Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISAÍAS PÁDUA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO PROMITENTE-COMPRADOR CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA | ||
Data do Acordão: | 11/24/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA – 3ª JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 351º E SEGS. DO CPC. | ||
Sumário: | I – Ao contrário do regime anterior, hoje os embargos de terceiro não se destinam apenas à defesa da posse lesada pela diligência judicial mas, também, à defesa de “qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência”. II – Dispõe o artº 351º, nº 1, do CPC, que “se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte da causa, pode o lesado fazê-lo valer deduzindo embargos de terceiro”. III – O embargante terá não só de alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (que pode ir da simples posse até ao próprio direito de propriedade) como também a desconformidade (incompatibilidade) da diligência com esse seu direito. IV – Como regra, o promitente-comprador que obteve a traditio da coisa apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um possuidor ou detentor precário. V – Todavia, pode em circunstâncias excepcionais a tradição da coisa, em contrato-promessa, envolver a transmissão da posse a favor do promitente-comprador (transformando este num verdadeiro possuidor), tudo dependendo do animus que acompanha o corpus, e a forma como ambos são exercidos ou se revelam na concreta realidade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. Por apenso aos autos de inventário, nº 150/1996, do 3º juízo cível do tribunal de Leiria, que tiveram lugar para partilha da herança deixada por óbito de A..., no qual são interessadas as suas filhas - B... e C.... -, e onde corre actualmente execução para venda de imóvel ali inicialmente adjudicado à interessada B..., D... deduziu (em 13/2/2009) embargos de terceiro. Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte: 1.1 Ser residente em .... e ter outorgado, em 17/12/2005, um contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano sito na...., inscrito na matriz predial urbana sob o nº .... da freguesia de ...., composto por r/c, 1º, 2º e 3º andar, no qual a referida B..., afirmando-se dona e possuidora do referido imóvel, declarou prometer vender ao embargante, livre de ónus ou encargos, o referido prédio, pelo preço de € 60.000,00, a ser pago no acto da escritura pública, que aquela se comprometeu a marcar. Logo nessa data aquela promitente-vendedora lhe entregou as chaves do imóvel, entrando o embargante na posse do mesmo. 1.2 Todavia, a referida promitente-vendedora nunca mais marcou a escritura pública com vista formalizar o negócio prometido, sendo certo que o ora embargante continua a manter interesse na sua realização. 1.3 Porém, quando o ora embargante fez, em inícios de 2009, um ultimato à referida B...no sentido de marcar a tal escritura, esta informou-o então que o imóvel (objecto do aludido contrato-promessa) iria ser vendido em tribunal no dia 13/2/2009, o que o deixou chocado por o ora embargante ter a sua posse, e ter direito de retenção sobre o mesmo. 1.4 Pelo que terminou pedindo a procedência dos embargos, com o cancelamento da venda do referido imóvel e bem assim dos registos e aquisições que venham a fazer-se sobre o mesmo. 1.5 Para prova do alegado juntou prova documental (referente ao invocado contrato-promessa) e arrolou prova testemunhal (duas testemunhas, por sinal com residência coincidente com a do referido imóvel, sendo precisamente uma delas a alegada promitente-vendedora).
2. Conclusos que lhe foram os autos, a srª juiz do processo proferiu despacho em que rejeitou liminarmente os aludidos embargos (o que fundamentou por ausência de alegação e demonstração dos invocados direitos de posse e de retenção sobre o aludido imóvel, ou seja, quanto ao último por inexistência de qualquer direito de crédito, e quanto ao primeiro devido à ausência de alegação de factos ou actos materiais que possam conduzir à conclusão da existência de posse sobre o referido imóvel pelo embargante).
3. Não se tendo conformado com tal decisão, dela apelou o embargante.
4. Nas correspondentes alegações que apresentou a tal recurso, o embargante concluiu as mesmas nos seguintes termos: “a) A sentença recorrida indeferiu liminarmente os embargos, sem que o embargante tivesse oportunidade de produzir prova; b) O embargante tem a posse do imóvel e goza do direito de retenção; c) Deveria ter-se permitido que, no mínimo, o embargante produzisse prova relativamente à matéria dos embargos; d) Foram violadas as seguintes normas: artigo 351º do CPC e artigos 342º, 755º e 1285º do Código Civil.”
5. Contra-alegou a interessada, C..., defendendo a inadmissibilidade do recurso (com o fundamento das respectivas alegações não terem sido juntas com o requerimento de interposição do recurso) e, caso assim não se entenda, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção do despacho recorrido.
6. Em despachos preliminares do relator (e apreciando a questão prévia suscitada nas contra-alegações pela interessada B...), decidiu-se, por um lado, admitir o recurso e, por outro, alterar a espécie do recurso de apelação (como havia sido recebido na 1ª instância) para agravo.
7. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir. *** II- Fundamentação A) De facto. Com interesse para a decisão e melhor compreensão do objecto do presente recurso, devem ter-se como assentes os factos supra descritos sob o ponto I e ainda os seguintes (todos resultantes das diversas peças processuais e documentais que integram e acompanharam estes autos): 1. O imóvel referido em 1.1 do ponto I foi adjudicado (entre outros), na conferência de interessados que ocorreu no processo de inventário aludido em 1. desse ponto, à interessada B.... 2. Como a referida interessada não tivesse pago, em tempo oportuno, as respectivas tornas à outra interessada, B..., esta requereu, ao abrigo do disposto no artigo 1378, nº 3, do CPC, que, após o transito da sentença homologatória da partilha, se procedesse no processo à venda dos bens adjudicados àquela devedora das tornas e até ao montante necessário ao pagamento das mesmas. 3. Nesse processo a sentença que homologou a partilha transitou já em julgado. 4. Pelo que após, e com data de 18/9/2007, foi proferido despacho judicial a ordenar que, enxertada no próprio processo de inventário, se desse início à execução destinada à venda dos bens adjudicados à referida devedora de tornas e para pagamento destas, chegando ali, com vista a atingir tal desiderato, e depois de ter sido ordenado o cumprimento do disposto no artº 864 do CPC, a ser designado dia para a abertura de propostas. *** B) De direito. 1. É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recursos que fixa e delimita o seu objecto. Ora, compulsando as conclusões das alegações do presente recurso – tal como, aliás, decorre do que supra se deixou exarado -, o que se visa aqui apreciar é saber se a petição de embargos de terceiro a que se reportam os presentes autos reúne ou não os pressupostos legais para que possa prosseguir os seus ulteriores trâmites, ou seja, e por outras palavras, se os presentes embargos deduzidos devem, ou não, ser, desde logo, indeferidos liminarmente, por manifesta improcedência dos mesmos (tal como se considerou no despacho recorrido, e ao contrário do que defende o recorrente)? 2. Apreciemos, pois. 2.1 Teçamos, antes de mais, umas breves considerações (de cariz teórico-técnico) sobre os embargos de terceiro. Como é sabido, o regime dos embargos de terceiro, que antes da reforma do CPC/95 se encontrava regulado nos artºs 1037 e ss, encontra-se actualmente, após tal reforma, regulamentado nos artºs 351 e ss (inserido no capítulo dos incidentes da instância - secção da intervenção de terceiros). Como escreve o prof. Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 187”) “os embargos de terceiro constituem uma modalidade especial de oposição espontânea. Esses embargos destinam-se a permitir a reacção de um terceiro contra um acto judicial que ordena a apreensão ou entrega de bens e que ofende a sua posse ou qualquer direito incompatível com a realização do âmbito da diligência (artº 351, nº 1)”. Por um lado, os embargos deixaram (como sucedia até então) de se poder basear exclusivamente na posse para se poderem também fundar na titularidade do direito de fundo e, por outro, estabeleceu-se que só a posse ou o direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial ordenada é que legítimam os embargos (vidé, neste sentido, entre outros, o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 614” e o Ac. do STJ de 19/9/2002, in “Rec. Agravo, nº 20011/02, 7ª sec., Sumários, 9/2002”). Resulta, assim, que os embargos de terceiro antes da citada reforma de 95 consubstanciavam uma pura acção possessória, limitada à defesa da posse, ofendida por qualquer diligência ordenada judicialmente, com especial destaque para a penhora, o arresto, o arrolamento, a posse judicial avulsa e o despejo. O que estava em causa era apenas e tão só a posse, embora se divergisse se era suficiente a posse jurídica ou formal, o certo é que quando a diligência afectava o direito de propriedade impunha-se a necessidade da sua reivindicação. (Vidé, entre outros, Maria do Rosário Ramalho, in “Sobre o fundamento possessório dos embargos de terceiro, ROA ano 51 (1991), pág. 649” e Ac do STJ de 26/6/1991, in “BMJ 408 - 495”). Porém, e ao contrário do regime anterior, hoje os embargos de terceiro não se destinam apenas à defesa da posse lesada pela diligência judicial mas, também, à defesa de “qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência”. Como se justifica no preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12, «permite-se, deste modo, que os direitos “substanciais” atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação – por esta via se obstando, no caso de a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência de reivindicação». Vem-se, assim, hoje entendendo que, muito embora a sua nova inserção sistemática nos incidentes da instância, os embargos apresentam a estrutura de uma acção declarativa autónoma, antecedida por uma fase introdutória de carácter preventivo ou cautelar (cfr. Isabel Parreira, in “Embargos de Terceiro Preventivos, ROA, Ano 61 (2001), Vol. II, pág. 837 e segs.”). 2.2 Tendo sempre presentes tais considerações, avancemos, agora, mais de perto para a resolução da questão acima elencada. Dispõe o artº 351, nº 1 do CPC que “se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte da causa, pode o lesado fazê-lo valer deduzindo embargos de terceiro” Resulta, desde logo, de tal normativo que a causa de pedir nos embargos de terceiro se revela normalmente complexa. Na verdade, o terceiro embargante terá não só de alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (que pode ir da simples posse até ao próprio direito de propriedade) como também a desconformidade (incompatibilidade) da diligência com esse seu direito. Por outras palavras, substantivamente os embargos ter-se-ão que basear (isolada ou cumulativamente) ou na titularidade de posse (ofendida) ou na titularidade de outro qualquer direito que se mostre incompatível com a realização ou âmbito da diligência judicial ordenada, pressupostos que terão que ser alegados e provados pelo terceiro embargante. No caso em apreço, o embargante fundamentou os presentes embargos na existência de ambos aqueles pressupostos: ser possuidor e ser titular de um direito de direito de retenção sobre o imóvel sobre o qual foi ordenada a venda no processo de inventário (na sua fase executiva especial), para pagamento de tornas a uma das interessadas. Para justificar tais direitos (de posse e de retenção) invocou o embargante um contrato-promessa que terá celebrado com uma das interessadas no tal inventário, B..., através do qual esta lhe terá prometido vender, e ele comprar-lhe, o referido imóvel (entregando-lhe logo na altura as chaves do mesmo, o que lhe permitiu entrar na “sua posse”), sendo certo que, até ao momento, e ao contrário do que se comprometera, a mesma não providenciou ainda pela marcação da respectiva escritura de compra e venda, muito embora o embargante mantenha interesse na sua celebração. Analisemos cada um daqueles pressupostos. 2.2.1 Quanto à invocada posse (sobre o imóvel). *** Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª instância.III- Decisão Custas pelo embargante/recorrente. |