Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | CONTRADIÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO DANOS CAUSADOS POR INSTALAÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 11/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 662.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CPC, E ARTIGO 509.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A contradição factual apenas emerge quando a prova ou não prova de um facto, acarrete, por imperativo lógico-formal ou incompatibilidade material, a impossibilidade de se poderem dar como provados ou não provados certos factos.
II - Destarte, inexiste tal vício se, por um lado, se der como provado que existiram avarias em elevador, por virtude das quais a autora teve de transportar 36 utentes, entre pisos, pelas escadas do edifício, com o permanente auxílio das suas funcionárias, o que demora aproximadamente 4 horas diárias, sendo que numa situação normal em que o transporte dos utentes é feito pelo elevador, apenas são afetas 2 funcionárias; e, por banda outra, se dá como não provado custos acrescidos para a autora, pois que teve necessidade de, por virtude das avarias, adstringir 4 funcionários em simultâneo para prestar o serviço de transporte dos 36 utentes, despendendo a mais, com a remuneração daqueles, a quantia diária de € 30,72 por dia. III - Provadas 10 avarias de elevador num período de menos de dois anos, apuradas oscilações de tensão da corrente elétrica que ultrapassam a margem de 10% prevista na Norma NP EN 50160, vigente em Portugal, e apontando outra prova, vg. testemunhal especializada, nesse sentido, deve dar-se como provado que as avarias decorreram de tais oscilações. IV - O artº 509º do CC consagra, pela perigosidade da atividade, um caso de responsabilidade objetiva, no âmbito da qual, provados os danos, o distribuidor de energia elétrica ou de gás apenas se pode desonerar se provar causa de força maior na sua produção – no caso de os danos serem provocados pela distribuição –, ou falta de culpa - no caso de serem provocados pela própria instalação. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: João Moreira do Carmo Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. L..., LDA. instaurou contra E-REDES –DISTRIBUIÇÃO DE ELECTRICIDADE S.A., ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.
Alegou, em síntese: Explora um lar de idosos, cujo fornecimento de energia é efetuado pela ré, enquanto concessionária do respetivo serviço público, tendo ali instalado um elevador residencial elétrico, que é periodicamente sujeito a inspeção e manutenção e que é diariamente utilizado para deslocação dos 36 idosos que residem naquelas instalações, cujos quartos se sitiam no 1.º piso. Há vários meses que têm ocorrido inúmeras avarias na instalação elétrica do Lar, devido à oscilação da corrente e baixa tensão verificada na rede de corrente elétrica que alimenta o edifício, impedindo nomeadamente a utilização do elevador. Essa situação, que nunca obteve resolução por parte da ré, levou a que a autora se visse forçada a reforçar a atividade e carga horária dos seus funcionários, por forma a colmatar as falhas decorrentes da impossibilidade de usar o elevador, através do transporte dos idosos pelas escadas, o que lhe importou um custo acrescido de € 8 355,84. Por outro lado, a autora já suportou o pagamento de € 1 484,77 pelos serviços prestados com vista à reativação do funcionamento do elevador, sendo ainda necessário proceder a uma intervenção técnica no mesmo que custa € 4 694,92. As referidas avarias têm provocado na autora constantes preocupações e incómodos, merecedores de uma compensação, por danos não patrimoniais. Pediu: Que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor global de € 19 521,25, bem como na reparação definitiva da tensão na rede de corrente eléctrica que alimenta o elevador.
A ré contestou. Alegou que na sequência das reclamações da autora, tomou as providencias necessárias à indagação do problema, concluindo que não existiam quaisquer anomalias no fornecimento da energia elétrica conduzido até à instalação de consumo da ré, não se verificando oscilações de tensão fora dos parâmetros regulamentares; Impugnou os valores indicados a título de prejuízo patrimonial e rejeitou a existência de danos não patrimoniais na esfera jurídica da autora.
2. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Face ao exposto, julgo totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a ré E-Redes – Distribuição de Electricidade S.A. dos pedidos contra si formulados pela autora.».
3. Inconformada recorreu a autora. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I. A Apelante, não se conformando com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, vêm dela interpor o presente Recurso de Apelação assente, essencialmente, em três pontos: a. Nulidade da Sentença nos termos da alínea c), do número 1, do artigo 615.º do CPC. b. Impugnação da matéria de facto – erro na apreciação da prova – artigo 662.º do CPC. c. Omissão de Pronúncia – alínea d), do número 1, do artigo 615.º do CPC. II. Concretamente, a Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância enferma de vícios e contradições na exposição dos factos que a Meritíssima Juíza deu como provados e não provados, nomeadamente, nomeadamente, quando dá como provado, por um lado, que ocorreram inúmeras avarias no elevador existente nas instalações da Apelante, motivadas por uma interrupção da corrente elétrica que alimenta o seu funcionamento e, por outro lado, que os registos de valores de tensão da corrente elétrica que alimenta o edifício estão acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector, mas não dá como provado que aquelas avarias decorressem das oscilações de corrente e baixa tensão provenientes da rede elétrica explorada pela Apelada. III. Em face do exposto, verificamos uma clara contradição entre a factualidade dada como provada e a sua subsunção ao direito, com especial relevo para a decisão da causa, assim discordando da Douta Sentença, pelas razões que infra melhor se descrevem.
Nulidade da Sentença nos termos da alínea c), do número 1, do artigo 615.º do CPC: IV. Neste aspeto, começa a Meritíssima Juíza a quo por referir na Douta Sentença, relativamente aos factos que resultaram provados da discussão da causa, descritos nos pontos 1 a 8, consensualmente aceites e documentalmente provados, que “a demonstração dos factos relativos ao funcionamento do Lar explorado pela autora e aos constrangimentos decorrentes das avarias ocorridas no elevador, assentou, sobretudo, no depoimento testemunhal da directora técnica daquela instituição, AA, que explicou ao tribunal, num tom sereno e esclarecido, a forma como o Lar está organizado, e fez uma resumida caracterização da sua ocupação, dizendo que a maioria dos utentes que ali residem dependem da prestação de cuidados por terceiros, locomovendo-se através de cadeira de rodas, o que implica uma afectação de funcionários 24h/dia.” (sublinhado nosso). V. Mais afirmou a testemunha AA (arquivo 20220209095444_2955602_2870746), Diretora Técnica da Instituição, conforme ficou assente na motivação da matéria de facto, “que os quartos se situam, todos, no 1.º piso do edifício, as avarias sofridas no funcionamento do elevador – que disse terem começado a ocorrer, com mais frequência, a partir de 2019 – repercutiram-se na gestão funcional do Lar, havendo necessidade de afectar mais pessoas para realizar o transporte e acompanhamento dos doentes entre os quartos e os espaços de refeições e convívio, o que acontece, por norma, duas vezes por dia, sobrecarregando o trabalho dos funcionários, que nessas ocasiões foram chamados para ajudar, explicando, a esse propósito, a referida directora técnica, que foi colmatando essas necessidades, nomeadamente, através do recurso a pessoal de prevenção, tendo ainda sido instalada uma plataforma/cadeira eléctrica como alternativa, mas que acabou por ser uma solução pouco satisfatória, face ao tempo de duração de cada deslocação.” (destacado e sublinhado nosso). VI. Ora, tratando-se de uma Instituição para idosos, questionada a Diretora Técnica sobre a dependência dos idosos, afirmou que se tratam de utentes de idade avançada e que “90% dos utentes são completamente dependentes ou têm uma dependência muito grande”, de “mobilidade reduzida” e “dependendo dos funcionários da instituição a tempo inteiro” (minutos 02’54 a 04’21). Posto isto, afirmou a testemunha que a Apelada, face às avarias do elevador, foi obrigada a adquirir uma cadeira elétrica para deslocação dos idosos, mas que devido ao tempo de duração de cada deslocação acabou por não servir de alternativa (minutos 05’00 a 06’12). VII. Pelo que se chegou, assim, e bem, a uma convicção do Douto Tribunal acerca da factualidade descrita nos pontos 9 a 11 e 25 a 30 do elenco da matéria de facto, quendo descreve que “em face da realidade que nos foi dada a conhecer, sendo, por exemplo, inteiramente aceitável e crível que o transporte “a braços” de 36 utentes, entre pisos, demore cerca de 2 horas a ser efectuado (o que pressuporia entre 6 a 7 minutos para transportar cada doente).” (sublinhado nosso). VIII. Assim, todos estes factos dados como provados, assentes no depoimento da Diretora Técnica AA, que explicou ao tribunal, num tom sereno e esclarecido, e pela lógica e saber empírico (palavras da Meritíssima Juíza), o funcionamento da Instituição, estão em total contradição com os factos dados como não provados, concretamente o ponto E) quando dá como não provado que “[…] a autora tem vindo a suportar, há vários meses, custos acrescidos com o pagamento do vencimento do trabalho que é desempenhado a mais pelas funcionárias, o qual não seria necessário na hipótese de o elevador funcionar na sua plenitude.” (sublinhado nosso). IX. Do mesmo modo, pelo depoimento prestado e pela convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados, acima descritos, estão em completa contradição com o ponto F) dos factos não provados quando refere que “desde o dia 19.09.2020, a autora passou a ter 4 funcionários em simultâneo para prestar o serviço de transporte dos 36 utentes, quer no período da manhã quer no período da tarde, despendendo a mais, com a remuneração daqueles, a quantia diária de € 30,72 por dia, o que totalizou, até à instauração desta acção, a quantia de € 8 355,84.” (sublinhado nosso). X. Para que não restem dúvidas, foi dito pela Diretora Técnica, questionada pelo Mandatário da Apelante sobre “quantos funcionários necessitam para fazer essa deslocação dos utentes todos?” (minutos 07’23 a 07’30), que “em períodos normais com elevadores a funcionar nós temos 2 funcionários e quando o elevador está avariado eu tenho de chamar alguém que esteja de prevenção e são 4 funcionários pelo menos”, “porque se não vai implicar os utentes ficarem ali muito tempo por isso enquanto 2 estão a meter na cadeira as outras duas vão deitando para não ser um processo tão longo.” (minutos 07’31 a 07’55). XI. Posto isto, não se vislumbra, portanto, qualquer sentido lógico em o Douto Tribunal dar como provado e assente a necessidade de afetar mais funcionários para realizar o transporte e acompanhamento dos doentes entre os quartos e os espaços de refeições e convívio, havendo necessidade de efetuar o transporte “a braços” de 36 utentes, entre pisos, calculando até a Meritíssima Juíza na Sentença recorrida (pág. 11) o tempo que demora o transporte a “braços” de cada utente, para, em manifesta contradição, julgar como não provado os pontos E) e F) dos factos não provados! XII. Por outro lado, os técnicos BB e CC, ambos trabalhadores na área dos serviços de manutenção prestados pela TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., que por dezenas de vezes tiveram de se deslocar à Instituição para repor o funcionamento do elevador, foram perentórios em afirmar que as quebras de funcionamento do elevador são decorrentes das baixas de tensão verificadas na corrente elétrica que alimenta o elevador. XIII. Na sequência das sucessivas avarias, foi também colocado equipamento de medição certificado FLUKE, para medição da tensão, de medição contínua, que registou igualmente as já referidas flutuações excessivas, encontrando-se o respetivo relatório junto a fls. 52 e ss. dos autos. Neste sentido, andou bem a Meritíssima Juíza em dar como provada a factualidade descrita nos pontos 18 a 20 do elenco factual, por se demonstrar suficientemente demonstrada. XIV. No entanto, em contradição com a factualidade dada como provada e corroborada pelos técnicos BB e CC, foi decidido pela Meritíssima juíza que não foi possível apurar a efetiva origem dos problemas verificados no funcionamento do elevador. Neste sentido, deu o Tribunal credibilidade ao depoimento da testemunha da Apelada, engenheiro DD, relativamente ao modo de funcionamento da rede de fornecimento e distribuição de energia elétrica, que formou no Tribunal uma convicção totalmente errada acerca dos níveis normais de corrente, das respetivas variações de tensão e da interferência das mesmas na condução da eletricidade e da eficiência da rede. XV. Na verdade, nunca a Apelada logrou provar o bom e correto funcionamento do fornecimento da rede de energia elétrica, juntando para o efeito um relatório de 1 (uma) única página, que curiosamente conclusão nenhuma se pode extrair uma vez que é relativo a uma medição de 7 dias consecutivos que, naturalmente não é possível retirar qualquer analise credível, tendo inclusive afirmado a testemunha DD que haviam sido feitos outras duas medições, mas, curiosamente nenhuma delas foi junta aos presentes autos. XVI. Assim sendo, inversamente à restante factualidade que deu como provada, não obstante dar como certas as diversas e constantes avarias, as excessivas variações e flutuações da tensão da corrente elétrica e, inclusivamente, ter ficado demonstrado que as variações de tensão estão fora dos parâmetros regulamentares, o Tribunal a quo afirma que as mesmas não são relevantes para efeitos de verificação do cumprimento das normas impostas pelo sector por reportarem-se a valores médios, o que é MANIFESTAMENTE CONTRADITÓRIO, conforme infra melhor de demonstrará. XVII. Mais grave ainda é que as referidas conclusões extraídas pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo estão em total contradição com a Norma Portuguesa EN 50 160 e por referência ao gráfico constante da pág. 6 do relatório junto pela Apelada, a fls. 56, o qual segue infra para melhor compreensão, mas que no ponto 2. Impugnação da matéria de facto, das presentes alegações, melhor se discriminam. XVIII. E, pelo descrito na Douta Sentença, não havendo reparos à prova apresentada pela Apelante, entende-se que a prova é bastante não se compreendendo o porquê da decisão estar em completa oposição à prova produzida pelos Apelantes, apesar de se verificarem, como afirma a Meritíssima Juíza, “[…] registos de valores de tensão da corrente eléctrica acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector.” XIX. Pelo exposto, por todos os factos provados, dúvidas não restam de que os registos de valores de tensão da corrente eléctrica estão acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector, que a Apelada tomou conhecimento das avarias ocorridas porque foram prontamente e repetidamente comunicadas, que não procedeu a qualquer reparação ou manutenção da rede elétrica e, inclusivamente, foi literalmente dito pela testemunha DD que as medições feitas pelas Apelante foram desconsideradas (infra se transcreve o seu depoimento).
Impugnação da matéria de facto – erro na apreciação da prova – artigo 662.º do CPC:
XX. Podemos afirmar que, de forma uníssona, confirmada pela Sentença recorrida que os registos de valores de tensão da corrente elétrica acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector, a contrario do que foi decidido pela Meritíssima Juíza, afetam a continuidade da corrente elétrica, são relevantes para efeito de controlo do cumprimento dos níveis de tensão adequados a abastecer o local de consumo, razão pela qual deve ser considerada causa de ocorrências das avarias verificadas, concretamente, da quebra de funcionamento do elevador. XXI. Desde logo, quanto aos depoimentos testemunhais dos técnicos BB e CC, ambos trabalhadores na área dos serviços de manutenção prestados p ela TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., porque credíveis pela experiência, assertivos no depoimento e totalmente isentos de parcialidade, foram inteiramente desconsiderados pela Meritíssima Juíza na sentença recorrida. XXII. É que, para além de confirmarem a frequência das avarias verificadas no elevador da Apelante, que motivaram diversas deslocações ao local para averiguação da respetiva causa, no âmbito dos serviços de manutenção contratados, foram, nessas ocasiões, feitas diversas medições de tensão, através de um aparelho “multímetro”, que detetaram variações na tensão abaixo e acima dos limites mínimo e máximo previstos (tudo conforme registado nos relatórios juntos aos autos (cf. fls. 14 a 19, 21 e 27 a 30). XXIII. Além do mais, foi afirmado pelas referidas testemunhas, na sequência das sucessivas avarias, que foi também colocado equipamento de medição certificado FLUKE, de medição contínua, que registou igualmente as já referidas flutuações excessivas, encontrando-se o respetivo relatório junto a fls. 52 e ss. dos autos. XXIV. Foi na sequência de todas estas diligências, efetuadas ao longo de mais de 2 anos de avarias e deslocações às instalações da Apelante, que os Técnicos da TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda. firmaram, sem margem para dúvidas, que as avarias provadas em sede se audiência de julgamento são decorrentes das baixas de tensão verificadas na corrente elétrica que alimenta o elevador, correte essa fornecida e distribuída, em condições deficientes, pela Apelada. XXV. No que toca ao depoimento prestado pelo Técnico BB, (arquivo 20220209101412_2955602_2870746), funcionário na área dos serviços de manutenção prestados pela TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., questionado pela Meritíssima Juíza de que forma é que a baixa tensão verificada afeta o funcionamento do equipamento, foi dito pelo Técnico BB que “afeta o equipamento porque chega a uma situação que não funciona, que não anda…”, “que o mínimo necessário ao funcionamento do equipamento são 220 V e que havia alturas em que a tensão estava manifestamente inferior ao limite.” (minutos 010’04 a 11’40). Mais referiu que “tivemos de desligar o elevador porque não podíamos correr o risco de alguma lá ficar preso e acontecer que alguém morresse.”, “por isso fizemos essa medição e chegamos à conclusão que havia uma baixa da tensão de eletricidade fornecida que era inferior à que era necessária.” (minutos 012’00 a 13’08); e que “o problema tinha que ver com a baixa tensão que existia na rede.” (minutos 018’05 a 18’23). XXVI. Mais referiu, questionado pelo Ilustre Advogado da Apelante, em função da sua experiência, se o problema estava no elevador, foi perentório em afirmar que “não”, “o problema está na rede elétrica.”, “não tenho dúvidas” (minutos 018’44 a 19’35). XXVII. Por sua vez, no que toca ao depoimento do Técnico CC, (arquivo 20220209110658_2955602_2870746), também funcionário na área dos serviços de manutenção prestados pela TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., mencionou que no caso concreto “existia uma tensão que não é normal” (minutos 09’04 a 09’10). Questionado pelo Ilustre Advogado da Apelante se na sequência de todas estas avarias é provável que a vida útil deste elevador diminua respondeu que “sim, é muito provável tanto assim é que ocorreram vários problemas em componentes queimados devido a este tipo de flutuações de corrente e sobretensões de alimentação do equipamento.” (minutos 12’12 a 12’35). XXVIII. Pelo que, ao mostrar-se, assim, suficientemente demonstrada a factualidade descrita nos pontos 18 a 20 do elenco factual, não tendo a Meritíssima Juíza em momento algum colocado em causa o depoimento os Técnicos da TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., incorreu a Sentença recorrida em erro na apreciação da prova por não ter tomado julgado em momento algum o que deles resulta. XXIX. A contrario, a este respeito, deu o Tribunal credibilidade ao depoimento da testemunha da Apelada, engenheiro DD, relativamente ao modo de funcionamento da rede de fornecimento e distribuição de energia elétrica, formando no Tribunal uma convicção totalmente equivocada acerca dos níveis normais de corrente, das respetivas variações de tensão e da interferência das mesmas na condução da eletricidade e da eficiência da rede, quando o mesmo ESTÁ EM TOTAL CONTRADIÇÃO COM O QUE RESULTA DA NORMA PORTUGUESA EN 50 160 E DOS RELATÓRIOS JUNTOS. XXX. A este respeito, no que toca ao depoimento da testemunha da Apelada, DD, (arquivo 20220209113634_2955602_2870746), para além de confessar que as avarias e os relatórios foram remetidos à Apelada (minutos 17’22 a 17’30), referiu que foram reportados valores fora dos parâmetros regulamentares (minutos 18’12 a 18’15), mas pior ainda, afirmou perentoriamente a testemunha da Apelada que tais valores reportados pela Apelante “não foram valorizados…as mesmas foram desconsideradas” (minutos 18’18 a 18’54). XXXI. Na verdade, de acordo com a Norma NP EN 50160, vigente em Portugal, os valores normais de voltagem da corrente eléctrica devem ficar entre 220V e 240V: a tensão na rede de distribuição pode variar entre +/- 10% do valor de referência (230 V). XXXII. Conclusão que erradamente não se pode extrair é dar como provado que os registos de valores de tensão da corrente elétrica estão acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector para, depois, julgar tais alterações irrelevantes para efeito de controlo do cumprimento dos níveis de tensão adequados a abastecer o local de consumo. XXXIII. Talvez por isso, quiçá intencionalmente, não foi considerada uma palavra na Douta Sentença recorrida, na parte da fundamentação de direito, relativamente à Norma Portuguesa EN 50 160, imprescindível quanto a este ponto por ser a única que regula dos níveis de tensão legalmente admissíveis. XXXIV. Na verdade, ao contrário do que foi dito pela da testemunha da Apelada, engenheiro DD, em conformidade com a Norma Portuguesa EN 50 160 e por referência aos relatórios juntos pela Apelada, como Doc. 1 e Doc. 2 em articulado posterior, em parte alguma é referido que as variações podem descer abaixo dos valores mínios, antes pelo contrário, têm obrigatoriamente de estar compreendidos dentro dos 10% do valor de referência (isso mesmo é dito Norma Portuguesa EN 50 160). XXXV. Ao contrário do que foi julgado na Douta Sentença, “em condições normais de exploração, não considerando as interrupções de alimentação, 95% dos valores eficazes médios de 10 min para cada período de uma semana DEVEM ESTAR COMPREENDIDOS NA GAMA DE UC 10%.” (ponto 3.3 da referida Norma EN 50 160). Posto isto, foi erradamente pressuposto na Sentença recorrida que aqueles parâmetros se reportam a valores médios e que podem haver oscilações abaixo ou acima dos parâmetros estabelecidos, o que é totalmente falso. Na verdade, o que a Norma EN 50 160 determina é que mesmo os valores fora dos parâmetros legalmente admissíveis TÊM OBRIGATORIAMENTE DE ESTAR COMPREENDIDOS DENTRO DOS 10% DO VALOR DE REFERÊNCIA e não fora desses valores como foi afirmado pelas testemunhas da Apelada e induzindo em erro o Douto Tribunal de 1.ª Instância. XXXVI. A tudo isso, acresce o facto de que foi considerado na Douta Sentença recorrida, não obstante dar como provado os registos de valores de tensão da corrente elétrica acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector, julgar tais alterações IRRELEVANTES “para efeito de controlo do cumprimento dos níveis de tensão adequados a abastecer o local de consumo.”, o que é, no mínimo, uma clara nulidade de interpretação da Norma EN 50 160. XXXVII. Fez, assim, o Douto Tribunal, uma consideração totalmente errada do que Norma EN 50 160 legalmente obriga quanto ao cumprimento dos níveis de tensão adequados por obrigar a que essas variações na rede de distribuição, ainda que admissíveis, tenham de estar compreendidas entre +/- 10% do valor de referência (230 V), ou seja ficarem entre 220 W e 240 W. Não obstante, o que constatamos no gráfico constante da pág. 6 do relatório junto pela Apelada, a fls. 56, o qual consta supra, é que foram registadas medições de valores muito abaixo dos limites de referência (206; 205; 205; 200; 199; 198; 197) e, por isso, fora do cumprimento dos níveis de tensão adequados. XXXVIII. Perante os factos apurados e os relatórios juntos aos autos, o que se pode notoriamente afirmar é que a Apelada não observou estas disposições da referida norma EN 50 160 e, consequentemente, os parâmetros de qualidade a que estava obrigada, quanto às características da onda de tensão de alimentação. XXXIX. Conforme consta da Sentença recorrida, “o caso sub judice integra uma situação de responsabilidade civil extracontratual que, por estar relacionada com o exercício de uma actividade que pressupõe a direcção efectiva de uma instalação eléctrica, convoca a aplicação do regime da responsabilidade objectiva, fundada no risco, nos termos previstos no artigo 509.º do Código Civil.”, respondendo a Apelada pelo risco da sua atividade. XL. Assim, de acordo com este regime especial, o detentor de uma instalação elétrica ou de gás, que a utilize no seu interesse, só ficará isento de responsabilidade pelos danos resultantes da mesma se provar que assegurou o cumprimento de todas as regras técnicas necessárias para o seu bom funcionamento e perfeito estado de conservação, o que, conforme já vimos, não logrou provar, afirmando, inclusivamente, que a Apelada desconsiderou os relatórios de medição apresentados pela Apelante. XLI. De igual modo, nos termos previstos no ponto 10.1 do capítulo 10 do Regulamento da Rede de Distribuição, que integra o Anexo II da Portaria n.º 596/2010, de 30.07, “os operadores das redes de distribuição devem manter a sua rede em bom estado de funcionamento e de conservação.”, não tendo a Apelada, salvo melhor opinião, provado tal obrigação. XLII. Mas não ficamos por aqui, concordamos na íntegra com a jurisprudência adoptada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 09 de Março de 2017 (Processo n.º 1142/12.5TBALQ-2), disponível em www.dgsi.pt, quando refere que “resulta do disposto no art 493º/2 do CC uma presunção de culpa, para cuja elisão não basta a demonstração de que se agiu com a diligência com que teria agido um homem médio, mas é necessário a prova de que se empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.”, “estando em causa nos autos acidente ocorrido na condução e entrega da energia, não se tendo verificado caso de força maior, existe responsabilidade objectiva da R., não interessando sequer saber se a instalação se encontrava ao tempo do acidente de acordo com as regras 45 técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.” (sublinhado e destacado nosso). XLIII. Seguimos ainda o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 13 de Julho de 2017 (Processo n.º 6800/15.0T8LSB.L1-6), disponível em http://www.dgsi.pt, quando refere que “O facto de terem sido cumpridas as regras técnicas em vigor, e tudo estar em perfeito estado de conservação, não isenta de responsabilidade objectiva a entidade responsável pela condução e entrega de energia eléctrica.”; “Tal isenção só aproveitaria se os danos fossem originados na instalação da energia e não já na fase ulterior (sua condução e entrega).”; “A não observância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa do autor dessa inobservância e o nexo de causalidade entre essa inobservância e os danos que se lhe liguem e a cuja produção as leis e os regulamentos visam obstar.”; “Não basta que o autor da actividade perigosa tenha observado as normais cautelas sendo ainda indispensável, para afastar a sua responsabilidade, que tenha adoptado as demais providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.” XLIV. Ainda que assim não se entendesse, a Apelada não julgou provar o bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas da distribuição da rede, não diligenciou durante todos os últimos anos pela reparação dos problemas da rede, não efetuou qualquer outra medição dos níveis de tensão e, inclusive, desconsiderou os relatórios enviados pela Apelante nas diversas missivas enviadas à Apelada.
Omissão de Pronúncia – alínea d), do número 1, do artigo 615.º do CPC
XLV. A Douta Sentença padece de omissão na parte em que não fez qualquer consideração quando ao documento junto no início da 2.ª sessão de audiência de julgamento, como Doc. 2, o qual foi admitido pela Meritíssima Juíza. XLVI. O referido documento é um abaixo assinado dos residentes na mesma rua da Apelada, no qual se pode constatar que os referidos moradores, há vários anos, que se queixam de problemas no fornecimento de energia elétrica às suas habitações, o que tem provocado diversas perturbações e avarias em equipamentos e eletrodomésticos no interior das habitações, problemas esses que há vários anos são reputados à Apelada, mas que, não obstante as reclamações apresentadas, nunca foram efetuadas quaisquer reparações com vista a resolver as perturbações registadas. XLVII. Não corresponde, portanto, à verdade, o que resultou do depoimento de DD e dos demais operários quando afirmaram ter conhecimento da situação em causa e que o Posto de Transformação que fornece a zona foi sujeito às inspeções regulares de manutenção, de acordo com as imposições legais, não tendo sido identificado qualquer anomalia, depoimentos que estão em total contradição com a prova documental junta aos autos. XLVIII. No entanto, conforme já foi mencionado na vasta jurisprudência transcrita, não basta que o autor da atividade perigosa tenha observado as normais cautelas sendo ainda indispensável, para afastar a sua responsabilidade, que tenha adotado as demais providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, o que a Apelada não fez, não concretizando que manutenção e inspeções são feitas, não obstante as constantes perturbações reportadas, quer pela Apelante, quer pelos diversos residentes da localidade. XLIX. Além do mais, na fundamentação da Douta Decisão recorrida, quanto às inspeções regulares de manutenção, obrigação a cargo da Apelada, nada foi dito pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo. L. Ora, quanto a este ponto, nada tendo sido dito pelo Douto Tribunal de 1.ª Instância, decidindo até em sentido contrário do que dele resulta, verifica-se uma clara omissão de pronúncia o que importa a nulidade da Sentença recorrida.
Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: A. Alega a Recorrente que a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância enferma de contradição pelo facto de ter dado como provado, por um lado, que ocorreram avarias no elevador existente nas instalações da Recorrente, não dando, contudo, como provado que aquelas avarias decorressem das oscilações de corrente e baixa tensão provenientes da rede elétrica explorada pela Recorrida (ponto B da matéria dos factos não provados). B. Facto é que daqui não decorre qualquer contradição, nem existem quaisquer fundamentos que estejam em oposição com a decisão, ambiguidade e/ou obscuridade. C. A rede de distribuição de energia elétrica nada teve ou tem que ver com as alegadas avarias do elevador ou quaisquer outros problemas, de que possa, eventualmente, padecer a instalação elétrica particular da Recorrente. D. O imóvel da Recorrente é abastecido de energia elétrica em regime de baixa tensão a partir do Posto de Transformação e Distribuição (abreviadamente PTD) n.º 0182 CNT, que alimenta 238 instalações em regime de baixa tensão. E. O circuito a partir do qual são alimentadas as instalações da Recorrente, para além desta, abastece ainda outras 79 instalações em baixa tensão. F. De forma a assegurar o seu bom funcionamento, a E-REDES promoveu pela realização de sucessivas ações sistemáticas de vigilância e manutenção, tendo as últimas tido lugar em fevereiro de 2018, agosto de 2018, setembro de 2019; setembro 2020; abril 2021 e agosto de 2021, no âmbito das quais se constou o bom funcionamento de toda a rede elétrica que abastece o local de consumo versado nos presentes autos. G. À data dos factos, a rede elétrica em causa encontrava-se – tal como se encontra e sempre se encontrou – em normais condições de exploração, dentro do seu tempo de vida útil e instalada com as devidas proteções, de acordo com as regras técnicas e de segurança legalmente previstas, obedecendo às melhores regras da arte conhecidas. H. Além do mais, facto é que na sequência de reclamação efetuada pela Recorrente junto da Recorrida, esta prontamente procedeu à análise da situação reportada, realizando uma verificação ao funcionamento da rede de distribuição de energia elétrica em apreço, nenhuma anomalia tendo sido verificada. I. Com efeito, a Recorrida realizou a devida medição da onda de tensão na instalação de consumo em causa, durante sete dias, no período compreendido entre 16.12.2020 e 23.12.2020, através de aparelho técnico adequado, denominado aparelho analisador medidor de tensão, cujos valores medidos e registados pelo aparelho analisador revelam que as variações da onda de tensão medidas e registadas na instalação da Recorrente cumprem amplamente os padrões de qualidade técnica legalmente previstos. J. Na verdade, tais registos demonstram que os valores eficazes médios da onda de tensão, medidos em cada período de dez minutos, respeitam em 100 % do tempo total considerado – 19 7 dias – a variação de 10%, para cima ou para baixo, relativamente à tensão nominal de referência, estabelecida em 230 Volts. K. Nesta esteira, note-se que para efeitos de cumprimento dos padrões de qualidade são relevantes os resultados médios obtidos em cada fração de 10 minutos, ao longo de todo o período de medição, cristalinamente se constatando estarem cumpridos os padrões de qualidade previstos nos pontos 4.2.2.1 e 4.2.2.2 da NP EN 50160, designadamente, a margem dos + 10% e - 10% relativamente à tensão nominal onde se deve situar a onda e tensão, que os valores registados se encontram integralmente inseridos dentro da mesma (a 100% do tempo), conforme documento n.º 02 junto à contestação. L. Deste modo, não se verificou – ou verifica – qualquer causa que, de algum modo, fosse idónea de desencadear a produção dos danos alegados pela Recorrente. M. Não há qualquer reparação a efetuar ao nível da rede de distribuição de energia elétrica, sendo certo que inexiste qualquer elemento avariado ou situação a corrigir. N. Como referido a qualidade de onda tensão servida à instalação encontra-se perfeitamente dentro dos parâmetros regulamentares, conforme medições oportunamente realizadas. O. Ou seja, sem necessidade de demais considerandos, a verdade é que os ditos danos alegadamente ocorridos na instalação da Recorrente, a existir – o que não se concebe – terão origem na instalação elétrica particular da mesma ou até mesmo ao funcionamento do equipamento (elevador), nada tendo que ver com a rede de distribuição de energia elétrica pública. P. Ou seja, inexiste qualquer contradição entre a factualidade dada como provada tendo, tendo o Tribunal a quo assegurado e garantido a correta subsunção dos factos ao direito. Q. No que tange à nulidade da sentença alegada pela Recorrente – que entendemos não existir – afigura-se, na nossa modesta ótica, totalmente carente de sentido e fundamento. R. A obscuridade e a ambiguidade mencionadas no art. 615.º do CPC, n.º 1, c), verifica-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (o que não se verifica), seja a decisão ininteligível ou quando se preste mais do que um sentido (o que igualmente não se verifica). S. De todo o modo, cabe referir que o julgamento jurídico da causa teve em consideração todos os factos dados como provados e não provados, no seu conjunto, como não poderia deixar de ser. T. Nesta conformidade, a arguição de nulidade da sentença recorrida carece de fundamento, não sendo, como sabemos, o mecanismo processual adequado para as partes manifestarem a sua discordância quanto ao decidido, a fim de, por esta via, reverter o sentido decisório a seu favor. U. No ponto referente à “impugnação de matéria de facto” das alegações de recurso, por alegado “erro na apreciação da prova” verifica-se que é igualmente carente de sentido. V. Na verdade, tentando socorrer-se praticamente da mesma argumentação utilizada no ponto em que alega a “nulidade” da sentença, a Recorrente parece não entender que até poderá ter os problemas que alega no funcionamento do elevador e na sua instalação elétrica particular (o que a Recorrida desconhece), contudo, ao contrário do que pretende fazer crer, as mesmas em nada se relacionam com a rede de distribuição de energia elétrica pública. W. Ou seja, caberia à Recorrente prover pela manutenção e bom estado de funcionamento das suas instalações elétricas particulares e respetivos equipamentos, não sendo legítimo tentar imputar a responsabilidade pela eventual falha e inadequação dos mesmos à Recorrida, que nenhuma responsabilidade tem. X. Não competindo à Recorrida, como nem sequer poderia – atenda a atividade que exerce – fazer verificações do estado da instalação de utilização particular da Recorrente, cabendo à última, na qualidade de proprietária do imóvel e dos equipamentos, essa responsabilidade. Y. Atendendo às características técnicas e bom estado da rede elétrica, nunca poderia existir qualquer irregularidade na qualidade de onda de tensão servida à instalação e certo é que nenhuma reparação poderia ser efetuada, uma vez que inexiste qualquer ponto para corrigir, sendo tal técnica e materialmente impossível. Z. Na esteira do exposto, quanto ao dito erro na apreciação da prova que alega a Recorrente certo é que não faz qualquer sentido. AA. A decisão do Tribunal a quo fundou-se numa análise crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, tudo analisado à luz das regras da experiência. BB. No sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, devendo esse mérito decorrer de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil). CC. Também não se vislumbra em que medida poderia existir omissão de pronúncia nos termos expostos pela Recorrente, com efeito, o documento a que se reporta mais não é do que um mero documento particular (que nenhum relevo assume), junto apenas aquando da audiência de julgamento e cuja origem se desconhece e que nunca teria o alcance que lhe pretenderia a Recorrente atribuir. DD. Reiterando-se: a rede de distribuição de energia elétrica pública sempre se encontrou em normal funcionamento de exploração e funcionamento, não padecendo de qualquer irregularidade, EE. E o que é facto é que não existem quaisquer registos de reclamações a partir de todas as outras instalações abastecidas pela mesma rede elétrica. FF. Sem conceder, a nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as “questões” pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes ou os documentos juntos por estes. GG. Mais, a própria interpretação que faz a Recorrente da norma aplicável e a conclusão de que pretende a mesma retirar não faz qualquer sentido. HH. E sem prejuízo do exposto, apenas se deixa uma nota quanto aos danos invocados pela Recorrente, onde (em parte) insere na secção da nulidade da sentença do recurso (que, reiteramos, entendemos não existir), não podendo deixar de se ressaltar que não foram juntos aos autos quaisquer documentos que comprovem a alegada duplicação do quadro do pessoal, com efeito: ▪ O documento n.º 19 junto à petição inicial apenas contempla recibos de indemnização relativos ao mês de fevereiro de 2021, daí não se concluindo que tenha havido um qualquer aumento do número de trabalhadores (nem, se houvesse, que relação pudesse ter com os factos que descreve, sendo, salvo o devido respeito, totalmente desproporcional). ▪ Pelo que incumbiria à Recorrente juntar documento oficial de onde tal informação constasse, por exemplo, comunicação à Segurança Social do mapa do pessoal anterior e posterior à alegada contratação e comunicação à seguradora dos trabalhadores para efeitos de seguro de acidentes de trabalho. Não se entendendo, concomitantemente, se entende a que se reportam os € 30,72 peticionados pela Recorrente. ▪ Sendo uma prova iminentemente documental, o que in casu não se observou, sendo que os valores que avança a Recorrente afiguram-se manifestamente aleatórios se sem qualquer fundamento. II. Por outro lado, o próprio documento a que é feita referência no ponto 32.º dos factos provados mais não é do que uma mera proposta de orçamento, não tendo, sequer, sido objetivamente dado como provado que este valor seria o valor do alegado prejuízo da Recorrente, o que a última não colocou em causa. JJ. No mais, verifica-se que pese embora a Recorrente requeira que a ação seja totalmente julgada procedente, facto é que quanto aos demais alegados nada é dito pela mesma no âmbito do recurso, não pugnando pelo seu reconhecimento. KK. Assim, pese embora nenhuma responsabilidade tenha a Recorrente, a verdade é que, ainda assim, importa nesta sede referir que os danos não patrimoniais indemnizáveis são selecionados com extremo rigor. LL. Atendendo-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. MM. Sempre se dirá que é consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito. NN. Todavia, facto é que sendo a A. uma pessoa coletiva não se alcança de que forma poderia estar “constantemente preocupada”, “apreensiva” ou “viver constantemente em apuros”. OO. Em suma, nenhuma censura merece a sentença recorrida, pelo que outra não poderia ser a decisão do Tribunal.
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:
1ª - Nulidade da sentença por contradição e por omissão de pronuncia – als. c) e d) do nº1 do artº 615º do CPC. 2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 3ª - Procedência da ação.
5. Decidindo. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. Clama a autora pela nulidade da sentença já que considera existir contradição entre os factos provados, vg nos pontos 1 a 11, 18 a 20 e 25 a 30 e os factos dados como não provados nas alíneas E) e F). Desde logo e porque a insurgência se reporta aos factos provados e não provados, ie., à decisão sobre a matéria de facto, a questão não pode ser apreciada à luz ou no âmbito da al. c) do artº 615º, mas antes ao abrigo do artº 662º nº2 al. c) do mesmo diploma. Na verdade, aquele segmento normativo apenas rege para a sentença tout court, ou seja, para a decisão final, apreciada esta por reporte à atividade exegética operada pelo julgador, vis a vis aos factos apurados e às normas jurídicas convocadas. Já a norma do artº 662º estipula, desde logo a montante, apenas para a decisão contraditória relativamente aos factos provados e não provados. É o que se verifica no caso vertente, em função do modo como a recorrente delineia esta sua da pretensão recursiva. Apreciemos, pois, em função desta correta subsunção. A contradição factual apenas emerge quando a prova ou não prova de um facto, acarrete, por imperativo lógico-formal ou incompatibilidade material, a impossibilidade de se poderem dar como provados ou não provados certos factos. In casu estão em dilucidação os factos provados nos pontos e alíneas supra referidos. Ora visto e apreciado o seu teor verifica-se que os factos dados como provados se reportam, na sua essencialidade relevante, a avarias no elevador, vg. nos dias 17.10.2019, 07.02.2020, 19.09.2020, 28.09.2020, 08.10.2020 e 17.10.2020., à necessidade, por virtude de tais avarias, de a autora transportar 36 utentes, entre pisos, pelas escadas do edifício, com o permanente auxílio das funcionárias da autora, o que demora aproximadamente 4 horas diárias, sendo que numa situação normal em que o transporte dos utentes é feito pelo elevador, apenas são afetas 2 funcionárias. Já o teor das alíneas E) e F), dado como não provado, refere-se, nuclearmente, a custos acrescidos para a autora, pois que teve necessidade de, por virtude das avarias, adstringir 4 funcionários em simultâneo para prestar o serviço de transporte dos 36 utentes, despendendo a mais, com a remuneração daqueles, a quantia diária de € 30,72 por dia, o que totalizou, até à instauração da ação, a quantia de € 8 355,84. Assim sendo, conclui-se que, no rigor dos princípios, a apontada contradição inexiste. Certo é que, em termos de normalidade, e em função do provado, o mais comum e lógico é que a autora tenha tido custos acrescidos por virtude das avarias. Mas não é, de todo em todo, materialmente, impossível ou, formalmente, totalmente ilógico, que tais custos não tenham existido. Afinal, e p. ex., o elevador, quando em funcionamento, também gasta energia; e o facto de os utentes nele serem transportados, não implica, necessária e inexoravelmente, que seja dispensável qualquer auxilio ou acompanhamento dos mesmos através de funcionários. Aliás, e considerando a proveta idade e os défices funcionais que os utentes da autora parecem padecer, o mais normal é que tal acompanhamento e auxílio tanto seja necessário quando eles são movimentados através do elevador como quando através das escadas. E o facto de numa situação normal serem apenas afetadas 2 funcionárias, não significa que na apurada situação de avarias do elevador, sejam, necessariamente, afetadas 4, ou seja, o dobro. Até porque em todo o acervo factual de tais pontos e alíneas nem sequer a autora alegou e provou qual o tempo que demora a deslocar os utentes através do uso do elevador quando ele funciona. E, ainda, muito menos se afigura contraditória a não prova do quantum desse prejuízo; pois que mesmo que fosse necessário afetar 4 funcionárias, tal não significaria, obrigatoriamente, e por força dos factos provados nos pontos referidos, que a autora tivesse despendido a mais as verbas alegadas em F). Basta pensar na possibilidade, ainda perspetivável, de o tempo gasto no transporte através das escadas, poder ainda estar incluído no normal horário de trabalho dos funcionários. Nesta conformidade, o cerne da questão factual não é, ou não é tanto e decisivamente, a contradição entre as respostas, mas antes a prova, ou não prova, dos factos das alíneas E) e F).
Mais a recorrente invoca a nulidade da sentença por omissão de pronuncia ao abrigo da al. d) do nº1 do artº 615º do CPC. Este segmento normativo ínsito na al. d) do artº 615º do CPC conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º. Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação. Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464. Por outro lado, e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt. No caso vertente a recorrente entende que este vício existe, pois que na sentença não é feita qualquer consideração quando ao documento junto no início da 2.ª sessão de audiência de julgamento, como Doc. 2, e que na sua fundamentação, nada foi dito pela Meritíssima Juíza quanto às inspeções regulares de manutenção, obrigação a cargo da Apelada. Por aqui se alcança que, mais uma vez, a recorrente, menos curialmente subsume a sua irresignação. Efetivamente, a julgadora decidiu a questão essencial decidenda colocada pela autora no processo: o seu direito a ser indemnizada pelas falhas do elevador alegadamente decorrentes dos picos e quebras de tensão da corrente elétrica. E decidiu no sentido de desatender tal pretensão. Tanto basta, atento o supra aludido, para afastar o invocado vício de omissão de pronuncia. Mais uma vez esta pretensão da recorrente atém-se, apenas e a montante, à decisão sobre a matéria de facto, rectius à bondade ou menor curialidade da sua fundamentação para dar como provados e não provados os factos que o foram nos termos plasmados em tal decisão. . 5.2. Segunda questão. 5.2.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1. 5.2.2. Acresce que, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 de 15.02 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso». Assim e como corolário deste princípio e desiderato legal: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.» (sublinhado nosso) Por outro lado, nesta senda e com este fito, estatui o artº 640º do CPC: «1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;» Nesta vertente urge ter presente que não basta a indicação do inicio e fim do depoimento no respetivo suporte magnético. É que: «…A indicação precisa do início e termo das concretas (…) passagens da gravação destina-se a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação, sabido como é que, em regra, cada testemunha depõe sobre mais do que um facto. De outra forma bastaria que o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto cumprindo todos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, com exceção do determinado na al. a) do nº 2, e requeresse a audição e reapreciação integral de todos ou de alguns os depoimentos o que significaria a repetição do julgamento, desiderato que não foi visado pelo legislador”.» - Acs. do STJ de 26.1.2017, p. 599/15.7T8CLD.C1.S1, apud, Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 108/13.2TBPNH.C1.S1; de 27.10.2016, p. 3176/11.8TBBCL.G1.S1; de 05.08.2018, p. 15787/15.8T8PRT.P1.S2. e de 14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1. A transcrição dos depoimentos não exime ao cumprimento daquele dever –Ac. do STJ de 14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1. Certo é que o cumprimento destes requisitos formais deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ - que o não cumprimento, nas conclusões, do requisito da al. a) do nº2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório. Porém, já é comummente defendido que os outros requisitos do nº1 – porque as alegações definem o objeto do recurso e por razões de cooperação para a celeridade - devem nestas constar. Assim: «Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso…» - Ac. do STJ de 21.03.2019, p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2. A rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta «de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados», tal como de falta «de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», constituindo, aliás, exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128. (sublinhado nosso) E mesmo que, benevolentemente e no limite, se entenda que nem todos estes requisitos devam ser exigidos como presentes, com rigor e perfeccionismo, nas conclusões, pelo menos um, qual seja o da al. a) – indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados - deve nelas constar, adrede e inequivocamente. É esta, tanto quanto alcançamos, a posição jurisprudencial uniformizada, aliás no seguimento do entendimento da doutrina nesta matéria. Assim: «A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.» - Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1. De notar que a falta da indicação dos pontos factuais impugnados nas conclusões não admite convite ao seu aperfeiçoamento- cfr. vg., Ac. do STJ S 27.10.2016, p. 110/08.6TTGDM.P2.S1. Se assim não for, e: «Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC. Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.» - Ac. do STJ de 14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1. (sic). E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac, do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz e não a parte, e atento o supra aludido em 5.2.1. a lei apenas permite a censura da convicção do julgador se os meios probatórios invocados impuserem (não basta apenas que sugiram) decisão diversa da recorrida. 5.2.3. O caso vertente. No atinente à prova dos factos das alíneas E) e F), já se viu que a mesma não pode ser concedida por simples imperativo lógico decorrente da prova de outros factos, como pretende a recorrente. Ademais, e na parte da impugnação da matéria de facto, stricto sensu, a insurgente não se reporta a tais factos nem dá mínimo cumprimento aos ónus formais previstos no artº 640º do CPC. Decorrentemente, tais factos não podem ser dados como provados, nem, sequer, podem ser considerados para, em função do acervo factual produzido, se concluir, ou não, pela sua ocorrência/realidade, pois que esta pretensão de prova teria de ser liminarmente rejeitada ex vi do aludido preceito. Quanto aos demais factos dados como não provados, a recorrente outrossim não os menciona, adrede e especificamente, como devia, em sede de impugnação da matéria de facto, não dando, assim, cabal cumprimento ao artº 640º nº1 al. a). Porém, vista a sua alegação em tal sede - conclusões XX e sgs. - , intui-se inequivocamente que ela se reporta ao facto não provado da al. B). Pelo que, em abono da verdade material em detrimento do rigorismo formal, urge apreciar esta pretensão. Tem ele o seguinte teor: «As avarias ocorridas no elevador da autora deveram-se às oscilações de corrente e baixa tensão provenientes da rede eléctrica que alimenta o edifício.» A Srª Juíza fundamentou esta resposta nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos: «…, não foi possível extrair, sem margem para dúvidas, as conclusões correspondentes à realidade vertida nas alíneas A) a F), sendo certo que, quanto à efectiva origem dos problemas verificados no funcionamento do elevador, as explicações técnicas trazidas à audiência de julgamento sobretudo pelo engenheiro EE, relativamente ao modo de funcionamento da rede de fornecimento e distribuição de energia eléctrica, permitiram formar uma visão mais abrangente e esclarecida acerca dos níveis normais de corrente, das respectivas variações de tensão e da interferência das mesmas na condução da electricidade e da eficiência da rede. E, nessa medida, foi possível, nomeadamente, perceber, com apoio na Norma Portuguesa EN 50 160 e por referência ao gráfico constante da pág.6 do relatório junto pela autora, a fls. 56, que os pontos ali identificados como estando fora dos parâmetros regulamentares são de verificação espontânea, não sendo relevantes para efeitos de verificação do cumprimento das normas impostas pelo sector, reportando-se estas, antes, a valores médios encontrados a partir dos registos de tensão verificados em fracções de 10 minutos, os quais, de acordo com ambas as medições de longa duração conhecidas nos autos, estão dentro dos padrões normativos e, como tal, não interferem na normal condução de electricidade e na correspondente alimentação dos equipamentos. Por outro lado, resultou ainda daquele depoimento, secundado pelos demais operários da E-Redes que revelaram ter conhecimento da situação em causa, que o Posto de Transformação que fornece a zona deste cliente foi sujeito às inspecções regulares de manutenção, de acordo com as imposições legais, não tendo sido identificado qualquer anomalia, e no Ponto de Entrega que abastece as instalações da autora foram também efectuadas medições de diversos tipos, quer pelo piquete de avarias, quer através de um aparelho registador de tensão contínuo que ali foi colocado pela ré, sem que tivessem sido detectadas variações de corrente fora dos parâmetros admissíveis. Pelo que, no seu entender, as avarias no funcionamento do elevador da autora não têm origem na rede pública de electricidade, mas antes na instalação eléctrica interna do edifício da autora, podendo advir nomeadamente, de uma distribuição incorrecta ou desequilibrada da energia para os diversos equipamentos existentes nas instalações, que leve a uma quebra na tensão da corrente ou até do próprio aparelho (elevador), se este estiver construído, por razões de protecção do equipamento, de molde a reagir, com extrema sensibilidade, a ligeiras variações de corrente. Face a estas explicações, não estamos em condições de formar convicção no sentido da realidade vertida nas alíneas B) a D) do elenco da matéria de facto.» Não se concorda com este entendimento, procedendo, na sua essencialidade relevante, os argumentos aduzidos pela recorrente. Já se viu que o direito não é uma ciência exata, exigindo, necessariamente e em todos os casos, provas irrefutáveis e totalmente verificáveis; antes podendo, e até, em certas situações, devendo, em abono da verdade e da justiça, a exegese probatória reger-se por critérios de normalidade, verosimilhança e razoável probabilidade. No caso vertente assim é/deve ser. As testemunhas BB e CC, ambos trabalhadores da empresa que verificou o elevador e com conhecimentos técnicos na matéria, afirmaram, convicta e convincentemente, que as avarias se deveram às oscilações da corrente/tensão elétrica, que eles próprios mediram e verificaram que existiam. Acresce que o elevador, ao longo de muitos meses, entre outubro de 2019 e março de 2021, avariou pelo menos dez vezes. Tendo a autora reportado à ré tais avarias por diversas vezes, limitou-se esta a informar que não assumia a responsabilidade pelos danos, justificando que “a tensão na rede de distribuição pode variar entre +/- 10% do valor de referência (230V)” – pontos 12 a 16. Porém, medições houve em que tal margem de tolerância foi ultrapassada – pontos 17,18 e 19. De notar ainda que tal deficiente e ilegal – por reporte à Norma NP EN 50160 vigente em Portugal: ponto 20 - oscilação da tensão se verificou logo nos dias seguintes às últimas avarias provadas em 2021. O que, ao menos, indicia uma certa conexão entre tais oscilações e as avarias. Certo é que a testemunha da ré, engenheiro EE, disse que foram feitas verificações ao posto de transformação e ao ponto de entrega e que não foram detetadas anomalias. Mas foram inspeções tabelares e de rotina, as quais, mesmo mostrando resultados normais, não invalidam que se tenham verificados as aludidas oscilações de tensão. Mal seria que estas fossem permanentes ou durassem muito tempo; a assim acontecer o serviço da autora aos seus clientes era insustentável. Não obstante, não é despiciendo, antes pelo contrário, que outros utentes, residentes na mesma rua da autora, se queixem do mesmo problema - cfr. doc. de fls.203. A ré e a sua aludida testemunha aventam a hipótese que os problemas terem a sua génese na instalação elétrica interna do edifício da autora. Mas tal não só é uma mera conjetura sua, como, se assim fosse ou ela assim estivesse convencida, deveria, em homenagem a um saudável princípio de cooperação, sempre útil no sanear dos conflitos e na obtenção da paz social, oferecer a sua colaboração à autora no sentido de despistar tal possibilidade. Mas nada fez, limitando-se comodamente a negar responsabilidades, com base em inspeções formais e tabelares na sua rede. E nos autos nada se provou, ou sequer razoavelmente se indiciou, que o problema esteja no sistema elétrico da autora. Antes a prova produzida, razoável, sensata e sagazmente interpretada - vg. considerando as aludias coincidências ou quase coincidências entre as quebras de tensão e as avarias -, clama a, mais lógica a plausível, conclusão de que os problemas no elevador advêm efetivamente das provadas oscilações da tensão da corrente elétrica originadas no sistema de distribuição da ré. Até porque o argumento desta acolhido na fundamentação pela Srª Juíza a quo, qual seja, que relevantes seriam apenas oscilações de tensão reportadas «a valores médios encontrados a partir dos registos de tensão verificados em fracções de 10 minutos…», não colhe. Nada nos autos aponta para tal mediana ordem de grandeza. E entendemos que uma oscilação, mesmo momentânea, desde que seja abrupta, repentina e intensa, tem ou pode ter uma consequência – por virtude do efeito de choque inesperado - tão ou mais nocivo sobre aparelhos que recebam a energia, do que uma oscilação que se mantenha durante algum tempo mas com parâmetros ou intensidade aproximados. Nesta conformidade, tal facto dado como não provado, deve ser tido como provado. 5.2.4. Decorrentemente, e na procedência desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito o ora aditado. 1. A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social a actividade de apoio social para pessoas idosas, com alojamento. 2. A ré é uma sociedade anónima que tem como objecto social a actividade de distribuição e comercialização de energia eléctrica, bem como a prestação de outros serviços acessórios ou complementares. 3. A ré é concessionária da distribuição de energia eléctrica, em regime de serviço público e em exclusivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15.02, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 215-A/2012 de 8.10, e do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23.08, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 215-B/2012 de 8.10. 4. Na qualidade de operador de redes de distribuição, a ré é a concessionária da exploração da Rede Nacional de Distribuição em média tensão e alta tensão (RND), por concessão do Estado, e da exploração da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, por concessão dos 278 municípios do Continente. 5. Nessa qualidade, a Ré é a fornecedora de energia eléctrica nas instalações da autora, com a morada sita em Rua ..., ..., ... ..., freguesia ... e concelho ..., com o Código Ponto de Entrega ... e com a Identificação de Credor PT ...81. 6. A autora, tendo instalado na sua sede um elevador residencial eléctrico, celebrou com a TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda., anteriormente denominada Thyssenkrupp Elevadores S.A., a 22.09.2008, um contrato de manutenção completa do elevador instalado na sua sede, com vista a assegurar a sua assistência, manutenção e conservação. 7. Nos termos do referido contrato, a manutenção completa compreende a prestação do serviço de manutenção do elevador, com o objectivo de o manter em boas condições de segurança e de funcionamento, incluindo todas as reparações ou substituições de componentes, sempre que se revelem necessárias. 8. Em conformidade com o contrato de manutenção do elevador, as inspecções são efectuadas regularmente de acordo com as prescrições do fabricante, legislação ou normas em vigor. 9. Tratando-se de uma Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), com 2 pisos e 36 utentes de idade avançada e locomoção reduzida (em alguns casos totalmente dependentes das necessidades diárias básicas e auxílio de cadeira de rodas), a autora é obrigada ao uso diário do elevador. 10.Uma vez que todos os quartos ficam no 1.º piso do edifício e a sala de estar e de refeições estão situadas no rés-do-chão, é necessário proceder à deslocação diária de todos os utentes entre os pisos do edifício. 11.Para o efeito, as auxiliares de serviços gerais e as ajudantes de lar ao serviço da autora têm necessariamente de se socorrer do elevador para deslocar todos os 36 (trinta e seis) utentes. 12.Desde há vários meses que o elevador existente nas instalações da autora tem sofrido frequentes avarias, o que se verificou, nomeadamente, nos dias 17.10.2019, 07.02.2020, 19.09.2020, 28.09.2020, 08.10.2020 e 17.10.2020. 13.Na sequência destas sucessivas avarias verificadas nos equipamentos eléctricos, a autora, por diversas vezes, reportou as ocorrências junto da ré. 14.No dia 09.10.2020, a autora remeteu uma carta registada com A/R para a EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A., tendo sido comunicadas as avarias no elevador e os prejuízos sofridos em virtude dos alegados picos de tensão verificados na rede de corrente eléctrica. 15.No mesmo dia, a autora remeteu carta registada com A/R à EDP Distribuição de Energia S.A., tendo participado os danos ocorridos nos equipamentos eléctricos na sede da autora em virtude das alegadas súbitas oscilações de tensão na corrente eléctrica que alimenta o elevador. 16.No dia 21.12.2020, através de email, a EDP Distribuição de Energia S.A. limitou-se a informar que não assume a responsabilidade pelos danos, justificando que “a tensão na rede de distribuição pode variar entre +/- 10% do valor de referência (230V)”. 17.Após a referida troca de comunicações, as avarias no elevador voltaram a ocorrer, nomeadamente, nos dias 03.02.2021, 24.02.2021, 07.03.2021 e 23.03.2021. 18.Nesse mesmo dia, a TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda. procedeu à medição da tensão da corrente eléctrica através de aparelho Multímetro Digital, tendo-se verificado que existem flutuações de corrente eléctrica que alimenta o elevador (190V a 235V). 19.No dia 24.03.2021, o técnico da TK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda. instalou o equipamento certificado FLUKE que monitorizou os níveis da corrente eléctrica da rede, 24h por dia, desde 24.03.2021 até 31.03.2021, tendo registado descidas abaixo dos 200V e subidas acima dos 240V. 20.De acordo com a Norma NP EN 50160, vigente em Portugal, os valores normais de voltagem da corrente eléctrica devem ficar entre 220V e 240V: a tensão na rede de distribuição pode variar entre +/- 10% do valor de referência (230 V). 21.No dia 18.02.2021, a autora remeteu, novamente, uma carta registada com A/R para a EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A., informando a ré que continuam a ocorrer avarias e consequentes danos nos equipamentos eléctricos da autora, nomeadamente do elevador, nos termos melhor descritos no doc.17 junto à PI (fls. 36), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 22.Em resposta, através de email datado de 26.02.2021, a EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A. comunicou que os prejuízos verificados não são da sua responsabilidade. 23.No mesmo dia 18.02.2021, a autora enviou carta registada com A/R à EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A., tendo reportado as avarias entretanto ocorridas e os prejuízos sofridos em virtude das referidas súbitas oscilações de tensão na corrente eléctrica que alimenta o elevador. 24.No dia 13.03.2021, através de email, a ré respondeu que “não existe registo de qualquer anomalia na rede de distribuição de electricidade que tenha afectado o fornecimento de electricidade à sua instalação, no dia 7 de Fevereiro de 2021, nem de comunicações de avaria de outras instalações com proximidade à sua.” 25.A autora tem ao seu serviço um quadro de pessoal que permite a prestação de serviços 24 horas por dia. 26.A autora, para além da directora técnica, tem no quadro de pessoal, os seguintes funcionários: animadora sociocultural; enfermeiro; ajudantes de acção directa; encarregadas de serviços domésticos; cozinheira; ajudantes de cozinheira; auxiliares de serviços gerais; ajudantes de lar e administrativas. 27.Por se tratar de uma estrutura residencial para idosos, a funcionar 24 horas por dia, as auxiliares de serviços gerais e as ajudantes de lar, prestam os seus serviços em regime de turnos. 28.Em virtude das avarias constantemente ocorridas no elevador, tendo havido utentes que, por força delas, ficaram fechados no seu interior, o transporte dos utentes passou a ser efectuado pelas escadas do edifício, com o permanente auxílio das funcionárias da autora. 29.Sem o auxílio do elevador, o transporte entre os pisos dos 36 utentes demora aproximadamente 4 horas diárias: 2 (duas) horas na parte da manhã e 2 (duas) horas na parte da tarde. 30.Numa situação normal em que o transporte dos utentes é feito pelo elevador, apenas são afectas 2 funcionárias para o transporte dos 36 utentes. 31.Pela reparação das avarias e substituição de diversos materiais e componentes eléctricos no elevador foi solicitado à autora o pagamento do valor de € 1 484,77. 32.Com vista a solucionar os “problemas recorrentes com oscilações de corrente eléctrica da rede de entrada”, verificadas pelo aparelho certificado Fluke, aTK Elevadores Portugal Unipessoal, Lda. informou a autora da necessidade de intervenção no equipamento, sendo-lhe apresentada uma proposta de orçamento no valor de € 4 649,92. 33. As avarias ocorridas no elevador da autora deveram-se às oscilações de corrente e baixa tensão provenientes da rede elétrica que alimenta o edifício.
5.3. Terceira questão. A Julgadora decidiu, de jure, aduzindo o seguinte, aqui sinótico e fulcral, discurso argumentativo: «O caso sub judice integra uma situação de responsabilidade civil extracontratual que, por estar relacionada com o exercício de uma actividade que pressupõe a direcção efectiva de uma instalação eléctrica, convoca a aplicação do regime da responsabilidade objectiva, fundada no risco, nos termos previstos no artigo 509.º do Código Civil. Segundo o n.º1 do referido normativo legal, aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. O fundamento desta responsabilidade objectiva, de carácter excepcional, reside na especial perigosidade que decorre da exploração da energia eléctrica ou do gás, e parte da ideia, comum a este tipo de responsabilidade, de que o beneficiário do proveito de uma actividade por natureza potencialmente perigosa deve também suportar as desvantagens que dela resultem. Assim, de acordo com este regime especial, o detentor de uma instalação eléctrica ou de gás, que a utilize no seu interesse, só ficará isento de responsabilidade pelos danos resultantes da mesma se provar que assegurou o cumprimento de todas as regras técnicas necessárias para o seu bom funcionamento e perfeito estado de conservação. Mas, se os danos resultarem da condução ou entrega da electricidade ou do gás, apenas uma causa de força maior, ou seja, uma circunstância exterior independente do funcionamento e utilização da coisa, excluirá o dever de reparação. …é no DL n.º 29/2006, de 15.02 (que transpôs para a ordem jurídica interna as normas da Directiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06), que encontramos os princípios gerais em torno dos quais se desenvolvem a organização e o funcionamento do sistema eléctrico nacional, estabelecendo-se, por sua vez, no DL n.º 172/2006, de 23.08, os regimes jurídicos procedimentais do exercício daquelas actividades. De acordo com estas normas reguladoras do sector eléctrico, a rede nacional de distribuição é explorada mediante uma única concessão do Estado, exercida em exclusivo e em regime de serviço público, cabendo a mesma à E Redes – Distribuição de Electricidade (anteriormente designada EDP Distribuição de Energia, S.A.)… …nos termos previstos no ponto 10.1 do capítulo 10 do Regulamento da Rede de Distribuição que integra o Anexo II da Portaria n.º 596/2010, de 30.07, os operadores das redes de distribuição devem manter a sua rede em bom estado de funcionamento e de conservação, estabelecendo, por sua vez, o artigo 343.º n.º1 e 2 do referido Regulamento das Relações Comerciais dos Sectores Eléctrico e do Gás (Regulamento n.º 1129/2020), publicado no Diário da República n.º 252/2020, Série II de 2020-12-30 (que veio substituir, através da respectiva revogação, o Regulamento n.º 561/2014) que as actividades de distribuição de energia eléctrica ou de gás devem assegurar a operação das redes de distribuição de energia eléctrica ou de gás em condições técnicas e económicas adequadas… Por outro lado, o Regulamento da Qualidade de Serviço do Sector Eléctrico e do Sector do Gás Natural (Regulamento n.º 629/2017, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 243 — 20 de Dezembro de 2017) estatui que os operadores de redes do sector eléctrico devem proceder, sempre que possível, de forma a manter o fornecimento contínuo de energia eléctrica, bem como instalar e manter operacionais e auditáveis os sistemas de registo necessários à verificação do cumprimento do presente regulamento, nas matérias que lhes são aplicáveis (cf. artigos 5.º e 6º). Ora, regressando ao caso sub judice, verifica-se que, no período compreendido entre 17.10.2019 e 23.03.2021 ocorreram inúmeras avarias no elevador existente nas instalações da autora, motivadas por uma interrupção da corrente eléctrica que alimenta o seu funcionamento, mas não se provou que aquelas decorressem das alegadas oscilações de corrente e baixa tensão provenientes da rede eléctrica explorada pela ré. (cf. pontos 12 e 17 e alínea B) do elenco da matéria de facto) Com efeito, apesar dos registos de valores de tensão da corrente eléctrica acima e abaixo dos padrões de qualidade impostos pelas normas técnicas do sector (cf. ponto 19) , mostra-se esclarecido que tais ocorrências, sendo pontuais e de verificação instantânea, não afectam a continuidade da corrente, nem são relevantes para efeito de controlo do cumprimento dos níveis de tensão adequados a abastecer o local de consumo, na medida em que aqueles parâmetros se reportam a valores médios, atingidos em intervalos de dez minutos, que in casu não se mostrou terem sido ultrapassados, razão pela qual excluímos aquelas ocorrências do leque de possíveis causas das avarias verificadas, concretamente, da quebra de funcionamento do elevador. Pelo que não se mostra preenchido um pressuposto elementar que serve de fundamento à responsabilidade (ainda que meramente objectiva) da ré, que é a verificação de um dano com origem na rede eléctrica por si explorada e através da qual é conduzida e fornecida electricidade à autora.» Esta subsunção, exegese e argumentação quanto aos termos e pressupostos da responsabilidade da ré, apenas se mostram acertadas em tese. Já as operadas para o caso concreto, e atentos os factos provados – quer na 1ª instância quer, com maior acuidade, atento o facto ora aditado – menos curial emergem. Efetivamente, e como dito pela julgadora, o artº 509º do CC consagra situações da vida que implicam uma responsabilidade objetiva, ou seja, que nasce independentemente de culpa; basta que ocorram danos decorrentes das atividades perigosas previstas no preceito. E para que a prossecutora de tais atividades se possa eximir da sua responsabilidade objetiva, apenas o poderá fazer por um de dois meios taxativamente previstos em tal preceito, a saber: i) se provar que os danos ocorreram de causa de força maior – se resultantes da condução ou entrega da eletricidade; ii) ou, se os danos foram provocados pela própria instalação, se provar que esta se encontrava em perfeito estado de conservação no momento ou ao tempo da produção dos mesmos. É este o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência – cfr., vg. o Ac desta RC de 04.04.2017, p. 1347/15.7T8GRD.C1, in dgsi.pt., citado na sentença, no qual se sumariou: «II - Quanto aos danos resultantes da condução ou entrega da electricidade ou do gás, quem tiver a direção efetiva da respectiva instalação e a utilizar no seu interesse só poderá evitar o dever de indemnizar os danos devidos aos efeitos da electricidade ou do gás se demonstrar que estes resultaram de causa de força maior – art.º 509º, n.º 2 - e no caso de danos provocados pela própria instalação, também se provar que esta, ao tempo do acidente, se encontrava em perfeito estado de conservação - artigo 509º, n.º 1. III - Na primeira hipótese, ao contrário da segunda, já não estamos perante a possibilidade de demonstração de uma situação que exclui a culpa, como forma de evitar a responsabilização pelos danos causados, mas sim perante a exigência de que se verifique uma situação que exclui o nexo de causalidade para que a responsabilidade seja excluída, o que revela que aqui a culpa não é requisito da responsabilização, sendo irrelevante a sua presença ou ausência, pelo que estamos perante um caso de responsabilidade objetiva.». Ora no caso vertente, provados os danos em elevador servido pela eletricidade fornecida/distribuída pela ré, esta apenas poderia eximir-se da sua responsabilidade se provasse que eles resultaram de caso de força maior, na aceção acolhida no aresto citado e que temos como certa, ou seja: «VI - Para que uma causa seja considerada de força maior, para os efeitos previstos no art.º 509º, n.º 2, do C. Civil, deve ser estranha às instalações destinadas à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás e determinar irresistivelmente que essas instalações provoquem danos a terceiros. VII – Podemos estar perante um caso de força maior quando os danos são provocados pela queda de um poste ou fio de alta tensão em consequência de ciclone ou temporal, mas não quando essa queda resultou de ventos com rajadas de 70 Km/hora.». Mas a ré não provou quaisquer factos dos quais se possa concluir minimamente pela ocorrência de uma causa de força maior no despoletamento das oscilações de tensão que, por sua vez, provocaram as avarias do elevador. Mais. Mesmo que outra causa de exclusão de responsabilidade fosse admissível, como entendeu a julgadora, a por ela aduzida, ou seja: «…mostra-se esclarecido que tais ocorrências, sendo pontuais e de verificação instantânea, não afectam a continuidade da corrente, nem são relevantes para efeito de controlo do cumprimento dos níveis de tensão adequados a abastecer o local de consumo, na medida em que aqueles parâmetros se reportam a valores médios, atingidos em intervalos de dez minutos, que in casu não se mostrou terem sido ultrapassados…», assume-se como insustentável, pois que não colhe respaldo nos factos apurados. Na verdade, em parte alguma dos factos provados constam tais factos. E do teor dos provados não podem retirar-se tais ilações ou conclusões. Antes pelo contrário, pois que provou-se – factos 18 e 19 – que tendo a tensão elétrica descido para 190V, este valor está abaixo da tolerância de 10% por reporte a 240, 230 ou até 220V. E, como supra se expendeu em 5.2., as, momentâneas ou pouco prolongadas, quebras ou aumentos, posto que exagerados e abruptos, de tensão elétrica, podem ter efeitos tão ou mais nocivos do que alterações mais persistentes, posto que não tão acentuadas. Pelo que tal exegese se mostra dogmática e tecnicamente, e, acima de tudo e no que ao caso interessa, factualmente, desacobertada e, assim, assume-se como inadmissível. Logo, a ação deveria proceder parcialmente mesmo em função dos factos apurados na 1ª instância. Mais ainda. Se dúvidas houvessem quanto à responsabilidade da ré, elas foram completamente dissipadas pelo aditamento factual operado nesta instância recursiva. Ou seja, não apenas a ré não logrou provar, via excetiva, como era seu ónus, a sua não responsabilização, como a própria autora logrou, para além do que lhe competia, provar a culpa da recorrente. Resta apurar o quantum indemnizatório. Aqui rege o artº 510º do CC: Artigo 510.º (Limites da responsabilidade) A indemnização fundada na responsabilidade a que se refere o artigo precedente, quando não haja culpa do responsável, tem, para cada acidente, como limite máximo o estabelecido no n.º 1 do artigo 508.º, salvo se, havendo seguro obrigatório, diploma especial estabelecer um capital mínimo de seguro, caso em que a indemnização tem como limite máximo esse capital. No caso vertente, atentos os valores em causa, e porque até se provou a culpa da ré, esta limitação indemnizatória não tolhe a pretensão da autora. Cumpre apenas atentar nos prejuízos provados. E eles são apenas os danos materiais constantes nos pontos 31 e 32 pois que outros não se apuraram. O valor do ponto 32 é concedível. Apesar de se tratar de proposta de orçamento, este reporta-se a reparações necessárias no equipamento por causa das quebras de tensão e não se prova ou sequer indicia que o valor não seja o adequado para a reparação. Isto é, à autora assiste jus ao montante de 6.134,69 euros.
Procede, em parte, o recurso.
(…)
7. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a ré a pagar à autora a quantia de 6.134,69 euros. No mais se absolvendo.
Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência.
Coimbra, 2022.11.22
|