de 2002, ao comparecer para exercer as suas funções foi-lhe dito que já não trabalhava ali, que “estava despedido”.
Não houve qualquer acordo de cessação do contrato.
A declaração junta a fls. 29 não lhe foi lida assinando-a convicto que estava a assinar um recibo relativo à quantia entregue por meio de cheque.
A R. alega factos que sabe não serem verdadeiros, devendo ser condenada como litigante de má fé em multa adequada.
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão, que na improcedência da acção, absolveu a Ré de todo o peticionado.
Discordando apelou o A, alegando e concluindo:
1- A douta decisão recorrida é nula por não ter sido fundamentada violando o disposto nos artºs 659º e 668º do CPC
2- A douta decisão viola do disposto no D.L. 64-A/89 de 27/2, designadamente o disposto nos artºs 10º, 12º e 13º. Com efeito
3- A douta decisão recorrida considerou válido um despedimento promovido pela entidade empregadora, sem o processo de despedimento;
4- Deve pois tal decisão ser revogada e substituída por outra que considera o despedimento do A ilícito com as consequências da Lei, designadamente com o pagamento dos montantes peticionados pelo A na p. i.
Contra alegou a recorrida defendendo a correcção da sentença sob censura
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo SR PGA emitido douto parecer no sentido da respectiva improcedência, cumpre decidir.
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância
1-O autor começou a trabalhar por conta da ré, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desde 15 de Agosto de 1989 mediante um contrato de trabalho sem termo;
2- O autor exerce a actividade de serralheiro civil com a categoria de oficial de 1ª. e aufere o salário mensal de € 485,20.
3- O autor faltava por longos períodos ao trabalho.
4- Em 29 de Outubro o autor terminou um período de baixa médica.
5-O autor continuou ausente do trabalho durante todo o mês de Novembro de 2002.
6- No dia 2 de Dezembro de 2002 o autor compareceu no escritório da ré e ali falou com o gerente desta, FF.
7- Nessa conversa o dito gerente da ré manifestou ao autor que o modo como ele encarava e assumia o trabalho era incompreensível e inaceitável e disse-lhe que a ré tencionava despedi-lo.
8- Combinaram então voltar a encontrar-se no dia 4 de Dezembro de 2002.
9- No dia 4 de Dezembro o autor voltou ao escritório da ré tendo aceite a insatisfação desta e a vontade da mesma em fazer cessar o contrato de trabalho que os ligava.
10- O autor e o gerente da ré procederam ao acerto de contas no que respeita ao que a ré pagaria ao autor de imediato para porem termo ao contrato.
11- Autor e ré concordaram que a cessação do contrato operasse com o pagamento pela ré ao autor das quantias referidas no artigo 16º da contestação, a saber:
Um salário mensal€485, 20
10/12 de proporcional de férias€ 404,33
10/12 de proporcional de subsídio de férias€ 404,33
10/12 de proporcional de subsídio de natal€ 404,33
Descontos legais, a abater€ 188,01
12- A ré emitiu então e entregou ao autor o cheque que consta de folhas 28 dos autos, no valor de € 1.024,98 euros, que o autor levantou no banco fazendo sua a quantia por este titulada.
13- Em conformidade com o mesmo acordo e em simultâneo com o recebimento do cheque o autor assinou e entregou à ré a declaração que consta de fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14- Na altura a ré entregou também ao autor, em mão, a carta constante de fls. 10 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, carta esta que a ré havia já redigido mas ainda não havia entregue ao autor.
15- Ao autor não foi entregue qualquer nota de culpa.
16- Com data de 16-12-2002 em resposta a uma carta dirigida pelo autor à ré com data de 11 de Dezembro a ré enviou ao autor a carta que consta de fls. 39 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que as questões a dilucidar nesta impugnação são:
- se se verifica nulidade da sentença, por falta de fundamentação
- se ocorreu um despedimento ilícito.
Vejamos então.
Como se sabe nos termos do artº 77º nº 1 do CPT a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento do recurso( itálico nosso).
Esta formalidade não foi cumprida pleo A, o que desde logo levaria a que não se conhecesse de tal pretenso vício.
Todavia sempre se dirá o seguinte:
Nos termos do artº 668º nº 1 b) do CPC a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Ora no caso em apreço – e ressalvando naturalmente como sempre fazemos o devido respeito por entendimento diverso- a decisão em crise está fundamentada, quer de direito, quer de facto.
Na verdade o Ex.mo Juiz do Tribunal recorrido elencou não apenas os factos que considerou provados, mas também os não provados e indicou explicitamente os motivos( e os meios probatórios) a que se arrimou para fundamentar da forma como o fez.
E de seguida operou a subsunção de tal facticidade ao direito.
Em suma: não só a invocação da aludida nulidade é extemporânea, como mesmo a assim se não considerar a sentença não padece de tal vício.
Resta portanto analisar a problemática relativa á existência ou não de um despedimento.
Como se sabe, nas acções de impugnação de despedimento( considerado este como a declaração unilateral receptícia, emitida pelo empregador no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho- cfr. artº 3º nº 2 c) do D.L 64-A/89- de 27/2), o ónus de alegação e prova da facticidade a integrante deste conceito, impende sobre o trabalhador( arº 342º nº1 do CCv).
Como resulta da matéria de facto dada como assente, não logrou o ora apelante tal objectivo.
Logo por aí- e em nosso entendimento- a sua pretensão estava votada ao insucesso.
O que ressalta da dita facticidade é que a Ré tinha efectivamente o intuito de despedir o A
E este acabou por concordar com essa vontade, ao declarar que aceitava livremente o “despedimento com justa causa”.
Com esta declaração negocial, o convénio em causa deixava de existir não por mera e única vontade do empregador, mas antes por um encontro concordante de vontades, o que por princípio seria o suficiente, para por fim a tal contrato.
Contudo e para que a revogação contratual por mútuo acordo seja válida, a lei em nome da defesa dos interesses do trabalhador impõe que a mesma se revista de certa solenidade( forma escrita) com assinatura de ambos os outorgantes e contendo os demais elementos normativamente exigidos- cfr. artº 8º do citado D.L. 64-A/89-
Discute-se se esta exigência de forma constitui, uma formalidade ad substantiam ou meramente ad probationem.
Mas mesmo que se entenda que a dita declaração, por estar apenas assinada por um dos contraentes fica ferida de nulidade( cfr. artº 220º do CCv), tal circunstância não tem em nossa opinião a virtualidade de a transformar numa forma de despedimento eivado de ilicitude desde logo porque não precedido de processo disciplinar( cfr. artº 12º nº 1 do D.L. 64-A/89), pois como já se disse aquele implica a existência de uma declaração unilateral rescisória por parte da entidade patronal, o que não ficou minimamente demonstrado.
Quando muito ( e porque a forma como A e Ré puseram termo ao convénio, não obedece aos requisitos exigidos pelo citado artº 8, não obtendo portanto validade face ao ordenamento jurídico) a ilação a tirar é a de que de que o contrato de trabalho em causa, se mantém válido( ainda que de facto tenha de há muito terminado), com todas as consequências a nível de direitos e deveres para ambas as partes, que dele decorrem.
Contudo, como nesta acção a causa de pedir foi a existência de um despedimento, parece- nos evidente que tem a mesma que improceder, não podendo o Tribunal extrapolar para uma outra situação, de eventual condenação no pagamento de salários, até porque não se sabe se devidos, dada a também correspectiva ausência de prestação laboral por parte do A.
Não deixou este de alegar que quando assinou o “ documento rescisório” em que além do mais se declarava pago de todas as importâncias que lhe eram devidas, agiu no erróneo convencimento de que estava apenas a assinar um recibo relativo à importância que estava no momento a perceber.
E sabe-se que o erro na declaração pode conduzir à anulabilidade da declaração negocial( artº 247º do CCv).
Todavia também neste ponto não conseguiu o A demonstrar como era seu ónus( artº 342º do CCv) esse vício da vontade.
Dir-se-á ainda que igualmente o aqui recorrente alegou( mas do mesmo modo também não provou) que a Ré o tenha impedido em 4/12/02 de retomar as suas funções.
E se é verdade que esta última redigiu a carta de fls. 10, que contém em si uma inequívoca declaração de despedimento, não é menos certo que, de acordo com a factualidade dada como demonstrada , a mesma apenas foi entregue ao A, já consumado o “ acordo rescisório” referido.
O que evidentemente lhe retira toda a carga de constituir a tal declaração da vontade de unilateralmente por fim ao convénio que ligava ao e Ré.
Tudo indica portanto que, existiu um acordo de vontades em terminar com o contrato, ou seja e de facto uma revogação por mútuo acordo. Feita de forma infeliz, indubitavelmente.
Eventualmente nula, pode aceitar- se com as consequências daí advenientes em termos de manutenção contratual.
Mas o que, a nosso ver- e salvo melhor opinião- não ficou minimamente provado perante todo esta quadro fáctico, foi a existência de um despedimento.
E como foi com base nele( casa de pedir) que o A fundamentou o seu pedido, a conclusão a tirar é a que o mesmo não pode ser acolhido.
Termos em que, confirmando-se a sentença sob censura, se julga improcedente a apelação.
Custas pelo A sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Fixam-se os honorários devidos ao Ex. mo Patrono Oficioso em 8 Urs a pagar pelo CGT